A Mensagem das Parábolas




                                                     

Introdução: Cenário Salvífico das Parábolas
a)   Mt 25, 1-13: As Virgens Insensatas
b)  Mt 13, 1-23: O Semeador
c)   Mt 25, 14-30: Os talentos
1)        A Humanização Como Fidelidade ao Talentos
2)       O Juízo de Deus
d)Mt 24, 31-35: O Joio
e)Mt 13, 31-35: O Grão de Mostarda
f)Mt 13, 44-46: O Tesouro escondido e a Pérola Valiosa
g)Lc 15, 11-32: O Filho Ingrato e o Pai Misericordioso
h)Parábolas Edificantes


Introdução: O Cenário Salvífico das Parábolas

Jesus de Nazaré é o Salvador (Mt 1, 21). A sua existência histórica significou o ano da Graça predito pelas Escrituras. Jesus anunciou esta dádiva divina na sinagoga da sua terra (Lc 4, 18-21). Ele é o portador da benignidade de Deus para nós.

Por ele nos veio a indulgência total de Deus, a qual actua no nosso íntimo, restaurando as feridas provocadas em nós pelo pecado. A indulgência plena que Deus nos envia por Jesus Cristo, chama-se Espírito Santo: incorpora-nos na Família divina como filhos em relação a Deus Pai e como irmãos em relação a Deus Filho (Ga 4, 4-7; Rm 8, 14-17).

É por esta benignidade pessoal de Deus, o Espírito que nos vem por Cristo, que Deus reconcilia a Humanidade consigo, não levando mais em conta os pecados dos homens (2 Cor 5 18-19). Somos convidados a aceitar a reconciliação com Deus como dom a partilhar: perdoando e reconciliando-nos com os irmãos.

Entre os vizinhos de Maria e José ninguém suspeitava do mistério que habitava o coração de Jesus de Nazaré. A sua interioridade espiritual humana era ponto de encontro de um homem com a interioridade divina da segunda pessoa da Santíssima Trindade.

No coração do Filho de Maria aconteceu o milagre da nossa salvação. Tudo isto porque em Jesus Cristo se deu o encontro de duas interioridades espirituais organicamente unidas. Não se misturam... Não se fundem nem se confundem. Não se anulam ou machucam.

O Filho de Maria e o Filho de Deus faziam uma organicidade constituída por duas grandezas diferentes: a humana e a divina. O ponto de encontro e interacção desta unidade orgânica é o Espírito Santo. Tal como o ramo de limoeiro, enxertado na laranjeira, não se confunde com esta, assim o humano e o divino não se confundem. Mas o princípio que activava o humano e o divino era o mesmo: o Espírito Santo.

O ramo de limoeiro enxertado na laranjeira, recebe a seiva vital desta. Mas este facto não anula a sua natureza de limoeiro. Por isso continua a dar limões. Do mesmo modo, a natureza humana de Jesus, apesar de alimentada pela seiva divina, o Espírito Santo, não é anulada mas optimizada.

A laranjeira também não fica diminuída por alimentar com a sua seiva o ramo do limoeiro. Pelo contrário, torna-se fonte de vida nova para o limoeiro. Assim a Trindade Divina não é diminuída por alimentar organicamente a humanidade de Jesus e, através dele, a nossa humanidade com o Espírito Santo. Acontece assim que, graças à Encarnação, nós fazemos um todo orgânico com o Cristo e este faz uma unidade orgânica com o Pai. Nós no Filho e este no Pai, fazendo uma só unidade (Jo 17, 21-23).

Eis a indulgência total de Deus. Eis o perdão total e pleno. Eis a Nova Criação reconciliada com Deus (2 Cor 5, 17-19). Eis o poder de nos tornarmos filhos de Deus, não pela vontade da carne ou do sangue, mas pela vontade salvadora de Deus (Jo 1, 12-14). Eis o que significa nascer de Novo pelo Espírito Santo (Jo 3, 6). Eis a benevolência que o Amor Salvador de Deus nos oferece em Cristo.

Além de fazer uma unidade orgânica com o Filho eterno de Deus, o filho de Maria fazia um todo com a Humanidade. Por isso, nele passámos da morte à vida. Dele recebemos a Água Viva que, no nosso íntimo jorra vida eterna (Jo 4, 14; 7, 37-39).

Estamos nele e ele em nós como os ramos da videira estão na cepa e vice versa (Jo 15, 1-7). A seiva que vem da cepa para os ramos é o Espírito Santo. Os ramos que estão alimentados por esta seiva dão frutos de excelente qualidade. O Espírito Santo é o sangue de Deus a circular nas veias da nossa interioridade espiritual. Os que são movidos pelo Espírito Santo são filhos e herdeiros de Deus (Rm 8, 14-16).

Todos fomos beneficiados pelo nascimento do Filho de Maria. Ela é, de facto, a mãe do nosso Senhor e Salvador (Lc 1, 42-43). Através de Jesus chegaram à Humanidade os dons prometidos (Gn 12, 3). O Filho de Maria, que é também o Filho de Deus, salvou os filhos dos homens, dando-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus pela dinâmica da encarnação (Jo 1, 12-14). Todos fomos beneficiados pela maternidade de Maria.

Quando o mistério de Jesus se manifestava por atitudes extraordinárias, escandalizava as gentes da terra de Jesus: Não é este, diziam as pessoas o Filho, o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria? E seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas? (Mt 13, 55-56).

Jesus amou de modo incondicional. Por isso nos surge como um apelo constante, a fim de não estagnarmos no nosso comodismo.

Nascemos para renascer... A pessoa humana, enquanto está na história, é um ser em construção. Parar significa não nascer e correr o risco de morrer para a comunhão Universal do Reino. A pessoa que procura ser fiel ao Espírito que nos vem de Cristo renasce e acolhe a indulgência que vem de Deus, através de Cristo: o Espírito Santo. Eis o dom da Salvação. Eis a caminhada que temos de fazer. É o Espírito Santo que nos interpela, chama, ilumina e convida a nascer para a vida eterna.

O nascimento é o início de um caminho que somos convidados a percorrer: a nossa humanização que acontece como interioridade pessoal, a qual é espiritual. A pessoa emerge apenas em dinâmica de relações de amor. É esta a temperatura que faz emergir o pintainho, o eu interior, pessoal-espiritual, dentro do ovo, o eu  exterior ou individual. À medida em que a pessoa emerge como pessoa converge, isto é, torna-se capaz de reciprocidade amorosa na comunhão universal. É para esta vida eterna que temos de renascer pelo Espírito Santo (Jo 3, 6).

Eis a caminhada que temos de fazer... Somos chamados a caminhar em direcção ao Homem Novo. Ninguém nos pode substituir nesta tarefa fundamental. É esta a vocação fundamental de toda a pessoa. É esta a porta que dá acesso à comunhão universal cujo coração é a Santíssima Trindade.

O perdão, a paz, a partilha, a solidariedade são sentidos obrigatória para quem quiser fazer esta peregrinação. É fundamental seguir o sentido dos pobres e oprimidos. Os ricos entram nesta peregrinação na medida em que forem capazes de se solidarizar com os pobres.

Com Cristo a história humana entrou na fase dos acabamentos. É esta a plenitude dos tempos. Isto significa que à medida em que nos humanizamos somos incorporados na comunhão com o Pai e o Filho pelo vínculo amoroso do Espírito Santo. Seremos tanto mais incorporados na comunhão divina quanto mais exercitarmos a comunhão humana.

Eis o sentido básico desta grande peregrinação que é a vida! Ao pôr-nos em interacção com o Espírito Santo,  Deus colocou-nos na dinâmica que possibilita o nosso renascimento: sair do dinamismo desumanizante do nosso egoísmo e avançar no sentido da comunhão universal da Família de Deus.


a)    Mt 25, 1-13: As Virgens Insensatas

«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. A meio da noite, ouviu-se um brado: ‘Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!’ Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.’ Mas as prudentes responderam: ‘Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.’ Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta!’ Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço.’ Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.»

Segundo a bíblia, sábia ou sensata é a pessoa que se conduz segundo a Palavra de Deus. A Palavra do Senhor é a fonte da Sabedoria, a qual não se confunde com a ciência que se aprende nas escolas. É uma qualidade divina comunicada apenas aos que escolhem viver segundo o Espírito de Deus. Quando nos conduzimos segundo os critérios da Sabedoria, passamos a saborear a vida, os acontecimentos e o sentido da Criação com os critérios de Deus.

Há diversos ensinamentos do Senhor que vão neste mesmo sentido:
-          A  casa edificada sobre rocha ou sobre areia. O que escuta a Palavra e a põe em prática é a pessoa que edifica sobre rocha (Mt 7, 24-27).
-          O rei que pretende fazer uma guerra calcula primeiro as forças do inimigo, a fim de ver se lhe pode fazer frente
-          Uma construção sólida tem de assentar sobre a pedra angular que é Cristo
-          Sábia é a pessoa que ouve a Palavra de Deus e a põe em prática
-          Não é o que diz Senhor, Senhor, que agrada a Deus, mas sim o que faz a vontade do Pai.
-          Os convidados do Banquete ao não aceitarem o convite, tornaram-se indignos. Eis que o Senhor chama os pobres e os aleijados. Mas estes devem ter a veste (Lc 14, 15-24)

A Sabedoria começa por ser entendida como uma qualidade inerente a Deus. Vive desde toda a eternidade com o Senhor. A Sabedoria, diz o livro dos Provérbios, está desde sempre com Deus:

«O Senhor criou-me antes de ter criado qualquer outra coisa. O Senhor formou-me como primícias das suas obras. Fui formada desde a eternidade, antes dos primórdios da Terra. Ainda não existiam os abismos e eu já tinha sido concebida. Antes de haver montanhas e outeiros eu já tinha nascido(...).
Quando Deus formava os céus, eu estava presente. Quando colocava a abóbada por cima do abismo, quando condensava as nuvens nas alturas, quando continha as fontes do abismo, quando fixava ao mar os seus limites, a fim de as águas não ultrapassarem a sua orla, quando fundou os alicerces da Terra eu estava presente como arquitecto e era o encanto diário do Senhor Deus.
As minhas delícias consistem em estar com os seres humanos. Escutai meus filhos: ‘felizes os que seguem os meus caminhos. Ouvi as minhas instruções para serdes sábios(...). Feliz o homem que me ouve e vela todos os dias à minha porta. Aquele que me encontra, encontra a vida e alcança o favor do Senhor Deus. Os que me desprezam prejudicam-se a si mesmos e os que me odeiam amam a morte» (Prv 8, 22-36).

Para o Novo Testamento, o Espírito Santo é a fonte da Sabedoria. Além da Sabedoria que vem do alto existe também a Sabedoria do mundo. Esta opõe-se à verdade do Evangelho. São Paulo diz que a sabedoria do mundo é vanglória. Não passa de loucura aos olhos de Deus (1 Cor 3, 19). Deus é que nos dá o verdadeiro Espírito de Sabedoria e revelação (Ef 1, 17).

Existe uma interacção muito estreita entre a Sabedoria e Jesus. Podemos dizer que a Sabedoria se encontra no ponto de encontro entre Jesus Homem e o Filho Esterno de Deus. Por isso Lucas, ao falar do crescimento de Jesus diz que este crescia em Sabedoria, estatura e graça. Saborear a Salvação e o plano de Deus é algo que só pode acontecer mediante a vida teologal de Fé, Esperança e Caridade que é a sabedoria que vem do alto.

São Paulo chama a esta faculdade que nos capacita para saborear a Salvação, a sabedoria que vem do alto, a qual é misteriosa e oculta (1 Cor 2, 7). Trata-se de um dom de Deus e não de uma conquista humana. Paulo conhecia a riquíssima tradição do Antigo testamento sobre a Sabedoria, a qual torna as pessoas sensatas e capazes de fazer o bem. Os insensatos estão desprovidos desta riqueza que vem de Yahvé (Dt 32, 6). Josué foi escolhido pelo facto de estar cheio do Espírito de Deus e da Sabedoria (Dt 34, 9).

É Deus quem dá a Sabedoria (Prov 2,6). Foi o Senhor que concedeu a Sabedoria a Salomão (1 Rs 5, 26). Feliz o homem que a encontra e possui (Prov 3, 13). Para o insensato, a Sabedoria é um fortaleza inacessível (Prov 24, 7). A Sabedoria que vem de Deus age como um espírito que quer bem às pessoas (Sab 1, 6).Por isso Deus habita com os que a amam (Sab 7, 28). A Sabedoria faz falar os mudos (Sab 10, 21). As suas obras são fecundas (Sab 14, 5). Quem se guia pela luz da Sabedoria caminha para a felicidade eterna.

São Paulo diz que Cristo é a Sabedoria de Deus ( 1 Cor 1, 24). Comunica-se-nos mediante o Espírito Santo. Com efeito, ninguém é capaz de dizer que Cristo é o nosso Salvador a não ser pelo Espírito Santo (1 Cor 12, 3). Jesus dá confiança aos Apóstolos dizendo-lhes que lhes vai comunicar uma sabedoria à qual os seus adversários não poderão resistir (Lc 21, 15).

Os Actos dos Apóstolos confirmam a realização desta promessa de Jesus, ao dizerem que o diácono Estêvão estava cheio do Espírito Santo e de Sabedoria (Act 6, 3). Ninguém podia resistir à Sabedoria que falava por ele (Act 6, 10).

A Sabedoria que vem do alto é a vida teologal que emerge no coração dos crentes pela acção da Palavra de Deus. É esta Palavra que nos vai conferindo os critérios de Deus para a compreensão das coisas, para a esperança que dá forma e conteúdo aos nosso objectivos, bem como para vivermos o amor ao jeito de Deus. Por outras palavras, a Sabedoria que vem do alto concretiza-se na vida do cristão em atitudes de Fé, de Esperança e Caridade.

É a vida teologal que nos torna diferentes dos não crentes. É esta a  Sabedoria que nos capacita para saborearmos a vida com o sabor da Salvação. É pela Sabedoria que somos capazes de gostar a Salvação como incorporação na família de Deus. Ao comunicar-nos a Sabedoria, o Espírito Santo leva-nos a dizer “Abba”, papá (Rm 8, 14-16; Ga 4, 4-7).

A Sabedoria é o grande fruto da Revelação. À medida em que emerge no nosso íntimo, faz-nos compreender a bondade divina que nos concedeu a Salvação realizada em Cristo (Tt 3, 4-6). Foi esta sabedoria que fez compreender a Paulo o plano salvador de Deus (Ef 3, 9-11).

A sabedoria da carne, isto é, o judaísmo, não o tinha preparado para compreender  o plano salvador como  depois o veio a compreender, graças à Sabedoria que adquiriu pela Revelação de Deus.  Este plano esteve oculto desde os tempos antigos e é uma fonte de Boa Nova: Deus predestinou-nos a sermos seus filhos adoptivos por meio de Jesus Cristo

A insensatez impede a pessoa de crescer em maturidade. A pessoa insensata é vazia, fútil, incapaz de comungar em profundidade. A pessoa sensata, pelo contrário, é um tesouro de humanidade: É previdente, humilde, sábia e atenta aos outros. Sabe discernir e, por isso, procura seguir por caminhos certos. Tem critérios que a ajudam a saber optar pelo bem e rejeitar o mal.

A pessoa humana está em realização. Sem opções, decisões e escolhas sensatas, a pessoa não consegue atingir uma verdadeira maturidade humana. Pode viver muitos anos, mas a sua vida não será um tesouro para os que se cruzam com ela. É belo encontrar uma pessoa sensata: é um verdadeiro alfobre de experiências e realizações densas de verdade, diálogo e amor. Estas pessoas, quando comunicam, verdadeiros mestres de humanidade.

A pessoa sábia é profundamente livre, consciente e responsável. O insensato desperdiça o tempo, pois não tem um sentido profundo da vida. Vive as coisas pela rama. Opta mal, acabando por isso ficar prisioneiro das  suas opções vazias e fúteis.


b) Mt 13, 1-23: O Semeador

« Naquele dia, Jesus saiu de casa e sentou-se à beira-mar. Reuniu-se a Ele uma tão grande multidão, que teve de subir para um barco, onde se sentou, enquanto toda a multidão se conservava na praia. Jesus falou-lhes de muitas coisas em parábolas: «O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho: e vieram as aves e comeram-nas. Outras caíram em sítios pedregosos, onde não havia muita terra: e logo brotaram, porque a terra era pouco profunda; mas, logo que o sol se ergueu, foram queimadas e, como não tinham raízes, secaram. Outras caíram entre espinhos: e os espinhos cresceram e sufocaram-nas. Outras caíram em terra boa e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; e outras, trinta. Aquele que tiver ouvidos, oiça!
Aproximando-se de Jesus, os discípulos disseram-lhe: «Porque lhes falas em parábolas?» Respondendo, disse-lhes: «A vós é dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não lhes é dado. Pois, àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado.
É por isso que lhes falo em parábolas: pois vêem, sem ver, e ouvem, sem ouvir nem compreender. Cumpre-se neles a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo tornou-se duro, e duros também os seus ouvidos;
fecharam os olhos, não fossem ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se, para Eu os curar. Quanto a vós, ditosos os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Em verdade vos digo: Muitos profetas e justos desejaram ver o que estais a ver, e não viram, e ouvir o que estais a ouvir, e não ouviram.
Escutai, pois, a parábola do semeador. Quando um homem ouve a palavra do Reino e não compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente à beira do caminho. Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, é inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por causa da palavra, sucumbe logo. Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra que, por isso, não produz fruto. E aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta.»

O Semeador, isto é, o portador da revelação é Cristo. A semente é a revelação de Deus. Após a Ressurreição do Senhor, o semeador é o Espírito Santo, o Paráclito que virá conduzir-nos à verdade total. O Paráclito é o Espírito da verdade. Procede do Pai e é enviado por Cristo. Dá Testemunho de Jesus Ressuscitado e os discípulos, animados pelo Paráclito, também testemunham (Jo 15, 26-27).

Os discípulos não devem entristecer-se pelo facto de Jesus partir, pois se o Senhor não for o Paráclito não pode vir, pois é Jesus que o vai enviar (Jo 16, 7). É o Paráclito que realizará o juízo de Deus. O mundo (forças do mal), será condenado (Jo 16, 8-11).

Jesus não tem condições para dizer tudo agora. Há muitas coisas que os discípulos não podem compreender por agora. Mas quando for para junto do Pai, vai enviar o Paráclito o qual vai guiar os discípulos para a verdade total. Ele vai testemunhar a glória de Jesus. De facto, a experiência do Senhor ressuscitado é feita sempre no Espírito Santo. (Jo 16, 12-14).

Jesus Estremeceu sob a acção do Espírito Santo e louvou o Pai por se revelar aos simples e humildes (Mt 11, 25-27). A Missão histórica do Espírito Santo começou com a criação do Homem e culmina com a sua divinização no momento da ressurreição de Cristo.

O terreno que acolhe a semente é, naturalmente, o coração humano. A semente, no terreno bom, produz cem por um. O nosso trabalho de mediações do Espírito Santo é fecundo, quer preparemos a terra que é o nosso coração, quer quando agimos como mediações do Espírito Santo.

Temos de acreditar que Deus não falha. Quando anunciamos o Evangelho estamos a ser mediação do grande semeador da plenitude dos tempos: o Espírito Santo. Aqui temo de ser pacientes e saber esperar. É importante saber que uma história de sucesso também se constrói com fracassos pelo meio.

A pessoa é boa mediação da Palavra na medida em que sabe revestir-se de paciência e humildade. Sabe correr riscos e sabe esperar. É importante sabermos que uma história de sucesso também engloba fracassos. O bom semeador sabe correr riscos. Não se trata, como é evidente, de riscos insensatos. É importante programar de acordo com as nossas possibilidades, embora estando consciente de que o serviço do Reino implica a coragem de correr riscos.

Nesta tarefa da sementeira de nós depende o cuidado da terra. A semente, isto é, a revelação é um dom do Espírito Santo, o semeador que tem a missão de conduzir a missão de Cristo à sua plenitude. Mas não podemos esquecer a importância da nossa missão. Sem nós, cristãos, a Humanidade ficava privada de consciência teologal. A revelação não chega aos homens se nos recusamos a anunciar o projecto salvador de Deus, a Boa Notícia do Evangelho. A terra são os possíveis que temos, não os que desejaríamos ter. De nós depende fazê-los render.

Começámos por ser o que os outros fizeram de nós. Não escolhemos nascer. Mas o mais importante é a realização que alcançamos graças às nossas decisões, opções e a orientação que vamos dando à nossa vida. Com Cristo Ressuscitado iniciou-se a plenitude dos tempos. Somos o corpo de Cristo, isto é, mediações de encontro entre o mundo e Cristo. Este encontro acontece pelo Espírito Santo, o Semeador da Nova Aliança.


c) Mt 25,14-30: Os Talentos

«O Reino dos Céus será semelhante também a um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.
Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.’ O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: ‘Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.’ O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’
Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: ‘Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.’ O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.’ ‘Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’»

1) A Humanização como Fidelidade aos Talentos

Nascemos para renascer. Levamos, no mais íntimo do ser, um Eu pessoal, espiritual, a emergir e a crescer. É como o pintainho a germinar no interior do útero que o abriga, o ovo. Não somos uma alma estática, vinda de fora, e introduzida como algo acabado. Deus criou-nos, a fim de nos criarmos.

Começamos por ser o que os outros fizeram de nós. Não escolhemos a raça, a língua, a família, a cultura ou a nacionalidade. Encontrámo-nos na vida com estes dados preestabelecidos. Apesar de não os termos escolhido, formam o leque dos talentos de que dispomos para a nossa realização.

Somos um Eu pessoal, Interior, em construção. Emerge como interioridade Relacional, Livre, Consciente, Responsável, Única, Original, Irrepetível e capaz de comunhão amorosa. Emerge, no interior de um Eu individual, exterior, Bio-psíquico.

A dinâmica que faz emergir o Eu pessoal, Interior e espiritual, são as relações com a densidade do amor. O nascimento do Eu interior é tarefa nossa. Somos autores da nossa humanização. Ninguém nos pode substituir. O património primordial, o barro que nos foi dado, é o leque inicial dos talentos que recebemos. Nasce mais e melhor quem for mais fiel.

Nascemos para renascer e comungar. Deus criou-nos para que nos criemos em relações de fraternidade. Ninguém nos pode fazer. Pretender substituir alguém é uma violência que impede o outro de se realizar como pessoa.

O Eu individual, e exterior, é mortal. Envelhece, degrada-se progressivamente, perde qualidades e termina no cemitério. O Eu interior, Pessoal e Espiritual, renova-se diariamente. Emerge de modo sempre Novo. Nasce por obra do Espírito Santo (Jo 3, 6).

A sua plenitude é a Comunhão Universal da Família de Deus. O Eu pessoal, por ser espiritual, constitui o Homem Novo, o qual faz um com Cristo. Cresce no interior do homem velho, fruto de Adão. O eu individual constitui o homem velho. É carnal, limitado às coordenadas da biologia, do psiquismo, da raça, da cultura e da espacio-temporalidade.

O eu pessoal está a emergir gradual e progressivamente como interioridade relacional. Tem a vocação de partilhar a vida em plenitude Universal. Com a morte do eu individual, o eu pessoal nasce para a plenitude em coordenadas de universalidade e equidistância. Torna-se presente a todos os seres pessoais que constituem a Comunhão Universal: Pessoas Divinas, Pessoas Humanas e todas as outras que tenham emergido na imensidão do Universo, fruto da Dinâmica Eterna do Deus Criador.

Nascemos para renascer. Seremos eternamente segundo decidamos nascer agora. Quanto mais emergir o eu pessoal, maior o grau de comunhão na Festa eterna da vida pessoal em comunhão. O Tempo é-nos dado para renascer. É a dinâmica da humanização a acontecer: Emergência do eu pessoal, mediante relações de amor e convergência para a Comunhão Universal do Reino dos Céus.

O Céu não é um lugar. É estar na intimidade de Deus. A Divindade é emergência permanente de três pessoas em plenitude de reciprocidade amorosa. E nós, como Sua imagem, estamos chamados a partilhar da Vida comunitária da Santíssima Trindade.

O eu pessoal renasce como capacidade de encontro, diálogo, acolhimento e doação. Agora, na história, estamos em gestação. Depois vem a Festa da Vida na qual mais comungará, eternamente, quem mais se tenha realizado no presente. Seremos, eternamente, segundo decidamos, agora, Renascer.

É esta a nossa condição: Somos pessoas em processo de Realização. O eu individual, exterior e mortal, forma o património da hominização. O eu interior, à medida em que emerge e cresce como interioridade pessoal, capaz de ser dom e acolher o dom dos outros constitui a pessoa realizada. É o resultado do processo da humanização.

Para o Homem Novo está em construção. Realiza-se renascendo. Mas, para isso acontecer, o homem velho, exterior, biológico e psíquico, tem de morrer. De facto, a força dominante do homem velho é o egoísmo, o qual, à maneira do remoinho, tende a enroscar a pessoa sobre si, impedindo-a de renascer.

O homem velho tem de morrer. Só assim pode emergir o Homem Novo, talhado para a plenitude do Amor. É agora o tempo de morrer e de nascer. Depois, é a situação da plenitude, na qual todos podem colher os frutos da vida, segundo o paladar de cada qual.

De facto, a Árvore da Vida, está no centro do Paraíso: «No meio da Praça da Cidade, nas margens do rio, está a Árvore da Vida, a qual produz doze colheitas de frutos. Em cada mês o seu fruto. As folhas da Árvore, servem de medicamento para todas as Nações» (Apc 22, 2).

A variedade destes frutos são os dons incontáveis do Espírito Santo. Emergem em cada pessoa, como qualidades ou jeitos de partilhar a vida. Consagradas pelo Espírito Santo, as qualidades de cada pessoa circulam em benefício do todo orgânico que é a Família de Deus, onde somos assumidos, optimizados e plenificados.

Com efeito, apesar da nossa condição de pessoas humanas somos incorporados na Família de Deus. O Sangue divino, o Espírito Santo, dinâmica que dinamiza a Comunhão Trinitária, passa a circular nas nossas “veias”, vivificando em nós os elos de amor e relacionamento fraterno. Deste modo atingimos a plenitude: somos divinizados.

2- O Juízo de Deus

Com a Ressurreição de Cristo, a Humanidade entrou na fase dos acabamentos. A nossa divinização está em marcha. A vida humana está cheia de sentido. É um projecto que está nas nossas mãos. A lente adequada para lermos o sentido da vida é Cristo. Ser responsável é ter de responder perante alguém. Não somos a origem de nós mesmos. Encontrámo-nos com um leque de possibilidades que recebemos dos outros. Somos chamados. Isto significa que temos de dar uma resposta.

À luz do Senhor Ressuscitado, o projecto humano ganha um sentido totalmente novo:
-   Morte: momento em que nasce o pintainho
-   Juízo: A condenação não é nunca uma decisão de Deus
-          Inferno: A ausência da comunhão é o malogro total da vida
-          Paraíso: A plenitude da pessoa não está em si mas na reciprocidade da comunhão

Nascemos como chamados. Existe uma vocação fundamental e as vocações complementares que são os modos concretos de realizarmos a nossa vocação fundamental. O conteúdo concreto da vocação fundamental de um pessoas são os talentos, isto é, as possibilidades de humanização que recebeu dos outros. Sabemos que ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado. Por outro lado, o mal amado ama mal, mesmo dando o melhor de si.

O decisivo, face aos talentos, é a fidelidade:
-          A pessoa humana não é igual aos possíveis que tem mas aos que realiza.
-          A pessoa não é igual ao que diz mas sim ao que faz.
 Ninguém é herói por receber cinco talentos. Ninguém é culpado por receber um. A heroicidade está na fidelidade. Os talentos são as possibilidades que temos para nos humanizarmos. Deus não concede nunca um dom sem que este possa ser recebido por nós. Por isso são dados em possibilidades. O ovo de galinha fecundado não é o pintainho, mas a possibilidade de dar pintainho. Um ovo não fecundado não dá pintainho.

A pessoa fiel recebe em abundância. Isto significa que é assumida (assunção) e plenificada na comunhão Universal do Reino de Deus. O que foi infiel não tem. Não fez render os talentos. Por isso até o que tem (Os possíveis que não se realizaram) lhe são tirados.

A pessoa que não faz render as suas possibilidades de realização chega ao fim e encontra-se sem conteúdos de vida pessoal: interioridade livre, consciente, responsável, única, original, irrepetível e capaz de comunhão amorosa. Tem apenas o talento que lhe foi entregue, isto é, os possíveis cristalizados que não atingiram o nível de realização pessoal.


d) Mt 13, 24-30: O Joio

«Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é comparável a um homem que semeou boa semente no seu campo. Ora, enquanto os seus homens dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e afastou-se. Quando a haste cresceu e deu fruto, apareceu também o joio. Os servos do dono da casa foram ter com ele e disseram-lhe: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?’ ‘Foi algum inimigo meu que fez isto’ - respondeu ele. Disseram-lhe os servos: ‘Queres que vamos arrancá-lo?’ Ele respondeu: ‘Não, para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo. Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa; e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado; e recolhei o trigo no meu celeiro.’»

Jesus não nos encarregou de sermos os executores da justiça divina. Isto não quer dizer que devamos ser ingénuos. O mal, a semente destrutiva (o joio) existe. Todos nós recordamos com gratidão algumas pessoas que se cruzaram connosco e nos deixaram mais ricos. Mas também recordamos outras pessoas que preferíamos mil vezes nunca ter encontrado, pois deixaram-nos mais pobres, bloqueando ou mutilando o leque das nossas possibilidades de realização.

A História humana é como o rosto: tem duas faces. Todos nos encontramos marcados pela forças do mal, embora não da mesma maneira:
-          Vítimas
-          Culpados
-          Consequências do pecado: pessoais e sócio-históricas
-          Os discípulos vão encontrar duras resistências. Vão como ovelhas para o meio de lobos (Mt 10, 16-23).
-          O mundo oferece resistência ao projecto de Deus. O que fizeram ao Mestre farão ao discípulo

Por isso o Evangelho não é pacífico: divide pais,  filhos e irmãos entre si. Neste sentido Jesus não veio trazer uma paz mas uma guerra, pois o Evangelho não é neutro (Mt 10, 35-39). O Homem resiste ao projecto de Deus. O joio é lançado pelas forças do mal. É este o inimigo.

Deus inscreveu a possibilidade do mal no projecto humano, a fim de o homem poder ser bom. Aqui radica a possibilidade de o inimigo semear o joio. Joio são os critérios do mundo a misturar-se com o serviço do Evangelho. São muitos os semeadores do joio. O inimigo do Evangelho está no coração das pessoas. É o homem velho que há em nós e os sistemas ou instituições que impedem a humanização e a libertação do Homem.

Os meios de comunicação que não têm critérios de verdade e das exigências éticas da humanização são o inimiga que semeia o joio. São também as ideologias que mutilam a verdade do homem em nome de dogmas que não têm qualquer alicerce na verdade de Deus e do Homem.

São semeadores de joio os contextos culturais que bloqueiam ou distorcem a realização das pessoas, semeando a mentira ou o erro. São também os clericalismos fundamentalistas que limitam a evangelização a ritos e cultos impedindo as pessoas de amadurecer como homens e cristãos.

Semeadores de joio são os fanatismos partidários gravitando à volta de interesses particulares, impedindo o bem e a justiça social. Semeadores de joio somos todos nós na medida em que bloqueamos o leque de humanização dos nossos irmãos.

A pessoa humana é capaz de perturbar a dinâmica da humanização lançando no tecido das relações interpessoais e sociais mecanismos que bloqueiam a marcha da humanização do Homem. Não só nos possibilitamos uns aos outros como também nos condicionamos. No entanto, isto não nos permite fazer um juízo definitivo sobre as pessoas. Sabemos que o mal que nos fizeram não é bem. Mas nunca saberemos rigorosamente até que ponto essas pessoas foram más ou vítimas do mal.

Ao logo da vida encontramos muitas pessoas a dar cabeçadas. Mas não sabemos até que ponto essas pessoas são más ou vítimas do mal. Sabemos que o mal amado ama mal, isto é, com bloqueios e distorções. No entanto, pode estar a dar o melhor de si.

Deixar a semente crescer até à ceifa quer dizer que devemos ser prudentes e cautelosos com os juízos que fazemos, pois podemos estar a destruir uma pessoa que é vítima sob o pretexto de destruir o mal. Ao tentarmos destruir o pecado devemos ter cuidado em não destruir o pecador ou, o que seria pior, uma pessoa que é vítima do mal.

O farisaísmo é a atitude que pretende irradicar o mal destruindo as pessoas. No meio de um mundo marcado pela mentira, a injustiça e a violência, Deus chama-nos a ser obreiros da verdade, da justiça, da concórdia e da paz.


e) Mt 13, 31-35: O Grão de Mostarda

«Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. É a mais pequena de todas as sementes; mas, depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore, a ponto de virem as aves do céu abrigar-se nos seus ramos. Jesus disse-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha, até que tudo fique fermentado.» Tudo isto disse Jesus, em parábolas, à multidão, e nada lhes dizia sem ser em parábolas. Deste modo cumpria-se o que fora anunciado pelo profeta: Abrirei a minha boca em parábolas e proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo.»

O Reino de Deus é uma comunhão universal cujo coração é a Santíssima Trindade dentro de nós. As consequências do bem que fazemos são universais. O Reino de Deus, em nós, é um processo gradual e progressivo. Engloba um dom totalmente gratuito: a nossa divinização, graças à encarnação, maravilhoso enxerto do divino no humano. Mas engloba um elemento totalmente nosso: a própria humanização mediante atitudes, opções, escolhas e realizações na linha do amor.

A tarefa da humanização é nossa. Ninguém a pode realizar por nós, nem mesmo Deus. Através dos pais, da escola e dos demais grupos sociais em que nos fomos estruturando, Deus concede-nos o leque de possibilidades de humanização. Mas estas só se tornam reais se as realizarmos.

À medida em que nos vamos humanizando crescemos como interioridade pessoal, a qual tem densidade espiritual. A nossa interioridade pessoal emerge dentro do nosso eu individual ou exterior como o pintainho dentro do ovo. A humanização é tarefa nossa, a divinização é dom gratuito.

À medida em que crescemos em densidade humana, aumenta em nós a dinâmica divinizante pela acção do Espírito Santo. Seremos eternamente tanto mais divinos quanto mais nos humanizarmos agora. É esta a dinâmica e a interacção humano-divina do Reino a crescer em nós. É este o grão de mostarda que emerge de modo modesto a partir do ovo primordial mas que vai desabrochando de maneira maravilhosa no nosso íntimo. Os seus frutos manifestam-se pela nossa maneira de interagirmos com o meio em que vivemos. No coração do amor humano acontece o amor de Deus como dinamismo plenificante.

A humanização acontece como emergência pessoal mas converge para uma comunhão orgânica universal: a Humanidade. Graças ao mistério da Encarnação a Humanidade funciona como uma realidade orgânica cujo coração é o próprio Cristo. Ele é a cepa e nós os ramos (Jo 15, 1-7). A seiva que vem da cepa para os ramos é o Espírito Santo que vivifica e fortalece esta organicidade humano-divina.

A plenitude do Reino é a incorporação da pessoa humana na comunhão da Família de Deus. É esta a árvore robusta onde fazem ninho as aves do céu. Esta incorporação acontece pela acção do Espírito Santo, ponto de encontro e interacção entre nós e a Santíssima Trindade. Esta incorporação da Humanidade  na divindade acontece graças ao facto de estarmos organicamente unidos à humanidade de Cristo(Rm 8, 14-16). É este o grande dom da benignidade de Deus aos homens. Eis o ano da Graça (cf Is 61, 1-3; Lc 4, 18-21).

Cristo é o portador da indulgência total de Deus, isto é, o Espírito Santo que cura as nossas feridas mais profundas e nos incorpora na Família Divina (Rm 8, 14-16; Ga 4, 4-7).  


f) Mt13, 44-46: O Tesouro escondido e a Pérola Valiosa

«O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. O Reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.»

Em Jesus Cristo, Deus exprimiu-se em grandeza humana. Pela encarnação o divino enxerta-se no humano, a fim deste ser divinizado. Isto significa que Deus é um tesouro que está ao nosso alcance.

A presença de Deus não se nos impõe, pois Deus é amor. Ora, o amor propõe-se, nunca se impõe. A Divindade é a interioridade máxima de todas as coisas. As janelas que dão acesso ao diálogo e à comunhão com Deus são: 1) a nossa interioridade pessoal que, por ser espiritual, é de ordem transcendente. As pessoas humanas e as divinas não são iguais, mas são proporcionais. Ao entrarmos no mais profundo de nós mesmos estamos a atingir o limiar do encontro com Deus. Mas isto só o conseguimos na medida em que calemos os ruídos do eu exterior ou individual. Este está constantemente a pretender interagir com o mundo exterior, dificultando a nossa entrada nessa interioridade onde se encontra o tesouro e a pérola valiosa.

  2) A outra janela que dá directamente para Deus é o encontro fraterno com a pessoa do irmão. Cada pessoa humana é em princípio e em possibilidade, um ponto de encontro com Deus. Ao entrarmos em comunhão com o irmão estamos a iniciar o encontro com Deus.

Eis a razão pela qual somos chamados a gastar o melhor do nosso tempo e das nossas energias na procura deste tesouro e desta pérola preciosa. É importante não desfalecer nesta tarefa. É fundamental ser persistente e fiel. É preciso estar disposto a perder tudo para conseguir encontrar este tesouro. Eis o grande objectivo da nossa vida. Eis o que significa tomar Deus a sério.


g) O Filho Ingrato e o Pai Bondoso (Lc 15, 11-31).

«Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde.’ E o pai repartiu os bens entre os dois. Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. E, caindo em si, disse: ‘Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros.’ E, levantando-se, foi ter com o pai.
Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. O filho disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.’ E a festa principiou.
Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. Disse-lhe ele: ‘O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.’ Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. Respondendo ao pai, disse-lhe: ‘Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.’ O pai respondeu-lhe: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.’»

O pretexto desta parábola é a situação dos dois filhos: os judeus legalmente fieis mas sem coração e os pagãos que se afastaram da casa do Pai. O filho mais velho, o judaísmo não tem coração para acolher e perdoar ao seu irmão. Agora que os pagãos estão a voltar ao redil, os judeus rejeitam o dom de Deus feito em Cristo. Estão a matar a fraternidade. Estão a tornar-se semelhantes a Caim que teve inveja pelo facto de Deus aceitar a oblação de Abel. É este o sentido que o texto tem no seu contexto histórico.

Mas a parábola comporta um sentido mais profundo: o filho ingrato é a própria humanidade. O Homem tornou-se pródigo logo no princípio da sua história. Foi ingrato para com Deus logo a partir da primeira hora, afastando-se do Senhor e pretendendo colocar-se no lugar de Deus. O resultado foi desastroso. O Homem apercebeu-se de que estava nu (Gn 3, 7-13). Eis o resultado de ter rompido com Deus.

Segundo o livro do Génesis, no princípio, a relação do Homem com Deus era plenamente harmoniosa. Deus vinha, com a sua Ruah, (brisa, Espírito), visitar o casal primordial todas as tardes (Gn 3, 8). O Homem está talhado, desde a origem, para a comunhão com Deus. Esta comunhão acontece através da Ruah, o  ponto de encontro e interacção do Homem com Deus. Quando Deus insuflou o sopro de vida nas narinas do Homem, este tornou-se um ser vivente (Gn 2, 7b). Adão foi formado do pó da Terra (Gn 2, 7 a). Foi o sopro de vida que o tornou um ser vivente.

O Senhor visita o Homem diariamente, a fim de ir reforçando a relação interpessoal com ele. Deus não se impõe. Faz-nos propostas de aliança. A aliança proposta por Deus ao Homem vai no sentido de o responsabilizar pela Criação. O Homem tinha capacidade para isso, pois fora criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 27). Basta-lhe, portanto, estar atento aos apelos de Deus.

Como a tarefa é realmente enorme, o Homem precisa de agir em comunidade. Precisa de ser uma multidão. Por isso o preceito de crescer e se multiplicar precede a proposta de agir como colaborador de Deus  (Gn 1, 28 a). Depois vem a Aliança fundamental e primeira: presidir à Criação, colaborando no projecto de Deus (Gn 1, 28 b-30). Tudo é do Homem e para o Homem. Mas este não pode agir arbitrariamente sob pena de forjar a sua própria morte.

Deus não criou o Homem acabado. Este é chamado a realizar-se, colaborando com o Espírito de Deus (Ruah) que o habita. A relação de Deus com o Homem acontece através do Espírito Santo. São Paulo explicita bem esta verdade quando diz que apenas os que são movidos pelo Espírito de Deus são filhos e herdeiros em relação ao Pai, irmãos e co-herdeiros em relação ao filho (Rm 8, 14-16).

O livro do Génesis descreve muito bem o pecado como recusa do Homem a viver nesta dinâmica de Aliança com Deus. Mas Deus não desiste. Tomou, como sempre, a iniciativa de vir encontrar-se com Adão. Como a situação se tinha alterado, Deus chama-o: “Onde estás?” (Gn 3, 9). Deus não ignorava o lugar onde Adão se tinha refugiado. Este chamamento é dirigido à consciência do Homem, a fim deste fazer o ponto da situação da sua condição de pessoa em construção. Em que situação te encontras face a Mim, a ti, e aos outros (Eva).

Mas Adão sente-se nu e procura ocultar-se de Deus (Gn 3, 10-11). A nudez é a consciência de ter rompido com Deus e com o próprio projecto humano. Adão rejeitou a sua condição privilegiada de colaborador na obra da Criação. Ainda não conhecia o coração misericordioso de Deus. Por isso se considerava perdido para sempre.

A serpente aparece aí como símbolo do homem exterior fonte do pecado. A tentação é a insinuação do nosso eu exterior, o qual nos sugere constantemente de uma alternativa às propostas de Deus. É o homem velho e carnal de que fala são Paulo a oferecer novidade ao homem novo. Este homem, nascido da Terra, é a fonte do egoísmo e das más inclinações. Opõe-se a Deus e à emergência do Homem Novo que nasce do Espírito Santo. Este vem do Céu e é espiritual. Aquele, pelo contrário, é terreno e carnal.

O eu individual ou exterior é a fonte dos enganos e ilusões. É inimigo de Deus e oferece resistência à emergência do eu interior, pessoal e espiritual. É ao nível do eu interior que acontece a comunhão com Deus e os irmãos. A pretensão de ser igual a Deus, brota do eu exterior, fonte de enganos, tentações e egoísmo. É a serpente contrária a Deus e ao nosso bem. Foi esta serpente que levou Eva a pensar que poderia ser igual a Deus optando contra o projecto e a vontade divina (cf Gn 3, 4-5).

Quando o homem se deixa levar pelo eu exterior bloqueia a dinâmica da humanização que é o crescimento do eu pessoal, interior, espiritual. Este é o ponto de encontro e comunhão amorosa com Deus e os irmãos. Deus insuflou em nós o seu Espírito, a fim de  ultrapassarmos as  tendências do eu exterior que se opõe à nossa humanização cuja  lei é: emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal da Família de Deus.

É aí que acontece a presença do Espírito Santo, princípio divino de reciprocidade, interacção e comunhão. Por outras palavras, é na nossa interioridade pessoal-espiritual que Deus Pai nos acolhe como filhos e Deus Filho como irmãos mediante o Espírito Santo.

Ao romper com Deus, a pessoa rompe igualmente com os outros. Adão, ao romper com Deus, rompeu igualmente com a mulher, dom precioso que Deus lhe fizera: “ a mulher que me deste como companheira deu-me do fruto da Árvore e eu comi” (Gn 3, 12). Ao afastar-se de Deus, o homem afasta-se comunhão humana. Por esta razão Adão distancia-se de Eva, lançando sobre ela a culpa.

Adão exultara de alegria ao encontrar-se com Eva: “eis o osso dos meus ossos e a carne da minha carne” (Gn 2, 23). Eis o que me faltava para eu me encontrar e possuir plenamente. Agora tenta lançar o descrédito sobre a sua companheira. É difícil aguentar o peso da culpa. Por isso tentamos sempre arranjar um bode expiatório. Eva, por seu lado, culpa a serpente, a fonte do mal que levamos no mais profundo de nós próprios. A serpente é o homem velho, o eu individual, fonte do egoísmo homicida que constantemente tenta conduzir-nos a actos fratricidas, tal como aconteceu com Caim.

A serpente nunca deve ser vista como algo que não faça parte da Humanidade. A possibilidade de agirmos éticamente radica no livre arbítrio, capacidade psíquica de optar, decidir e agir na linha do amor ou do ódio fratricida. Transcende o nível das emoções, impulsos ou afectos que gravitam no eu individual. Este, com as suas tendências, sugere, insinua, convida e interpela-nos no sentido de agirmos segundo os seus apetites egoístas: “ a serpente enganou-me e eu comi” (Gn 3, 13).

A serpente ou o homem velho brotou a partir do pó da terra (Gn 2, 7). O homem novo, interior, pessoal-espiritual, emerge gradual e progressivamente através da dinâmica das relações amorosas. Não é obra da carne ou do sangue. Emerge pela acção do Espírito de Deus em nós (Jo 1, 13). Por isso temos de nascer mediante o Espírito, pois o que nasceu da carne é carne (Jo 3, 6). Na medida em que renascemos pelo Espírito estamos a voltar à casa do Pai.

A serpente ficou condenada a alimentar-se do pó. De facto, o eu exterior ou individual, enxerta-se no velho barro que é a biologia animal. Pelo acontecimento da morte, entra nos circuitos físico-químicos da natureza. São Paulo entendia muito bem o sentido do homem velho ou carnal. Por isso escreveu uma série de advertências, a fim de estimular os cristãos a vencer as forças negativas que brotam da carne e são contrárias a Deus.

Quem se deixa conduzir pela carne caminha para morte (Rm 8, 5). Se vivermos segundo a carne morreremos (Rm 8, 13). Os que são fieis a Cristo não vivem segundo a carne mas segundo o Espírito (Rm 8, 9). Com efeito, os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus (Rm 8, 8).

O desejo da carne é inimizade com Deus (Rm 8, 7). Os desejos da carne conduzem-nos à morte (Rm 8, 6). A carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus (1 Cor 15, 50). É certo que vivemos na carne, mas o nosso combate não é segundo a carne (2 Cor 10, 3). Ainda que tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, agora não conhecemos ninguém desse modo (2 Cor 5, 16). O homem encontra-se dividido, pois há forças contrárias no seu ser.

A carne é contra o espírito e o espírito contra a carne (Ga 5, 17). O eu interior é o oposto do exterior. O interior é obra do Espírito de Deus. Por isso temos de nascer de novo (Jo 3, 3). Somos realmente templos de Deus, pois o Espírito Santo está em nós (1 Cor 3, 16-17). A bondade de Deus manifestou-se ao conceder-nos a salvação pelo Espírito que nos vem por Cristo (Tt 3, 4-6). Eis o manto precioso com que Deus nos veste.

Sem Deus, o Homem é um ser nu. É a experiência da pobreza humana. Mas Deus não o abandonou. Na Sua misericórdia  e com um gesto verdadeiramente maternal, veste Adão e Eva (Gn 3, 21-24). É o início da acção salvadora de Deus. Esta ternura de Deus que se manifesta no acto de vestir o Homem nu não é mais que o renascer pelo Espírito Santo. Este renascimento é gradual e progressivo. Segundo o Apocalipse, a Humanidade, no fim dos tempos, fica revestida com a capa da divinização. A Humanidade será adornada com as jóias mais preciosas, à maneira de uma rainha que se prepara para receber o esposo, segundo a imagem do Apocalipse (Apc 21, 9-10). O Homem está divinizado.

A ternura maternal de Deus faz crescer a interacção entre a Humanidade e a Divindade, a qual culminará numa união orgânica humano-divina em Cristo. Pelo mistério da Encarnação, a Divindade enxertou-se na Humanidade, a fim desta formar um todo orgânico com aquela. Esta união orgânica acontece em Cristo o único medianeiro entre Deus e o Homem (1 Tm 2, 5).

A Salvação de Deus consiste nesta comunhão orgânica. Ninguém é incorporado isoladamente na comunhão universal do Reino de Deus. Segundo o Novo Testamento, esta união pode comparar-se a um corpo cuja cabeça é Cristo. A Humanidade é divinizada através desta incorporação no mistério da Trindade.

Cristo é a cabeça do corpo e nós os membros (1 Cr 10, 17; 12, 27; 12, 13). Segundo uma outra imagem, a nossa união orgânica a Cristo é semelhante à que existe entre a cepa e os ramos na videira (Jo 15, 1-7). É através de Cristo que passamos a formar uma unidade com o Pai, mediante o Espírito Santo. Assim como o Filho faz um com o Pai, nós fazemos um com o Filho e, através deste, somos assumidos como membros da Família Divina (Jo 17, 21-23). Esta incorporação acontece através do Espírito Santo.


h) Parábolas Edificantes

Há um conjunto de parábolas que têm a finalidade de apresentar critérios para o agir cristão. Então acentuam um aspecto importante da vida e da missão do cristão no mundo: ser um fermento no mundo, dar frutos e não ser uma árvore estéril. O próximo não se nos impõe nem é decidido por decreto. Somos nós que elegemos o próximo no coração mediante atitudes de solidariedade e comunhão.

Há ainda parábolas que se relacionam com o bom uso das riquezas e a importância da oração na vida do cristão. Estas parábolas exemplares ou edificantes aparecem sobretudo em Lucas. Têm como pano de fundo ensinamentos de Jesus e que são depois transformadas em histórias padrão. Este modo de proceder tem um valor pedagógico extraordinário. Pretende incutir na consciência dos pagãos critérios cristãos, a fim de o Evangelhos se difundir no mundo não judaico.

Lc 12, 16-21: A parábola do rico insensato. A pessoa não vale pelo que tem nem pelo que sabe, mas pelo que é. Pôr a confiança nas riquezas é uma idolatria pois estas não conseguem salvar-nos.

Lc 16, 1-8: Esperteza do administrador sagaz. Os filhos do mundo sabem administrar os bens para assegurar o seu futuro. O cristão deve saber usar os bens para criar dinâmica de partilha e fraternidade, única garantia de vida eterna. Os bens terrenos não são para amontoar mas para circular e gerar laços de comunhão. Dançaremos eternamente a música do amor com o jeito que aprendermos agora. Os bens são um dom, pois são uma mediação muito especial para crescermos na capacidade de comunhão.

Lc 16, 19-31: Parábola do Rico e do Pobre Lázaro. Existe uma relação muito estreita entre os bens materiais e a nossa partilha no projecto salvador de Deus. O coração humano é moldado em grande parte  pelas atitudes que tomamos face ao ter. Após a morte encontramo-nos perante os outros segundo o modo como agimos com o nosso ter.

Lc 10, 29-37: A questão de saber quem é ou não o nosso próximo depende de nós, não de qualquer decreto exterior. De facto, o próximo não se nos impõe. Os outros apenas podem propor-se-nos como próximo. A última palavra é sempre nossa. O Bom Samaritano não era judeu. Não teve as lições de teologia dos sacerdotes e levitas. No entanto foi o único que agiu correctamente em relação à questão do próximo. Quem tem capacidade para eleger o outro como próximo tem qualidade de coração para comungar no Reino de Deus.

Lc 13, 6-9: Parábola da Figueira: Somos chamados a ser árvores fecundas. A pessoa não é igual ao que diz mas sim igual ao que faz. No Reino de Deus estaremos presentes na medida em que nos tenhamos realizado dando frutos de vida eterna. Na comunhão Universal cada pessoa está presente com os frutos que tem para partilhar. Enquanto Lucas transforma o ensinamento de Jesus numa parábola edificante, Marcos e Mateus transformam-no num relato de Milagre. Jesus amaldiçoa a figueira e esta seca. É uma outra maneira sublinhar a necessidade de ser fiel aos talentos que possuímos ( cf Mc 11, 12-14 e Mc 11, 20; Mt 21, 18-22).

Os ramos da videira, diz o evangelho de João, são fecundos na medida em que permanecem unidos à cepa que é Cristo (Jo 15, 1-6). Quem nos torna fecundos é o Espírito Santo, a seiva que vem da cepa para a videira. Se nos desligamos da cepa, a seiva não pode chegar a nós. A fecundidade da nossa vida, portanto, depende da nossa união orgânica a Cristo, cabeça da Nova Humanidade (2 Cor 5, 17-19).

Lc 13, 20-21: Parábola do Fermento: A vida cristã assenta num dado que é exclusivo do cristão: a vida teologal. A Fé e a Esperança cristã têm horizontes teologais, isto é, têm os critérios da Palavra de Deus. Do mesmo modo, a caridade é amor humano, mas com o jeito do próprio amor de Deus. A vida teologal é um dom de deus, não uma conquista do Homem.

É a vida cristã que capacita o cristão para ser sal, luz e fermento no mundo (Mt 5, 13-16). Somos chamados a inscrever os valores do Evangelho no tecido das social das nossas cidades ou nos meio em que vivemos. Procedendo deste modo estamos a ser um fermento que faz levedar a massa. A Igreja não é a Humanidade. Somos apenas uma pequena parcela da Humanidade. No entanto estamos chamados a ser uma força transformadora no meio desta humanidade. Sem a Igreja, a Humanidade ficaria muito mais pobre, pois ficaria sem consciência teologal que a ajudasse a saborear as realidades com a Sabedoria que vem do alto.

Lc 18, 1-8: Parábola do Juiz e da Viúva: A oração é fundamental na vida do Cristo. Por outro lado é sempre eficaz. Não no sentido de nos possibilitar a manipulação de Deus levando para onde queremos. A oração é uma relação o Pai ou o Filho no Espírito Santo. Sabemos como as relações são fundamentais para a estruturação e transformação das pessoas.

É evidente que as pessoas que se transformam na oração são as humanas, não as divinas. Deus é amor. Pode tudo o que pode o amor e em grau de poder infinito. Mas o amor pode corrigir para ajudar o outro a ser mais plenamente.

Um dos elementos essenciais para a oração ser cristã é a fé. Devemos entender não apenas uma fé religiosa mas uma fé teologal. Unida à acção do Espírito Santo a fé é a força que realiza milagres : “Por isso vos digo, tudo quanto pedirdes na oração crede que já o recebestes e haveis de obtê-lo” (Mc11, 24). A oração cristã não deve ser como as rezas dos pagãos. Usam de vãos palavreados, julgando que impressionam a Deus por muito falarem. O cristão quando ora deve saber que Deus já sabe o que ele precisa mesmo antes de começar a orar (Mt 6, 7-8).

Outro aspecto importante para a nossa oração acontecer como encontro profundo com Deus é o esforço por perdoar aos irmãos: “Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro para que o vosso Pai que está no Céu vos perdoe também as vossas ofensas. Porque se não perdoardes também o vosso Pai que está no Céu não perdoará as vossas ofensas” (Mc 11, 24b-26).  

O Pai Nosso pede a Deus que nos perdoe assim como perdoamos (Mt 6, 12). Após a fórmula do pai Nosso, Mateus conclui precisamente dizendo que se perdoarmos aos irmãos, o Pai do Céu também nos perdoará. Se não perdoarmos, também o pai do Céu não nos perdoará (Mt 6, 14-15).




Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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