a)A Condição Humana de Jesus
1-Jesus Como Homem Igual a Nós
2-A Força Profética de Jesus
3-A Sua Missão Coincide Com o Centro das Escrituras.
b)São João e a Divindade de Cristo
1-O Pai e o Filho fazem Um
2-A Missão do Filho
3-O Filho Revela-nos o Pai
4-Homem e Deus Unidos de Modo Orgânico
5-Cristo Revela-nos o Mistério da Trindade
6-Aspectos Divinos de Cristo
c)A União do Humano com o Divino em Cristo
1-A União do Humano Com o Divino
2-O Homem e Deus Unidos de Modo Orgânico
3-O Divino Optimiza o Humano
d)Cristo é o Rosto Humano do Amor de Deus
1-Jesus Cristo é a Revelação do Deus Vivo
2-Jesus Cristo e a Palavra de Deus
3-Jesus Cristo e a Libertação do Homem
4-Jesus Revela-nos o Amor Salvador de Deus
5-Jesus é o Caminho da Salvação
e)Fidelidade de Jesus e Salvação Humana
1-Salvos em Cristo
2-O Justo e o Sofrimento
3- Jesus e a Missão do Justo Sofredor
4-Cristo é o Elo da Comunhão Com Deus
a)A Condição Humana de Jesus
1-Jesus Como Homem Igual a Nós
Nunca passou pela cabeça dos Apóstolos a ideia de que Jesus não fosse um homem igual a nós. A Carta aos Hebreus diz que temos um excelente Sumo-sacerdote junto de Deus, pois é ele um homem que experimentou plenamente a nossa condição: “De facto, não temos um sacerdote que não possa compadecer-se de nós, pois ele experimentou e foi provado em tudo, excepto no pecado” (Heb 4, 15).
O jeito de viver e agir de Jesus era um sinal evidente da sua fidelidade incondicional à missão que Deus lhe confiou. Os Apóstolos aperceberam-se muito bem de que Jesus tomava Deus e o Homem muito a sério. Não era nada como aquelas pessoas que têm muita religião e devoções, mas estão muito longe dos irmãos. Em geral estas pessoas são rotuladas de beatas. Jesus não era um beato, mas conheceu muitos. Os fariseus, os seus inimigos mais ferozes, eram gente cheia de religião e devoções, mas o amor não tinha cabida nos seus corações. Tinham os olhos tão fixos nas normas, leis e preceitos religiosos que não conseguiam ver os irmãos.
Jesus Cristo, pelo contrário, não foi um beato. Nunca separava a causa de Deus da causa do Homem. Ele sabia muito bem que a grande paixão de Deus era o Homem humanizado, a fim de o poder divinizar mediante a incorporação na Família Divina. Consciente deste facto, Jesus procurava viver de acordo com o plano de Deus, gastando a sua vida pela libertação do Homem. Eis a razão pela qual ele denunciava com coragem tudo o que machucava ou oprimia os homens. Ele sabia que o Homem é o único ser que Deus criou à sua imagem e semelhança. Todas as outras imagens são feitas pelos homens.
2-A Força Profética de Jesus
Ao longo dos seus ensinamentos, Jesus gostava de dizer que a maneira correcta de amar a Deus implica o amor aos irmãos. Se o Homem é a única imagem que Deus criou de si, então o amor aos irmãos é a única mediação segura para chegarmos ao conhecimento de Deus, como diz a Primeira Carta de São João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chega a conhecer Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).
Jesus amou de modo pleno e perfeito. Foi por esta razão que ele atingiu o conhecimento perfeito de Deus. A sua paixão era fazer a vontade de Deus. Defendia corajosamente os que não eram capazes de se defender. Deixava mais felizes as pessoas que tinham a sorte de se encontrar com ele. Partilhava com os outros os seus bens e amava a todos, mas de modo especial os mais pobres. Como estava cheio da força do Espírito Santo, nunca se deixou vencer pela cobardia.
Foi com este poder que ele inaugurou a Nova Humanidade reconciliada com Deus (2 Cor 5, 17-19). Por estar habitado pela plenitude do Espírito Santo concedeu aos homens a possibilidade de se tornarem membros da Família de Deus (Jo 1, 12-14). Foi assim que inaugurou a dinâmica da renovação humana, oferecendo às pessoas o dom do Espírito Santo, a fim de sermos introduzidos na comunhão familiar de Deus.
Como se deu totalmente, tinha consciência de que a sua vida não era apenas sua. Na verdade, Deus confiou-lhe uma missão em favor de toda a Humanidade. Era generoso e puro de coração. Por outras palavras, o seu coração não rugoso nem gostava de nadar em águas turvas. Foi consagrado pelo Espírito Santo para realizar a sua missão messiânica com sucesso pleno. Amou sem fingimento, e por isso levou o amor à sua profundidade máxima, ao ponto de dar a vida por aqueles a quem amava: a Humanidade inteira. Como se deu inteiramente, agora a sua vida é já de todos nós! Tornou-se a cepa da videira cujos ramos são todos homens (Jo 15, 1-8). A seiva que vem da cepa e dá vida aos ramos é o Espírito Santo.
Os que o mataram destruíram a sua morada entre os homens, pensando que, deste modo, acabavam com a dinâmica histórica da humanização. Mas Deus restaurou a sua vida, fazendo dele o alicerce de uma Nova Humanidade. Partilhou tudo: Os bens, a vida e a Palavra de Deus. Levou o amor à sua densidade máxima que é dar a vida por aqueles a que se amam. Eis a razão pela qual, ao longo dos séculos, não desapareceram as vozes que o aclamam com um coração cheio de gratidão. A fidelidade incondicional de Jesus ultrapassou as nossas infidelidades.
Jesus Cristo, diz São Paulo, foi o medianeiro através do qual Deus reconciliou o Homem com Deus, não levando mais em conta os nossos pecados (2 Cor 5, 17-19). Actuava com a plena convicção de estar a fazer a vontade de Deus (Lc 4, 18-21). A carta aos Hebreus insiste em que ele é o medianeiro da Nova e eterna Aliança. É o sumo-sacerdote que está permanentemente em funções junto de Deus (Heb 9, 15; 12, 24).
A primeira carta a Timóteo diz que existe um só medianeiro entre Deus e o Homem, Jesus Cristo, homem (1 Tim 2, 5). Se não fosse homem connosco não podíamos ser assumidos organicamente na comunhão familiar de Deus. Ele é, diz a Carta aos Hebreus, o Pontífice da Nova e Eterna Aliança (Heb 5, 5-10; 7, 21).
3-A Sua Missão Coincide Com o Centro das Escrituras.
A sua grande aspiração era a chegada da idade de oiro. A sua vinda significava a chegada do Shalom, isto é, o conjunto das bênçãos e dons prometidos por Deus a Abraão. Ele é o rei universal que vai estabelecer uma paz universal. Das espadas forjará arados (Zac 9, 9). O Povo de Deus vagueava de um lado para o outro como ovelhas sem pastor.
Deus apercebe-se desta situação e vai suscitar um pastor bom, o qual sairá da casa de David. Este conduzirá as ovelhas ao aprisco, protegendo o rebanho de todos os perigos (Ez 34, 11.31). Deus vai restaurar o Reino de David, pois a o qual será governado por um filho de David (Ez 37, 16-27). Jerusalém, conduzida pelo Rei Messias vai converter-se na capital mundial da sabedoria. Todos os povos virão a Jerusalém em busca da Sabedoria, deixando, em troca, as suas riquezas (Is 60, 1-6). Daniel procura consolar o povo martirizado pelos selêucidas, anunciando-lhes a entronização do Filho do Homem com poderes universais (Dan 7, 9-14).
Para o Novo Testamento, Jesus é o Cristo anunciado pelos profetas. Jesus é o Bom Pastor anunciado por Ezequiel (Mt 25, 31; Lc 15, 1-7; Jo 10, 1-16). Ele é o Novo templo de Deus, isto é, a mediação do encontro de Deus com o Homem (Mt 21, 12-17; Jo 2, 21-22). Com o seu pecado, Adão fechou as portas do Paraíso, ficando sem acesso à Árvore da Vida (Gn 3, 24).
Pela sua morte e ressurreição, Jesus abriu de novo as portas do Paraíso como ele mesmo garantiu ao Bom Ladrão (Lc 23, 43). Ele é a fonte da Vida que nos dá Água Viva que se torna fonte a jorrar Vida Eterna no nosso íntimo (Jo 4, 14; 7, 37-39). São Lucas diz que o Espírito consagrou Jesus para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos cativos e o ano da fraternidade especial (Lc 4, 18-21). Ele tinha plena consciência da presença do Espírito a actuar em si.
Os Actos dos Apóstolos dizem que Jesus, após o baptismo de João, passou a vida a fazer o bem e a libertar as pessoas oprimidas (Act 10, 37-42). A vida de Jesus foi verdadeiramente um culto em Espírito e verdade (Jo 4, 20-21). Tomava Deus e o Homem a sério. Por isso falava de modo familiar com o Pai e agia de acordo com a Sua vontade.
b)São João e a Divindade de Cristo
1-O Pai e o Filho fazem Um
São João enquadra a relação de Deus Pai com o seu Filho no contexto de uma união orgânica perfeita. No capítulo dez do seu evangelho, faz uma afirmação decisiva neste sentido, quando põe na boca de Jesus a seguinte afirmação: “Eu e o Pai somos Um” (Jo 10, 30). Após a Ceia pascal, Jesus confirma e reforça esta visão no diálogo que desenvolveu com Filipe: “Disse-lhe Filipe: “Senhor mostra-nos o Pai e isso nos Basta!” Jesus respondeu-lhe: “Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheces, Filipe?”. Na verdade, quem me vê, vê o Pai. Não crês que estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14, 8-10).
Jesus Cristo faz uma união orgânica com o Pai pelo facto de ser o Filho Eterno de Deus. Do mesmo modo, pelo facto de ser um homem perfeito, ele faz uma união orgânica connosco. É esta a razão pela qual São João diz que, pelo mistério da Encarnação, o Logos nos deus o poder de nos tornarmos filhos de Deus, unindo de modo orgânico o Homem com Deus (Jo 1. 12-14).
O plano de Deus ao enviar-nos o seu Filho consiste em incorporar a Humanidade na comunhão Familiar da Divindade. Eis as palavras de Jesus: “Nesse dia compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós (…). Nós viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14, 20-23). Na perspectiva do quarto evangelho, Jesus Cristo é a mediação indispensável para acontecer a incorporação do Homem na Família de Deus. Eis as palavras de Jesus a este respeito: “Ninguém pode ir ao Pai senão por mim” (Jo 14, 6). Cristo é Deus com o Pai e por isso realiza a sua missão em total sintonia com o Pai e o Espírito Santo. Mas o Pai e o Filho, apesar de fazerem um, não se fundem nem confundem.
2-A Missão do Filho
Na verdade, a missão histórica Filho, apesar de estar em perfeita sintonia com a vontade do Pai, tem características próprias, distintas das características da missão do Pai: “O Pai não julga ninguém, mas entregou ao Filho o poder de julgar, a fim de os homens honrarem o Filho tal como honram o Pai. Aquele que não honra o Filho também não honra o Pai, pois o Filho foi enviado pelo Pai” (Jo 5, 22- 23).
São João faz da fé no Filho um elemento essencial para a fé no Pai ser completa e perfeita: “Aquele que acredita em mim, não só acredita em mim, mas também naquele que me enviou” (Jo 12, 44). O Filho foi enviado pelo Pai, pois a sua missão é realizar o plano de salvação do Pai: “O Pai ama o filho e colocou todas as coisas nas suas mãos” (Jo 3, 35).
Por outras palavras, o Filho nunca se sente só, pois o Pai está sempre unido a ele: “E aquele que me enviou está comigo e em mim. Com efeito, o Pai não me deixou sozinho, pois eu faço constantemente as coisas que lhe agradam” (Jo 8, 29). Graças ao mistério da Encarnação Jesus considera-nos seus irmãos: “Eu subo para junto do meu Pai e vosso Pai. Eu vou para o meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17).
Este texto é muito significativo, pois demonstra que, na visão de São João, Jesus é Deus com o Pai, mas também é homem connosco, pois o nosso Deus é também o seu Deus. São João começa o seu evangelho afirmando que o Filho de Deus é a Palavra, isto é, o grito criador e salvador de Deus em favor da Humanidade. A Bíblia diz que a Palavra de Deus é eficaz, isto é, realiza sempre o que significa.
O Filho de Deus vem ao mundo como grito amoroso do Pai que diz aos seres humanos: “Como sois irmãos do meu Filho, eu vos acolho como filhos meus. Depois de ter realizado esta missão, o Filho volta para Deus afirmando que, agora, já somos membros da família divina. Depois de ter realizado a missão que o Pai lhe confiou, o Filho vai par junto do Pai, a fim de nos introduzir na Família Divina: “Eu Saí do Pai e vim para o mundo. Agora deixo o mundo e vou para o Pai” (Jo 16, 28).
3-O Filho Revela-nos o Pai
Quando formos incorporados na comunhão familiar divina, compreenderemos perfeitamente a união do Pai com o Filho e a relação que existe entre eles: “Nesse dia compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20). Como já vimos, o evangelho de João mantém um perfeito equilíbrio entre a afirmação de Cristo como filho eterno de Deus e a sua condição de homem em tudo igual a nós excepto no pecado.
Jesus de Nazaré e o Filho Eterno de Deus fazem uma união orgânica, isto é, interactiva e dinâmica. Esta união, no entanto, não é fusão do divino com o humano. Pelo contrário, estas duas realidades mantêm uma distância suficiente para o homem poder ser plenamente homem, sem interferência do Logos. Do mesmo modo, o Logos mantém-se plenamente divino sem qualquer bloqueio provocado pelo homem. Como filho eterno de Deus, Cristo e o Pai fazem um (Jo 10, 30).
Esta união do Filho com o Pai é tão perfeita que a acção de Jesus Cristo reflecte de modo perfeito o querer de Deus a nosso respeito (Jo 14, 9). O evangelho de São João é o único onde Jesus é chamado Deus de modo explícito. Tomé, após a dúvida sobre a veracidade da ressurreição rende-se perante o Senhor ressuscitado tratando-o por Deus: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28).
4-Homem e Deus Unidos de Modo Orgânico
Também segundo este mesmo evangelho, Jesus se declara Deus, aplicando-se a mesma expressão que Yahvé se aplicou no Monte Sinai, isto é, o “Eu Sou”. Eis as palavras de Jesus: “Agora digo-vos estas coisas antes que aconteçam, a fim de que, quando elas acontecerem, acrediteis que eu sou” (Jo 13, 19). No entanto, São João mantém o equilíbrio, afirmando o humano e o divino em Cristo: Como homem, Jesus reconhece que vai para junto do seu e nosso Pai, do seu e nosso Deus” (Jo 20, 17). São João não ignora que Jesus é um homem como nós. Sabe que o divino não anula o humano, tal como o humano não mutila o divino.
Como Filho Eterno de Deus, Cristo é igual ao Pai. No entanto, devido à sua condição de homem, o Pai é maior do que o Filho: “Ouvistes o que eu vos disse: “Eu vou mas voltarei para vós”. Se me tivésseis amor, devíeis alegrar-vos por eu ir para o Pai, pois o Pai é maior do que eu” (Jo 14, 28).
São João faz notar que os judeus, ao notarem que Jesus se fazia igual a Deus, começaram a fazer planos para o matar: “Devido ao facto de Jesus realizar estes prodígios em dia de sábado, os judeus começaram a perseguí-lo. Em resposta, Jesus disse aos judeus: “O meu Pai continua a realizar obras até agora, e eu também faço como ele!” Perante estas afirmações cresceu mais nos judeus a vontade de o matar, pois não só anulava o sábado, mas também chamava a Deus seu Pai, fazendo-se, deste modo, igual a Deus” (Jo 5, 16-18).
5-Cristo Revela-nos o Mistério da Trindade
A compreensão de Cristo como Filho eterno de Deus não foi o ponto de partida, mas sim o ponto de chegada da Fé das Comunidades Apostólicas. Foi com este salto de qualidade que a Fé cristã chegou ao mistério da Santíssima Trindade. Além disso, implica a reformulação do mistério central da fé judaica, pois o monoteísmo deixa de ser unipessoal.
Com efeito, reconhecer que Cristo é Deus como o Pai, leva consigo a afirmação de que Deus não é apenas o Yahvé do Antigo testamento, mas uma comunidade familiar de pessoas: “Não acreditais que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não são ditas por minha própria iniciativa. O Pai que habita em mim é que faz as obras. Acreditai que eu estou no Pai e o Pai está em mim. Ao menos acreditai nisto por causa das mesmas obras” (Jo 14, 10-11).
A fidelidade incondicional de Jesus à vontade do Pai é fonte de vida eterna para a Humanidade. Por isso ele procura fazer as coisas tal como o Pai lhe mandou: “Eu não falei por mim mesmo. O pai, que me enviou, foi quem me comunicou o que devo dizer. E eu sei que este meu mandato traz consigo a vida Eterna. Eis a razão pela qual eu digo exactamente o que o Pai me mandou dizer” (Jo 12, 49-50).
Por ser Deus com o Pai, Cristo é fonte de vida, tal como o Pai: “Assim como o Pai tem vida em si mesmo, também o Filho é fonte de vida” (Jo 5, 26). Por ser a fonte da Vida eterna, Jesus Cristo pode afirmar: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenho morrido, viverá. Todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre” (Jo 11, 25-26).
O evangelho de São João afirma a divindade de Cristo inspirando-se na tradição das teofanias ou manifestações de Israel, de modo particular a Moisés. Eis o modo como Jesus afirma a sua igualdade com Yahvé, o Deus dos antepassados: “Abraão, vosso pai, exultou pensando em ver o meu dia. Viu-o e ficou feliz. Disseram-lhe, então, os judeus: “Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão? Jesus respondeu-lhes: “Em verdade em verdade vos digo: antes de Abraão existir, eu sou” (Jo 8, 57-58).
Com este simbolismo brilhante, São João afirma de modo inequívoco a divindade de Cristo. Mas é sobretudo no Jardim das Oliveiras que São João afirma a divindade de Cristo. No momento da prisão de Jesus, São João afirma de modo solene o poder divino de Cristo, a fim de sublinhar que a prisão de Jesus não é um acto de fraqueza mas um acto de amor a Deus e à Humanidade: “Judas, então, guiando o destacamento romano e os guardas ao serviço dos sumo-sacerdotes e dos fariseus, chegou munido de lanternas, archotes e armas. Jesus, sabendo o que lhes ia a acontecer, adiantou-se e disse-lhes: “Quem buscais?” Eles responderam: “Jesus o Nazareno”. Disse-lhes ele: “Eu sou” (…). Logo que Jesus lhes disse: “Eu sou”, os soldados recuaram e caíram por terra. Jesus perguntou-lhes segunda vez: “Quem buscais?” Disseram-lhe: “Jesus o Nazareno”. Já vos disse que “Eu sou”. (Jo 18, 3-8).
Ao colocar na boca de Jesus o “Eu sou”, São João está a pensar no Deus que se revelou no Sinai. Isto é confirmado com o facto de os soldados caírem de bruços por terra, tal como aconteceu com Moisés quando Deus se lhe revelou. Deus é amor. Sabe tudo o que o amor sabe, isto é, dar-se incondicionalmente. Mas é frágil, pois o amor nunca se vinga. Eis a razão pela qual Jesus Cristo foi preso e morto. Mas Como o amor vence a morte, Jesus Cristo ressuscitou. Na verdade, o amor gera vida e vence a morte!
6-Aspectos Divinos de Cristo
Como vimos mais acima, só no evangelho de São João os discípulos proclamam de modo explícito a divindade de Jesus Cristo. São Tomé, ao ver o Senhor ressuscitado exclama: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28). Eis alguns aspectos significativos que o evangelho de São João utiliza para afirmar a divindade de Cristo: Habitou desde sempre no Céu junto do Pai. Veio de junto do Pai que está no Céu. A sua relação do Pai com ele é e distinta da relação do Pai com os demais homens, pois ele é o Filho Unigénito.
Quando voltar para junto do Pai, o Filho vai enviar-nos o Espírito Santo. Os judeus entenderam bem que ele se estava a equiparar com Deus. O Filho está em comunhão permanente com o Pai, por isso conhece tudo o que o Pai faz. O Filho pode falar com total segurança sobre o Pai, pois viveu junto dele desde toda a eternidade. Tal como o Pai é a fonte da Vida, também o Filho Dá a vida e ressuscita os mortos.
Os judeus recusam-se a aceitar Jesus, no entanto, ele é o caminho que conduz à vida (Jo 5, 40). Jesus é o Pão de Deus que veio do Céu para dar a vida ao mundo (Jo 6, 33). Ninguém jamais viu a Deus, excepto o Filho que veio de Deus (Jo 6, 46). Os discípulos verão o Filho subir para onde estava antes (Jo 6, 62). Jesus afirmou aos judeus que eles são cá de baixo, enquanto ele é lá de cima (Jo 8, 23). Jesus diz apenas o que viu e viveu junto do Pai (Jo 8, 38). Após a última Ceia, Jesus pede ao Pai que o glorifique com a mesma glória que tinha antes do mundo ser criado (Jo 17, 5).
Na hora de partir, Jesus declara aos discípulos que veio do Pai e de novo volta para o Pai (Jo 16, 28). O Filho é Deus com o Pai. É por esta razão que tudo o que o Pai tem é do Filho e tudo o que o Filho tem é do Pai (Jo 17, 10). Deus disse a Moisés: “Eu sou aquele que sou”. Por isso dirás aos filhos de Israel: “O “Eu Sou” enviou-me a vós” (Ex 3, 13-14). Jesus utiliza esta mesma linguagem para falar da sua condição divina: “Disseram-lhe, então, os judeus: “Ainda não tem cinquenta anos e viste Abraão? Jesus respondeu-lhes: “Em verdade, em verdade vos digo: Antes de Abraão existir, Eu Sou” (Jo 8, 57-58).
Com São João o monoteísmo deixou de ser unipessoal. Sem deixar de ser uma comunhão de três pessoas. O Uno, em Deus, é uma comunhão orgânica das pessoas divinas. O plural é constituído pelas pessoas da Santíssima Trindade. Isto quer dizer que Deus é uma Família e os seres humanos estão convidados a fazer parte da Família divina!
c)A União do Humano Com o Divino em Cristo
1-A União do Humano Com o Divino
A nossa fé diz-nos que, em Jesus Cristo, a união do humano com o divino é perfeita e harmoniosa. Por outras palavras, em Jesus Cristo, nem o humano é substituído pelo divino, nem o divino é empobrecido pelo humano. Por outras palavras, a humanidade e a divindade em Jesus Cristo formam uma união orgânica e interactiva perfeita.
A maneira como Jesus viveu e se realizou plenamente como homem é a prova de que o divino, ao tocar o humano, não o anula, nem o substitui. Como sabemos, a presença do Espírito Santo no nosso coração não nos anula. Pelo contrário, optimiza as nossas capacidades e qualidades. O facto de Jesus ser um homem perfeito em comunhão connosco é condição essencial para a nossa salvação. Do mesmo modo, o facto de o divino em Jesus Cristo formar uma união orgânica com o humano é condição essencial para a nossa divinização.
Os seres humanos são ressuscitados e assumidos na Família da Santíssima Trindade, não de modo individual, mas sim na medida em que formamos uma unidade orgânica com Jesus Cristo. São Paulo diz que nós ressuscitamos porque fazemos um todo com Cristo. “Ora, se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de entre vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo também não ressuscitou” (1 Cor 15, 12-13).
Como Jesus e a Humanidade formam uma unidade orgânica era impossível acontecer a ressurreição de Cristo sem acontecer também a ressurreição da Humanidade. São Paulo explicita melhor o seu pensamento dizendo que também Adão como cabeça da Humanidade faz um todo com ela: “Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Porque assim como por um homem veio a morte, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como todos morrem em Adão, assim em Cristo todos recebem a plenitude da vida” (1 Cor 15, 20-22).
2-O Homem e Deus Unidos de Modo Orgânico
O evangelho de São João vai nesta mesma linha ao afirmar que a nossa união com Cristo se pode comparar à união que existe entre a cepa da videira e os seus ramos. Os ramos vivem e dão fruto na medida em que estão unidos à videira: “Permanecei em mim que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 4-5).
Depois acrescenta que somos todos membros do corpo de Cristo, embora tenhamos funções diferentes, tal como acontece com os membros do corpo (1 Cor 12, 27). Isto quer dizer que em Jesus Cristo se realizam de modo perfeito a natureza divina e a humana. Como sabemos, a natureza divina concretiza-se em pessoas e a natureza humana também.
É verdade que as pessoas humanas não são iguais às divinas, mas são proporcionais. É neste facto que assenta a possibilidade da Encarnação. Pela Encarnação, o Filho Eterno de Deus não se tornou uma grandeza biológica. Se assim fosse, o Filho de Deus também podia encarnar num animal qualquer. Neste caso, mais que de encarnação, teríamos de falar de possessão.
Também não é preciso imaginar que pela Encarnação, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, se meteu dentro do homem Jesus, substituindo, a pessoa humana de Jesus de Nazaré. Se assim fosse, teríamos de dizer que Jesus não era um homem perfeito, pois faltava-lhe o núcleo mais nobre do homem, isto é, o facto de ser pessoa.
3-O Divino Optimiza o Humano
Podemos dizer com toda a verdade que em Jesus Cristo o divino, ao unir-se ao humano, não o anula. Pelo contrário, optimiza-o. Também nós, ao sermos assumidos na comunhão familiar da Santíssima Trindade, não somos anulados, mas optimizados nas nossas capacidades de amar e comungar. A encarnação não pode acontecer num animal precisamente pelo facto de os animais não serem pessoas. Se a encarnação aconteceu na Humanidade, isto deve-se ao facto de existir proporcionalidade entre as pessoas humanas e divinas.
O mistério da Encarnação é em tudo semelhante ao mistério da Trindade. Como sabemos, Deus é uma comunhão de três pessoas formando, não uma pessoa, mas um Deus que é comunhão de pessoas. No evangelho de São João, Jesus Cristo, para afirmar a sua união orgânica com Deus Pai, diz que ele e o Pai fazem um (Jo 10, 30). Nesta união do Pai e do Filho, as duas pessoas não se fundem, nem confundem.
O mesmo acontece com a união humano-divina do Filho Eterno de Deus e de Jesus de Nazaré, o Filho de Maria. Esta união é animada pelo Espírito Santo que é o amor de Deus derramado nos nossos corações, como diz São Paulo (Rm 5, 5). Por outras palavras, Jesus Cristo não é uma casca de homem ocupada interiormente pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Segundo os diversos dogmas cristológicos, Jesus tinha uma alma humana, isto é, uma interioridade espiritual humana. Tinha também uma vontade humana, distinta da vontade da Segunda pessoa da Santíssima Trindade. Além disso, Jesus tinha consciência e liberdade humanas, as quais não eram anuladas pelas divinas. Por outras palavras, Jesus não era um homem substituído pelo Filho Eterno de Deus.
O Espírito Santo é uma pessoa divina. Com seu jeito maternal de amar ele optimiza as relações de amor e fortalece os vínculos de comunhão entre as pessoas. São Paulo diz que é pelo Espírito Santo que os seres humanos são filhos e herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros com o Filho de Deus. (Rm 8, 14-17). Ele é o princípio animador dessa união orgânica que resulta do mistério da Encarnação. O Espírito Santo interage de modo adequado e apropriado com cada pessoa. Relaciona-se de modo único, original e irrepetível com cada um de nós. Está em mim, por mim e para mim, o que não significa que, por este facto, esteja contra alguém.
O evangelho de São João diz que também nós, graças a Jesus Cristo, somos incorporados na comunhão orgânica da Santíssima Trindade (Jo 17, 21-23). Por outras palavras, pelo mistério da Encarnação a Divindade enxertou-se na Humanidade, a fim de as pessoas humanas serem assumidas e incorporadas na comunhão familiar das pessoas divinas.
d)Cristo é o Rosto Humano do Amor de Deus
1-Jesus Cristo é a Revelação do Deus Vivo
A revelação é uma luz que nos faz compreender a realidade de Deus, do Homem e do universo. No evangelho de São João, é frequente encontrarmos expressões que identificam Jesus com a Luz e a Verdade: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da Vida” (Jo 8, 12). Depois acrescenta: “Enquanto estou no mundo, eu sou a Luz do mundo” (Jo 9, 5). Com estes termos São João quer dizer que Jesus é o portador máximo da revelação de Deus.
Do mesmo modo, quando Jesus é visto como medianeiro da salvação, São João chama a Jesus o caminho que nos conduz a Deus: “Jesus respondeu a Tomé:”Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim” (Jo 14, 6). Com este mesmo sentido, o evangelho de São João diz que o Espírito Santo é o Espírito da verdade: “Quando ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa” (Jo 16,13).
O evangelho de São Lucas diz que Simeão, ao tomar o Menino Jesus ao colo, diz que ele é a luz para iluminar o mundo: “Luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel” (Lc 2, 32). Estas expressões querem dizer que Jesus, no seu modo de agir e falar exprime de modo perfeito a realidade de Deus.
O evangelho de São João diz que Jesus tinha consciência clara de ser a expressão perfeita do amor do Pai por nós. Esta identificação é de tal modo perfeita que os discípulos, ao verem o modo de Jesus actuar, podiam compreender perfeitamente o rosto e o jeito de Deus Pai para connosco: De tal modo Jesus se identificava com a vontade do seu Pai do Céu que um dia afirmou: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).
Os evangelhos dizem que Jesus elegeu como razão principal para o que dizia e fazia a vontade de Deus Pai: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra (Jo 4, 34). Jesus fez da vontade de Deus Pai a razão primeira da sua vida. É este o sentido das seguintes frases de Jesus: “Eu não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo5, 30). “O Pai não me deixa sozinho, pois eu faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8, 29).
Segundo o evangelho de São Mateus, Jesus, ao convidar as pessoas a acolher o Reino de Deus, identifica a conversão com adesão e fidelidade à vontade do Pai: “Nem todo aquele que diz “Senhor, Senhor” entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mt 7, 21).
Jesus tinha consciência de que a sua missão era construir a Família de Deus, a qual não assenta nos laços do sangue mas nos laços do Espírito Santo. Os evangelhos dizem que Jesus considerava as pessoas que faziam a vontade de Deus como membros da Família de Deus: “Aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 50; Mc 3,35; Lc 8, 21).
2-Jesus Cristo e a Palavra de Deus
O evangelho de São João diz que Jesus veio como Filho de Deus cheio de Graça e Verdade. A Graça é a optimização da nossa vida espiritual que acontece pelo facto de sermos incorporados de modo orgânico na Família de Deus. A Verdade, por seu lado é a compreensão e enunciação correcta e adequada da realidade de Deus, do Homem, da História e do Universo.
Isto quer dizer que só Deus possui a plenitude da Verdade e que os seres humanos crescem na verdade na medida em que se deixam penetrar pela Palavra de Deus. O evangelho de São João diz que Jesus veio ao mundo, a fim de dar testemunho da Verdade (Jo 18, 37). Após a sua ressurreição, Jesus continua a ser o grande comunicador da Verdade, pois é ele quem nos comunica a luz e a força do Espírito Santo que é o Espírito da Verdade: “Quando vier o Espírito da Verdade ele vos conduzirá à verdade plena” (Jo 16, 13).
Com a vinda do Espírito Santo, os discípulos ficam consagrados na Verdade, isto é, capacitados para comunicar aos homens a Palavra de Deus: “Pai consagra-os na Verdade. A tua Palavra é a Verdade” (Jo 17, 17). O evangelho de São João diz que a pessoa que cresce na Verdade gosta de se aproximar da Luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas: “Quem age segundo a Verdade aproxima-se da Luz, a fim de que se veja que as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3, 21).
Jesus associa a Verdade com a liberdade. Quando mais a pessoa estiver em posse da Verdade mais livre será: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará” (Jo 8, 32). Como sabemos, a pessoa humana não nasce livre, mas sim com a possibilidade de o vir a ser. A possibilidade de a pessoa se tornar é o livre arbítrio, isto é, a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal. O ser humano não chegará a ser livre sem exercitar o livre arbítrio. Mas não basta exercitar o livre arbítrio para que a pessoa se torne livre, pois a pessoa tanto pode exercitar o livre arbítrio optando pelo bem ou pelo mal.
3-Jesus Cristo e a Libertação do Homem
A pessoa humana torna-se livre na medida em que opta pelo amor. A esta luz entendemos muito melhor a importância fundamental do mandamento de Jesus: “Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei. As pessoas saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 34-35). Depois, Jesus acrescenta: “É este o meu mandamento: que vos amais uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem mais amor do que a pessoa que dá a vida pelos seus amigos. Vós sois meus amigos se cumprirdes o meu mandamento. Já não vos chamo servos, pois servos, pois o servo não está ao corrente do que faz o seu senhor. A vós chamo-vos amigos, pois dei-vos a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15, 12-15).
Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer. Aceitá-lo como é, apesar de ser diferente, e agir de modo a facilitar a sua realização e felicidade. Na verdade, o amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Isto quer dizer que a liberdade é uma conquista do Homem em construção. Isto significa que a pessoa apenas se torna livre, optando pelo amor. Se a Verdade, como disse Jesus, nos faz crescer na liberdade, isto quer dizer que quanto mais a pessoa estiver na posse da verdade, mais capacitada está para optar e decidir no sentido do bem e do amor.
A Palavra de Deus é a Luz que nos capacita para compreendermos o mistério de Deus e do Homem, bem como o sentido das coisas e dos acontecimentos. Por outras palavras, sem estar na posse da Verdade, o Homem não pode agir e relacionar-se de modo adequado e amoroso com a realidade. O evangelho de São João diz que as pessoas que fazem o mal não se tornam livres. Optar pelo pecado é tornar-se escravo do pecado, disse Jesus (Jo 8,3).
4-Jesus Revela-nos o Amor Salvador de Deus
Para o Novo Testamento, a ressurreição de Cristo não é apenas um acontecimento com alcance individual. Por ser um homem como nós, Jesus faz um todo orgânico com a Humanidade. Eis a razão pela qual a ressurreição de Jesus Cristo tem um alcance Universal.
Os primeiros efeitos da força da ressurreição de Jesus tornaram-se evidentes na transformação operada nos Apóstolos. Na Quinta-Feira Santa, todos fugiram. Pedro afirmou que não conhecia Jesus de lado nenhum. Três dias depois ei-los na praça pública a dizer aos judeus que Jesus é o Messias, o eleito de Deus. Uma transformação destas só podia resultar de dois factos: ou os discípulos enlouqueceram devido à perda do Mestre, ou aconteceu um milagre. Deram provas sobejas de que não estavam loucos, pois utilizavam os textos bíblicos com tanta lucidez que confundiam os especialistas das Escrituras.
Então só pode ter acontecido um milagre a que nós podemos dar o nome de experiência pascal dos discípulos. Como eles próprios afirmam, a sua mudança deve-se ao facto de terem contactado com o Senhor Ressuscitado. A experiência pascal não é uma evidência humana, mas uma experiência feita no Espírito Santo, diz São Paulo (1 Cor 12, 13). A experiência pascal dos discípulos está alicerçada não numa, mas em várias aparições e a grupos distintos (1 Cor 15, 3-7).
Embora não fazendo parte do grupo dos Doze, São Paulo dá testemunho da diversidade das aparições que constituem a experiência Pascal dos apóstolos, tal como eles a relataram ao próprio São Paulo. Eis as suas palavras: Em primeiro lugar o Senhor apareceu a Pedro e em seguida aos Doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos, isto é, a um grande número de discípulos, muitos dos quais ainda vivem, acrescenta ele. Em seguida apareceu a Tiago. Aqui nós devemos entender uma aparição a Maria, Mãe de Jesus e aos chamados irmãos de Jesus dos quais o mais velho era Tiago.
Antes da Páscoa, Maria e os irmãos de Jesus não faziam parte do grupo dos apóstolos. Mas logo a seguir à ressurreição do Senhor, diz o Livro dos Actos dos Apóstolos, Maria e os irmãos de Jesus já fazem parte da comunidade de Jerusalém (Act 1, 14). Depois São Paulo continua a falar das aparições do Senhor ressuscitado e acrescenta: “Finalmente apareceu-me também a mim que sou como que um aborto, pois persegui a Igreja de Deus (1 Cor 15, 5-9).
Ao contrário dos mitos das diversas religiões, a experiência pascal dos apóstolos torna-se imediatamente objecto de pregação. E, um pouco mais tarde, foi redigida por escrito, embora já transformada pela comunicação oral e a preocupação de responder às diversas interrogações e acusações que iam surgindo contra os discípulos. A ressurreição de Cristo tornou-se o centro da Fé dos discípulos e o acontecimento que os leva a reformular o projecto salvador de Deus.
Eis as palavras de São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é falsa e é inútil a vossa fé. Ainda estais perdidos, pois ainda permaneceis nos vossos pecados” (1 Cor 15, 14, 17). São Paulo parte do pressuposto de que, sem a ressurreição de Jesus Cristo, não havia salvação para a Humanidade. Podemos dizer que através da ressurreição de Cristo, a Humanidade deu um salto qualitativo fundamental: São Paulo diz que a linguagem sacramental do baptismo exprime a nossa condição de seres organicamente unidos ao mistério de Cristo ressuscitado: “Fomos sepultados com Cristo no baptismo, a fim de vivermos uma vida nova, pois Jesus ressuscitou dos mortos” (Rm 6, 4).
Na Carta aos Colossenses, São Paulo acrescenta que, graças à ressurreição de Cristo, o nosso pecado foi perdoado (Col 2, 12-13). Contrapondo a infidelidade de Adão e a morte que ela trouxe para a Humanidade, São Paulo diz que o projecto de Deus foi restaurado em Cristo, o qual nos trouxe o dom da vida eterna: “O salário do pecado é a morte, mas o dom de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo Nosso Senhor” (Rm 6, 23).
Eis o que diz o evangelho de São João: “De tal modo Deus amou o mundo que lhe deu o seu único Filho, a fim de que todo o que acredita nele não pereça mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). A Carta aos Efésios diz que a salvação da Humanidade é um dom gratuito de Deus e não algo que o Homem tenha conquistado pelas suas obras: “Vós estais salvos pela graça, mediante a Fé. E isto não se deve às vossas obras, pois é um dom de Deus” (Ef 2, 8-9).
O mérito do Homem consiste no facto de acolher Cristo, o Filho de Deus enviado aos seres humanos para fazer deles membros da Família de Deus: “Àqueles que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram da carne nem da vontade dos homens, mas sim da vontade de Deus” (Jo 1, 12-13).
5-Jesus é o Caminho da Salvação
Jesus é o Mestre e o pedagogo que nos conduz ao conhecimento de Deus e do seu plano de amor. Deus confiou-lhe a missão de nos ajudar a conhecer e a amar a Deus, a fim de possuirmos a vida eterna. Após a Ceia da Páscoa, diz o evangelho de são João, Jesus fez uma longa oração ao Pai, dando-lhe graças por se dar a conhecer dos homens e pelo seu plano de salvação para a Humanidade: “ Pai Santo é assim a vida eterna: Que te conheçam, Pai, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem tu enviaste” (Jo 17, 3).
Segundo a Bíblia, conhecer Deus é algo que implica uma comunhão com ele mediante o Espírito Santo, como diz a Primeira Carta de São João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. Todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor.” (1 Jo 4, 7-8).
Isto quer dizer que o amor aos irmãos é o caminho seguro para chegarmos ao conhecimento de Deus: “A Deus nunca ninguém o viu. Mas se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós” (1 Jo 4, 12). E logo a seguir acrescenta: “Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso, pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê. Nós recebemos de Jesus este mandamento: quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (1 Jo 4, 20-21).
São Paulo diz que todo o que ama a Deus é conhecido pelo próprio Deus. Conhecer, no sentido bíblico, significa estabelecer uma interacção amorosa e fecunda: “ Mas se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Deus (1 Cor 8, 3). A Primeira Carta aos Coríntios afirma que ninguém pode conhecer Jesus Cristo ressuscitado a não ser pelo Espírito Santo: “Ninguém é capaz de Dizer: “Cristo é o Senhor ressuscitado” a não ser pelo Espírito Santo” (1 Cor 12, 3).
Pelo facto de fazermos uma união orgânica com Jesus Cristo nós somos incorporados na Família de Deus com ele: “Permanecei em mim que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim acontecerá também convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu e eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer.” (Jo 15, 4-5).
Conhecer Jesus Cristo é o caminho para conhecermos o Pai, diz Jesus no evangelho de São João: “Há tanto tempo que estou convosco, Filipe, e ainda não de conheces? Quem me vê, vê o Pai.” (Jo 14, 18). O princípio animador desta união orgânica é o Espírito Santo. Ao ressuscitar, Jesus enviou-nos o Espírito Santo, a fim de ele nos conduzir à Verdade e à comunhão com Deus: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que eu vos disse” (Jo 14, 26).
Consciente da profundidade da comunhão que acontece através de Jesus Cristo, Jesus disse aos discípulos: “Felizes os olhos que vêem o que estais a ver. Digo-vos na verdade que muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram” (Lc 10, 23-24).
São Paulo diz que Jesus nos conduz a Deus, introduzindo-nos na própria família divina: “Todos os que são movidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para andar com medo. Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos de Deus. É por este Espírito que nós clamamos “Abba”, ó Pai” (Rm 8, 14-15).
Jesus conduz-nos à união da família de Deus, diz São Paulo, pelo que todos temos a mesma dignidade (Gal 3, 29). Eis as suas palavras na Carta aos Colossenses: “Não mintais uns aos outros, já que vos despistes do homem velho com as suas acções, e vos revestistes do Homem Novo, o qual não cessa de se renovar à imagem do seu Criador: Por isso já não há grego nem judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas apenas Cristo que é tudo em todos e está em todos” (Col 3, 9-11).
e)Fidelidade de Jesus e Salvação Humana
1-Salvos em Cristo
Graças ao mistério da Encarnação, a Humanidade e a Divindade ficaram definitivamente unidas. Isto foi possível graças ao facto de a Humanidade ser pessoas e a Humanidade, também. As pessoas humanas, tal como as divinas, formam uma união orgânica. À união orgânica das pessoas humanas damos o nome de a Humanidade. À união orgânica das pessoas divinas damos o nome de Divindade. Isto quer dizer que existe uma Divindade constituída por três pessoas, tal como existe uma Humanidade constituída por biliões pessoas.
Esta maneira bíblica de ver as coisas ajuda-nos a compreender como as pessoas são solidárias no bem e no mal. O vínculo desta união orgânica que liga a Humanidade à Divindade é o Espírito Santo, como diz São na Carta aos Romanos: “Os que são movidos pelo Espírito são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para andardes com temor. Pelo contrário, recebestes um espírito de adopção graças ao qual chamais “Abba”, ó Pai. Se realmente és filho és também herdeiro de Deus Pai e co-herdeiro com o Filho de Deus” (Rm 8, 14-17).
É esta a maneira de ver que está subjacente ao relato do servo sofredor de Isaías que nos fala do modo como o sofrimento dos justos no exílio de Babilónia serviu de redenção para os pecadores (Is 52, 13-53, 12). A saída encontrada por Isaías é que o justo, por fazer um todo orgânico com o povo pecador, sofre com ele as perseguições e violências.
2-O Justo e o Sofrimento
Ao ver o justo a sofrer, Deus toma partido por ele e vai libertá-lo. Como o justo faz uma união orgânica com os pecadores estes acabam por ser libertos juntamente com os pecadores. Deste modo, o sofrimento do justo vai reverter em favor do povo pecador, acabando por se tornar um sofrimento redentor.
Como os justos e os pecadores formam o único povo de Deus, fala umas vezes do povo, outras do justo e vice-versa: “O meu servo terá êxito, pois será engrandecido e exaltado. Muitos povos ficaram espantados diante dele quando viram o seu rosto desfigurado e o seu aspecto disforme. Do mesmo modo, muitos povos e reis ficarão espantados ao verem as coisas maravilhosas e inauditas que vão acontecer (…). O servo cresceu diante do Senhor sem figura e sem beleza, como um rebento ou uma raiz em terra árida. Vimo-lo sem aspecto atraente, desprezado e abandonado pelos homens, como homem das dores, habituado ao sofrimento. Temo aspecto de um ser desprezado, diante do qual se tapa o rosto.
Na verdade ele tomou sobre si as nossas doenças e carregou as nossas dores. Mais parecia um leproso humilhado e ferido por Deus. Mas foi ferido por causa dos nossos pecados, esmagado por causa das nossas iniquidades cujo castigo caiu sobre ele. Fomos curados nas suas chagas. Andávamos desgarrados como ovelhas perdidas, cada qual seguindo o seu caminho. Foi maltratado, pois o Senhor carregou sobre ele os nossos crimes. Foi maltratado, mas não abriu a sua boca, tal como o cordeiro que é levado ao matadouro ou a ovelha emudecida nas mãos do tosquiador. Sem defesa nem justiça, levaram-no à força. E ninguém se preocupou com o seu destino. Foi ferido por causa dos pecados do meu povo e suprimido da terra dos vivos.
Deram-lhe sepultura entre os ímpios e uma tumba entre malfeitores, apesar de não ter cometido qualquer crime nem praticado a fraude. Aprouve ao Senhor esmagá-lo com sofrimento, mas a sua vida tornou-se um sacrifício de reparação. Terá uma posteridade duradoura e viverá longos dias. O desígnio do Senhor realizar-se-à por meio dele (…). Justificará a muitos, pois carregou com os seus crimes. Por esta razão terá uma multidão como herança. Receberá muita gente como despojos, pois entregou a sua vida à morte. Foi contado entre os pecadores, pois tomou sobre si os pecados de muitos, sofrendo pelos culpados” (Is 52, 13-53,12).
3- Jesus e a Missão do Justo Sofredor
Perante a dificuldade de justificar os sofrimentos e a morte de Jesus, os discípulos recorreram a estes textos magníficos, atribuindo a Jesus a missão do Servo sofredor. Eis o que diz a Primeira Carta de São Pedro a este propósito: “Carregou sobre si os nossos pecados sobre o madeiro da Cruz, a fim de que nós, estando mortos para o pecado, possamos viver na justiça. Fomos curados nas suas feridas” (1 Pd 2, 24). Nesta mesma linha, São Paulo diz que um morreu por todos e, nele todos morreram para o pecado (2 Cor 5, 14).
Deus tomou partido por Jesus, ressuscitando-o e glorificando-o. Como a Humanidade forma um todo orgânico e Jesus é homem, todos fomos assumidos e glorificados nele e com ele. Se formamos uma união orgânica com Cristo, todos somos libertos, pois Deus toma partido pelo justo que sofre: “Eis uma palavra digna de confiança: Se morremos com Cristo também vivemos com ele” (2 Tim 2, 11).
Em Cristo Jesus todos formamos uma só união orgânica. São Paulo descreve de maneira muito bonita esta união orgânica dizendo que não importa a raça, a língua, o estatuto social, o povo ou a condição sexual das pessoas. Todos têm a mesma dignidade em Jesus Cristo, sublinha o Apóstolo: “Já não há diferença entre judeu ou grego, escravo ou homem livre. Já não há diferença entre homem ou mulher, pois todos formamos um em Jesus Cristo” (Gal 3, 28).
4-Cristo é o Elo da Comunhão Com Deus
Jesus Cristo é a condição da nossa união à divindade. Eis o que ele diz no evangelho de São João: “Nesse dia compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20). Na sua oração após a ceia pascal, Jesus recorda esta verdade enquanto ora a Deus Pai: “Eu neles, tu em mim, Pai, a fim de eles serem perfeitos na unidade. Deste modo o mundo conhecerá que me enviaste e os amaste a eles, tal como me amaste a mim” (Jo 17, 23).
Graças a esta união orgânica com Cristo, fomos incorporados na Família de Deus, tornando-nos filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação a Deus filho. O Espírito é o amor maternal de Deus. Com seu jeito maternal de amar conduz-nos ao Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho que nos acolhe como irmãos: “Todos os que se deixam guiar pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para andardes no temor. Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção graças ao qual chamais “Abba”, ó Pai (…). Ora, se somos filhos somos também herdeiros. Somos herdeiros de Deus pai e co-herdeiros com Cristo, pressupondo que com ele sofremos, para também com ele sermos glorificados (Rm 8, 14-17).
E mais à frente diz: “Àqueles que Deus conheceu antecipadamente, também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo que este é o primogénito de muitos irmãos” (Rm 8, 29). A união orgânica que nos une a Cristo faz de nós membros dos seus corpo: “Vós sois membros do Corpo de Cristo, e cada um de vós é uma parte deste corpo” (1 Cor 12, 27).
Nesta mesma linha se situa o seguinte texto da Carta aos Efésios: “Portanto, cada um deite fora a hipocrisia e fale a verdade ao seu irmão, pois somos membros de um só corpo” (Ef 4, 25). O Espírito Santo é o princípio vital que anima e dinamiza todo o organismo. Com seu jeito maternal de amar o Espírito Santo anima esta comunhão orgânica universal, diz São Paulo: “Fomos baptizados num só Espírito Santo, a fim de formarmos um só Corpo” (1 Cor 12, 13). Tal como o sangue circula por todo o corpo, levando vida às células, assim o Espírito Santo é o Sangue da Nova Aliança, circulando e vivificando todos os membros do corpo.
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