a)O Homem Como Rei da Criação
1-A Criação no Plano de Deus
2-Cristo Como Plenitude da Criação
3-Deus, o Homem e a Criação
4-O Homem e o Pecado Contra a Criação
5-O Homem e a Plenitude da Criação
b)Saber Estruturar-se Como Pessoa
1-Somos Autores da Nossa Realização Pessoal
2-A Pessoa e a Novidade de Deus
3-O Homem e o Dinamismo de Deus
c)Bondade de Coração e Plenitude Humana
1-O Coração Como Ponto de Emergência Espiritual
2-Coração e Reino de Deus
3-O Coração Como Alicerce da Plenitude Pessoal
4-Deus Habita no Nosso Coração
d)Chamados a Renascer
1-Renascer é Humanizar-se
2-Nascemos Talhados Para Deus
3-Somos Seres com Identidade Histórica
a)O Homem Como Rei da Criação
1-A Criação no Plano de Deus
Sem o dom da revelação, o ser humano não tinha a lente adequada para compreender o sentido mais profundo da Criação e do lugar do Homem no plano de Deus. À luz da fé cristã, o fundamento da Criação é o amor. Na verdade, Deus é amor, diz a Primeira Carta de São João (1 Jo 4, 7). Podemos dizer que o impulso primordial da génese evolutiva do Universo nasce do Amor.
O Deus Criador é uma Comunhão familiar. A Divindade é relações de amor e imprimiu as suas impressões digitais no tecido da Criação. É esta a razão pela qual o tecido da Criação está todo marcado com o selo das relações. Na verdade a dinâmica das relações reina no átomo, no sistema solar ou nas galáxias.
A génese criadora do Universo acontece dentro de uma sequência de causas, efeito, e saltos de qualidade. Em cada salto de qualidade que acontece, a dinâmica das relações ganha uma nova qualidade. E vão surgindo assim relações nucleares, gravitacionais, relações de vida gregária, relações sociais, económicas, políticas, interpessoais ou de comunhão amorosa.
As coisas são assim porque o amor, a comunhão e as relações familiares precederam o Universo! A harmonia e o dinamismo do Universo espelham, embora de modo indirecto, a inteligência e a bondade do Criador. Tudo é lógico. Tudo tem sentido e lugar. Existe intencionalidade, embora não determinismo, na génese da Criação.
2-Cristo Como Plenitude da Criação
Com o aparecimento do Homem, a vida atingiu o nível pessoal e espiritual, tornando-se imagem perfeita de Deus. Na verdade, a Divindade é pessoas em relações e a Humanidade também. À luz da fé cristã, o Homem é a menina dos olhos de Deus e a sua grande paixão. A prova evidente de que o Homem é realmente a paixão de Deus é Jesus Cristo.
Podemos dizer que o Criador talhou o Homem para comungar com Deus e concretizou este plano mediante o acontecimento da Encarnação. De facto, pelo acontecimento da Encarnação o divino enxertou-se no humano, afim deste ser divinizado. O evangelho de São João diz que a divinização do Homem, aconteceu porque Deus, através do mistério da Encarnação, nos deu o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1, 12-14).
São Paulo vai nesta mesma linha dizendo que o Filho de Deus, ao comunicar-nos o dom do Espírito Santo faz de nós membros da Família de Deus: Filhos e herdeiros de Deus Pai e irmãos e co-herdeiros com o filho de Deus (Rm 8, 14-16). À luz da fé cristã, Jesus Cristo surge como a cúpula do plano de Deus iniciado com a Criação. A História foi levada à sua plenitude por Jesus Cristo ressuscitado, o qual se tornou a Cabeça da Criação Renovada (2 Cor 5, 17-18).
O evangelho de São João diz que Cristo, no princípio, esteve presente nos primórdios da dinâmica criadora do Universo: “No princípio existia o Verbo e o Verbo estava em Deus e era Deus. Por ele é que tudo começou a existir. E sem ele nada veio à existência. Nele estava a Vida e tudo o que veio a existir” (Jo 1,1-4). Com o mistério da Encarnação acontece a divinização do Homem mediante a sua incorporação na comunhão familiar de Deus.
3-Deus, o Homem e a Criação
Como obra saída das mãos de Deus, a Criação leva a bondade inscrita no seu íntimo. O Livro do Génesis repete várias vezes que Deus olhou para as obras que criou e viu que tudo era bom. (cf. Gn 1, 1-2, 7). O Novo Testamento vai mais longe nesta afirmação da bondade da Criação, pois olha o projecto criador de Deus à luz de Cristo ressuscitado.
Os fariseus com as suas distorções dualistas dividiam as coisas entre puras e impuras, boas e más, benditas e malditas. Jesus opõe-se a esta distorção, afirmando a bondade essencial de todas as coisas. Os alimentos são todos puros, diz Jesus. O que mancha o homem é a maldade que lhe sai do coração e não os alimentos que possa ingerir (Mc 7, 14-20).
São Paulo vai nesta mesma linha quando afirma: Nada é impuro. Podemos comer de tudo sem nos pormos questões de consciência (Rm 14,14; 1 Cor 1 0, 25). “Tudo o que Deus criou é bom. Não devemos rejeitar qualquer alimento por razões de pureza ou impureza legal (1Tm 4, 2-5).
Deus ama ternamente a Criação e cuida de todas as criaturas. Os evangelhos põem na boca de Jesus uma série de afirmações poéticas de uma grande beleza, a fim de afirmar o amor de Deus pela Criação. Nem um só pássaro cai por terra sem que Deus o permita (Mt 10, 29). Com o seu jeito amoroso de criar, Deus deu beleza aos lírios do campo e agilidade às aves do céu (Mt 6, 25-34). Deus chama à existência as coisas que não são, a fim de estas poderem existir, diz São Paulo (Rm 4, 17).
A Carta aos Colossenses diz que Cristo é o princípio, o centro e o fim da Criação (Col 1, 15-20). “Tudo foi criado em Cristo e para ele, acrescenta ainda a Carta aos Colossenses “ (Col 1, 16b). Ao criar o Homem, Deus pôs as coisas criadas ao serviço do Homem, para par que este as utilize de modo arbitrário ou caprichoso, mas para orientar de acordo com o plano de Deus.
Procedendo assim, o Homem e realiza-se e torna-se um ser livre. Na verdade, a liberdade é a capacidade de se relacionar amorosamente com os outros e interagir de modo criativamente com as coisas e os acontecimentos. Eis o que São Paulo diz a este propósito: “Cristo libertou-nos, a fim de sermos livres, pois nós fomos chamados à liberdade” (Ga 5, 1; 5, 13). “Todas as coisas são vossas, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1 Cor 3, 21-23).
O prólogo do evangelho de São João é um testemunho fundamental de fé na criação. Ao escrever este prólogo, São João tinha a intenção de conferir sentido pleno ao texto do Génesis sobre a Criação. Por outras palavras, ao escrever o seu prólogo, São João procede como se estivesse a reescrever o relato da Criação do Livro do Génesis. Por isso ele começa com as mesmas palavras do Livro do Génesis: “ No princípio” (Jo 1,1; cf. Gn 1, 1). Tal como no Génesis, a criação é obra da Palavra (Jo 1,3). Há várias referências à luz e às trevas (Jo 1, 4-5).
Mas o prólogo de São João dá um salto de qualidade em relação ao Génesis: Enquanto no Livro do Génesis a Criação é iniciada em simultâneo com a marcha do tempo, no prólogo de São João ela emerge a partir da eternidade. Por outras palavras, no prólogo de São João, os possíveis da Criação surgem antes do tempo. Na verdade, a Criação emerge como acto amoroso a partir das relações amorosas da Santíssima Trindade. No entanto, apesar de concebida na eternidade, a Criação só acontece no tempo (Jo 1, 12-14).
A Encarnação representa o ponto de encontro e comunhão do Criador com a Criação. Graças ao mistério da Encarnação fomos incorporados na Família Divina (Jo 1, 12-14). O Filho de Deus encarnou pelo Espírito Santo e agora comunica-nos o mesmo Espírito em forma de Água Viva, a qual faz brotar no nosso íntimo, uma nascente de Vida Eterna (Jo 4, 14; 7, 37-39).
À luz do acontecimento de Cristo, o Paraíso como ponto de encontro e convívio harmonioso do Homem com Deus, isto é, o Paraíso, está no futuro e não num passado mítico. O relato do Génesis que nos fala da relação harmoniosa existente entre Deus e Adão deve ser entendido como uma profecia que aponta para a meta do Plano Criador e Salvador de Deus. Foi isto que Jesus quis dizer ao Bom Ladrão no momento da sua morte e ressurreição: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).
4-O Homem e o Pecado Contra a Criação
Podemos dizer que o Criador, ao dar-nos esta terra bonita, generosa e fecunda nos proporcionou uma excelente morada, a fim de tornar possível a emergência de uma Humanidade fraterna e feliz. Mas esta meta só pode acontecer se os seres humanos optarem pela dinâmica do amor, cujo gesto primordial é o cuidado da terra e a partilha fraterna dos seus bens.
Jesus Cristo apontou-nos o caminho para atingirmos esta meta, dando-nos o mandamento do amor: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, também vós vos deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34-35). Ao dar a Terra aos homens, o Criador convida-os a criar laços de solidariedade e comunhão, a fim de emergir o Homem Fraterno e feliz chamado a ser membro da Família de Deus.
O nosso egoísmo não só tem impedido que os bens da Terra circulem por todos os seres humanos como também nos tem levado a agir contra a Natureza, ao ponto de pormos em perigo o equilíbrio do ecossistema. O egoísmo e a inconsciência já danificaram de modo grave o equilíbrio ecológico, pondo em perigo a vida das gerações futuras.
Na base deste nosso pecado está a procura insensata e desumana do lucro e a busca de um progresso sem controlo. Estamos a criar níveis perigosos de poluição ao ponto de termo posto em perigo a própria sobrevivência da Humanidade com a destruição da camada protectora do ozone e o consequente efeito estufa.
As nossas crianças têm cada vez mais problemas respiratórios, pois o ar que respiram é de má qualidade. Os nossos rios já quase não nos oferecem água limpa para bebermos e tomarmos banho. Tudo isto é a expressão do nosso pecado contra Deus e contra a Humanidade, sobretudo contra as gerações futuras.
5-O Homem e a Plenitude da Criação
A nossa Fé diz-nos que em Cristo o humano e o divino ficaram unidos de modo orgânico. Isto quer dizer que já pode acontecer comunhão entre Deus e o Homem. Esta comunhão, diz São Paulo, acontece em forma de comunhão familiar (Rm 8, 14-16). É verdade que o Homem emergiu a partir da vida animal, mas a nossa plenitude é o Reino de Deus, essa comunhão universal constituída por pessoas humanas e divinas.
Como vemos, o ser humano não se define pela sua animalidade mas sim pela sua condição de pessoa criada à imagem de Deus e chamada a ser membro da Família de Deus. Na verdade, somos imagens de Deus a emergir de modo gradual e progressivo através das relações de amor. Eis as palavras de São Paulo: “E nós, com o rosto descoberto, reflectimos a glória do Senhor que nos vai transfigurando através de várias transformações na sua própria imagem pela acção do Espírito Santo” (2 Cor 3, 18).
Para entendermos este mistério em profundidade temos de fazer como São Paulo que distingue o homem interior do homem exterior. O homem interior é a nossa interioridade pessoal e espiritual. O homem exterior, pelo contrário, é o homem biológico e psíquico. Ora o ser que se vai configurando e reforçando como imagem de Deus é o homem interior. O ser espiritual emerge no interior do ser biológico e como o pintainho emerge no interior do ovo.
São Paulo fala do homem exterior que envelhece e se degrada e do homem interior que se vai robustecendo diariamente pela acção do Espírito Santo: “Por isso não desfalecemos. E mesmo se em nós o homem exterior vai envelhecendo e caminhando para a ruína, o interior renova-se e torna-se mais robusto dia após dia” (2 Cor 4, 16).
O evangelho de São João sintetiza esta verdade dizendo ao afirmar que nascemos para renascer. O que nasce da carne é carne, o que nasce do Espírito é espírito. É por esta razão que temos de nascer de novo (Jo 3, 6). No nosso interior, o Espírito Santo é o grande arquitecto que vai configurando o nosso ser espiritual à imagem de Deus.
A Carta aos Romanos diz que Deus, ao criar o Homem, já tinha presente o modelo do Homem perfeito, isto é, Jesus Cristo: Porque os que de antemão conheceu, Deus também os predestinou, a fim de serem uma imagem perfeita de seu Filho, a fim deste se tornar o primogénito de muitos irmãos” (Rm 8, 29).
Com a sua ternura maternal, o Espírito Santo vai moldando com um jeito divino a este ser que emerge como vida humana. A Carta aos Filipenses diz que Adão, criado à imagem de Deus, foi infiel, reivindicando ser igual a Deus. Jesus, pelo contrário, criado à imagem de Deus, não reivindicou ser igual a Deus, mas assumiu a sua condição de servo incondicionalmente fiel a Deus. Por isso Adão foi humilhado, enquanto Jesus foi exaltado tornando-se a cabeça da Nova Humanidade (Flp 2, 6-10).
b)Saber Estruturar-se Como Pessoa
1-Somos Autores da Nossa Realização Pessoal
Naquilo que temos de bom somos realmente parecidos com Deus. Ao criar-nos à sua imagem e semelhança, Deus talhou-nos para o amor. Assim como a vida natural não pode subsistir e crescer sem água, a vida espiritual não pode emergir e fortalecer-se sem a dinâmica das relações de amor. Se meditarmos sobre o mistério de Deus, damo-nos conta que o amor, de facto, não é uma questão secundária. Basta pensarmos que Deus é a origem da realidade e Deus é amor (1 Jo 4, 7).
A nossa fé diz-nos que Deus é uma comunhão familiar infinitamente perfeita. Por estar talhado para a comunhão com Deus, o ser humano pode emergir e crescer sempre como capacidade de amar. Para lá do desenvolvimento físico, o crescimento da pessoa humana acontece como emergência espiritual livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa. O ser humano nasce com um leque de possibilidades para se estruturar como pessoa, a que Jesus deu o nome de talentos.
Uns nascem com cinco, outros com três, dois ou um. Ninguém é herói por receber cinco, como ninguém tem culpa por receber um. A heroicidade da pessoa está em realizar os talentos que recebeu. Eis as palavras de Jesus no evangelho de São Mateus: “Muito bem, servo bom e fiel. Foste fiel em pequenas coisas, muito te confiarei. Entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25, 23).
Isto quer dizer que começamos por ser o que os outros fizeram de nós. Foi dos outros que recebemos os talentos. Mas o mais importante é o que nós fazemos com o que recebemos dos outros. Somos realmente parecidos com Deus. Somos, na verdade, autores de nós mesmos. A dignidade da pessoa humana radica no facto de nascer possibilitada, mas não determinada.
2-A Pessoa e a Novidade de Deus
É verdade que os outros também nos condicionam, mas é deles que recebemos as possibilidades fundamentais para nos realizarmos. Ninguém nos pode substituir na tarefa da nossa realização. As relações marcadas com a densidade do amor têm em si a capacidade de fazer emergir e estruturar a realidade da pessoa.
O amor é, em si mesmo, uma dinâmica criadora. O amor nunca envelhece e é uma fonte permanente de novidade. A génese do Universo foi iniciada pela força do amor. Na verdade, ainda antes da explosão primordial que deu início à génese do Universo, já existia o amor.
E a marcha criadora da Humanidade está a caminhar para a esfera da Comunhão Universal cujo centro é Deus. Isto quer dizer que ao dar o salto para a vida pessoal e espiritual a evolução criadora atingiu o limiar da vida eterna. Com o aparecimento de Jesus Cristo, o divino enxertou-se no humano e a vida humana foi divinizada.
Emergir como pessoa significa crescer em densidade espiritual e comungar amorosamente. De facto, a vida pessoal não é uma questão de quantidade. Não se pesa ao quilo nem se avalia pelo volume. Não se mede ao metro nem se analisa pelo cálculo de superfícies. Apenas podemos avaliar a densidade da vida espiritual humana analisando o jeito de amar das pessoas.
De facto, é o jeito de amar que revela a qualidade do coração humano e o nível de humanização de uma pessoa. A identidade espiritual da pessoa é, na realidade, o seu modo interagir e comungar com os outros. No Reino de Deus conheceremos o modo como uma pessoa se realizou na história pelo modo como ela sabe amar e comungar com os outros.
A pessoa revela-se através da reciprocidade amorosa. Na verdade, é dando-se que a pessoa se encontra e possui. Isto quer dizer que não serve para a vida eterna quem se recusa a amar. O Espírito Santo vai-nos moldando e capacitando para comungarmos na Família da Santíssima Trindade, pois ele é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Por ser amor, Deus é uma novidade permanente, pois o amor não se repete. Isto quer dizer que Deus é surpreendente, tanto a nível das relações entre as pessoas da Santíssima Trindade como no jeito de se comunicar ao Homem.
3-O Homem e o Dinamismo de Deus
Deus não é um ser estático, sem início e sem fim. Pelo contrário, é de modo permanente o início e o fim, o Alfa e Ómega. A divindade é Amor. Na pessoa do Pai, Deus é dom incondicional e sempre novo para o seu Filho: “Quero ser inteiramente para ti”. Na pessoa do Filho, Deus é aceitação alegre e agradecida do dom do Pai: “Quero ser totalmente por ti, pois sei que o teu querer a meu respeito coincide totalmente com o que é melhor para mim”.
Com seu jeito maternal de amar, o Espírito é princípio animador de relações e vínculo de comunhão amorosa. Criados à imagem de Deus, os seres humanos foram sonhados por Deus para serem membros da Família Divina: Fomos concebidos por Deus para sermos filhos em relação a Deus Pai e irmãos do Filho de Deus. Esta incorporação é possível graças ao facto de fazermos um todo orgânico com Cristo.
Na verdade, Jesus Cristo é Homem connosco e é Deus com o Pai e o Espírito Santo. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo conduz-nos ao Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho Eterno de Deus que nos acolhe como irmãos. Na Carta aos Romanos, São Paulo descreve de modo muito bonito esta nossa incorporação na Família de Deus pelo Espírito (cf. Rm 8, 14-17).
Em cada pessoa a natureza humana emerge de modo único, original, irrepetível e capaz de amar. Podemos dizer que Deus acolhe cada pessoa de modo adequado à sua originalidade, dando origem a uma relação totalmente nova com cada pessoa. Na verdade, o Deus que nos salva é realmente um Deus sempre novo.
c)Bondade de Coração e Plenitude Humana
1-O Coração Como Ponto de Emergência Espiritual
A bíblia chama coração ao núcleo mais nobre do nosso ser espiritual. Trata-se de um núcleo dinâmico, o qual é o centro a partir do qual emerge a nossa identidade espiritual, pois é do coração que emergem as decisões e atitudes que estruturam o nosso ser interior. O coração é o centro onde se forma a orientação fundamental da pessoa face ao amor.
Jesus disse aos discípulos que é do coração que emergem as opções e escolhas que tornam o homem puro ou impuro. A felicidade humana depende mais da qualidade do coração da pessoa, do que da sua beleza física. Na verdade, um corpo bonito sem um coração sensato é uma fonte de infelicidade.
É no íntimo do seu coração que a pessoa decide a qualidade das relações com Deus, com os outros seres humanos e com a natureza. Maria diz no seu cântico do Magnificat, que Deus dispersa as pessoas de coração soberbo (Lc 1, 51).
Para Jesus, a participação da pessoa no Reino de Deus tem a ver com a qualidade do seu coração e não com estruturas, leis ou preceitos. Eis o que diz São Paulo a este propósito: “O Reino de Deus não é uma questão de comida ou bebido, mas sim de justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14, 17).
Podemos dizer que enquanto Jesus viveu na terra o Reino de Deus estava apenas no interior de Jesus, pois o enxerto do Humano com o divino estava a acontecer apenas no seu íntimo. Mas no momento da morte e ressurreição de Jesus, a interacção humano-divina passou para toda a Humanidade, graças à difusão do Espírito Santo.
2-Coração e Reino de Deus
Isto quer dizer que o Reino de Deus começou a emergir no Coração de Jesus mas após a sua ressurreição difunde-se para o coração de todos os seres humanos. Se o coração é o núcleo mais nobre da interioridade espiritual da pessoa, então podemos dizer que foi no coração de Jesus que a Divindade se enxertou na Humanidade.
Na verdade, a interioridade espiritual humana não é uma realidade estática encerrada no interior do nosso corpo. Pelo contrário, é uma emergência constante de vida pessoal que cresce como densidade espiritual e capacidade de interacção e comunhão amorosa. À medida que emerge, torna-se o núcleo de convergência, isto é, o ponto de encontro e comunhão com as pessoas divinas e as humanas.
Isto ajuda-nos a compreender melhor o processo da humanização dos seres humanos cuja lei é: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal”.
3-O Coração Como Alicerce da Plenitude Pessoal
Quanto mais a nossa interioridade espiritual emerge mais a pessoa se afirma como ser único, original e irrepetível. Podemos dizer que a plenitude da pessoa acontece no coração. Na verdade, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade do encontro e da comunhão, cujo ponto de emergência é o coração da pessoa.
O nosso coração toca, pois, o limiar da Comunhão Universal do Reino de Deus. No ponto onde termina a nossa interioridade espiritual limitada, começa a interioridade espiritual ilimitada da Comunhão Familiar da Santíssima Trindade. Isto quer dizer que a comunhão universal da Família de Deus toca-nos por dentro!
A presença libertadora de Deus é uma realidade que podemos experimentar, pois o Reino de Deus está a acontecer dentro de nós como diz o evangelho de São Lucas: “A vinda do Reino de Deus não é observável no nosso exterior. Não se poderá dizer: Ei-lo aqui, ou ei-lo acolá. Na verdade, o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc.17,20-21).
É importante tomarmos estas afirmações bíblicas a sério, eliminando da nossa linguagem expressões que signifiquem medo, ansiedade ou angústia. Como ternura maternal de Deus, o Espírito Santo é o princípio animador desta Comunhão orgânica e dinâmica que é a Família de Deus.
São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). E logo mais à frente diz que todos os que são movidos pelo Espírito Santo são filhos e herdeiros de Deus Pai e irmãos e co-herdeiros com o Filho de Deus (Rm 8, 14-17). É este o sentido da afirmação da Segunda Carta aos Coríntios quando afirma que nós somos templos do Espírito Santo (2 Cor 3, 16). A Carta aos Gálatas diz que nós somos filhos de Deus Pai porque ele envia aos nossos corações o Espírito Santo que em nós clama Abba, ó Pai (Gal 4, 6).
4-Deus Habita no Nosso Coração
É verdade que o Espírito Santo não está encerrado na nossa interioridade espiritual, mas toca-a a partir da interioridade máxima que é a Comunhão Universal do Reino de Deus. O Senhor ressuscitado é, pois, a Árvore da Vida cujo fruto, o Espírito Santo, nos concede a Vida Eterna (Jo 7, 37-39). É este o mistério do Emanuel, do Deus sempre connosco.
Todos os dias o Espírito Santo nos interpela no sentido de nos conduzir à comunhão com o Pai, o Filho e os irmãos. Com a ressurreição de Jesus o Reino de Deus ficou tão perto de nós que nos toca a partir de dentro. A Carta aos Colossenses diz que pela ressurreição de Jesus, Deus libertou-nos do reino das trevas e transferiu-nos para o Reino de seu amado Filho (Col 1, 13).
Podemos dizer que o nosso coração é a porta que dá para o Reino de Deus, isto é, para a comunhão Universal do seu Reino. Isto quer dizer que no momento da nossa morte, se o nosso coração estiver aberto ao amor, entramos de seguida na comunhão universal do Reino de Deus. Na verdade, o Reino de Deus é a interioridade máxima da realidade, a qual nos toca por dentro. O evangelho de São Lucas explicita isto dizendo que o Reino de Deus está dentro de nós (Lc 17, 20-21).
Noutra passagem deste evangelho Jesus afirma: Jesus disse que os puros de coração são felizes, pois verão a Deus (Mt 5, 8). Isto quer dizer que o Reino de Deus é dessas realidades essenciais que só podem ser vistas pelo coração. São Lucas diz que Maria conservava no seu coração tudo o que a Palavra de Deus lhe ia revelando (Lc 2, 19; 2, 51). É do coração que procedem as decisões de fazer o bem ou mal, dizem os evangelhos (Mt 15, 19; Mc 7, 21). São Paulo diz que o ser humano pode enganar os homens mas não a Deus, pois ele perscruta os nossos corações (1 Tes 2, 4).
d)Chamados a Renascer
1-Renascer é Humanizar-se
Nascemos inacabados. Eis a razão pela qual levamos connosco uma fome imensa de plenitude. São João diz que o nosso ser interior, por ser espiritual, não nasce dos impulsos da carne, mas da ternura do Espírito Santo (Jo 3, 3-6). São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações.
Nascemos para entrar na dinâmica da humanização cuja lei é: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal da Família de Deus. A emergência pessoal acontece como fortalecimento espiritual e capacidade de interacção amorosa.
O Homem surgiu na História como fruto de uma marcha evolutiva. Utilizando a imagem bíblica do barro, diríamos que a evolução é o processo do barro a ser moldado, a fim de surgir Adão. No interior deste barro emerge o interior espiritual da pessoa como o pintainho emerge dentro do ovo.
A plenitude da vida espiritual acontecerá no dia em que o ovo eclodir, a fim de o pintainho nascer para a Comunhão Universal. Estamos a emergir, pois somos seres em construção. À medida que emergimos, vamos convergindo para a Família de Deus.
2-Nascemos Talhados Para Deus
Deus é amor, diz a bíblia (1 Jo 4, 7). Isto significa que fomos criados pelo amor e para o amor. São João diz que as pessoas que não amam não conhecem a Deus, pois Deus é amor (Jo 4, 16). O nosso ser espiritual cresce e robustece-se em relações de amor. Renascer significa emergir como vida pessoal livre, consciente, responsável e capaz de amar.
É a este nível que o Homem é realmente imagem de Deus. Na verdade, a Divindade é pessoas e a Humanidade também. A plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão. Apenas na reciprocidade amorosa a pessoa encontra a sua plena identidade. Por outras palavras, fechada em si, a pessoa está em estado de malogro: não se encontra nem se possui plenamente.
Pelo facto de serem pessoas, os seres humanos são proporcionais a Deus. O divino pode interagir com o humano em comunhão humano-divina. E foi por esta razão que Deus, comunhão familiar de três pessoas, decidiu incorporar-nos a própria Família Divina. Isto quer dizer que o divino se enxertou no humano para que este seja divinizado. Na verdade, graças a Jesus Cristo, já fazemos uma união orgânica com a comunhão familiar da Santíssima Trindade.
3-Somos Seres com Identidade Histórica
Só podemos acontecer como pessoas na medida em que renascemos. Os seres humanos são o resultado de uma realização histórica. Para se dizer, a pessoa tem de contar uma história, pois a sua identidade é histórica. Na verdade, a pessoa humana será eternamente segundo o modo como se realizou na história.
Na Festa do Reino de Deus, todos dançaremos o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que treinou enquanto esteve n a História. A nossa identidade física é o nosso ADN. A nossa identidade espiritual é o jeito que temos de nos relacionar e amar. Por outras palavras, o nosso ser espiritual mede-se pela nossa capacidade de amar e comungar.
Isto quer dizer que a pessoa humana não vale pelo que tem, mas sim pelo que é. A natureza humana realiza-se de modo único, original e irrepetível em cada pessoa. Isto significa que ninguém está a mais na festa da Comunhão Universal.
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