O Mistério Humano e Divino de Jesus Cristo



a) A Face Humana de Jesus Cristo
1- O Menino de Maria
2- O Homem que Amou de Modo Incondicional

b) A Face Divina de Jesus Cristo

c) Ressurreição de Cristo e Salvação
1- Eis Como Jesus Venceu a Morte
2-Ressurreição de Jesus e Vida Eterna


a) A Face Humana de Jesus Cristo

1- O Menino de Maria

Maria Teve Um Menino! Esta notícia bonita correu por toda a aldeia de Nazaré, onde as pessoas pareciam adivinhar que estava a acontecer algo de extraordinário. As amigas de Maria comunicavam a notícia de maneira veloz, como se fossem portadores de uma Boa Nova de salvação. A alegria com que comunicavam a notícia faz lembrar os Apóstolos que, após a ressurreição de Jesus, vão gritar ao mundo, que ele é a fonte das bênçãos prometidas aos patriarcas e anunciadas pelos profetas.

O Menino de Maria nasceu e cresceu no meio de muito amor. Os seus pais davam-lhe ternura e os vizinhos ficavam tempos infinitos a olhar para aquele menino que cativava e despertava ternura no coração das pessoas. Na verdade, o Menino de Maria cativava como todas as crianças.
Mas havia algo de misterioso e muito bom que fazia daquele menino um ser especial. Quando os habitantes de Nazaré contemplavam o olhar daquela criança, o seu coração exultava com ritmos especiais de alegria. Ninguém suspeitava que esta exultação resultava da força do Espírito Santo que irradiava daquela criança alegre e encantadora.

O Menino de Maria chorava, tinha fome de felicidade e alimentava sonhos e esperanças. Crescia feliz e tinha uma grande capacidade de amar, como acontece com os meninos bem amados. Toda a gente dizia que o filho de Maria era um Menino encantador. Mas ninguém podia imaginar a missão salvadora daquele Menino a crescer.

Era uma criança que cativava, mas ninguém suspeitava que o Menino de Maria havia de chamar pai ao próprio Deus! No coração deste Menino, o Divino enxertou-se no Humano, a fim de a Humanidade ser divinizada. As pessoas que tomavam ao colo o Menino de Maria não podiam imaginar que, no encanto desta criança, se exprimia em grandeza humana a ternura do próprio Deus!

Como as demais crianças, este Menino era um ser humano único, original e irrepetível. Mas além disso levava em si um mistério de amor divino, pois fazia uma unidade orgânica, e dinâmica, com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Como mais tarde se veio a descobrir, nesta criança, o Humano e o Divino estão unidos, mas não se misturam nem confundem.

Como ser humano perfeito, este Menino é o Filho de Maria. Mas na sua dimensão divina é o Filho Eterno de Deus Pai. Esta união acontece numa perfeita interacção. O Menino de Maria é homem como todos os homens que nasceram de Adão, embora não seja pecador. Mas também é Deus, com o Pai e o Espírito Santo. No seu interior encontram-se em perfeita unidade, o melhor de Deus e da Humanidade.

O Espírito Santo é a seiva que alimenta esta união orgânica e misteriosa em que o divino e o humano fazem um sem se misturarem ou fundirem. A união do divino com o humano, no Menino de Maria, é algo semelhante à união que existe entre Deus Pai e Deus Filho. Os dois fazem um, diz o evangelho de São João (Jo 10, 30). Mas sem se confundirem ou fundirem. É este o mistério que habitava no íntimo deste Menino.

O Filho de Maria é o coração da nova Humanidade. Crescia como outra criança qualquer. Chamava pai a um homem e mãe a uma mulher. Quando brincava com os outros meninos nas ruas de Nazaré, ninguém podia imaginar o mistério desta relação humano-divina que harmoniosamente se desenvolvia no coração do Menino de Maria. Com ele os tempos chegaram à plenitude, isto é, teve o início a divinização da Humanidade.

Esta criança é a expressão máxima da fecundidade de Maria. Mas é também a Aurora do dia em que se inicia a dinâmica da nossa salvação, pois ele é a Vida Eterna ao nosso alcance. O Menino de Maria é a Árvore da Vida colocada no centro do Paraíso. Os que comem do seu fruto viverão eternamente, vencendo a morte trazida por Adão. E, deste modo, a Vida Eterna ficou ao alcance da nossa mão.

2-O Homem que Amou de Modo Incondicional

Nasceu pobre e viveu a condição da gente simples. A sua grande paixão era introduzir a Humanidade na comunhão familiar de Deus. Era corajoso e punha-se sempre do lado dos humilhados e marginalizados pelos sistemas sociais. Por isso defendia os que não eram capazes de se defender, tornando-se a voz dos que não tinham força para defender os seus direitos.

Deixava mais felizes os que tinham a sorte de o encontrar e escutar em profundidade. Nunca ninguém ficou mais pobre pelo facto de o ter encontrado. Defendia a partilha dos bens como caminho seguro para se chegar à abundância de bens para todos. Se abrirmos o coração à fraternidade e seguirmos o caminho da partilha, ensinava ele, os bens da terra chegarão para todos e ainda vai sobrar. Foi isto que ele quis ensinar com o milagre dos cinco pães partilhados, os quais deram para alimentar uma grande multidão (Lc 9, 12-17).

Sentia-se bem entre os simples e entre os que não tinham pretensões a dominar os outros. Gostava de acompanhar com os pobres, pois estes têm uma grande capacidade de partilhar. Jamais defendeu a marginalização ou a morte dos pecadores, apesar de a sua missão ter como horizonte máximo a destruição do pecado. Por isso ele tomou partido pela mulher adúltera, apesar de ser contra o adultério. A destruição do pecado, segundo a sua maneira de entender, acontece no íntimo do coração humano pela acção do Espírito Santo. Na verdade, só o Espírito Santo é capaz de renovar os nossos corações, fazendo-nos passar do egoísmo para o amor fraterno.

Denunciava com vigor os poderosos do seu tempo e enfrentava corajosamente os especialistas da religião. Os primeiros oprimiam e exploravam. Os segundos sobrecarregavam a consciência das pessoas com leis e preceitos que nada tinham a ver com Deus. Acusava os sacerdotes e os doutores da Lei de pretenderem dominar o povo simples impondo-lhes normas e preceitos que não passam de invenções humanas.

Os que falavam com ele e o tomavam a sério encontravam sempre razões novas para viver. Não fazia publicidade dos seus gestos de generosidade e amor. Amava de modo discreto, sem fazer alarde. A Palavra de Deus era o grande amor da sua vida. A sua mensagem minava os sistemas caducos da sociedade do seu tempo. Foi esta a grande razão pela qual os detentores das riquezas, do poder e dos privilégios não queriam que ele vivesse. Como é costume nestes casos, os poderosos começaram a deturpar a Palavra de Deus, a fim de justificarem os seus planos para o matar.

O seu nome era Jesus de Nazaré. Denunciava o pecado, como força de morte que destrói o Homem. Mas nunca defendeu o ódio aos pecadores. Amou de modo incondicional. Eis a razão pela qual, no momento da sua morte, pediu a Deus que perdoasse o pecado dos seus assassinos. Justificava o seu modo de actuar dizendo ser essa a vontade de Deus: “O meu alimento, dizia ele, é fazer a vontade do Pai que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34).

Numa noite escura, fria e triste, os seus inimigos apoderaram-se dele, invadindo a sua casa e deixando-a vazia. Fizeram-no desaparecer da companhia dos que o amavam. Mas Deus tomou partido por ele, ressuscitando-o, pois o amor vence a própria morte. Deus não permite que as pessoas que gastam a vida pelo amor acabem no vazio da morte. Teve a sorte do profeta e do Homem Justo cuja morte é fruto do ódio e do rancor. Ele sabia que o amor é uma razão que vale tanto para viver como para morrer.

Eis a razão pela qual ele resumiu todos os preceitos, mandamentos e normas a um mandamento único. Eis as suas palavras: “Dou-vos um mandamento novo: que vos amais uns aos outros como eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 34-35).

Apesar de morrer rodeado de inimigos o seu coração estava tranquilo, pois ele sabia que Deus o ia ressuscitar e incorporar na comunhão da Família Divina. Ele tinha a certeza de que nenhum homem podia destruir o projecto de amor salvador que Deus decidiu realizar através dele. Foi para levar em frente este projecto de Deus que ele viveu e morreu.

O Espírito Santo consagrou-o, a fim de ele ter a força necessária para realizar a missão que Deus lhe confiara (Lc 4, 18-21). Por isso ele estava seguro de que, após ter gasto a vida pela causa do amor não terminaria no fracasso da morte. Adão, com a sua infidelidade ao plano de Deus, colocou a Humanidade no caminho do fracasso. Jesus de Nazaré, com a sua fidelidade incondicional colocou a Humanidade no caminho da Salvação.

No momento do seu baptismo o Espírito Santo desceu sobre ele, a fim de o capacitar para a missão que Deus lhe confiou: restaurar o Homem das distorções operadas por Adão (Rm 5, 17). Levou o amor até ao extremo de dar a vida por todos nós. Ele mesmo disse que esta é a forma de levar o amor até à sua densidade máxima: “Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13).

Deu-se inteiramente, ao ponto de não reservar nada para si. Por esta razão a sua vida tornou-se um património comungável por todos os seres humanos. Por isso, ao ressuscitar, difundiu por todos nós o Espírito Santo, a Água Viva que gera vida eterna no nosso íntimo (Jo 7, 37-39). Como se deu totalmente, a sua vida deixou de ser apenas sua. Tornou-se a cepa da videira cujos ramos somos todos nós (Jo 15, 1-8). Uma vez ressuscitado tornou-se o coração da Comunhão Universal que une de modo orgânico a Humanidade com a Divindade.

Ao matá-lo, os seus inimigos tentaram bani-lo do meio de nós. Mas Deus restaurou-o, fazendo dele a coluna que sustenta o edifício da Nova Humanidade reconciliada e assumida na comunhão com Deus (2 Cor 5, 17-19). Através da sua ressurreição passou para as coordenadas da interioridade máxima cujas coordenadas são a omnipresença, tornando-se equidistante a tudo e a todos. A partir deste momento começou a relacionar-se connosco a partir de dentro.

Eis a razão pela qual o ponto de encontro com o Senhor Ressuscitado é o nosso coração. Como um pão que se reparte para alimentar a vida dos outros, assim foi a sua vida. Foi para nos fazer compreender este mistério que ele nos deixou a Eucaristia, espaço privilegiado para saborearmos a comunhão com ele na linguagem do pão partilhado. Como tomava Deus e o Homem a sério, reuniu as condições perfeitas para ser o nosso Salvador e o guia que nos conduz à plenitude da nossa divinização.

b) A Face Divina de Jesus Cristo

São João inicia o seu evangelho, proclamando Jesus Cristo como o Filho eterno de Deus: “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus. No princípio, o Verbo estava com Deus e era Deus (Jo 1, 1-2). Deste modo, São João pretende, não apenas dizer que Jesus Cristo é o Filho de Deus, como fizeram os outros evangelhos, mas dizer igualmente que ele é Deus desde toda a eternidade.

Se isto é assim, então Deus não é um sujeito eterno e infinito, mas sim uma comunhão familiar. Por isso ele apresenta a união do Pai com o Filho em forma de uma comunhão orgânica: O Pai e o Filho fazem um (Jo 10, 30). Apesar de formar uma comunhão orgânica e dinâmica, o Pai e o Filho não se confundem. Nesta união do Pai com o Filho, o Espírito Santo tem um papel activo. Ele é princípio animador das relações e vínculo de comunhão: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome esse é que vos ensinará e recordará tudo o que eu vos disse” (Jo 14, 26).

De tal modo o Pai e o Filho estão em perfeita harmonia que São João disse que ao olharmos o modo de Jesus agir é compreender o rosto de Deus Pai: “Há tanto tempo que estou convosco e ainda não me conheces Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que ainda me dizes: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14, 9).

Há filhos humanos que, a nível genético, são quase uma cópia do pai ou da mãe. O modo de Jesus actuar como Filho de Deus, é uma cópia perfeita do amor e do plano que Deus Pai tem para nós. Segundo o evangelho de São João, Jesus tinha perfeita consciência disto e por isso disse que ele e o Pai fazem um (Jo 10, 30).

A Vontade de Jesus Cristo e a vontade de Deus Pai estavam em total sintonia. Eis algumas expressões de Jesus que exprimem bem esta união de vontades: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34). “Eu não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 5, 3). E ainda: “Eu desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia. A vontade de meu Pai é que aqueles que vêem o Filho e acreditam nele tenham a vida eterna” (Jo 6, 38-40).

O Filho de Deus existe desde toda a eternidade. Veio ao mundo para realizar a divinização da Humanidade, dando-nos o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1, 12-14). Por seu lado, o Pai entrega a obra da salvação nas mãos do Filho, pois o querer do Pai e o querer do Filho estão em plena concordância: “O Pai não julga ninguém, mas entregou ao Filho o poder de julgar, a fim de os homens honrarem o Filho como honram o Pai. Aquele que não honra o Filho também não honra o Pai, pois o filho foi enviado pelo Pai” (Jo. 5, 22- 23). Com efeito, acrescenta Jesus, o pai ama o filho e colocou todas as coisas nas suas mãos” (Jo 3, 35).

A fé no Filho, portanto, é uma componente fundamental da própria fé no Pai: “Aquele que acredita em mim, não só acredita em mim, mas também naquele que me enviou” (Jo 12, 44). “E aquele que me enviou está comigo e em mim. Com efeito, o Pai não me deixou sozinho, pois eu faço constantemente as coisas que lhe agradam” (Jo 8, 29). Eis a razão pela qual o Senhor Ressuscitado se considera irmão dos homens: “Eu subo para junto do meu Pai e vosso Pai; para o meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17).

Este texto é muito significativo, pois demonstra que João, apesar de insistir constantemente que Jesus Cristo é Deus com o Pai, não ignora que ele é também homem connosco. E é pelo facto de ele ser homem connosco que nós estamos salvos. De facto, nós somos incorporados na família de Deus, não como seres isolados, mas na medida em que formamos uma união com Cristo. Estamos em dinâmica de salvação na medida em que estamos organicamente unidos a Jesus Cristo.

Trata-se de uma união semelhante à união que existe entre os ramos e a cepa da videira. A seiva, isto é, o Espírito Santo, vem da cepa para os ramos, tornando-os fecundos. Como ramos da videira, nós temos de estar sempre unidos à cepa. Sem esta união nós não podemos dar qualquer fruto, pois sem Cristo nada podemos fazer (Jo 15, 4-6).

Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo vai-nos incorporando na Família de Deus, conduzindo-nos ao Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho que nos acolhe como irmãos (Rm 8, 14-16). São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

João começa o seu evangelho afirmando que Cristo é a Palavra, isto é, a verdade. A Bíblia diz que a Palavra de Deus é eficaz, ou seja, realiza sempre o que significa. O Filho vem como Palavra, isto é, proclamação do amor salvador de Deus por nós. Eis a razão pela qual o Verbo Encarnou e habitou entre nós, dando-nos o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1,12-14).

Depois de ter realizado a sua missão o Filho volta para junto do Pai, a fim de nos introduzir na Família Divina: “Eu saí do Pai e vim para o mundo. Agora deixo o mundo e vou para o Pai” (Jo 16, 28). Depois acrescenta: “Nesse dia compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20). Quem via o modo de actuar do Filho estava a ver o próprio jeito do Pai nos amar. Quem me vê, disse Jesus a Filipe, vê o Pai (Jo 14, 9).

Tomé, no evangelho de São João, chama Deus a Jesus ressuscitado. Depois de ver o Senhor, Tomé declara: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28). Além disso, o próprio Jesus se declara Deus, usando a mesma expressão que Yahvé usou no Monte Sinai: “Agora digo-vos estas coisas antes que aconteçam, a fim de que, quando elas acontecerem, acrediteis que eu sou” (Jo 13, 19).

Por outro lado, como é um homem em tudo igual a nós, excepto no pecado, Jesus reconhece que vai para junto do seu Pai e nosso Pai, do seu Deus e nosso Deus” (Jo 20, 17). Devido à sua condição divina, o Filho é igual ao Pai. Mas devido à sua condição de homem, o Pai é maior do que o Filho: “Ouvistes o que eu vos disse: “Eu vou mas voltarei para vós”. Se me tivésseis amor, devíeis alegrar-vos por eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que eu” (Jo 14, 28).

O evangelho de São João diz que os judeus, ao notarem que Jesus se fazia igual a Deus, ficaram furiosos e decidiram matá-lo: “Devido ao facto de Jesus realizar estes prodígios em dia de sábado, os judeus começaram a perseguí-lo. Em resposta, Jesus disse-lhes: “O meu Pai continua a realizar obras até agora, e eu também continuo!” Perante tais afirmações, mais cresceu neles o desejo de o matarem, pois não só anulava o sábado, como chamava a Deus seu Pai, fazendo-se, deste modo, igual a Deus” (Jo 5, 16-18).

Podemos dizer que a compreensão de Cristo como Filho Eterno de Deus não foi o ponto de partida, mas sim o ponto de chegada da caminhada da revelação. Com efeito, compreender o mistério de Cristo com este alcance supõe um salto de qualidade enorme, muito além do que os judeus podiam esperar do Messias.

Na verdade, reconhecer que Cristo é o Filho eterno de Deus implica afirmar que Deus não é apenas o Yahvé do Antigo testamento, mas sim uma comunidade familiar: “Não acreditais que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não são ditas por minha própria iniciativa. O Pai que habita em mim é que faz as obras. Acreditai que eu estou no Pai e o Pai está em mim. Pelo menos acreditai por causa das minhas obras” (Jo 14, 10-11).

A fidelidade incondicional de Jesus à missão que Deus lhe confiou é, pois, a fonte da Salvação para a Humanidade. Eis a razão pela qual ele procurava fazer as coisas tal como o Pai lhe mandou: “Pois eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, é que me comunicou o que devo dizer. E eu sei que o seu mandamento traz consigo a vida Eterna. Eis a razão pela qual eu digo exactamente o que o Pai me disse para dizer” (12, 49-50).

Por fazer um com o Pai, o Filho é igualmente fonte de vida: “Assim como o Pai tem vida por si mesmo, também o Filho tem vida em si mesmo” (Jo 5, 26). Jesus diz isto de modo mais explícito quando afirma: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenho morrido, viverá. Todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre” (Jo 11, 25-26).


c) Ressurreição de Cristo e Salvação

1- Eis Como Jesus Venceu a Morte

Referindo-se à oração de Jesus no jardim das Oliveiras, a Carta aos Hebreus diz que ele fez orações àquele que o podia libertar da morte e, devido à sua piedade, foi atendido (Heb 5, 7). Para ser entendida como verdadeira libertação da morte, a ressurreição de Jesus tem de ser vista como uma dinâmica a acontecer em simultâneo com o próprio acto de morrer. Por outras palavras, se Jesus foi liberto da morte, isto quer dizer que não esteve um só momento sob o seu domínio.

Vista como vitória sobre a morte, a ressurreição de Jesus foi uma glorificação e incorporação operada pelo Espírito Santo em simultâneo com o próprio acto de morrer. Segundo o evangelho de São João o próprio Jesus se declara princípio de ressurreição e vida: “Jesus disse a Marta: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido viverá” (Jo 11, 25).

Segundo o Novo Testamento, Jesus Cristo ressuscitado só começou a manifestar-se aos discípulos ao terceiro dia após a morte. Mas isto não quer dizer que Jesus esteve sob o domínio da morte no intervalo que mediou entre a sua morte e as aparições aos Apóstolos.

O Novo Testamento afirma que Jesus no momento da sua morte inicia o processo da ressurreição universal da Humanidade. A Primeira Carta de São Pedro diz que Jesus, no intervalo que vai da sua morte até às aparições, esteve muito activo, a fim de conduzir a Humanidade para a comunhão da Família Divina. Logo após a sua morte e ressurreição, Jesus foi à morada dos mortos, a fim de ressuscitar todos os que estavam sob o domínio da morte (1 Pd 3, 18-19).

O Espírito Santo tinha todas as condições para iniciar a ressurreição da Humanidade a partir da ressurreição de Jesus, pois entre nós e Cristo existe uma união orgânica e dinâmica semelhante. O evangelho de São João vê a Eucaristia como o sacramento que explicita a união orgânica de Cristo com a Humanidade, a qual é fonte de Vide Eterna para todos nós: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

A força que vence a morte em Jesus é o Espírito Santo. A terceira pessoa da Santíssima Trindade é o princípio vivificador que activa a dinâmica da ressurreição de Jesus. Por outras palavras, à medida em que, no alto da cruz, Jesus ia morrendo, a ressurreição ia acontecendo, pela força ressuscitadora do Espírito Santo. Por outras palavras, à medida em que aquilo que no homem é mortal ia morrendo em Jesus, aquilo que no homem é imortal ia sendo glorificado e incorporado na comunhão da Santíssima Trindade.

Isto quer dizer que a morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus Cristo são dimensões do mesmo processo de entrada de Jesus na plenitude da Família Divina. À medida em que ia morrendo aquilo que no Homem é mortal, aquilo que no Homem é imortal ia sendo ressuscitado, isto é, assumido e glorificado na comunhão da Santíssima Trindade. No momento em que morreu o último elemento mortal do homem Jesus, a sua dimensão imortal ficou plenamente ressuscitada e glorificada em Deus.

E assim, como diz a Carta aos Hebreus, Deus libertou Jesus da morte não permitindo que ele estivesse um só instante sob o seu domínio (Heb 5, 7). Enquanto a morte ia aniquilando o que no homem é destrutível e caduco, o Espírito Santo ia incorporando na comunhão divina o que no Homem tem densidade para ser incorporado na comunhão da Santíssima Trindade.

Isto significa que não existe qualquer distância temporal entre a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Por outras palavras, a vitória de Cristo sobre a morte aconteceu no próprio acto de morrer.

Outro aspecto importante desta Boa Nova da ressurreição de Jesus Cristo é o facto de a ressurreição da Humanidade ter tido início com a ressurreição de Jesus Cristo. Por outras palavras, a multidão dos seres humanos que tinham vivido antes de Cristo entraram com ele na plenitude da vida eterna, como o próprio Jesus garantiu ao Bom Ladrão: “Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).

O evangelho de São Mateus diz que no momento da morte de Jesus, os túmulos começam a abrir-se e os justos a ressuscitar (Mt 27, 52-53). Além disso, com a ressurreição de Jesus Cristo aconteceu a divinização da Humanidade. O evangelho de São João chama a este momento a “A Hora de Jesus”, expressão que significa o momento da sua glorificação (Jo 7, 34; 8, 21-22; 14, 2-4). Nesse momento Jesus é glorificado junto de seu Pai (Jo 6, 62).

A pessoa humana ressuscita porque tem uma dimensão espiritual e, portanto, imortal. Mas não devemos confundir imortalidade com ressurreição, pois esta não se reduz à simples imortalidade. A ressurreição pressupõe a glorificação, isto é, a assunção e incorporação do ser humano na Família Divina, a qual acontece pelo facto de formamos um todo orgânico com Cristo.

Como vemos, o ser humano não ressuscita sozinho. De facto, ressuscitamos porque a Humanidade forma uma unidade orgânica e interactiva cuja cabeça é Jesus Cristo. Apesar de implicar uma transformação radical, a ressurreição não destrói a identidade histórica da pessoa. A nossa identidade histórica é o jeito de amar que fomos adquirindo ao longo da vida. É com esta identidade que participamos para sempre na comunhão universal da Família Divina.

A ressurreição de Cristo, diz São Paulo, inaugura a plenitude dos tempos: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adopção de filhos” (Ga 4, 4-6). Deus enviou o Espírito Santo aos nossos corações, o qual nos faz clamar com júbilo: “Abba”, isto é, Papá! (Ga 4, 7).


2- Ressurreição de Jesus e Vida Eterna

A nossa Fé garante-nos que Cristo ressuscitou e que nós também podemos tomar parte na sua ressurreição. Para participarmos da ressurreição com Cristo é preciso estarmos unidos ao Senhor como os ramos da videira estão unidos à cepa: “Permanecei em mim, que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, esse dá muito fruto” (Jo 15, 4-5).

A Eucaristia, segundo a visão de São João, é o sacramento da comunhão orgânica com Cristo ressuscitado: “Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo o que me come viverá por mim” (Jo 6, 57). O Livro do Génesis, querendo afirmar que o Homem não foi criado para a morte diz que a Árvore da Vida estava no centro do Paraíso. As pessoas que comessem o fruto desta Árvore viveriam para sempre.

Devido ao pecado de Adão, o Paraíso foi fechado para os seres humanos, pois Adão era a cabeça da Humanidade (Gn 3, 22). Utilizando uma linguagem simbólica, o evangelho de São João vê em Cristo a Árvore da Vida e no Espírito Santo, o fruto desta Árvore. As pessoas que se alimentam deste fruto têm a Vida Eterna: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei-de ressuscitá-lo no último dia (…). Na verdade, quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele” (Jo 6, 54-56).

Ao encerrar o discurso da Eucaristia, o evangelho de São João diz que o Espírito Santo é o fruto da vida que nos vem de Cristo ressuscitado (Jo 6, 62-63). É verdade que os seres humanos, por terem uma interioridade pessoal-espiritual já são imortais. Mas a ressurreição, como acabámos de ver, não se reduz a uma simples imortalidade. Eis a razão pela qual o núcleo do Evangelho é a ressurreição, não a simples imortalidade.

Por outras palavras, no coração da pregação apostólica está Cristo ressuscitado, o qual é a única via para os seres humanos atingirem a plenitude da Vida Eterna: Jesus disse a Tomé: “Eu sou o caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai senão por mim” (Jo 14, 6).

Ressuscitar com Cristo, portanto, implica a assunção, isto é, a plena incorporação na comunhão familiar da santíssima Trindade. À luz da ressurreição de Cristo, a morte surge-nos como o parto final, isto é, a derradeira possibilidade de renascermos para a plenitude da Vida. Por outras palavras, a morte é o acontecimento que possibilita o nosso nascimento definitivo para a plenitude da vida.

A esta luz, o amor surge como a razão que vale tanto para viver como para morrer, pois é através do amor que nos unimos a Cristo ressuscitado. A nossa vida tem pleno sentido na medida em que vivemos para amar e vamos morrendo por amor, isto é, vamo-nos gastando pelas causas do amor. Estas são, com efeito, as principais razões que valem para viver e morrer. Na verdade, o amor é o caminho que conduz à Vida em plenitude.

Como Árvore que nos dá o fruto da Vida Eterna, Jesus Cristo, no momento da sua morte e ressurreição, abriu-nos as portas do Paraíso. Segundo o evangelho de São Lucas, Jesus, momentos antes da sua morte e ressurreição, diz ao Bom Ladrão que, nesse mesmo dia, abriria o Paraíso (Lc 23, 43). O texto de São Lucas tem presente o texto do Génesis segundo o qual o Paraíso tinha sido fechado à Humanidade pelo pecado de Adão (Gn 3, 23-24).

A ressurreição de Cristo é a garantia de que a meta para a qual estamos a caminhar não é o vazio da morte, mas sim a Vida Eterna. Na verdade, não basta a pessoa ser imortal para atingir a plenitude da vida. As pessoas que porventura estejam em situação de inferno são imortais, mas não possuem a Vida Eterna. Para possuírem a Vida Eterna, os seres humanos têm de ressuscitar com Cristo.

Por Adão veio a morte, diz a carta aos Romanos. Por Cristo, o Novo Adão, veio a Vida Eterna (Rm 5, 18). A Vida Eterna é a dinâmica das relações de amor e comunhão da Humanidade com a Divindade. As sementes da vida pessoal e espiritual, lançadas pelas pessoas divinas no momento da Criação do Universo, emergiram com o aparecimento dos Homens, os quais, por serem pessoas, já têm condições para comungar na Vida Eterna com a Divindade.

Só não participa na plenitude da Vida Eterna a pessoa que se estrutura em atitude de recusa incondicional ao Amor. Neste caso, a pessoa enrosca-se, ficando reduzida a si, isto é, sem capacidade para amar ou receber amor. No Céu, o plural de eu é nós. No estado de perdição, o plural de eu é “eus”, pois as pessoas não se encontram na comunhão orgânica, o único espaço em que acontece a plenitude.

Ao criar-nos, diz São Paulo, Deus predestinou-nos para sermos conformes com o Seu Filho, a fim deste ser o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 28-29). Com estas palavras, São Paulo quer dizer que os seres humanos estão talhados para comungarem de modo familiar com Deus. A Carta aos Colossenses diz que Deus quis que em Cristo residisse a primazia e a plenitude de todas as realidades (Col 1, 18-19). À luz da ressurreição de Cristo, a morte é indissociável do mistério da Vida Eterna. O cristão não pode falar da morte sem anunciar a Boa Nova da nossa ressurreição com Cristo.

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