O Tempo e o Projecto Criador de Deus


Deus Santo,
Vós não habitais as coordenadas do tempo,
pois não sois um Deus em realização,
 ao contrário dos seres humanos que são o Homem em construção.
Vós sois um Deus em coordenadas de plenitude de amor e comunhão.

Pai Santo,
Louvado sejas por nos teres dado a possibilidade de emergir
e estruturar de modo harmonioso e progressivo na sucessão do tempo.
Tu iniciaste a génese da Criação a partir de um leque primordial de possibilidades,
permitindo que a sua marcha aconteça numa sequência de causas e efeitos.

Por ser um processo histórico,
a marcha criadora acontece de modo evolutivo,
impelido pelos impulsos do tempo.
Sem os impulsos do tempo a vida animal não podia evoluir
nem atingir as maravilhosas complexidades e os saltos de qualidade
que deram origem à sucessão das espécies.

Trindade Santa,
Vós não precisais do tempo para serdes uma Família de três pessoas
em perfeita comunhão amorosa.
Os seres humanos, pelo contrário, precisam do tempo
para emergirem como pessoas e convergirem para a comunhão amorosa.
Sem a dinâmica do tempo, Deus Santo,
a Humanidade era uma realidade sem a possibilidade de tomar parte
no processo evolutivo da sua própria criação.

Isto quer dizer que apesar de não habitardes no tempo,
Vós precisais do tempo para conduzir a Criação à sua perfeição e plenitude!
Vós não precisais do tempo e do espaço
para serdes um Deus infinitamente perfeito.
A bíblia define a realidade de Deus,
dizendo que a divindade transcende o tempo, pois está sempre a ser.

Pai Santo,
Tu disseste a Moisés que és aquele que é.
Moisés entendeu que Deus é aquele que está sempre a ser.
Eis o relato do Livro do Êxodo:
“Deus disse a Moisés: “Eu sou aquele que sou”.
E acrescentou: “Dirás aos filhos de Israel:
“O Eu Sou manda-me a vós!” (Ex 3, 14).

Se Deus é um “Eu Sou”, isto quer dizer que a divindade
é um verbo sempre a conjugar-se e não um substantivo abstracto e estático.
Se Vós sois um “Eu Sou”, então Deus é “um sempre presente”,
isto é, nunca foi ou será “um passado”.

Olhando o mistério de Deus a partir do Novo Testamento,
nós temos de concluir que Vós sois, Deus Santo, não apenas um sujeito infinito,
mas também uma comunidade familiar de três pessoas.
À luz do Novo Testamento, nós podemos dizer que a Divindade
é uma emergência permanente de três pessoas de perfeição infinita
em convergência total de comunhão amorosa.

Na dinâmica histórica da revelação,
a Santíssima Trindade surge como ponto de chegada e não como ponto de partida.
Na marcha da revelação surge primeiro a unicidade divina: Há um só Deus.
Mas à medida que o Vosso rosto ia definindo melhor,
surgiu a possibilidade da revelação de Deus como comunhão de amor:
Deus não é um sujeito isolado, mas uma comunhão de pessoas.

Isto leva-nos a concluir que a morada do Deus
que precedeu e criou o tempo fica fora do tempo,
pois Deus é o coração dinamizador
de um campo espiritual contínuo de interacções amorosas,
o qual constitui a interioridade máxima do Universo.
Por outras palavras, é a partir deste campo espiritual contínuo
que Deus se torna presente a todo o Universo.

É ainda a partir deste campo espiritual contínuo de interacções amorosas
que o Espírito Santo interage connosco e se torna
o amor de Deus derramado nos nossos corações.
O Deus que precedeu o tempo é uma emergência permanente e eterna
de três pessoas infinitamente perfeitas
em total convergência de comunhão amorosa.

Sem a dinâmica do tempo,
o Homem não podia atingir a sua plena realização e entrar na morada de Deus.
O tempo surge no campo da nossa experiência
com uma gama diversificada de formas e impulsos dinâmicos.

Fazemos a experiência do tempo como realidade
que podemos medir pelos cronómetros.
A este nível o tempo nasce como ponto-instante
e vai-se estruturando em segundos, minutos e horas etc.
Fazemos a experiência do tempo do tempo
como realidade entretecida nos ciclos da natureza.
Aqui, o tempo adquire uma duração especial dos meses e dos anos.

Como realidade incrustada no tecido da natureza,
o tempo apresenta-se-nos com os matizes coloridos
e a força geradora da Primavera, do Verão, do Outono e do Inverno.
Entretecido na unidade misteriosa dos anos,
o tempo imprime a sua marca irreversível no rosto das pessoas.

Isto é de tal modo verdadeiro que nós,
ao olharmos para o rosto de uma pessoa,
detectamos facilmente nele as impressões digitais do tempo em forma de anos.
Na verdade, ao cruzarmo-nos com uma pessoa,
nós apercebemo-nos de modo espontâneo se esse ser humano
tem cerca de dez, vinte, cinquenta ou mais anos.

Temos ainda outros modos de abordar criadora ou corrosiva do tempo,
nós inventamos um modo de calcular a acção do tempo de forma mais alargada,
juntando os anos de modo a formar séculos e milénios.
Deste modo aprendemos a descobrir e a analisar
as impressões digitais do tempo no tecido da matéria e no evoluir da História.
É admirável a exactidão com que os peritos medem em séculos e milénios
as marcas que os anos foram imprimindo na estrutura das rochas,
das plantas, bem como de homens ou animais fossilizados.

Ao nível das dimensões quase infinitas do Cosmos,
o tempo é avaliado com essa unidade de medida a que damos o nome de ano-luz.
Os astrofísicos conseguem calcular os biliões de quilómetros
que nos separam das diversas estrelas através do ano-luz.

Mas existe ainda o tempo a nível da vivência íntima da pessoa humana.
Temos, em primeiro lugar, o tempo psicológico:
como passam depressa as horas para dois jovens enamorados
que, numa tarde agradável de verão, partilham gestos de ternura junto ao mar.
Mas como são longas as horas para a pessoa
que está esperando por alguém que demora em chegar.

Temos ainda a experiência do tempo biológico:
como as feridas provocadas no corpo das crianças ou dos jovens cicatrizam depressa,
pois as células jovens reproduzem-se de modo muito acelerado.
Pelo contrário, como demoram a cicatrizar as feridas
nos corpos das pessoas idosas. Os pensos renovam-se ou substituem-se
por tempos que parecem nunca mais ter fim!

Outra experiência frequente do tempo psicológico
é o modo rápido como o tempo passa para o idoso.
Como é frequente ouvir um idoso a repetir a jaculatória famosa:
“Que depressa passa o tempo!”
Com o adolescente, pelo contrário, passa-se o contrário,
pois para ele nunca mais chega a idade
de poder ter uma mota ou um carro e poder sair à vontade!

Finalmente, os cristãos têm ainda a experiência da Hora de Deus (kairós).
O Kairós é o tempo oportuno da salvação,
o momento em que o crente sente que Deus o está a iluminar
e a convidar no sentido de agir de acordo com a sua vontade para connosco.
Que felizes são as pessoas que procuram auscultar
a vontade de Deus e agir de acordo com ela,
pois a vontade de Deus coincide rigorosamente com o que é melhor para nós!

Vem depois o fim.
Com o Acontecimento da morte a pessoa sai do tempo
e entra de modo definitivo nesse campo espiritual contínuo
de interacções amorosas que é a morada de Deus.
Aí dançará o ritmo do amor com o jeito que adquiriu enquanto viveu no tempo.
Isto que dizer que a nossa vida espiritual emerge
e ganha densidade eterna enquanto vivemos no tempo.

Seremos eternamente o que construímos enquanto vivemos no tempo.
Por outras palavras, vista à luz da eternidade,
a vocação fundamental da do ser humano
é realizar-se como pessoa mediante o amor.
Vistas a esta luz, as manhãs surgem
como um convite a aproveitar o novo dia,
pois é uma nova oportunidade para fazer emergir no tempo o que seremos eternamente!





Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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