b) A Santa Unção, Sacramento da Esperança
1- Cristo Venceu a Nossa Morte
2- O Dom da Vida Eterna
a) A Morte e o Sentido da Vida
1- Sentido do Sacramento da Santa Unção
Como os demais sacramentos, também o sacramento da Santa Unção é uma celebração comunitária da Fé. O horizonte deste sacramento é, naturalmente a vitória da vida sobre o sofrimento e a morte. A celebração deste sacramento será tanto mais rica quanto mais se desenvolver dentro de um contexto específico de esperança cristã. Os horizontes da esperança cristã incidem de modo especial na vitória total e definitiva da vida sobre o sofrimento e a morte. Esta vitória é um dom que nos vem de Cristo morto e ressuscitado.
Podemos situar o nascimento do sacramento da Santa Unção no século quinto, altura em que se começam a ungir os doentes com o óleo do crisma (cf. Denz 99). Em 416, o papa Inocêncio I diz que esta unção é um sacramento. Neste período o termo sacramento era entendido no sentido da definição Santo Agostinho: “Sinal eficaz da graça de Deus”. Os penitentes não podiam ser ungidos com o óleo do crisma. Com efeito, os penitentes por estarem temporariamente excluídos da comunidade, não podiam participar das celebrações dos sacramentos (cf. Denz. 315). No século IX, o Concílio de Pavia diz que o sacramento da Santa Unção perdoa os pecados e pode restituir a saúde corporal. Mas reafirma o princípio de que este sacramento não pode ser administrado aos penitentes, excepto se estes se confessarem e receberem o corpo e sangue de Jesus [cf. Denz. 907].
No século XVI, o Concílio de Trento diz que o demónio, durante a nossa vida, anda constantemente a tentar perder-nos. Os esforços e arremetidas maléficos aumentam nos momentos que precedem a morte. O Sacramento da Santa Unção é importante, pois robustece os enfermos, capacitando-os para resistirem aos finais do Demónio.
Temos de reconhecer que esta linguagem fantasiosa se afasta enormemente da teologia bíblica. A Igreja pode criar os sacramentos que achar necessários para exprimir o projecto salvador de Deus a passar pelas situações fundamentais da vida humana. Mas o sentido destas celebrações sacramentais não podem distorcer o património da Fé Apostólica. O sofrimento e a morte são situações profundamente envolventes para a pessoa. O sentido da vida e da morte caminham juntos. De facto, o amor é uma razão que vale tanto para viver como para morrer.
A Celebração do sacramento da Santa Unção é um momento privilegiado para o crente aprofundar o sentido da morte. Ao mesmo tempo é um espaço privilegiado para o Espírito Santo ajudar a pessoa a assumir a vida como tarefa de amor, ao jeito de Jesus Cristo que amou até dar plenamente a sua vida. O sacramento da Santa Unção é um espaço importante para os doentes tomarem consciência da acção do Espírito Santo a actuar força vencedora da morte.
Como ternura maternal de Deus presente nos nossos corações (Rm 5, 5), o Espírito Santo vai-nos introduzindo progressivamente na família de Deus como filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação a Deus Filho (cf. Rm 8, 14-16; Ga 4, 4-7). É importante que a celebração da Santa Unção seja orientada no sentido de levar os doentes a saborear o amor de um Deus vivo que está connosco nas nossas situações de sofrimento. Com efeito, Deus está nas nossas situações de sofrimento, não como causa desse sofrimento, mas como garantia de vitória sobre toda a forma de sofrimento e de morte.
É importante não fazer do sacramento da Santa Unção um rito mágico com determinados efeitos garantidos, como seja lavar almas do pecado ou dar de modo automático a saúde corporal. À luz da Bíblia, a morte, após uma vida realizada e fecunda, é vista como um acontecimento normal e não como uma tragédia (Gn 25, 8; Jz 8, 32; 1Rs 11, 43). Após a experiência dolorosa do exílio na Babilónia, o povo hebreu tomou consciência de que Deus é o Senhor que premeia os justos após a morte. O Espírito de Deus tem o poder de ir ao Sheol, isto é à morada dos mortos e ressuscitar as sombras de vida que aí habitam. Estes surgirão renovados com outras vestes e outro nome, isto é, com uma nova missão (Zac 3, 1-10; Is 62, 2; 65, 15).
O Novo Testamento diz que Jesus Cristo recebeu as chaves do Sheol, ficando com poder para libertar os que estão sob o demónio da morte (Ap 1, 18; 1Ped 3, 28ss; 4, 5-6; Ef 4, 8-10; Col 1, 18; Ap 20, 1). A ressurreição de Jesus iniciou a dinâmica da ressurreição na marcha da Humanidade. Por outras palavras, todos nós estamos a ressuscitar graças à presença recriadora do Espírito Santo no nosso interior (Flp 3, 8-14; Ef 2, 4-10; Col 2, 12-14). Ao atingirmos a plena integração na Família Divina o sofrimento e a morte serão definitivamente vencidos (Heb 8, 8-13; Rom 6, 4; 8, 29; Ef 2, 10; 2, 15-16; Tit 3, 4-7; 2Cor 5, 17).
O Sacramento da Santa Unção deve ser orientado no sentido de ajudar os crentes de que não estamos talhados para o vazio da morte. Na história, estamos em construção, a qual termina com o acontecimento da morte. O nascimento do homem interior é condição necessária para entrarmos no Reino de Deus (Jo 3, 3). Este nascimento acontece pelo Espírito Santo (Jo 3, 6). À medida em que aprendemos a renascer aprendemos a viver e a morrer.
2- Aprender a Morrer
Mediante o sacramento da Santa Unção, o Espírito Santo conduz os crentes que o celebram para a sabedoria que os capacita para aprender a morrer. Morrer é, na realidade, a derradeira possibilidade de renascer. A consciência da nossa morte ilumina o sentido que a vida tem. Os animais não sabem que um dia morrerão, por isso não têm sentidos para viver. Com efeito, os sentidos da vida e da morte caminham a passo igual. Eis a razão pela qual o horizonte da vida e da morte é mais amplo fase terminal.
Nessa altura descobrimos que há causas que valem para morrer que são exactamente as mesmas que valem para viver: o amor. Jesus ensinou-nos que a densidade máxima do amor se atinge ao dar a vida pelas pessoas que amamos. Quem ama até à morte nasce para a plenitude da vida. Felizes, portanto, dos que gastaram a vida pelas causas do amor. Para estas pessoas, a morte final não tem o sentido de uma tragédia sem saída. De facto, souberam ir morrendo todos os dias ao homem egoísta que há em nós. Este homem egoísta é o homem velho nascido de Adão, o qual torna a morte uma tragédia.
Morrer para dar vida é a maneira mais perfeita de rebentar os muros da própria finitude. O Homem Novo não pode nascer sem que o velho vá morrendo. Não nascemos para a vida nova sem morrer progressivamente à vida velha. A maneira de morrer à vida velha é gastá-la pelas causas do amor. Sábias são as pessoas que sabem ir morrendo, a fim de dar vida aos outros. Há seres humanos que sabem renascer todos os dias para a vida eterna, morrendo em cada dia ao egoísmo que ainda habita o seu coração. A grande missão da nossa vida sobre a terra não é manter a vida mortal, mas edificar a vida eterna.
Muitas pessoas, ao tomarem consciência da proximidade da morte, sentem-se mais profundamente chamadas a gastar a vida pelo amor. No fundo tomaram mais plenamente consciência da grande vocação da pessoa sobre a terra. Com efeito, é o amor torna fecunda a vida das pessoas. Eis a razão pela qual, com o surgimento da proximidade da morte, nasce na nossa consciência um apelo a amar mais plenamente. A morte é o parto fundamental para o nascimento definitivo que foi renascendo mediante opções e realizações inspiradas pelo amor. A consciência da nossa morte é um estímulo e um apelo a criar sentidos para viver com sentido.
O sacramento da Santa Unção é um espaço privilegiado para crescer na sabedoria que gera em nós este sentido profundo da vida. À luz da Fé, a morte é como o rebentar da casca do ovo em cujo interior foi germinando o pintainho, isto é, a interioridade pessoal-espiritual. A temperatura que faz germinar este pintainho é o conjunto das realizações na linha do amor.
Por ser espiritual, a nossa interioridade pessoal não cai sob a alçada da morte, pois transcende a curva natural da vida: nascer, crescer, envelhecer e morrer. O nosso ser exterior ou individual acaba no cemitério. Entra nos circuitos físico-químicos da natureza, como a casca do ovo depois de o pintainho nascer. A nossa interioridade pessoal-espiritual, pelo contrário, está talhada para a plenitude da comunhão universal.
A morte é a porta para a plenitude da vida eterna, dom que nos é concedido por Cristo ressuscitado. Mas, com sabemos, não há ressurreição sem morte. Não há ressurreição gloriosa com Cristo se não houver morte progressiva ao egoísmo. Felizes são os que sabem aproveitar a vida presente para construir a vida eterna, isto é, a vida pessoal-espiritual. Como vimos acima, a razão da nossa vida na história não é apenas prolongar a vida mortal, mas construir a vida eterna. De facto, apenas o nosso ser interior, por ser pessoal e espiritual, tem densidade para ser assumido na plenitude da vida eterna.
Vista a esta luz, a morte é condição para atingirmos a nossa glorificação com Cristo Ressuscitado. Graças ao mistério da Encarnação, a salvação já está ao nosso alcance! O Filho de Deus fez-se nosso irmão, a fim de sermos membros da família divina (Jo 12-14). Mediante o parto derradeiro da morte, nascemos para a vida em plenitude. Nascemos definitiva e plenamente para Deus.
A morte, portanto, é a última possibilidade que nos é dada para conquistarmos a vida eterna. Ao anular o nosso ser exterior ou individual, a morte possibilita a libertação definitiva do nosso ser interior ou espiritual. Esta é a condição para entrarmos na intimidade de Deus, Família primordial. A morte não mata a pessoa. Apenas o nosso ser exterior acaba com a morte. A morte atinge-nos nas coordenadas da finitude de ordem individual, biológica, psíquica, linguística, rácica e espácio-temporal.
Ao ressuscitar, Jesus Cristo tornou-se para nós a Árvore da Vida, oferendo-nos o fruto que nos proporciona a vida eterna: o Espírito Santo. Com seu jeito maternal de amar, O Espírito Santo molda-nos como imagem de Deus, configurando-nos com Cristo e introduz-nos na Família Divina (Rm 8, 14-17; Ga 4, 4-7). Somos gerados de novo pelo Espírito Santo. Jesus insistiu que temos de nascer de novo pelo Espírito Santo. Graças a Cristo ressuscitado, voltamos a ter acesso ao fruto da vida eterna do qual Adão nos tinha privado (cf. Gn 3, 22-24).
O Paraíso, fechado por Adão, foi reaberto para todos nós em Jesus Cristo. De Adão, homem tirado da terra, veio o nosso ser individual, exterior e mortal. Do Novo Adão, Cristo ressuscitado, veio o Homem Novo, espiritual e membro da Família de Deus. Eis a razão pela qual São Paulo chama a Cristo o Novo Adão (Rm 5, 17-19). Ele é a cabeça da Humanidade restaurada. Ele é o medianeiro da reconciliação universal com Deus (2 Cor 5, 17-19). Por Ele veio a plenitude humana, isto é, o Homem assumido e integrado na Comunhão Universal do Reino de Deus.
É este o novo nascimento que culmina na nossa divinização. Mas só pela morte entramos nesta plenitude da vida eterna. O Espírito Santo, fruto precioso da Árvore da Vida, é o Espírito de Cristo, pois vem em nome de Cristo inserir-nos na Comunhão Familiar de Deus. Ao morrer, Cristo destruiu a nossa morte. Ao Ressuscitar, restaurou a nossa vida, incorporando-a na comunhão familiar da Santíssima Trindade!
b) A Santa Unção, Sacramento da Esperança
1- Cristo Venceu a Nossa Morte
O Novo Testamento é o testemunho da ressurreição de Jesus Cristo. A vida eterna como participação na Família de Deus é indissociável da ressurreição de Jesus Cristo. A Bíblia proclama a ressurreição da carne no sentido de afirmar a identidade histórica dos ressuscitados. O termo carne, na cultura bíblica, é sobretudo um conceito genealógico e cultural. Para o mundo bíblico, a pessoa está viva na medida em que se relaciona e convive. Segundo a antropologia bíblia, o ser humano privado de relações, convívio e comunhão com os outros está em estado de morte.
O noção de carne na cultura hebraica coincide mais com a realidade interior da pessoa do que com a sua realidade exterior. Podíamos dizer que o homem carne, para o mundo bíblico, é a pessoa como interioridade que se estrutura em relações e forma uma unidade orgânica com toda a Humanidade. Formar uma só carne significa formar uma grandeza relacional, cultural, afectiva que apenas encontra a sua identidade em interligação com os outros. Por isso o varão deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, formando uma só carne (Gn 2, 24).
São Paulo diz que os cristãos são corpo de Cristo, isto é, fazem um todo orgânico com o Senhor ressuscitado. Aplicando isto à questão da prostituição sagrada que acontecia nos templos, São Paulo diz que os cristãos não podem unir-se às prostitutas, pois fariam com ela uma só carne (1 Cor 6, 15b). Este procedimento seria um sacrilégio, pois seria fazer de um membro de Cristo uma só carne com uma prostituta, pois o varão e a mulher fazem uma só carne (1Cor 6, 15a).
Isto é assim, continua São Paulo, pois fazemos uma união com Cristo: “Aquele que se une ao Senhor constitui com Ele um só Espírito” (1Cor 6, 17). Isto é assim, diz São Paulo porque fomos todos baptizados no mesmo Espírito, a fim de formarmos um só corpo (1Cor 12, 13). Como membros de Cristo, cada um de nós tem a sua função própria (1Cor 12, 27).
É esta a visão do homem carne, na Bíblia. Ao falar da Eucaristia, São Paulo diz que comemos do mesmo pão porque formamos um só corpo (1Cor 10, 17). Os seres humanos estão todos interligados de modo orgânico desde os começos da humanidade. Adão foi constituído como cabeça da Humanidade. Como a cabeça não teve juízo, todo o corpo foi conduzido para o malogro e o fracasso.
Por um só homem, diz São Paulo, o pecado e a morte entraram no mundo, atingindo a todos (Rm 5, 12). Mas Deus escolheu Jesus Cristo como Novo Adão, fazendo dele a nova Cabeça da Humanidade (Rm 5, 17). Agora somos uma Nova Criação em Cristo, o Novo Adão: “Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho e tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que, em Jesus Cristo, nos reconciliou consigo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19).
A ressurreição da Carne, portanto, é uma realidade a acontecer de modo orgânico. Participamos da condição de Cristo ressuscitado porque fazemos uma unidade orgânica com ele. É algo parecido, diz o evangelho de São João, à união que existe entre a cepa da videira e os ramos. Os ramos vivem e são fecundos apenas na medida em que estão unidos à cepa (Jo 15, 4-6).
O matrimónio é sacramento desta união orgânica que existe entre Cristo e a Humanidade dos eleitos, pois o marido e a esposa formam uma só carne: “Os maridos devem amar as mulheres como os seus próprios corpos. Aquele que ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém jamais aborreceu a sua própria carne. O homem deixará pai e mãe, ligar-se-á à sua mulher e passarão a ser uma só carne” (Ef 5, 28-31).
A fé bíblica na ressurreição da carne não implica qualquer tipo de restauração biológica. Esta assunção na plenitude da vida eterna realiza-se como Comunhão e incorporação orgânica na Família de Deus. Agora já podemos compreender como a Boa Nova da ressurreição e da Vida eterna em Cristo deve estar no coração da celebração da Santa Unção. É esta a verdade que proclamamos no “Credo” quando dizemos: “Creio na Ressurreição da Carne”.
Mas este termo não é a afirmação de um acontecimento de ordem biológica. A ressurreição, diz São Paulo, é um acontecimento espiritual, não biológico: “Semeia-se na corrupção e ressuscita-se na incorrupção. Semeia-se na ignomínia e ressuscita-se na glória. Semeia-se na fraqueza e ressuscita-se na força. Semeia-se corpo natural e ressuscita-se corpo espiritual. O que digo, irmãos, é que a carne e o sangue não podem tomar parte no Reino de Deus, nem a corrupção não herdará a incorruptibilidade.” (1Cor 15, 42-50).
Do mesmo modo, diz o evangelho de São João, comer a carne de Cristo não significa antropofagia, mas formar uma união orgânica com Cristo ressuscitado no Espírito Santo (Jo 6, 62-63). A nossa união orgânica com Cristo culmina na Comunhão Universal com a Santíssima Trindade: “Que todos sejam apenas um como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti. Que também eles sejam um em nós” (Jo17, 21). Ao ressuscitar, Jesus Cristo deu-nos a Água Viva, isto é, o Espírito Santo, o qual faz jorrar Vida Eterna no nosso íntimo (Jo 7, 37-39).
Quem come a carne de Cristo participa da salvação que acontece através da ressurreição da carne: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu vou ressuscitá-lo no último dia (…). Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, aquele que me come viverá por mim” (Jo 6, 54-57). Estes textos mostram-nos como a nossa união a Cristo ressuscitado é a fonte de vida eterna. Talvez agora possamos entender como é mais profunda a expressão “Creio na ressurreição da carne,” do que dizer: “Creio na ressurreição dos corpos.”
2- O Dom da Vida Eterna
Celebrar o sacramento da Santa Unção é proclamar a vitória da Vida eterna. A Vida eterna não é uma realidade que apenas será real após a morte. É importante que os enfermos que celebram o sacramento da Santa Unção entendam que a vida eterna já está a emergir no seu íntimo. Após o acontecimento da Encarnação, o divino enxertou-se no humano, a fim de a vida eterna começar a emergir nele já agora.
A Divindade não é uma realidade histórica, mas é uma comunidade de três pessoas empenhadas na História do Homem. Na sua ternura infinita e difusiva, Deus quis que a Humanidade tivesse parte na festa da vida eterna. A plenitude desta vida acontece após a morte mas já está em marcha no processo histórico da humanização. A vida eterna na história está a acontecer como divinização do ser humano na medida em que esta se humaniza.
O Novo Testamento usa expressões muito sugestivas para falar da dádiva gratuita da vida eterna: “Pai, chegou a hora! Manifesta a glória do teu Filho, de modo que o Filho revele a tua glória. Tu, Pai, deste ao teu Filho poder sobre toda a Humanidade, a fim de ele dar a vida eterna a todos os que lhe entregaste. Pai Santo, a Vida Eterna consiste em conhecer-te, Pai, como único Deus verdadeiro e a teu filho Jesus Cristo a quem enviaste” (Jo 17, 1-3).
São Paulo diz que a vida eterna é o grande dom que Deus oferece em Cristo, nesta fase da plenitude dos tempos: “O salário do pecado é a morte, mas a vida eterna é o dom gratuito que vem de Deus por Cristo, Senhor nosso” (Rm 6, 23). Na Carta a Tito, São Paulo diz que é o mensageiro enviado aos homens, a fim destes conhecerem a verdade da vida eterna: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, em ordem à fé dos eleitos de Deus e ao conhecimento da verdade, que conduz à piedade. Assim é fortalecida a esperança na vida eterna, prometida desde os tempos antigos pelo Deus que não mente. Este mistério foi manifestado no devido tempo pela pregação da qual fui incumbido por mandato de Deus, nosso Salvador” (Tit 1, 1-3).
Além disso, acrescenta São Paulo, a vida eterna é um dom totalmente gratuito que Deus nos proporciona mediante a acção do Espírito Santo: “Mas quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com a Humanidade, ele salvou-nos. Esta salvação não é devida às obras de justiça que tenhamos praticado, mas sim à sua misericórdia, através de um novo nascimento e renovação mediante o Espírito Santo, que ele derramou abundantemente sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador. Deste modo, uma vez justificados pela sua graça, vamo-nos tornando herdeiros da vida eterna que já vivemos na esperança” (Tit 3, 4-7).
A vida eterna é a Festa da Família de Deus, onde a Ternura Maternal de Deus, o Espírito Santo, é o princípio que enche o coração de todas as pessoas e anima as relações de comunhão entre Deus e os seres humanos. O livro do Apocalipse descreve de modo maravilhoso a dinâmica amorosa da vida eterna: “Vi então um Novo Céu e uma Nova Terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual noiva adornada para o seu esposo. Depois ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: “Esta é a morada de deus entre os homens. Ele habitará com os seres humanos e estes serão o seu povo. Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos. Não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor, pois as primeiras coisas passaram”.
O que estava sentado no trono disse: “Eu renovo todas as coisas!” E acrescentou: “Escreve, porque estas palavras são dignas de fé, pois são verdadeiras”. “É verdade: Eu sou o Alfa e o Ómega, O Princípio e o Fim! Ao que tiver sede eu lhe darei a beber gratuitamente da nascente da Água da Vida. O que vencer receberá estas coisas como herança e Eu serei o seu Deus e ele será o meu filho!” (Apc 21, 1-7).
Como vemos, a vida eterna é uma realidade relacional e orgânica. Ninguém possui a vida eterna de modo isolado. Nem Deus, pois a divindade é uma comunhão orgânica de três pessoas. O Espírito Santo, como ternura maternal de Deus é o princípio animador das relações e da comunhão orgânica que constitui a vida eterna. A vida eterna emerge no coração de cada pessoa à medida em que esta se vai realizando na vida presente. De facto, Deus assume e diviniza a pessoa humana na medida em que esta se humaniza, isto é, na medida em que esta emerge como ser espiritual capaz de interacção amorosa.
O evangelho de São João diz que a Encarnação é o princípio da vida eterna: “Mas aos que receberam o Verbo, aos que crêem nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue. Também não nasceram de um impulso da carne nem da vontade do homem, mas sim de Deus. E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, essa glória que ele possui como Filho unigénito do Pai, cheio de Graça e Verdade” (Jo 1, 12-14).
A vida eterna implica, portanto, a incorporação na Família de Deus que tem como resultado a divinização da pessoa humana. Por outras palavras, a matéria-prima a ser divinizada é o resultado da humanização de cada pessoa. A lei da humanização é um processo histórico que assenta sobre dois pólos: o pessoal e o sócio-cultural. A nível pessoal a humanização acontece como emergência espiritual mediante relações de amor e convergência para a comunhão humana universal. A nível sócio-cultural a humanização acontece como realidade étnica e cultural: Implica a emergência livre das diferenças rácicas, linguísticas, culturais e convergência para a edificação da paz e da fraternidade universal.
A vida eterna é um dom gratuito de Deus que implica a divinização, isto é, uma interacção de tipo familiar com as pessoas divinas. Isto significa, portanto, que a vida eterna é algo que já está em marcha na vida presente. Viver a vida eterna, diz a Primeira Carta de São João, é viver o amor aos irmãos, o único caminho que conduz à comunhão com Deus: “Nós sabemos que passámos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte. Todo o que tem ódio ao seu irmão é um homicida e vós bem sabeis que nenhum homicida tem dentro de si a vida eterna” (1 Jo 3, 14-15).
Depois acrescenta que a vida eterna é realmente um dom que Deus nos concede e não algo que nós possamos ter isoladamente. Ninguém pode possuir a vida eterna sem o dom que nos vem de Deus através de Jesus ressuscitado. Esse dom é o Espírito Santo: “ É este o testemunho: Deus deu-nos a vida eterna, e esta vida está no seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida, quem não tem o filho não tem a vida” (1 Jo 5, 11-12). A vida eterna, por ser pessoal, define-se pela qualidade das suas relações amorosas. A vida eterna e a morte eterna dependem da atitude da pessoa perante o amor, enquanto vive na história.
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