A Vinda do Reino de Deus foi a grande aspiração do povo Hebreu durante cerca de mil anos. Tudo começou quando o profeta Natan anunciou a David que o Senhor Deus lhe ia suscitar um filho, o qual construiria um templo para Deus. Graças a este filho de David que Deus adoptaria como seu, a casa de David permaneceria para sempre (2 Sam 7, 12-16).
Durante séculos o povo bíblico suspirou pela vinda do filho de David. Este significava para a esperança do povo, a restauração do Reino de David com o seu antigo esplendor. Jerusalém tornar-se-ia a capital mundial dos dons de Deus. Gentes de todos os povos viriam a Jerusalém procurando a Sabedoria de Deus, ao mesmo tempo que trariam as suas riquezas para os habitantes de Jerusalém (Is 60, 1-11).
Os discípulos esperavam o Reino de Deus nestes termos. João e seu irmão Tiago começam a preparar as coisas para ocuparem os primeiros lugares na corte messiânica, o que originou protestos por parte dos outros discípulos (Mc 10, 35-41). Jesus, com grande paciência e sabedoria, tenta mudar os conceitos dos discípulos, dizendo-lhes que o projecto de Deus não foi concebido segundo os critérios do mundo (Mc 10, 42-45).
Os discípulos tinham a visão dos judeus do seu tempo. Jesus chega a chamar Satanás a Pedro porque este só via as coisas segundo os esquemas da carne, isto é, segundo os critérios do judaísmo (Mt 16, 23). Os discípulos, antes da Páscoa, apenas esperavam um reino político no qual eles teriam um lugar de destaque. Eis as palavras que Lucas põe na boca de Jesus e que resume a esperança dos discípulos em relação à segunda vinda de Cristo: ”Vós permanecestes sempre a meu lado nas minhas provações. Por isso disponho do Reino em vosso favor, como meu Pai dispõe dele em meu favor, a fim de que comais e bebais à minha mesa no meu reino. E haveis de sentar-vos em doze tronos para julgardes as doze tribos de Israel (Lc 22, 28-30).
O Espírito Santo foi conduzindo os discípulos no sentido de estes compreenderem o alcance da missão messiânica de Jesus. Nos finais do século primeiro, o Evangelho de João já tem uma visão totalmente distinta: “Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazer rei, retirou-se de novo sozinho para o monte” (Jo 6, 15). E ainda: “ Pilatos perguntou a Jesus:’ tu és rei dos judeus?’ (...). Jesus respondeu, o meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que eu não fosse entregue às autoridades judaicas. Portanto, o meu reino não é de aqui. Disse-lhes Pilatos: ’logo, tu és rei? Respondeu-lhe Jesus: ‘é como dizes: eu sou rei’ Para isto nasci e vim ao mundo: dar testemunho da verdade” (Jo 18, 33-37).
Como vemos, no final do século primeiro começa a ultrapassar-se a ideia de um reino messiânico na Terra. Ao lado desta visão, porém, continua vigente outra a outra visão que espera a restauração do reino de David aquando da segunda vinda de Cristo (Act 3, 19-21; Lc 22, 28-30). Está nesta mesma linha a visão milenarista do Apocalipse (Apc 20, 4-6).
Estamos no terceiro milénio. Isto significa que temos muitos séculos de reflexão sobre o projecto salvador de Deus. O reino que esperamos é a nossa incorporação orgânica na comunhão com a Santíssima Trindade, graças a Cristo ressuscitado. Cristo está unido organicamente ao Pai pelo Espírito Santo, fazendo um com ele (Jo 10, 30). Nós estamos organicamente unidos a Cristo (Jo 15, 1-7). Graças ao mistério da Encarnação também a Humanidade forma uma união orgânica com a Santíssima Trindade (Jo 17, 21-23). Somos vivificados pelo Espírito Santo e incorporados em Jesus como filhos em relação ao Pai e irmãos em relação ao Filho (Rm 8, 14-16). É este o poder de nos tornarmos filhos de Deus, não pela vontade da carne ou pelo desejo do homem, mas pelo querer de Deus (Jo 1, 13-14).
O Reino de Deus, portanto, é a plenitude da vida com o nosso Deus: “Vi, então, um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. Vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, preparada, qual noiva adornada para o seu esposo. E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: ‘esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens, e estes serão o seu povo. Deus estará com eles e será o seu Deus. Enxugará todas as lágrimas dos seus olhos. Não haverá mais morte, nem luto, nem pranto nem dor, pois as primeiras coisas passaram. O que estava sentado no trono disse: eu renovo todas as coisas” (Jo 21, 1-5).
O Reino de Deus é a Festa da comunhão universal. Todos dançam a música do amor, mas cada qual com o jeito com que tenha treinado durante a vida. Todos reinam e comungam com Deus como reis e sacerdotes, isto é, amando e sendo mediação do amor de Deus e dos irmãos: “Vós porém, sois povo eleito, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável” (1 Pd 2, 9). No centro da pregação de Jesus estava o anúncio do Reino de Deus. Este é um realidade dinâmica. O Homem é convidado. Pode aceitar ou não. Deus nunca se impõe. Os seus dons são-nos feitos em forma de possíveis ou talentos, a fim de os podemos aceitar ou não.
O Reino é semelhante a um proprietário que sai a contratar operários para a sua vinha (Mt 20, 1). É parecido a um rei que prepara as bodas do seu filho (Mt 22, 2). Também se pode comparar a dez jovens que se preparam para entrar na festa do noivo (Mt 25, 1). O Reino é um dom divino e não uma conquista da Humanidade. Para ter parte no Reino é preciso estar unidos a Cristo. Os homens podem dizer sim ou não.
Jesus ensina-nos a pedir a vinda do Reino (Mt 6, 10). A vinda do Reino não depende dos esforços humanos (Mc 4, 26-29; Mt 11, 12). Uns estão melhor preparados que outros para o acolher (Mt 12, 31). Os que melhor acolhem o Reino são: os humildes (Mc 9, 42). Os simples (Mt 11, 25). Os oprimidos ou angustiados pelas canseiras da vida (Mt 11, 28). Os publicanos e os marginais (Mt 21, 32). Isto significa que é um dom que nunca merecemos. Não é uma recompensa devida ao cumprimento de normas, preceitos e leis.
O Reino de Deus é uma realidade escatológica. Pertence à fase final da História. Com Cristo Ressuscitado iniciaram-se os finais dos tempos, isto é, a Humanidade entrou na fase dos acabamentos. A salvação corresponde à fase final do projecto humano. A criação precede necessariamente a salvação. A divinização das pessoas assenta na sua humanização. Por outro lado, a tarefa da humanização é nossa. Ninguém a pode realizar por nós. Eis alguns sinais que são uma manifestação da dinâmica do Reino a acontecer: Os pobres são evangelizados, os enfermos são curados e o pecado é perdoado (cf Lc 4, 18-21). Chegou o ano da graça. A indulgência total de Deus chega até nós através de Cristo: o Espírito Santo que realiza a restauração do homem ferido pelo pecado (2 Cor 5, 17-19) e a incorporação na comunhão da Santíssima Trindade como membros da Família divina (Rm 8, 14-16; Ga 4, 4-7).
Alguns gestos de Jesus eram um sinal da presença do Reino : “Se eu expulso os demónios pelo dedo de Deus, então isto quer dizer que o Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 11, 20; Mt 12, 28). Só são expulsos do Reino os que não têm coração para viver a fraternidade e a comunhão (Mt 21, 43). Cristo é o medianeiro de Deus para o acontecimento do Reino. Ninguém toma parte no Reino a não ser por Jesus. Apesar de ser um dom de Deus tem exigências éticas: não se impõe ao homem. A pessoa deve esforçar-se para entrar nele. Os dons de Deus são-nos sempre concedidos em forma de talentos ou possíveis, a fim de os podermos aceitar ou rejeitar. É a plenitude da felicidade, mas consegue-se através da renúncia a tudo o que impede a pessoa de ser fraterna, e fiel aos apelos do Espírito na sua consciência.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias
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