Construíndo a Família Cristã


a) A Família como Realidade em Construção
b) Família e a Epopeia da Humanização
c) A Igual Dignidade do Homem e da Mulher
d) A Vida Conjugal iluminada pela Bíblia
e) Sonhando a Família Ideal
f) O Pedrito sonha com uma Família Feliz


a) A Família como Realidade em Construção

A família humana é um espaço fundamental para a humanização dos seres humanos. Podemos dizer com toda a verdade que a família é a célula mãe da sociedade. Segundo tenha sido bem ou mal amado, o ser humano ficará capacitado ou não para amar. Na verdade a lei do amor é esta: ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado e o mal amado ficará a amar mal.

É na família que se inicia a dinâmica básica da humanização que acontece como emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal. À luz da fé cristã a comunhão universal para a qual as pessoas humanas convergem na medida em que emergem como pessoas é o Reino de Deus.

Isto quer dizer que a meta da Família humana é a Família de Deus. Por outras palavras, a família humana é uma mediação fundamental para acontecer a edificação da família divina, a qual transcende os laços da carne e do sangue.

Jesus tinha consciência de que a sua missão implicava a incorporação das pessoas humanas na comunhão familiar de Deus mediante o dom do Espírito Santo (Rm 8, 14-17; Ga 4, 4-7). Eis a razão pela qual Jesus anunciava o Reino de Deus, isto é a Família Universal de Deus, a qual assenta nos laços da Palavra e do Espírito Santo:

“Entretanto chegaram sua mãe e seus irmãos que queriam falar com Jesus. Ficaram do lado de fora, pois a multidão estava sentada à volta dele. Entretanto alguém disse a Jesus: “Está lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram”. Jesus respondeu: “Quem são minha mãe e meus irmãos? E percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: “Aí estão minha mãe e meus irmãos, pois todo aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 31-34).

Mais que um lugar de aprendizagem teórica, a família é um entretecido de relações, onde emerge o amor como dinâmica de bem-querer que tem como origem as pessoas e como meta a comunhão. A família é o espaço adequado para acontecer o amadurecimento dos esposos, dos pais e dos filhos. Primeiro amadurece o marido e a esposa. Depois amadurece o pai e a mãe.

A família é a comunidade de amor mais adequada para o ser humano se estruturar como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de amar. É na família que a natureza humana encontra as melhores condições para emergir como vida pessoal e convergir para a comunhão amorosa. Por outras palavras, a família é um contexto humano excepcional para a humanização das pessoas.

Quanto maior for a densidade do amor no entretecido das relações familiares, mais os seus membros crescem como pessoas bem-amadas e, portanto, capacitadas para colaborar na criação de uma sociedade mais justa e feliz. Uma pessoa bem-amada está capacitada para amar bem, facilitando a realização das outras pessoas e, portanto, da sociedade.

Como sabemos, a plenitude do ser humano não está em si, mas no encontro e na comunhão com os outros. Apenas em relações de amor com os outros a pessoa se pode realizar e possuir plenamente. Na medida em que se amam, os membros da família elegem-se mutuamente como alvo de bem-querer e procuram aceitar-se apesar das diferenças.

É no interior de uma família bem-amada que a natureza humana encontra condições para emergir na sua perfeição máxima. De facto, é no coração da pessoa bem-amada que a Humanidade emerge de forma única, original e irrepetível. De facto, não há duas pessoas iguais. É por esta razão que ninguém está a mais, pois ninguém é uma cópia de alguém que já existe ou existiu.

A família humana é uma imagem perfeita de Deus. A nossa fé diz-nos que Deus é uma comunhão familiar de três pessoas.  Em condições normais, é na família que as pessoas recebem o leque básico dos seus talentos ou possibilidades de humanização. A fidelidade aos talentos recebidos é, como diz o evangelho de São Mateus, a vocação básica do ser humano. Na verdade, a fidelidade aos talentos recebidos na família, pessoa torna-se apta para ser um bom construtor da sociedade e um bom participante da festa da comunhão universal que é a Família de Deus (cf. Mt 25, 14-30).


b) Família e a Epopeia da Humanização

Podemos dizer que o Homem faz parte do melhor que a Criação já produziu. A Humanidade concretiza-se em pessoas, isto é, em seres com uma interioridade espiritual. É verdade que o ser humano não é Deus, mas devido ao facto de ser pessoa é proporcional à própria Divindade.

Com efeito, a Divindade é pessoas em comunhão e a Humanidade também. Eis a razão pela qual o Homem é o sonho e a paixão de Deus. Está em processo de realização histórica. Por isso, para se dizer, precisa de contar uma história. A vida humana já tem sabor a eternidade, pois devido à sua densidade espiritual deu o salto para a imortalidade.

Como realidade em construção na História, o Homem está a emergir em cada ser humano de forma única, original e irrepetível. Mas a Humanidade não se esgota nas pessoas actualmente em construção na História. Na verdade, a multidão dos seres humanos que nos precederam nesta aventura da humanização já está incorporada na comunhão Universal da Família de Deus.

Com a Encarnação do Filho Eterno de Deus, a Humanidade deu um salto de qualidade e entrou na plenitude dos tempos. Com o termo plenitude dos tempos, São Paulo quer significar e a fase dos acabamentos, isto é, o processo da divinização do Homem. Foi no interior espiritual de Jesus de Nazaré que o divino se enxertou no humano, formando uma união orgânica e dinâmica de grandeza humano-divina. Nesta interacção humano-divina nem o humano é anulado pelo divino, nem o divino é diminuído pelo humano.

Com Jesus Cristo, portanto, começou a marcha da divinização do Homem mediante a inserção dos seres humanos na Família de Deus. Eis a maneira Como São Paulo exprime esta dinâmica da divinização do Homem:

“De facto, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para andardes com medo. Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos adoptivos de Deus e vos leva a clamar “Abba”, isto é, Pai! É o próprio Espírito Santo que no nosso íntimo dá testemunho de que somos realmente filhos de Deus. Ora, se somos filho de Deus somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8, 14-17).

A partir de Jesus Cristo, portanto, a divinização do Homem está em marcha. Podemos dizer que será eternamente mais divino quem mais se humanizar na História. Por outras palavras, comungará mais com Deus quem mais crescer na capacidade de comungar com os irmãos.

Como sabemos, o Reino de Deus é a Festa Universal da Família de Deus. Nesta Festa todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que tiver treinado agora na História. É exactamente isto que significa dizer que a pessoa é um ser em construção histórica. Por outras palavras, o ser humano faz-se, fazendo. Realiza-se, realizando. Ninguém o pode substituir nesta tarefa da sua realização.

No entanto, a pessoa humana só pode realizar-se em relações com as outras, pois não somos ilhas. Podemos dizer que começamos por ser aquilo que os outros fizeram de nós. Mas o mais importante e decisivo é o modo como nos realizamos a partir do que recebemos dos demais. Ao falar da Encarnação, o evangelho de São João diz que o Filho de Deus, ao encarnar, nos deu o poder de nos tornarmos nos filhos de Deus.

Eis as suas palavras: “Mas a quantos o receberam, aos que nele crêem deu-lhe o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. E o Verbo de Deus encarnou e veio habitar no nosso meio. E nós vimos a sua glória, essa glória que ele possui como filho unigénito do Pai cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 12-14).

Na sua configuração espiritual, o ser humano é uma pessoa semelhante às pessoas divinas. Como cada ser humano é único, podemos dizer que a pessoa é um ser alicerçado na sua unicidade, mas talhado para a reciprocidade da comunhão amorosa. Isto quer dizer que a plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão amorosa.

Eis a razão pela qual a Divindade, apesar de ser três pessoas, é apenas uma plenitude divina. Por outras palavras, o Uno, em Deus, é a comunhão trinitária. O plural, são as pessoas. Tal como acontece com a Divindade, também a Humanidade forma uma unidade orgânica e dinâmica, onde cada pessoa encontra a sua plenitude.

Por ser um homem plenamente realizado, Jesus de Nazaré faz um todo com a Humanidade. Pelo facto de formar uma interacção humano-divina, Jesus é a fonte a partir da qual emana a Água Viva, isto é, o Espírito Santo que diviniza a diviniza toda a Humanidade.

Como vimos acima, foi no coração de Jesus que aconteceu o enxerto do divino no humano, a fim de este ser divinizado. De facto, a Encarnação é a cúpula da criação do Homem. No princípio, Deus iniciou a génese histórica do Homem através dessa intervenção especial em que Deus insufla o sopro do Espírito Santo no coração do Homem (Gn 2, 7).

Utilizando o cenário simbólico apresentado pelo Livro do Génesis, podíamos dizer que Deus amassou o barro e talhou-o, dando-lhe uma configuração humana. Esta imagem significa que a marcha evolutiva caminhou no sentido da complexidade cerebral específica do ser humano. Quando a marcha evolutiva entrou no limiar da hominização, Deus interveio, comunicando ao Homem a dinâmica do Espírito Santo, dando início ao processo histórica da Humanização. A Hominização é a estrutura natural do Homem. A Humanização é o processo histórico da personalização e espiritualização do mesmo Homem.

Deus não realizou qualquer outra intervenção especial no que se refere à criação dos outros animais. Utilizando a imagem bíblica do relato da criação, podíamos dizer que Deus, ao introduzir o hálito da vida espiritual no coração da pessoa humana, fez que esta se tornasse barro com coração.

Barro com coração é a pessoa humana capaz de eleger os outros como alvo de bem-querer e de realizar com eles alianças de amor. Barro com coração é o ser humano dotado de livre arbítrio, isto é, com a capacidade psíquica de optar pelo bem e pelo mal. Barro com coração é o ser humano chamado a construi-se como pessoa a partir dos talentos que recebeu dos outros. Barro com coração é o ser humano chamado a optar pelo bem, rejeitando o mal, tornando-se assim um ser com uma vida ética.

No interior de cada ser humano, o Espírito Santo dá o impulso primordial à marcha da humaniza e depois acompanha esta marcha no concreto das situações onde se jogam as questões importantes para a humanização. E é assim que o Espírito Santo se torna o arquitecto da humanização do Homem, inspirando e insinuando, mas sem jamais substituir a pessoa.

É o Espírito Santo que faz emergir no coração do Homem a Sabedoria que o ajuda a saborear o sentido da Vida, da História e do Universo com os critérios do próprio Deus. Podemos dizer que a História do Homem está marcada pelo amor e a presença de Deus, nosso Criador e Salvador. O Deus bíblico é, de facto, o Emanuel, pois está connosco desde os primórdios da História Humana.

Ao nascer da aurora, Deus foi amassando o barro que constitui a base orgânica e psíquica do nosso ser. Ao chegar o meio-dia, concedeu-nos o dom da salvação em Cristo. Após o meio-dia, somos convidados a aceitar o dom da salvação vivendo como membros da Família de Deus: Filho de Deus Pai, irmãos do filho de Deus e dos demais seres humanos.

Os cristãos estão chamados a celebrar este plano amoroso de Deus, a fim de melhor o saborearem e poderem anunciar a todos os homens. Podemos dizer com toda a verdade que Deus no amou antes de nos criar.

A paixão que Jesus Cristo sentia pela libertação e salvação dos seres humanos é a expressão do amor incondicional de Deus pelo Homem. Na verdade, Deus não esteve à esperou que fossemos bons para gostar de nós. Mesmo após a rotura do pecado, Deus continuou a amar-nos incondicionalmente. Jesus ensinou-nos esta verdade com a parábola do Filho Pródigo: todos os dias Deus, como um Pai bondoso, subia ao alto da colina, na esperança de ver o filho regressar.

Ao ressuscitar, Jesus Cristo deu-nos a Água Viva que faz jorrar em nós um manancial de Vida Eterna, incorporando-nos na Família de Deus. Ao nascer do dia, Deus Pai sonhou o Homem à sua imagem e semelhança. Quando chegou o meio-dia, Deus Filho, mediante a Encarnação, levou este sonho à plenitude, enxertando o divino no humano e assumindo o humano na plenitude da comunhão divina. E foi assim que a Humanidade passou a ser uma Nova Criação reconciliada com Deus, como diz São Paulo:

“Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho e eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que, em Cristo, nos reconciliou consigo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19).

Podemos dizer que, em Jesus Cristo, os anseios mais profundos do coração humano encontraram a sua resposta! Na verdade, a fome de plenitude que grita no mais íntimo do nosso ser encontrou a sua resposta plena. É por esta razão que o Espírito Santo, no íntimo do nosso ser não cessa de nos convidara crescer, dando-nos a garantia de que não estamos a caminhar para o vazio da morte.

O facto de não nascermos acabados faz parte do projecto amoroso de Deus. Na verdade nós temos que tomar parte na nossa realização, a fim de nos realizarmos como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de amar. Precisamos de tomar parte na nossa própria realização, a fim de podermos tomar parte na reciprocidade da Comunhão do Reino de Deus.

Por outras palavras, Deus criou-nos para que nos criemos, a fim de emergirmos como pessoas livres, conscientes e responsáveis. A História é o útero em cujo seio está a emergir o Homem a caminhar para Deus. Hoje estamos nós a construir esta Humanidade a talhada para Deus. Muitos outros edificaram antes de nós. E se não destruirmos a nossa Terra bonita e fecunda, outros virão enriquecer o património universal da Família de Deus.

A humanização é a grande tarefa do ser humano a caminhar para a plenitude da comunhão com Deus e os irmãos. A lei da humanização é: Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal. Realizar-se é fazer emergir o que ainda existe em nós como possibilidade de ser.

Quanto mais a pessoa emerge, maior é a sua capacidade de interagir amorosamente com Deus e os irmãos. É este o caminho que conduz à Família Universal de Deus onde os laços do sangue, da raça, da língua, da nacionalidade, do espaço e do tempo são superados.


c) A Igual Dignidade do Homem e da Mulher

A Humanidade é um rosto com duas faces: a face masculina e a face feminina. Isto quer dizer que todos nós somos seres sexuados. De facto, as nossas relações são todas sexuadas, isto é, diferentes consoante a condição sexual das pessoas com as quais nos relacionemos. Diferente, neste contexto, não significa ser melhor ou pior, mas apenas diferenciadas.

É importante termos consciência deste facto e assumi-lo, a fim de melhor nos aceitarmos e fazer que as nossas relações sejam naturais. Este é o modo de estarmos bem inseridos no convívio com as pessoas e darmos o melhor para a humanização da sociedade. A Humanidade está a emergir no concreto de pessoas humanas que se realizam como homens ou mulheres. Isto quer dizer que estamos talhados para o encontro e a comunhão com o diferente.

Deus é uma comunidade amorosa de três pessoas. Isto significa que Deus, ao criar o Homem à Sua imagem e semelhança, não podia deixar de o criar como um ser talhado para as relações de amor e comunhão. Estamos, pois talhados para o encontro. Podemos dizer que uma pessoa sozinha não é uma pessoa em estado plenitude.  Na verdade, a pessoa só se conhece e possui plenamente no face a face com os outros.

Como seres sexuados, as pessoas humanas estão estruturadas para a relação de comunhão de diferenças. Eis as palavras do Livro do Génesis ao falar da criação do Homem: “Deus criou o Homem à Sua imagem e semelhança, varão e mulher os criou” (Gin 1, 27). A relação do pai com a filha é diferente da relação do pai com o filho.

Diferente, aqui, não significa melhor ou pior, mas simplesmente que interagimos constantemente como seres sexuados. O mesmo se passa com a relação da mãe com o filho ou a filha. O varão e a mulher são absolutamente iguais em dignidade, apesar de serem distintos e diferenciados. Ao criar a mulher, Deus está a fazer emergir o amor em ondas de doação muito especial no que se refere à ternura.

Ao criar o Homem, Deus faz emergir o amor em ondas de bem-querer, coragem e firmeza. A Face feminina confere ao amor sobretudo um colorido de tolerância e perdão. A face masculina, por seu lado, confere ao amor a firmeza capaz de significar há coisas que não podem ser postas em causa. Criando a mulher, Deus demonstrou entender de ternura, pois o coração maternal é um manancial extraordinário de ternura.  Criando o varão, Deus demonstrou ser o Deus da Aliança, a qual assenta na firmeza e na autoridade da Palavra.

A Humanidade, portanto, está a emergir e a fluir como um rio com duas margens. As margens deste rio fazem as águas orientar-se no sentido desse Oceano Infinito que é a Comunhão da Santíssima Trindade. O nosso corpo é uma mediação básica para acontecer o encontro com os outros. O simbolismo da nossa realidade corporal indica que estamos talhados para a comunicação e o face a face. Na verdade, ninguém vê directamente o seu rosto, mas apenas o rosto dos outros.

A pessoa que pretende anular esta dimensão básica da abertura ao outro, está a estruturar-se de modo neurótico, podendo malograr a sua realização pessoal de homem ou mulher. A nível espiritual acontece exactamente a mesma coisa: a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. Reduzida a si, a pessoa está em estado de malogro e perdição.

A família humana realizada e feliz é o sacramento da Família de Deus, a qual é a plenitude da família humana. O Céu é a comunhão Universal da Família de Deus cujo coração é a comunhão amorosa da Santíssima Trindade.

Ao criar o Homem, Deus fê-lo através de uma intervenção especial: depois de preparar o barro orgânico que é a dimensão biológica do Homem, soprou-lhe o Sopro de Vida, isto é, o Espírito Santo (Gin 2, 7). Nesse momento, o ser humano tornou-se barro com coração, isto é, um ser com interioridade espiritual e capaz de amar.

Barro com coração é o marido que se esforça para que não falte o essencial lá em casa.
Barro com coração é a esposa que se esforça para que não falte o apoio afectivo ao marido.
Barro com coração é a mãe que, após um dia de trabalho, ainda arranja tempo para preparar uns miminhos para os filhos.
Barro com coração é o jovem que é capaz de correr riscos para defender os valores que reconhece como essenciais, mesmo que à sua volta esses valores sejam desprezados.

Barro com coração é a jovem que procura agir de acordo com o que lhe parece certo e justo.
Barro com coração é o adolescente capaz de ser diferente, mesmo que isso, por vezes, o torne menos popular.
Barro com coração é a pessoa humana que procura tratar os outros como deseja ser tratado por eles.
Barro com coração é a pessoa que decide falar com alguém que lhe parece estar muito necessitado de desabafar.
Barro com coração é o jovem consciente que se mantém firme nas suas opiniões e não anda simplesmente ao sabor das opiniões dos outros.

Ao criar o Homem, diz a Bíblia, Deus criou-os varão e mulher. O Livro do Génesis diz que Adão começou logo a conviver pacificamente com os animais. Mas Adão não falava. Foi então que Deus decidiu dar-lha uma companheira igual. Ao ver Eva, Adão deu um grito de alegria e começou a falar. Eis as palavras do Livro do Génesis: “O Senhor Deus disse: “Não é conveniente que o homem esteja só. Vamos dar-lhe um auxiliar semelhante a ele” (Gn 2, 18-19).

Em seguida, o Livro Génesis descreve as palavras de exultação de Adão ao ver Eva: “Então o homem exclamou: Este é realmente o osso dos meus ossos, a carne da minha carne. Chamar-se à mulher, pois foi tirada do homem. Eis o motivo pelo qual o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e os dois farão uma só carne” (Gn 2, 23-24).
O homem e a mulher de tal modo estão talhados um para o outro que é como se a mulher fosse arrancada do peito do homem e este arrancado do seio da mulher. Como seres semelhantes a Deus, o homem e a mulher são seres criadores. Na verdade eles são capazes de fazer que o novo aconteça e que surjam realidades e projectos que antes não existiam.

Como seres criadores, o homem e a mulher são realmente cooperadores de Deus na obra da Criação. Eis a razão pela qual Deus encontra condições para fazer uma aliança com eles. Mas Deus não criou o homem e a mulher como seres acabados. Para se realizarem como pessoas livres, conscientes e responsáveis, o homem e a mulher têm de tomar parte na sua realização.

De facto, Deus não mandou Adão realizar-se como um sujeito isolado, mas como uma união orgânica. Eis as palavras do Génesis: “Abençoando-os, Deus disse: “crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra” (Gin 1, 28) ”. Portanto, é como varão e mulher que Deus os chama a colaborar na obra da Criação.

É ao varão e à mulher que Deus chama formarem uma só carne, isto é, uma união orgânica, dinâmica e fecunda. É ao homem e à mulher que Deus convida para que construam famílias felizes, a fim de podermos ter sociedades mais humanizadas. É ao homem e à mulher que Deus convida a cuidar desta terra que ele nos deus como morada.

Se não tomarmos a sério esta missão que Deus nos deu, a terra converter-se-á em lugar de morte, em vez de ser o jardim maravilhoso onde brota a vida. Na verdade, já quase não temos rios de água limpa. O ar que respiramos é cada vez mais um ar de má qualidade. Já começamos a abrir buracos na camada de ozone correndo o risco de tornara a vida inviável sobre a terra.

O homem e a mulher estão convidados a ser bons colaboradores na nobre tarefa de construir uma sociedade mais justa e fraterna. Como sabemos, a pessoa faz-se, fazendo. Realizamo-nos, concretizando planos, projectos e sonhos. Esta tarefa é tanto para homens como para mulheres. De facto, é nesta possibilidade de nos construirmos em colaboração fraterna que está a nossa grandeza e dignidade.


d) A Vida Conjugal iluminada pela Bíblia

A Bíblia não nos fornece um manual acabado de normas sobre o matrimónio. É importante distinguir os condicionamentos culturais de uma época determinada e o que é a revelação de Deus na Bíblia. É certo que a Bíblia nos fornece uma série de verdades reveladas por Deus. Mas estas verdades chegam até nós revestidas dos condicionamentos culturais próprios da época em que os diversos livros foram escritos.

Não há dúvida de que, a nível cultural, o padrão bíblico sobre a família já não serve para hoje. Assim, por exemplo, o modelo familiar que aí nos é apresentado assenta em moldes patriarcais e num contexto social de tipo rural. Na verdade não é este o molde das famílias e das sociedades do nosso tempo.

Não é difícil encontrar na Bíblia textos ou frases que revelam os condicionamentos culturais da época do escritor. É importante termos consciência deste facto, a fim de relativizarmos esses condicionamentos culturais e não os considerarmos um padrão e uma norma obrigatória. Eis um exemplo, a fim de exprimir melhor o meu pensamento: “A esposa deve submeter-se ao marido como se do Senhor se tratasse” (Ef 5, 22-24). Esta frase pode ser substituída por uma outra bem mais profunda e significativa: O marido e a esposa devem procurar em conjunto a vontade de Deus e obedecer-lhe fielmente, pois esta vontade coincide rigorosamente com o que é melhor para os dois.

Apesar destes condicionamentos culturais, a Bíblia oferece-nos um conjunto de critérios básicos para a realização da aliança matrimonial segundo o plano de Deus. Muitos casais, ao fazerem a experiência de uma de crise mais ou menos longa, começam a desacreditar na possibilidade de edificar uma aliança de amor com sucesso.

Nestes momentos, é importante que os esposos entendam que Deus está tão interessado no sucesso matrimonial do casal como os próprios esposos. Com efeito, a aliança matrimonial é um dos elementos básicos da Aliança de Deus com o Homem, a qual implica, entre outras coisas, a incorporação da Humanidade na própria Família Divina.

De facto, Deus Pai precisa de pais humanos para ter filhos. Na família divina existe apenas um filho, o Filho Unigénito de Deus. Pelo mistério da encarnação, Deus, através do Filho e pela acção do Espírito Santo, enxertou-se na Humanidade, a fim desta ser divinizada. Ser divinizado significa ser incorporado na Família de Deus.

Pela dinâmica da Encarnação, o Filho de Deus tornou-se nosso irmão. De Filho Unigénito, passou a ser o primogénito de muitos irmãos. É assim que o designa São Paulo: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, os quais foram chamados segundo o seu plano de salvação. Àqueles que ele de antemão conheceu também os predestinou, a fim de serem uma imagem idêntica à de seu Filho, de tal modo que ele é o primogénito de muitos irmãos” (Rm 8, 28-29).

Deus está plenamente empenhado no sucesso da vida matrimonial. Eis a razão pela qual os esposos devem contar com Deus para resolver as dificuldades e crises de crescimento da vida matrimonial e familiar. Para isso, podem contar com a presença permanente do Espírito Santo na sua vida matrimonial. É certo que o Espírito Santo não substitui os esposos, mas está permanente presente nas suas vidas para facilitar o crescimento do amor e comunhão entre os esposos.

Para isso, o Espírito Santo facilita a vida dos esposos, inspirando atitudes e gestos fundamentais para o sucesso do seu matrimónio. São Paulo diz que todos os que são movidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus Pai e irmãos de Deus Filho. Por isso já podemos dirigir-nos a Deus chamando-o de “Abba”, papá (Rm 8, 14-17).

A Carta aos Filipenses diz que as pessoas que vivem unidas a Cristo são capazes de realizar coisas que, sem ele, seria impossível realizar. O Senhor Jesus Ressuscitado robustece-nos com a força do Espírito Santo, a fim de podermos realizar maravilhas: “Tudo posso em Cristo que me fortalece. Se apenas confiamos em nós, o mais provável é falharmos. Mas nós acreditamos que Jesus providencia no sentido de nos proporcionar a força necessária para agirmos de acordo com a vontade de Deus” (Flp 4, 13).

Os esposos podem partir do princípio de que não é vontade de Deus que, entre eles, existam roturas que impeçam o crescimento da vida amorosa. O fundamento desta verdade radica no facto de Deus ser amor. Ao criar o varão e a mulher, Deus talhou-os um para o outro, a fim de se humanizarem numa relação de aliança fundamentada na cooperação e no amor.

Não podemos esquecer que a aliança matrimonial envolve marido e esposa. Isto quer dizer que a tarefa de eliminar problemas e dificuldades deve ser dos dois e não apenas de um. De facto, se apenas um dos esposos se esforça por remover o obstáculo, o outro pode perfeitamente fazer que o obstáculo continue. Assim como o amor entre o casal é fundamental para que os filhos se sintam bem amados, assim também este mesmo amor é condição para o Espírito Santo conduzir os esposos à maturidade da comunhão familiar.

É este o caminho para a comunhão profunda com Deus. Como sabemos, as famílias humanas encontram a sua plenitude na família divina. A plenitude das famílias humanas acontecerá pela incorporação e assunção dos seus membros na Família Divina como filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação a Deus Filho.

É o Espírito Santo que, com seu jeito maternal de amar, conduz e anima o crescimento familiar, bem como a incorporação dos seus membros na Família Divina. Os esposos cristãos estão chamados a olhar e valorizar o seu matrimónio com os critérios da Palavra de Deus. Este facto confere aos esposos horizontes novos muito mais vastos, capacitando-os para poderem decidir, programar e agir de acordo com a vontade de Deus.

Como vemos, é importante e a Bíblia esteja frequentemente nas mãos dos esposos, a fim de o seu casamento ser construído em conformidade com o projecto criador e salvador de Deus. Não podemos esquecer que a vontade de Deus, a nosso respeito, não é nunca arbitrária ou caprichosa. Pelo contrário, coincide rigorosamente com o que é melhor para nós. A esta luz torna-se claro que, para o casal, procurar a vontade de Deus e procurar o que é melhor para eles são uma e a mesma coisa.

A oração e a meditação da Palavra são espaços privilegiados para o Espírito Santo conduzir o casal à descoberta da vontade de Deus. A oração do casal deve ser um diálogo familiar com Deus. Os esposos devem ter presente que Deus é uma família de três pessoas à qual eles já pertencem. Eis a razão pela qual o Espírito Santo está tão empenhado no crescimento do amor do casal e na felicidade das famílias.

Dialogar com Deus sobre a vida do casal, os problemas dos filhos ou sobre a importância da família na construção de uma sociedade melhor, possibilita ao casal uma excelente compreensão do sentido em que deve caminhar o seu amor matrimonial e a construção familiar.

A oração e o confronto da vida do casal com a palavra de Deus, fazem emergir nos esposos a Sabedoria, isto é, a capacidade de saborear o sentido da vida matrimonial com os critérios do próprio Deus. Deste modo, a família torna-se uma pequena igreja doméstica à qual se aplicam os critérios da comunhão orgânica. É como comunhão orgânica que a Bíblia entende o mistério de comunhão de Deus com a Humanidade (cf. Jo 15, 1-8; 17, 21-23).

Esta comunhão é alimentada e fortalecida pelo Espírito Santo. Eis o que a este respeito diz a carta aos Efésios: “Com humildade e mansidão, bem como com paciência, aceitai-vos uns aos outros no amor, esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, assim como fostes chamados à mesma esperança. Há um só Senhor e uma só Fé. Há um só baptismo e um só Deus que é Pai de todos, que reina sobre todos, age em todos e permanece em todos” (Ef 4, 2-6).

À luz da Bíblia, o casal constitui uma união orgânica, isto é, interactiva e fecunda, alimentada pelo princípio vital que é a fonte da verdadeira fecundidade: o amor. Quando houver problemas conjugais difíceis, acreditai na importância fundamental da oração, esse diálogo familiar com Deus. Depois, acreditai também na importância fundamental do diálogo conjugal, o qual deve ser leal e transparente.

Se ambos forem cristãos, é evidente que conseguirão caminhar muito mais neste sentido. Neste caso, os esposos podem ter a certeza de que Deus toma partido por eles. Nos períodos mais complicados, é importante dar mais tempo à meditação da Palavra de Deus. Não nos esqueçamos que esta é um convite permanente no sentido de agirmos em conformidade com os critérios de Deus. O homem sábio, diz o evangelho de São Mateus, não se limita a ouvir a Palavra. Pelo contrário, movido pela Fé, procura realizar o que esta Palavra diz (Mt 7, 24-27).

À medida em que crescem na Fé, o marido e a esposa vão-se transformando interiormente, crescendo cada vez mais como imagem de Deus, tanto a nível pessoal como familiar. Tornar-se imagem de Deus é um processo relacional e progressivo, como diz o livro do Génesis: “Depois, Deus disse: façamos o ser humano à nossa imagem e à nossa semelhança, a fim de que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do Céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pelo solo. Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus. Ele os criou homem e mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra” (Gn 1, 26-28).

Esta estruturação espiritual que nos configura com Deus é um processo de renovação interior, a qual se dá através das relações de amor dos esposos. É sugestivo o seguinte texto da carta aos Efésios: “Foi-vos dito que vos deveis renovar pela transformação do Espírito Santo que anima a vossa mente. Também vos foi dito que deveis revestir-vos do Homem Novo, o qual foi criado em conformidade com Deus, na justiça, na santidade e na verdade” (Ef 4, 23-24).

A mesma carta propõe aos maridos que amem as esposas com o jeito com que Cristo ama a Igreja. As esposas, por seu lado, devem viver a sua união matrimonial como fonte de comunhão com Deus. São Paulo entende a comunhão familiar e a comunhão com Deus como uma realidade orgânica. Na Carta aos Coríntios ele insiste várias vezes em que a Igreja é o corpo de Cristo (cf. 1 Cor 10, 17; 12, 27; 13, 12).

Eis o que diz a carta aos Efésios: “Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo ama a Igreja entregando-se por ela, a fim de a santificar, purificando-a no banho da água e pela Palavra (…). Os maridos devem amar as suas esposas como amam o seu corpo. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. De facto ninguém odeia o seu próprio corpo. Pelo contrário, alimenta-o e cuida dele como Cristo faz à Igreja. De facto, nós somos membros do seu corpo. Por isso, o homem deixará o pai e a mãe, unir-se-à à sua mulher e serão os dois uma só carne” (Ef 5, 25-31).

E não podemos pretender que o outro deixe de ter defeitos para o amar a sério. A nossa atitude não pode ser esperar que o outro seja bom para o amarmos. É o contrário que é preciso fazer, pois o outro só conseguirá ser melhor na medida em que nós o amemos. É este o jeito de Cristo amar, diz a carta aos Romanos:“Foi assim que Deus demonstrou o seu amor para connosco: Cristo deu a vida por nós quando ainda éramos pecadores” (Rm 5, 8).

Se Cristo estivesse à espera que fossemos bons para nos amar, nunca chegaria a amar-nos! Mas fez o contrário: amou-nos e deu-nos o Espírito Santo, a fim de nos irmos tornando melhores. É este o jeito de Cristo amar.

A carta aos romanos ensina um princípio sábio para evitar roturas e fortalecer o amor: “Não pagueis o mal com o mal. Interessai-vos pelo que é bom diante dos homens. Tanto quanto for possível e de vós dependa vivei em paz com todos. Caríssimos, não vos vingueis (…). Não vos deixeis vencer pelo mal, mas vencei o mal com o bem” (Rm 12, 17-21).

No momento de tensão, os esposos devem recordar o conselho da carta de São Tiago quando diz: “Meus queridos irmãos, que cada um seja rápido em escutar, lento em falar e lento em irar-se” (Tg 1, 19). Nestes momentos é importante que os esposos se proponham as questões geradoras de tensão e dialoguem sobre elas. Escutar com atenção, compreender os seus pontos de vista e, depois, cada qual dizer das suas razões.

Que nenhum pretenda dominar a discussão. Nenhum se fecha antecipadamente à verdade, pretendendo abafar as razões do outro, gritando mais alto que ele. Este modo de proceder não conduz à maturidade pessoal nem à comunhão do casal. É evidente que este modo de proceder cria feridas dolorosas no psiquismo dos filhos.

Nos momentos de tensão é importante que os esposos se interroguem sobre as motivações mais profundas desta tensão. Sobretudo é importante perguntar-se: “Será que ele/ela não têm razões que me escapam? E se os esposos quiserem ir ainda mais longe podem perguntar-se: “Até que ponto eu também contribuí para esta tensão e mal-estar”?

Os esposos devem lembrar-se muitas vezes da regra de oiro das relações, tal como Jesus a propôs: “O que quiserdes que os outros vos façam fazei-o vós também. Esta é a lei e os profetas” (Mt 7, 12). O evangelho põe-nos de sobreaviso em relação aos juízos fáceis. A regra de oiro é não julgar o outro, pois não temos na nossa mão todos os dados do problema: “Não julgueis para não serdes julgados. Com efeito, com o julgamento com que julgardes sereis julgados e com a medida com que medirdes sereis medidos. Porque reparas no cisco que está no olho do teu irmão quando não te dás conta da trave que está no teu”?

Os esposos cristãos devem ler muitas vezes, tanto em particular como em diálogo matrimonial, o hino ao amor da Primeira Carta aos Coríntios. Quanto mais tentarem moldar o seu amor com esta proposta mais estarão a amar ao jeito de Cristo:

“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha uma Fé tão grande que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou. Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita.

O amor é paciente e prestável. O amor não é invejoso. Não é arrogante nem orgulhoso. Nada faz de inconveniente, nem procura o seu próprio interesse. O amor não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade.Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais passará. As profecias terão o seu fim. O dom das línguas cessará. A ciência deixará de ser válida, pois o nosso conhecimento é imperfeito. Também a nossa profecia é imperfeita. Mas quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá (…).

Agora vemos como num espelho, de maneira confusa. Mas quando vier o que é perfeito, veremos face a face. Agora conheço de modo imperfeito, mas depois conhecerei como sou conhecido. Agora permanecem estas três coisas: a Fé a Esperança e o Amor. Mas a maior de todas é o amor” (1 Cor 13, 1-13).

O dinheiro, o poder e o saber não são maus em si. Mas sofrem de uma profunda ambiguidade: tanto podem servir para o bem como para o mal. O amor, pelo contrário, nunca é ambíguo. Nunca serve para o mal. Eis a razão pela qual Jesus Cristo resumiu as normas, os preceitos e as leis ao amor: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, também vós vos deveis amar uns aos outros” (Jo 13, 34-35).


e) Sonhando a Família Ideal

 

A família ideal transcende a rigidez do modelo patriarcal. Isto não significa a diminuição da autoridade paternal, mas apenas que a autoridade não é exercida em forma de pirâmide cujo vértice é o pai e a base são os filhos.


Neste modo novo de viver a comunhão familiar, a autoridade é dialogante e circular. As relações são verdadeiramente interacções amorosas, o que facilita uma maior maturidade das pessoas, pois estas sentem-se tomadas a sério. Conviver é interagir de modo livre, consciente, e responsável. As pessoas são aceites e estimadas na sua condição de pessoas únicas, originais irrepetíveis. Ninguém pretende fazer passar os outros por um molde preconcebido, pois todos entendem que as pessoas não são peças de artesanato feitas em série.

Como membros deste modelo de família amadurecida, as pessoas têm consciência dos seus direitos e deveres. Todos entendem o que é a dignidade da pessoa. Todos sabem que comunhão não significa fusão ou anulação das diferenças pessoais. Nesta família, as pessoas entendem que o amor não é uma questão de sentimentos, mas uma dinâmica de bem-querer que se concretiza em atitudes de serviço e atenção aos outros.  Na verdade, amar implica actos e atitudes concretas. A comunhão é o fruto mais amadurecido desta vivência familiar.

De facto, o amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem as pessoas e como meta a comunhão. As pessoas elegem-se mutuamente como alvo de bem-querer, aceitando-se assim como são, apesar de serem diferentes umas das outras. As pessoas compreendem que o amadurecimento humano implica a capacidade de agir de modo a facilitar a realização e felicidade dos outros.

Os filhos aprendem a ser responsáveis pelas tarefas que lhe são atribuídas. Todos sentem que as pessoas são iguais, não por serem coisas feitas em série, mas por terem a mesma dignidade. Esta família é uma verdadeira comunidade onde há papéis, funções e missões diferentes a realizar. Não pode haver família equilibrada sem autoridade, mas aqui, a autoridade realiza-se em diálogo e não como um poder arbitrário e caprichoso. Como as pessoas se sentem estimadas e valorizadas no que fazem, realizam as tarefas com agrado.

A família ideal é um espaço de relações abertas à novidade de cada um. Tanto os pais como os filhos sabem que cada pessoa é um ser único, original e irrepetível. Todos têm condições para emergir na sua unicidade pessoal e sentir-se felizes por serem assim como são.

Nesta família emergem pessoas verdadeiramente livres, pois a liberdade é a capacidade de se relacionar amorosamente com os outros e de interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos. Eis a razão pela qual, na família ideal, não há pessoas desenquadradas ou marginalizadas, pois cada um é chamado a agir e cooperar na medida das suas possibilidades e talentos. Ninguém desvaloriza a cooperação do outro só por esta ser pequena ou mínima.

A família ideal é um espaço privilegiado para emergirem pessoas verdadeiramente felizes. Nesta família ninguém cultiva a mediocridade, também ninguém se demite da missão que lhe foi atribuída. Eis a razão pela qual os membros desta família são pessoas verdadeiramente responsáveis. Esta família é um dom de Deus à Humanidade, pois é um alfobre de excelentes obreiros de uma sociedade melhor.

Os membros desta família têm sentidos e razões para viver. É notório o seu jeito alegre de viver e se relacionar. Não há pessoas vazias, isto é, seres sem objectivos e metas para atingir. O contributo de cada um é estimado por todos. Na família ideal não há cobardes nem heróis. Todos sabem que os talentos de cada um são dons que Deus nos dá através dos outros. O nosso mérito consiste em fazer render esses talentos.

Procedendo assim, as pessoas realizam-se e possibilitam a realização dos outros. Todos tomam parte naquilo que a todos diz respeito. Para que isto seja possível, há momentos de encontro para elaborar projectos e tomar decisões em clima de diálogo. De tempos a tempos há momentos de revisão, a fim de se tomar consciência do modo como se está a realizar o que ficou decidido e programado em conjunto. Quando as circunstâncias o aconselham, altera-se o que estava programado. Ninguém se sinta excluído.

As pessoas compreendem que a meta é alimentar e fazer crescer sempre mais a comunhão familiar. Os mais novos vão aprendendo que a união e comunhão familiar não são inimigas da felicidade e da realização de cada um. A família ideal é realmente um canteiro privilegiado para acontecer a humanização das pessoas.

Nesta família há espaços para o trabalho, o encontro, o convívio. Há tempos para receber os amigos e tempos para o descanso, condição importante para que a vida das pessoas tenha qualidade. Todos gostam de colaborar para que haja verdadeiramente uma alegria partilhada.

Aprender, nesta família, não é tarefa aborrecida, pois a regra básica na tarefa de ensinar e aprender é o amor. As pessoas sentem-se livres para pensar e falar. Mas também conhecem a importância de escutar os outros com atenção. A autoridade dos pais jamais se anula. Mas esta autoridade nunca cai na arbitrariedade e muito menos em situações de injustiça. Compete aos pais estar atentos e chamar a atenção no sentido de se cumprir o que foi programado tal como os horários para as refeições e o descanso, tempos de trabalho, critérios para receber os amigos, realização das tarefas, etc.

Nesta família existe uma coisa muito bonita: todos são capazes de se olharem nos olhos e sorrir uns para os outros. No olhar e no modo de sorrir dos membros da família ideal nota-se que a transparência é o alicerce da verdade e da lealdade. A família ideal não acontece de modo espontâneo. É uma tarefa que se realiza com decisões, escolhas, opções e compromissos.

Os mais novos sentem-se livres e motivados para participar, pois sabem que são tomados a sério, seja qual for o seu grau de crescimento e maturidade. Mas ninguém se esquece da sua condição de pessoa em realização. Todos tomam a sério a questão do seu crescimento pessoal e do crescimento dos outros. Como as pessoas sentem que os outros são um dom de Deus para si, procuram igualmente ser um dom de Deus para os outros.

Na família ideal realiza-se verdadeiramente a dinâmica sacramental do matrimónio, pois visibiliza e explicita para o mundo o mistério de Deus que é uma família de três pessoas em comunhão de amor infinitamente perfeito. Devido aos diálogos e encontros de programação e decisão, nesta família existe um objectivo comum para o qual todos procuram convergir.

Na família ideal não há homens ou mulheres “faz tudo”.  Isto deforma e incapacita os filhos para, por seu lado, virem a construir uma família feliz. É melhor todos a fazer pouco, que apenas um ou dois a fazer tudo. A família ideal é a rocha sólida e firme sobre a qual se pode edificar com segurança o edifício da nova humanidade.


f) O Pedrito sonha com uma Família Feliz

O Pedrito não se sente feliz apesar de os pais terem muito dinheiro. Na verdade, ele só usa roupas de marca e conjunto fabuloso brinquedos sofisticados e muito caros. Mas o Pedrito inveja a maneira de viver da família da Rita, apesar desta não ter muito dinheiro.

Certo dia, pensando na família da Rita, o Pedrito pôs-se a sonhar sobre uma família feliz. Sonhou e descobriu os passos importantes para isso acontecer: para ele a felicidade familiar assenta sobre uma série de coisas simples como, por exemplo, sentir-se bem em casa. Mas isto só pode acontecer se existir colaboração entre os membros da família, amabilidade, capacidade de se olharem com ternura e de brincarem uns com os outros.

Para a pessoa se sentir bem em casa tem de haver harmonia nas relações entre pai, mãe e filhos diz o Pedrito. Ele tem uma fome enorme de carinho. Sente-se muito feliz quando os pais o abraçam e lhe dão miminhos. Mas isto acontece muito raramente. Na casa da Rita, diz o Pedrito, as pessoas tocam-se, brincam umas com as outras e trocam abraços entre si.

Nos dias em que há uma festa especial, a mãe da Rita acende uma vela para o jantar. Deste modo aquela casa fica cheia de um ambiente especial que tem sabor a carinho e ternura. Isto faz com que as pessoas se sintam muito felizes. Na casa da Rita, as pessoas ajudam-se umas às outras nos trabalhos de casa. Todos colaboram, embora cada qual com as suas possibilidades.

Em certos dias fazem bolos em conjunto, sobretudo aquelas guloseimas de que mais gostam. Estes bolos sabem muito melhor do que os bolos muito enfeitados que vêm da pastelaria. Nos dias de festa, aquela casa fica toda a cheirar a coisas boas. A Rita fica muito feliz quando o pai a atira ao ar e desalinha os seus cabelos.

O Pedrito também gostava que o seu pai brincasse com ele. Gostava muito, diz ele, de poder jogar com o meu pai e brincar com a minha mãe, mas isso quase nunca acontece. A Rita diverte-se muito quando vê o pai a brincar com a mãe. Nesses momentos sente-se muito feliz, corre para junto dos pais e mete-se no meio.

À noite, os pais da Rita têm quase sempre uns momentos para falar com ela. Depois, ao deitar-se, o pai ou a mãe contam-lhe uma história. Em certos dias a mãe, ao deitá-la, canta-lhe uma canção muito suave para ela adormecer. Ela considera isto como o melhor presente daquele dia.

Na casa da Rita as pessoas escutam-se umas às outras. Os pais arranjam tempo para ver as coisas que ela faz e elogiam os seus sucessos escolares. Os meus pais, diz o Pedrito, nunca têm tempo para estar comigo. Dão-me muitos presentes para me compensar, mas isso para mim não tem valor. Preferia tê-los comigo.

Em casa da Rita as pessoas têm o hábito de dialogar amigavelmente. Não estão sempre a gritar. Sentem-se livres para dizerem o que pensam, embora haja diferença de opiniões. Por isso a Rita tem grande capacidade de comunicar espontaneamente na escola e nos grupos de amigos.

Os pais da Rita quase sempre têm disposição para acolher os amigos dela. Eis a razão pela qual o Pedrito gosta tanto de ir à casa desta sua amiguinha. Depois, o Pedrito acrescenta com tristeza: mas os meus pais quase nunca têm tempo nem facilitam a vinda dos meus amigos à minha casa. Na opinião do Pedrito a felicidade de uma família edifica-se com pequenas coisas. Ele pensa que a felicidade familiar é mais uma questão de ternura e amor do que de dinheiro.

Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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