Os Profetas Bíblicos e a Força de Palavra


I – O profeta Isaías
II - O Deutero Isaías
III – O Profeta Jeremias
IV – O Profeta Ezequiel
V - Os profetas Pos-exílicos
VI-  Nascimento do Judaísmo
VII - O Profetismo Apocalíptico


I - O Profeta Isaías

O livro actual do profeta Isaías tem 66 capítulos. Os biblistas estão todos de acordo de que os escritos do presente livro de Isaías não pertencem todos ao mesmo autor e não são todos do século oitavo antes de Cristo. Com efeito, todos concordam que existe um núcleo deste livro que pertence ao profeta Isaías, mas que uma grande parte do actual texto provém de outros autores, discípulos e intérpretes do profeta.

Todos concordam em que os capítulos 40-66 não pertencem a Isaías. Estes capítulos reflectem uma situação histórica que existiu cerca de dois séculos após a morte do profeta:
- A queda de Jerusalém e o exílio;
- Sinais da iminente queda de Babilónia, a dominadora do mundo e a ascensão do Império Persa;

Dá-se o nome de Deutero Isaías ao autor destes capítulos. Há mesmo quem distinga um terceiro Isaías, autor dos últimos 10 capítulos (56-66). Com efeito, estes escritos pressupõem que já aconteceu o regresso do povo do exílio de Babilónia. Os capítulos 1-2 reflectem o primeiro período da actividade profética de Isaías (742-732 a C). Os capítulos 28-32 reflectem a última etapa da sua actividade (715-701). Eis a síntese dos escritos genuínos de Isaías:
Cap. 1-2: Oráculos e narrativas proféticas;
Cap. 13-23: Oráculos contra as nações estrangeiras;
Cap. 28-32: Oráculos proféticos.

Isaías cresceu nos círculos privilegiados de Jerusalém, cidade que ocupa um lugar privilegiado no coração do profeta. Jerusalém é o lugar onde está o templo de Yahweh e a sede do trono de David. Na visão de Isaías existe uma relação muito íntima entre Yahweh e a dinastia de David.

Isaías é visto como o expoente máximo da teologia segundo a qual a dinastia davídica é vista como a portadora das bênçãos prometidas a Abraão. Melquisedec, rei de Salém, antigo nome de Jerusalém, é também sumo sacerdote do Deus Altíssimo. É Melquisedec que oferece a Deus um sacrifício de pão e vinho, obtendo assim as bênçãos da Aliança para Abraão. Este reconhece a condição de medianeiro do rei de Jerusalém e paga-lhe o dízimo, tributo sagrado devido a Deus e aos seus medianeiros (Gen 14, 17-20).

A idade de oiro seria a altura em que viria Filho prometido a David, rei agradável a Deus. Através deste descendente de David a prosperidade e a felicidade chegariam a todo o povo (cf. 2 Sam 7, 12-16; Sal 2, 1-6; Sal 109, 1-4; Sal 89). Através do rei, a força e as bênçãos de Deus difundem-se por todo o povo, tal como a seiva circula do tronco para os ramos.

Is 6, 1-12: A vocação de Isaías
Para Isaías o Templo de Jerusalém era um microcosmos ou um pequeno Universo. Era uma réplica terrena da morada de Deus, o Templo Celeste. A vocação de Isaías é decidida no Conselho Celeste (Deus e os seus anjos). A sua visão do Conselho Divino no qual se decide a vocação de Isaías aconteceu no Templo de Jerusalém. De repente  Isaías vê-se na presença de Deus. O Templo de Jerusalém alarga-se e o profeta encontra-se num enorme Templo Celeste. Nesse momento vê o Senhor Deus sentado num amplo trono coberto de roupas majestosas e um manto magnífico cuja orla enche o Templo.

A glória que irradia de Deus envolve a terra inteira. Yahweh não é apenas o rei de Israel, mas o rei universal de cuja soberania depende a vida e a história de humanidade. Na visão os sacerdotes do Templo são igualmente transfigurados, aparecendo como Serafins. Reúne-se, então o Conselho Celeste presidido por Yahweh. O rei davídico é na terra o “sacramento” da realeza divina no Céu. Não podemos esquecer que, no tempo de Isaías o sumo sacerdote era o rei (cf Sal 109, 4). Este era o sinal visível da presença de Deus em Jerusalém.

Tal como Isaías também Miqueias viu Yahweh sentado sobre o seu trono e as hostes celestes estando umas à direita e outras à esquerda do trono divino. (cf 2 Rs 2, 19). Agora, Isaías vê Yahweh presidindo ao Conselho Divino. Por isso o Senhor emprega o plural no seu discurso (Is 6, 8), pois está rodeado do Conselho divino, as hostes celestes à quais se dirige.

Os decretos divinos são anunciados e os mensageiros enviados, a fim de os executarem. Isaías entende-se a si mesmo como sendo um dos enviados por Deus, a fim de anunciar a Palavra do Senhor ao seu povo. A autoridade do profeta, portanto estava radicada em Yahweh e no seu divino Conselho (cf Jer 23, 18; 23, 22).

A primeira reacção de Isaías ao chamamento de Deus é um grito de medo, pois ele é um homem impuro e pecador (Is 1, 5). Na mensagem de Isaías, Deus é o Santo de Israel. A santidade para Isaías significa não apenas a realidade de Deus, mas também a distância assustadora que existe entre a pureza de Deus e a pecaminosidade do homem.

No decorrer da visão, um dos sacerdotes celestiais, um serafim, tira do altar uma pedra em brasa e purifica os lábios impuros de Isaías (Is 6, 7). É o Espírito de Deus que purifica o nosso coração e nos capacita para anunciar a Palavra. Ninguém é digno deste dom. É Deus que nos torna capazes de servir a Palavra transformadora.

Isaías sente que precisa de ser purificado antes de ser o mensageiro da Palavra do Senhor. Começa a sua missão profética consciente de ter sido capacitado por Deus para servir a Palavra. O Espírito de deus dá-nos um coração novo (Jer 31, 31-32). Falando para o Conselho Celeste, Yahweh diz: “A quem enviarei? E quem irá por nós?”. A missão é difícil, pois Isaías terá de anunciar a Palavra a um povo de coração insensível, duro de ouvidos e cego de olhos. (Is 1, 9-10).

Anúncios e Sinais Proféticos:
Is 1, 2: Visão inicial que indica a mágoa de Deus contra o povo e a vingança que se avizinha.
Is 1, 10-18: Deus não precisa de ritos ou sacrifícios. O querer de Deus coincide com o nosso bem. O importante é praticarmos a justiça, pois só deste modo podemos ser justos e viver em amizade com Deus.

Is 2, 1-5: Jerusalém foi sonhada por Deus para ser a capital da Sabedoria e centro do mundo.
Is 5, 1-7:Deus cuida a sua vinha com ternura e amor, mas esta não dá frutos. Eis a razão pela qual a vinha vai ser destruída.

Is 1, 24-26:No entanto, o objectivo de Deus não é destruir mas restaurar e curar Israel, a fim de fazer dele um povo santo. Israel vai ser purificado pelo fogo, a fim de que Jerusalém possa tornar-se a cidade da justiça e da sabedoria. O terceiro Isaías sonha Jerusalém como a capital mundial da Palavra e da Sabedoria de Deus. Os povos da Terra virão a Jerusalém buscando a Sabedoria e trazendo as suas riquezas como presentes (Is 60, 1-7).

Is 7, 1-3: A Aliança Siro – Israelita.
Alguns anos após o seu chamamento de Isaías, a sua esposa, a profetiza referida em 8, 3, deu à luz um menino, ao qual Isaías pôs o nome de Shear-Yashub (Is 7, 3). Tal como Oseias deu nomes simbólicos aos seus filhos, assim o filho de Isaías recebe um nome simbólico, a fim de se tornar um sinal da veracidade da Palavra de Deus. No fundo era uma confirmação visível da mensagem do profeta.

Literalmente o nome Shear-Yashub significa “um resto voltará”, isto é, permanecerá fiel a Deus. Esta noção leva consigo uma promessa: o resto fiel será mediação de salvação para todo o povo. Isaías projecta um sentido de esperança no resto fiel, apesar da infidelidade da maioria do povo (Is 6, 13).

Acaz 735-715: Este jovem rei não estava preparado para as perturbações políticas que ele herdou. O rei da Síria e o rei de Damasco juntaram-se para atacar Judá com a intenção de demitir Acaz a substituí-lo por um rei marioneta que entrasse no seu jogo contra o império Assírio (Is 7, 6).

A presença das armas invasoras, encheram Acaz de pânico. O seu coração e o coração do seu povo tremia como árvores agitadas pelo vento. Pretendendo aplacar a ira de Deus e obter os seus favores, Acaz ofereceu um sacrifício humano, matando e queimando o seu filho no vale de Hinnon, do lado de fora da cidade (2 Rs 16, 3). Este rito era frequentemente praticado pelos Moabitas, um povo pagão vizinho de Judá (2 Rs 26-27).

Is 7, 10- 16: Isaías desafia o rei a confiar em Deus. Se for preciso pode pedir um sinal. Como o rei se recusa, Isaías aponta o sinal de Deus. Foi neste momento que Isaías enfrentou Acaz, fazendo-se acompanhar pelo seu filhote cujo nome significa “um resto voltará”. A mensagem de Isaías para Acaz era muito simples: “Confia em Yahweh; permanece sereno e mantém-te calmo”. A resposta apropriada para esta crise, segundo Isaías, era a fé e não uma ansiedade febril acerca da defesa de Jerusalém.

Isaías conhecia a fragilidade da aliança siro-israelita cujos reis, diz Isaías, não passam de dois tições fumegantes. O profeta via a crise numa perspectiva mais ampla e profunda do que o comum dos homens. A actividade de Deus é soberana. Esta actividade modela e conduz o curso dos acontecimentos. Os reis de Israel e da Síria são homens e não Deus, diz Isaías. O seu plano de colocar um rei fantoche no trono de Judá vai fracassar, a menos que Yahweh assim o queira.

A Profecia do Emanuel: O sentido pleno desta profecia é-nos dado um pouco à frente com um magnífico poema messiânico do mesmo Isaías (Is 9, 1-7). A criança maravilhosa que vai nascer sentar-se-à sobre o trono de David. Em contraste com o rei Acaz, homem sem fé, Isaías pinta a figura de uma criança maravilhosa que, no seu devido tempo, governará a casa de David.

O facto de o menino vir a comer leite e mel, o alimento do Paraíso segundo o pensamento dos hebreus, sugere que esta criança é o sinal de um futuro prometedor. Com efeito, o objectivo de Deus não é destruir mas purificar e salvaguardar o resto fiel.

Is 11, 1-9: O Espírito de Deus permanecerá com o futuro rei, não com Acaz, cuja infidelidade é notória.
Is 30, 1-15: Depois da crise siro-israelita, Isaías remeteu-se para um silêncio longo. Durante anos não teve intervenções públicas. Mas volta a intervir em público, anos mais tarde quando o rei Hezekias se une aos inimigos da Assíria e se protege à sombra do Egipto.

Isaías estava cada vez mais convencido de que um resto fiel ouvirá e seguirá fielmente a Palavra de Deus. Este resto escapará ao dia da ira que iria vir em breve. É o fundamento colocado por Deus para construir uma Nova Jerusalém (Is 1, 26). O resto fiel será para o novo edifício uma pedra angular fundamental, preciosa e bem testada, escolhida pelo amor de Deus. A sua força será uma serena e paciente confiança em Deus (Is 28, 16).

O projecto de Deus não irradicar Jerusalém, mas edificar uma Nova Jerusalém, a qual terá como fundamento um resto fiel e justo. Todos temos presente a importância desta visão de Isaías no Novo Testamento (cf Apc 21, 1-5). Deus vai poupar Sião graças à fidelidade do pequeno resto e também devido à aliança que fez com David.

Is 28, 1-6: Oráculo mediante o qual Isaías anuncia a destruição do reino do Norte.
Is 28, 14: O menino prometido será a pedra angular para um edifício novo: a Nova Jerusalém
Is 33, 10-16: O fogo destruidor do dia da ira e o resto fiel que escapará.
Is 33, 17-24: Deus vai restaurar Israel sob a orientação de um rei justo, o qual é o medianeiro de Deus o rei por excelência (v. 22).


II – O Deutero Isaías

Através do Deutero-Isaías, o pensamento profético de Israel atinge a sua expressão mais alta e profunda. Sabemos que os acontecimentos que agitam o mundo por vezes têm um duplo efeito na vida dos homens: acontecimentos maus dos quais resultam novas situações, melhores que as anteriores.

A Nova maneira de entender o lugar de Israel na história das Humanidade, foi expressa de maneira sublime durante o Exílio por um profeta desconhecido, Os seus escritos foram incluídos na última parte dos escritos de Isaías e assinados com o nome deste profeta.

Os escritos do Deutero Isaías começam no capítulo 40 do livro de Isaías. Apesar do seu anonimato, muito especialistas aclamam o Deutero Isaías como um dos maiores profetas do Antigo Testamento.

Os escritos do Deutero Isaías são muito diferentes dos escritos do profeta Isaías. Nos escritos do profeta Isaías, o povo estava a viver em Judá governado pelo rei davídico. Jerusalém é olhada como a cidade de Yahweh, a qual o Senhor protege e não permite que venha a perecer.

Quando nos voltamos para o Deutero Isaías (Is 40-66) torna-se evidente uma mudança radical na situação histórica: as cidades de Judá estão destruídas e vazias; o Templo está em ruínas e o povo está no Exílio em Babilónia. Deduz-se que a monarquia pertence ao passado. Estas circunstâncias aparecem como reais no presente (Is 44, 26; 49, 19; 51, 3).

No Deutero Isaías, Ciro, o conquistador persa, é mencionado duas vezes (Is 44, 28; 45, 1). Nos escritos do Deutero Isaías profecia e poesia unem-se numa síntese inigualável ao ponto de o profeta aparecer como um dos maiores profetas de todos os tempos.

Para Isaías, o dia do julgamento e da condenação está próximo. Isaías apela ao povo para se arrepender enquanto é tempo. Nos escritos do Deutero Isaías, o julgamento e o castigo de Deus já tiveram lugar. Israel recebeu das mãos de Deus um duplo castigo pelos seus pecados (Is 40, 2).

O Deutero Isaías era um profeta do Exílio, o qual viveu mais de 150 anos depois de Isaías. Os seus escritos pressupõem que Ciro era já uma figura política proeminente.  Duvida-se que os 26 capítulos (40-66) pertençam todos ao Deutero Isaías. Com efeito os capítulos 56-66 pressupõem que o povo já regressou do Exílio. No entanto estes escritos são muito próximos no estilo e mensagem dos escritos do Deutero Isaías. Pelo contrário são muito distintos dos escritos do profeta Isaías.

Algumas passagens estão tão próximas do estilo do Deutero Isaías que hoje pensa-se que estas passagens tenham mesmo sido escritas pelo Deutero Isaías. Estão neste caso os seguintes escritos: Is 57, 14-19; 61, 1-3. No entanto, a opinião dominante é que os capítulos 56-66 pertencem a outro autor que não o Deutero Isaías. Costuma designar-se este autor por terceiro Isaías o qual será necessariamente um discípulo do Deutero Isaías. Os escritos deste autor devem ser situados nos tempos que se seguiram imediatamente ao regresso de Babilónia.

O Deutero Isaías é um arauto de Boas Notícias. A sua profecia é uma proclamação jubilosa de uma Boa Nova. O povo que habita nas trevas ouve a notícia jubilosa de que um novo dia está a surgir. É dito aos cativos que a libertação está a caminho. Os corações despedaçados são confortados. Não admira que a mensagem do Deutero Isaías seja plenamente apropriada no Novo Testamento para proclamar a Boa Nova de que o Reino de Deus está próximo (Mc 1, 15).

Textos Importantes:
Is 40, 1-5: Deus escolhe um arauto para levar Boas Notícias ao povo. O poema de abertura tem como pano de fundo o Conselho Divino reunido no Céu (cf. Jer 23, 18). A libertação do Exílio é vista como um novo Êxodo. É importante preparar os caminhos do Senhor no deserto. Quando o profeta Isaías se encontrou no conselho divino, foi enviado a anunciar ao povo infiel um dia de juízo e condenação ( Is 6, 9-13). Agora, o Deutero Isaías, está perante o Conselho Divino, a fim de receber a missão de anunciar uma Boa Nova de salvação: “confortai, confortai, o meu povo” (Is 40, 1).

Is 40, 9-11: O arauto deve coloca-se em cima de um monte alto, a fim de ser ouvido por toda a gente. O Senhor vem com a ternura de um Bom Pastor que conduz as ovelhas e toma os cordeirinhos ao colo.
Is 42, 1-9: Primeiro cântico do Servo. Deus escolhe o seu servo para realizar uma missão.

Is 43, 1-7: Deus ama o seu povo como um pai ama os seus filhos. Vai chamar os seus filhos do Norte e do Sul. Estes vão atravessar sãos e salvos as águas, tal como aconteceu ao povo aquando do Êxodo.
Is 43, 18-21: O Deus que liberta o seu povo é o mesmo que fez maravilhas no Egipto para com os seus pais.

Is 44, 6-8: Ao libertar Israel, Deus dá provas de ser o único Deus. É o primeiro e o último. Não há outro além dele.
Is 44, 9-19: bonita forma de dizer que os ídolos são coisas ridículas e vazias.
Is 45, 1-4: Deus vai fortalecer e acompanhar o imperador Ciro. Este é o escolhido de Deus para realizar o projecto de Deus, apesar de não o saber.

Is 47, 1-6: Babilónia vai ser humilhada e a sua glória vai desaparecer. Foi o instrumento de castigo de Deus, mas agora Deus vai restaurar o seu povo. Por isso precisa doutra mediação.
Is 49, 1-6: Segundo Cântico do Servo. O Senhor vai fazer do seu Servo a luz das nações.
Is 49, 14-17: Deus sente uma ternura maternal pelo seu povo. Mesmo que uma mãe esquecesse o seu filho, Yahweh não esqueceria o povo que escolheu para ser luz no meio das nações.

Is 50, 4-9: O servo sofre pacientemente . A sua força e coragem está em Deus.
Is 52, 13-53, 12: Quarto cântico do Servo. O Novo Testamento vê neste cântico um prenúncio da Paixão de Cristo.
Is 54, 1-10: Jerusalém destruída era como uma mulher estéril. Mas agora o Senhor vai restaurá-la e dar-lhe muito filhos. Tem mesmo de alargar a sua tenda a fim de acolher esses filhos. Tal como fez com Noé, Deus jura nunca mais se irritar contra Jerusalém (Is 54, 9).

O Deus Criador é o Redentor de Israel: o profeta nunca perde de vista o tema central da sua mensagem: A redenção de Israel. O seu pensamento move-se no sentido de uma caminhada do Céu para a Terra. Deus vai chegar para realizar o seu o objectivo salvador.

O Deutero Isaías conhecia o relato da Criação do livro do Génesis I. Por isso associa a actividade criadora de Deus com a sua acção salvadora. Nenhum outro autor do Antigo Testamento conseguiu associar tão bem estes dois aspectos. A Criação é a manifestação da soberania de Deus. Por ser o criador, Yahweh é o único soberano do Universo. Só Deus é Senhor e ninguém mais (Is 40, 12-31).

A Criação é o alicerce da História. Isto quer dizer que o Senhor da História é Deus. Uma das imagens principais associadas ao regresso do Exílio é a ideia de que o regresso do Exílio é um novo Êxodo. O Deutero Isaías vê a história na perspectiva de um projecto que caminha do princípio para o fim. O Criador é também o Redentor. Yahweh dirige o curo dos acontecimentos e trabalhou no sentido de fazer chegar este dia de libertação.

O Senhor vai reunir os seus filhos do Reino do Norte bem como os do Reino do Sul (Is 43, 6-7). O imperador Ciro dos Persas, apesar de pagão é visto como um medianeiro através do qual Deus conduz os acontecimentos no sentido da finalidade divina. Por isso Ciro é mencionado e ao qual se atribui um sentido positivo (Is 44, 28; 45, 6). É o agente histórico, através do qual Deus vai redimir o seu povo, apesar de ignorar isto.

O Êxodo era para a tradição israelita o acontecimento central da história da Salvação. O Deutero Isaías, na sua imaginação poética vê a travessia das águas do Mar Vermelho como as águas do caos primitivo. No princípio Deus venceu o caos para fazer surgir a Criação. No êxodo Deus vence o caos, a fim de redimir o seu povo (Is 44, 27; 51, 9-11).

Agora, o regresso do Exílio é visto como uma nova Criação. Para a acção de Deus não existe fronteira entre Criação e História, pois a vida das pessoas e as realidades naturais são maravilhosamente transformadas pela acção de Deus (Is 41, 17-20).

Vai surgir um novo Israel escolhido para viver uma vida nova de comunhão e fidelidade com Yahweh (54, 4-10). Então Israel cantará uma nova canção (Is 41, 10-12). Isto faz-nos lembrar um texto do salmo 137 segundo o exilados se recusavam a cantar para os seus opressores (Sal 137, 1-9).

Israel foi escolhido por Deus, não apenas para ser um povo separado para Deus, mas igualmente para ser mediação do projecto salvador de Deus para todos os povos. No projecto de Deus, Israel foi escolhido para ser uma luz no meio dos outros povos. Os pagãos também estão incluídos na promessa divina da Salvação (Is 42, 5-9). O profeta tinha presente a promessa de Deus a Abraão, segundo a qual todas as famílias da Terra seriam abençoadas na descendência de Abraão (Gen 12, 3). Assim com todo o Universo é obra de Deus, também a Humanidade é toda criação de Deus.

Escolhido como agente especial do Deus soberano, o chamamento de Israel era para testemunhar que Deus conduz o decurso da história e que só o Senhor é o Salvador de toda a Humanidade (Is 42, 20-21). Toda o joelho se dobrará e toda a língua confessará que apenas Yahweh é o Senhor (Is 45, 22-23).

Quem é o Servo de IHWH? O fundamento profético de uma visão universalista é anterior ao Deutero Isaías. Encontramo-lo em Isaías, o qual morreu cerca de 150 anos antes do Deutero Isaías (cf Is 2, 2-4). Aparece também claramente em Miqueias, segundo o qual, no fim dos tempos, os povos pagãos acorrerão todos ao Templo do Senhor (cf Miq 4, 1-5).

O Deutero Isaías diz que Deus cumprirá fielmente a sua Palavra, através de Israel. Segundo o profeta, a eleição de Israel tem um sentido de salvação universal:
42, 1-4: Israel levará a justiça às nações;
49, 1-6: Israel é chamado desde o ventre materno, a fim de realizar a sua missão;
50, 4-9: Em cada manhã Deus desperta o ouvido de Israel, afim de escutar a Palavra que deve levar às nações;

52, 13-53, 12: Israel, no exílio, é verdadeiramente o homem das dores. É o Servo de Yahweh. A figura do Servo sofredor é bem conhecida dos cristãos, pois a história da morte de Jesus foi lida pelos discípulos de Jesus à luz do Servo Sofredor. Do ponto de vista cristão, a realização mais plena do poema do Servo Sofredor foi a Paixão de Cristo.

Israel como Servo de Deus: Israel é o Servo no qual Deus será glorificado (49, 3). No pensamento hebraico passa-se naturalmente do povo para o sujeito, pois o sujeito e o povo estão organicamente ligados. Por isso, ainda no mesmo poema, o Servo aparece com as características de um sujeito singular: o Servo tem uma missão em favor de Israel (Is 49, 5-6).

Outras vezes o Servo é claramente o povo: “Israel, meu Servo, Jacob a quem eu escolhi (Is 41, 8-10; 43, 8-13; 44, 1-2; 44, 21; 45, 4). O Israel exilado é o Servo sofredor. Mas Deus vai julgar as nações que o maltrataram. Deus vira-se para o seu Servo sofredor (Is 42, 8-10). Deus vai restaurar o seu Servo humilhado (Is 42, 1-4).

O Servo é um corpo, uma realidade orgânica. O segundo poema é fundamental para vermos esta passagem do individual para o corporativo (Is 49, 1-6). Apesar de estar a falar do servo em termos singulares passa espontaneamente para a noção de Servo como povo (Is 49, 3). O Servo diz que Deus o chamou desde o seio materno, a fim de congregar Israel como povo de Deus.

Se situarmos os poemas do Servo no pensamento mais geral de Isaías, a questão torna-se mais clara: o Servo fiel, justo, é o resto dos que permanecerem fieis. Este resto é a mediação para Deus restaurar Israel, tal como Israel é a mediação para Deus salvar a Humanidade.

Mas as características do resto fiel e as do povo como totalidade são distintas. O medianeiro da acção redentora de Deus é o resto fiel, não o Povo na sua totalidade:
Is 48, 4: Israel como o Povo da Aliança é a totalidade do povo. Este é pecador e rebelde;
Is 50, 5; 53, 4-6: O resto é fiel e não rebelde;
Is 42, 18-25: o Povo de Israel é cego e surdo;
Is 50, 4-5: O Resto fiel é atento e responsável;
Is 41, 11-13; 51, 21-23: Israel como totalidade do povo sofre de má vontade, procurando vingança (Cf Sal 137, 9).

Is 50, 6; 53, 4-9: o resto fiel sofre paciente e voluntariamente. Os seus sofrimentos resultam da sua fidelidade a Deus.
Is 42, 24-25; 43, 22-28; 47, 6; 50, 1: O Povo da Aliança sofre por causa dos seus pecados.
Is 53, 1-8: o resto fiel sofre inocentemente e por causados pecados dos outros.
Is 43, 1-7: Israel precisa de ser redimido.
Is 49, 5: A missão do Servo fiel é redimir Israel.

Para o Antigo Testamento, um indivíduo incarna a comunidade, pois cada pessoa está organicamente unida à totalidade do povo e vice versa. Este tipo de pensamento é muito diferente da nossa maneira de pensar. Nós colocamos à partida a alternativa de saber se realmente se trata de um sujeito singular ou de um colectivismo. Não é assim para o modo de pensar hebraico. Vejamos o caso de Abraão. Este era sem dúvida um indivíduo. Mas a sua ”biografia” é também a biografia de toda a comunidade da qual ele era o antepassado.

Segundo o modo de ver do povo bíblico, pensar num sujeito é sempre um conceito genealógico e nunca um conceito individualista de um ser separado. O sujeito que se torna ilha está em estado de perdição. O homem Abraão e a comunidade do povo da Aliança são realidades inseparáveis e organicamente interligadas.

No homem Abraão, Israel via toda a sua realidade espelhada e condensada. O um inclui a multidão. É o caso de Abraão, cabeça da Humanidade pecadora ou de Cristo, cabeça da Nova Humanidade ( cf. Rm 5, 17-19; 2 Cor 5, 17-19). É isto mesmo que o Deutero Isaías diz: “Olha para Abraão, teu pai e para Sara que te deu à luz. Com efeito quando ele era apenas um eu chamei-o, abençoei-o e fiz dele uma multidão (Is 51, 1-2).

O povo de Israel é muitas vezes personalizado como uma personalidade orgânica. Deus não se relaciona com uma colecção de indivíduos mas com um povo como realidade interligada à maneira de um corpo (cf 1 Cor 10, 17; 12, 27; 12, 13) ou uma videira unida aos ramos (cf Jo 15, 1-8).

Israel é um todo com a mesma história, uma única Aliança, um mesmo Espírito de Deus a animar este todo. As mesmas imagens servem para falar do povo como se de um sujeito se tratasse: um filho para Deus (Is 46, 3-4; 54, 4-8). O resto fiel e o povo de Israel formam uma única realidade. Eu amei-o; eu chamei o meu filho do Egipto (Os 2,1). Mas quanto mais os chamava, mais eles fugiam de mim (Os 11,2).

Dentro deste modo de pensar, não tem sentido andarmos muito preocupados por descobrir se o servo é um sujeito singular ou uma realidade corporativa. O Deutero Isaías anuncia que a Nova Idade está a emergir. O profeta não estava a olhar para um futuro longínquo, mas para o que estava realmente acontecer nos seus dias. O horizonte que está na sua mente é a situação política do seu tempo, ocasionada pela ascensão do imperador Ciro e a queda iminente do império babilónico.

No contexto histórico em que vivia, o profeta vê o sinal da presença de Deus na história: Yahweh está a chegar, a fim de inaugurar o seu Reino. Com a chegada de Yahweh, o resto fiel, o Servo de Deus, surge como medianeiro de Deus para trazer a justiça e a salvação a todos os cantos da Terra. O tempo cumpriu-se.

Nós medimos o tempo como uma progressão cronológica. Na literatura profética a questão é diferente: o tempo histórico não é medido pelo calendário, mas pela finalidade da acção de Deus. Nesta perspectiva, futuro e presente estão entrelaçados.

Israel será exaltado através do sofrimento do resto fiel. Os quatro poemas descrevem a missão do Servo. Calma e gentilmente ele persistirá até estabelecer a justiça em toda a Terra (42, 1-4). Deus inaugura o seu Reino graças ao sofrimento do Servo. As nações proclamarão com Israel a grande notícia: “Yahweh é rei” (Is 52, 7).

O próprio Sevo se dirige aos povos das terras longínquas (Is 49, 1). O mistério do sofrimento do justo é o resultado da fidelidade crente do Servo. A sua fidelidade é um motivo de glória para Deus. O seu sofrimento é o do justo sofredor. Os reis da Terra ficarão espantados perante a exaltação do Servo. Permanecerão em silêncio diante dele. Tendo presente a figura do leproso na sua mente, o profeta descreve a condição do servo (Is 52, 14), a qual é tão humilhante que os homens cobrem o rosto com as mãos diante dele. Era este o procedimento que o Levítico impunha às pessoas quando se cruzavam com um leproso (cf 13, 45).

O Servo é um justo. O seu sofrimento não é devido ao seu pecado. Por isso reverterá em favor da salvação das nações; as nações reconhecem e confessem que o sacrifício do Servo faz parte de um acto redentor para a sua salvação (Is 53, 6); a alegria do Senhor é a fidelidade do Servo, não os seus sofrimentos. Estes são provocados pela maldade dos homens.

Is 53, 7-9: De modo diferente dos outros sofredores, mesmo Jeremias, o Servo não grita, não protesta nem mostra compaixão de si mesmo, pois não está arrependido de ser fiel. Ele sabe que tem razão. Procede como um cordeiro conduzido para o matadouro. O sentido desta afirmação é que o Servo é preso, julgado e conduzido à morte.

Is 53, 8d: É arrancado à terrados viventes, por causa dos outros povos. Cada rei aparece aqui como representante dos seus povos. Daqui a expressão meu povo. Entre o rei e o seu povo existe uma unidade orgânica. Para agravar o seu insulto e a sua humilhação é sepultado num túmulo de criminosos.

Is 53, 10-12: Foi a vontade de Deus que trouxe o sofrimento ao justo. Não devemos deduzir que Deus faz sofrer o inocente para equilibrar os pratos da balança em relação ao pecado. Deus não precisa dos sofrimentos do Homem para lhe perdoar. O que está subjacente a esta afirmação é algo de mais profundo: Deus aceita com amor os sofrimento do Justo Sofredor, porque estes são o resultado da sua fidelidade à vontade de Deus.

O sacrifício do Servo é fruto do seu amor e fidelidade à vontade de Deus: ele próprio se oferece como oferenda pelo pecado. O Deutero Isaías tem presente o sofrimento dos justos na Babilónia. Estes porque quererem permanecer fieis a Deus sofrem mais que os pecadores que se adaptaram aos costumes e práticas pagãs. É este o0 resto fiel com o qual Deus vai restaurar Israel e anunciar a Salvação às nações.

O sofrimento do justo fiel é uma verdadeira prenda para Deus, pois este despreza o sofrimento porque, para ele, a fidelidade a Deus está sobre tudo o mais. Deus aceita este sacrifício com agrado e restaura o Servo. Os povos da Terra, ao verem a exaltação do Servo, acreditam em Deus.

Sabemos como a noção da eficácia redentora do sacrifício do Servo exerceu uma enorme influência no Novo Testamento. Foi a esta luz que os Apóstolos leram o acontecimento do sofrimento e morte de Jesus Cristo: “Pois o filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida como resgate por muitos” (Mc 10, 45).

Is 53, 10: O Servo oferece-se a si mesmo como uma oferenda pelo pecado (cf Lev 5, 1-19; 1 Sam 6, 3). Segundo a tradição cultual, a concepção de sofrimento vicarial estava muito generalizada. Basta recordar o rito do bode expiatório (scapegoat), o qual depois de carregar com as maldições e pecados do povo era expulso para o deserto onde porria à fome e à sede (cf Lev 16, 8-26).

No Servo sofredor do Deutero Isaías, a teologia do sacrifício atingiu expressão mais alta de todo o Antigo Testamento. Os poemas do Servo Sofredor, afirmam que o poder do sacrifício do Servo radica no facto de Deus o aceitar, pois é resultado da sua fidelidade. Ao mesmo tempo que aceita o seu sacrifício, Deus exalta a figura do Servo. Isto é notório aos olhos das nações. Isto move a nações a aceitar o poder e a salvação de Deus.

Is 53, 10-12: É a estrofe conclusiva. Tal como na primeira estrofe deste poema, a pessoa que fala é Yahweh. O Servo não é um homem derrotado. Pelo contrário, é um conquistador, pois Deus altera totalmente a sua condição de perseguido, humilhado, maltratado e morto de forma violenta.

O Servo terá uma vida longa e uma posteridade duradoira. A sua vida não foi estéril. O que torna a vida fecunda é a fidelidade a Deus. Ezequiel viu Israel como um montão de ossos ressequidos. Mas Deus ressuscitou-o, criando um povo restaurado e renovado. Segundo Lucas, Jesus inicia a sua missão messiânica lendo na sinagoga da sua terra um texto do rolo de Isaías (Is 61, 1-3).


III – O Profeta Jeremias

Jeremias começou a profetizar por volta 626 a. C. Foi iniciado nas grandes tradições de Israel, pois pertencia a uma família sacerdotal de Anatot, uma pequena vila não distante de Jerusalém.
Jer 1, 4-10: Vocação de Jeremias...

Jer 20, 7-9: A Palavra de Deus seduziu Jeremias. A Palavra de Deus foi mais forte. Para sermos mais exactos, a Palavra de Deus exerceu um fascínio tão forte sobre o profeta que ficou que este se deixou seduzir. Jeremias era ainda um jovem quando Deus o chamou. Talvez ainda não tivesse completado os 20 anos quando Deus o chamou.

Jer 3, 12- 22: O perigo do Cativeiro é real.
Jer 7, 1-15: O Templo não é uma garanti mágica de salvação ou de segurança contra a Babilónia. Se o povo não se converter a destruição vai chegar.
Jer 10, 1-16: Apenas Yahweh é Deus. Os ídolos são uma pura palhaçada.
Jer 11, 18-23 : Jeremias é perseguido e maltratado. Parece um cordeiro conduzido ao matadouro. Perante uma mensagem tão ameaçadora, Jeremias é perseguido e considerado inimigo do povo e do rei.

Jer 20, 1-6: Prisão e profecia sobre a desgraça que aguarda Judá. Face a este aparente fracasso da sua missão, a fé do profeta é ensombrada pela dúvida, rebelião, auto compaixão e até certo desespero. É considerado o mais humano e afectivo de todos os profetas.

Jer 20, 14-18: Jeremias amaldiçoa o dia do seu nascimento. Usando o estilo da oração como diálogo com Deus, Jeremias extravasa para Deus a sua vida interior nas suas confissões.
Jer 12, 1-3: Por que razão os maus têm sucesso e o justos só encontram perseguição e sofrimento? Onde está, a final, a justiça de Deus?

Jer 26, 1-15: Jeremias profere um oráculo no Templo que põe as pessoas em fúria contra ele.
Jer 38, 1-15: Jeremias é preso sob a acusação de colaboracionista e colaborador dos Caldeus.

Jer 38, 14-22: O rei que tinha sido colocado pelos Caldeus em Jerusalém acaba por se colocar do lado dos Egípcios. Jeremias condena este procedimento e aconselha o rei a entregar-se aos Caldeus, a fim de evitar que a cidade Santa Seja destruída. O rei, pressionada pela pseudo aristocracia que surgiu dos que tinham ficado em Jerusalém não deu ouvidos a Jeremias. O resultado foi a sua desgraça e a destruição do país.

Jer 27, 6-7: Babilónia foi escolhida por Deus para punir os pecados do povo. O povo deve servir Nabucodonosor, a fim de sobreviver. Tempo virá em que o chicote de Deus será destruído.
Jer 43, 8- 10: para demonstrar que não era colaboracionista Jeremias rejeitou a oferta de Nabucodonosor de ir viver para Babilónia. Foi para o Egipto. Aí anuncia a invasão de Babilónia e a destruição do Egipto.

A missão de Jeremias era profundamente contrária à sua maneira de ser. Era uma pessoa afectuosa e com profunda necessidade de ternura. Precisava do afecto e aceitação dos seus familiares e amigos. Daria tudo para ficar na sua terra natal e aí viver em paz. Mas tocou-lhe a sorte dolorosa ser um homem rejeitado e desprezado por todos. A angústia da solidão tem uma marca profunda no seu coração. A sua missão profética projecta-o para um mundo de conflitos interiores. Mesmo os seus familiares se unem aos que conspiram contra ele (Jer 12, 6).

Para Jeremias era inconcebível que Yahweh, o Senhor que julga o coração dos homens e as suas motivações mais profundas, deixa que os perversos triunfem e sigam em frente com os seus projectos criminosos. Após um sermão que pregou no Templo, Jeremias quase não escapava com vida. Então descoroçoado Jeremias amaldiçoa o dia do seu nascimento (Jer 20, 14-18). Poucos homens sofreram tão profundamente como Jeremias. Por isso devemos compreender os seus protestos: Porque razão me acontece isto?

Jer 24, 1-10: O resto que permaneceu na Palestina estava dominado por um nacionalismo de horizontes curtos. Jeremias ataca as pretensões deste grupo de unir ao Egipto contra a Babilónia. Numa visão vê dois cestos de figos: os figos de um cesto eram e frescos e bons para comer. Representavam os exilados de Babilónia. São estes que formam o resto fiel através do qual Deus vai restaurar Israel. Os figos do outro cesto tinham muito mau aspecto e não se podiam comer. Era o resto dos nobres que dominavam em Jerusalém.

Os habitantes de Jerusalém, agora, eram uma sombra da que eram antes do exílio. A fina flor da nobreza foi deportada para Babilónia: nobres, artistas, altos militares e artesãos. O resto que ficou foi o que não interessou aos caldeus. Eram pessoas sem talento e sem preparação para gerir os assuntos do povo e para entender o sentido profundo do que estava a acontecer. Nesta altura surge um grupo enorme de falsos profetas a pretender enganar o povo e a tirar proveito dos seus anúncios falsos. Jeremias denuncia-os. Estes não estiveram presentes no Conselho Divino, por isso não estão investidos pela Palavra de Deus.

Jeremias anuncia ao povo que Deus forjou um jugo de ferro para obrigar o povo a servir Nabucodonozor. Este jugo não pode ser quebrado pelo esforço humano, pois o rei de Babilónia é um instrumento escolhido pelo desígnio divino. É inútil tentar resistir ao rei dos Caldeus. Os falsos profetas diziam o contrário.

Jer 52, 3-11: Acontece o inevitável: O país é destruído e o rei é maltratado como Jeremias tinha previsto. O exército de Babilónia abre uma brecha nas muralhas de Jerusalém e espalhou a desgraça: destruiu o Templo, queimou a cidade e levar para a deportação muito outros membros da população. A história do rei caminha para um fim trágico. Primeiro mataram os seus filhos na sua frente. A seguir tiram-lhe os olhos para que esta fosse a sua última memória visual. Ainda na prisão, Jeremias comprou uma vinha

Jer 31, 1-14: Agora que o povo foi punido, Jeremias começa a anunciar o dia feliz da libertação.
Jer 31, 31-34: Deus vai fazer uma Nova Aliança. O regresso do Exílio é visto à luz do Êxodo, o coração da história de Israel.

A Nova Aliança aponta para as últimas coisas, para o fim da história. É a Nova Era na qual Deus realizará o seu desígnio (Jer 31-33). O tempo de realização deste acontecimento é medido pela actividade de Deus e não por uma sucessão cronológica de minutos, horas, dias ou anos. O tema da Nova Aliança é central no Novo Testamento. Jesus utiliza as palavras de Jeremias na Última Ceia quando disse aos discípulos: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue” (Lc 22, 20; 1 Cor 11, 25).

A Carta aos Hebreus citando Jeremias, diz que em Jesus Cristo a Nova Aliança tornou-se realidade histórica (Heb 8, 8-12). Segundo Jeremias o futuro estava com o exilados de Babilónia, os quais mantinham vivas as tradições dos seus antepassados.

Eis algumas datas significativas da história de Israel durante o tempo de Jeremias: 1ª deportação (597); Destruição de Jerusalém e segunda deportação (587); Regresso do Exílio e reconstrução do Templo(520-515).


IV – O Profeta Ezequiel

Ezequiel foi um dos exilados que, juntamente com o rei Jehoiachim e muitos outro cidadãos foram levados para Babilónia aquando da primeira deportação (Ez 1, 2). O facto de pertencer ao primeiro grupo de exilados é notório, pois Nabucodonozor, na primeira deportação decidiu levar apenas a fina do reino de Judá (2 Rs 24, 14), deixando os pobres e incultos.

Ezequiel pertencia à aristocracia de Jerusalém. Pertencia a uma família sacerdotal poderosa, a qual se reclamava descendente de Sadoc, o chefe dos sacerdotes escolhido por Salomão. O chamamento de Ezequiel aconteceu 5 anos após a deportação. Representa a transição entre o período que precedeu e o que seguiu a segunda deportação: “ Naquele dia os céus abriram-se e eu tive visões sobre Deus” (Ez 1,1). Tal como aconteceu com Isaías, também Ezequiel viu Deus sentado no seu trono celeste, numa glória inefável e majestosa.

Viu os carros de Yahweh que se aproximavam dele trazidos numa nuvem tormentosa, cheia de relâmpagos e que se aproximava a partir do Norte. O carro parou junto de Ezequiel. Movia-se em todas as direcções, segundo o Espírito decidia. Então o Espírito de Deus entrou em Ezequiel e confiou-lhe a missão: “tem de falar a uma nação de gente rebelde”.

Olhando ainda mais para cima viu um trono de safiras e sobre o trono estava sentado um ser com forma humana. Desde o princípio que Israel tem vivido em constante oposição à soberania de Yahweh. Ezequiel tem de lhes falar. Oiçam ou não, pelo menos saberão que existe um profeta no meio deles.

De repente uma mão estendeu-se e pegou num rolo, dando-o a Ezequiel para que este o coma. Quando o comeu sentiu que o rolo era doce como o mel (Ez 29, 10; 3, 1-3). Este símbolo quer dizer que Ezequiel não só assimila a Palavra, mas também que está de acordo com ela, mesmo quando tenha de caminhar sobre escorpiões (Ez 2, 9).

Este relato faz lembrar o texto de Isaías que relata a sua vocação inesperada. Isaías ficou esmagado com a noção de estar perante Deus ele que era um homem pecador (Is 6, 9-13). Por seu lado, Jeremias sentiu-se infeliz, pois a sua missão era ser uma fortificação  contra o rei e o povo (Jer 1, 17-19). Também Ezequiel se sentiu apenas um filho homem, um ser frágil e pecador.

Ezequiel vive numa casa boa em Babilónia, onde recebia de vez em quando os anciãos e outros exilados (Ez 3,24). Jeremias previa que os exilados ainda teriam de permanecer muito tempo em Babilónia. Por isso aconselha-os a construir casas e plantar jardins (Jer 29, 4-7). Tal como acontecia com Jeremias, também Ezequiel estava convencido de que a permanência dos exilados em Babilónia seria para durar.

A Mensagem de Ezequiel: O contexto cultural de Babilónia exerceu grande influência sobre o pensamento e a imaginação do profeta. Os seus oráculos muitas vezes aconteciam quando Ezequiel entrava em êxtase ou transe quando ele era invadido, segundo dizia, pela “mão de Deus” ou era transportado pelo Espírito. No entanto, estas situações um tanto anormais explicam a forma de o profeta ter acesso à mensagem do que sobre o seu conteúdo.

Em síntese, a verdade da sua mensagem não pode ser medida pela forma estranha como essa mensagem chegava a ele. À semelhança de muitos dos antigos profetas, Ezequiel era excêntrico, o seu temperamento não comum está reflectido nas muitas das dificuldades que temos para entender o seu livro.

No livro de Jeremias a maior dificuldade para o leitor é a maneira desordenada de ordenar os seus materiais. À primeira vista, o livro de Ezequiel não apresenta esta dificuldade. Os oráculos são datados com precisão e bem ordenados. É muito claro que Ezequiel foi especificamente encarregue de pregar aos exilados (Ez 3, 10-11).

Devemos distinguir entre forma e conteúdo. Em Babilónia havia muitas figuras aladas de tamanho gigante. Isto reflecte-se nos símbolos que utiliza e na forma de comunicar a sua mensagem. Os oráculos de Ezequiel contra Judá e Jerusalém, fora redigidos em Babilónia. Neste caso eram enviados por carta para Jerusalém, tal como fazia Jeremias (Jer 20).

A sua imaginação viva rapidamente se exprimiu em detalhes curiosos e o seu raro temperamento e estofo psíquico exprimem-se na sua mensagem. O livro de Ezequiel é uma antologia organizada segundo um esquema bem ordenado:
Ez 4-24: Oráculos de condenação contra Judá e Jerusalém;
Oráculos contra as nações vizinhas;
Profecias posteriores à destruição de Jerusalém:
a)      Oráculos de esperança e promessa Ez 33-39;
b)      A Nova Jerusalém.

Ezequiel estava firmemente convencido que a rebelião contra Babilónia significava rebelião contra Deus. Não por ser um colaboracionista. Mas antes porque tal como acontecia com Jeremias, Babilónia o executor do castigo de Israel devido à sua infidelidade (Ez 17, 20). Na iminente destruição de Jerusalém, Ezequiel via o dia de Yahweh, ou seja o grande dia da ira e julgamento de Yahweh (Ez 7, 1-4). Chegou o tempo da recolha dos frutos e da destruição da palha e das árvores que não têm fruto.

Também em Babilónia havia falsos profetas que enganavam as pessoas dizendo-lhes que o poder de Babilónia ia cair muito em breve e que os exilados poderão regressar em breve para a sua pátria. Jeremias escreveu do Egipto uma carta para os avisar das mentiras que saiem da boca destes falsos profetas (Jer 29). Dois destes falsos profetas foram presos e queimados vivos pela polícia de Nabucodonosor (Jer 29, 20-33).

Ezequiel denuncia crimes graves cometidos por Jerusalém: derramamento de sangue, adultério, extorsão, desonrar os seus pais e a violação dos direitos dos órfãos e das viúvas (Ez 22, 30). Os apelos e esforços de Ezequiel eram vãos, pois o povo estava demasiado agarrado aos seus vícios para os deixar mesmo sob a ameaça de uma catástrofe iminente. O dia da ira era, naturalmente a destruição de Israel e a segunda deportação. E o dia da condenação chegou.

O Futuro Povo de Deus: Israel está morto. Não passa de um mote de ossos. Mas Deus vai iniciar um novo começo. Eis o sentido da visão do Vale dos ossos secos (Ez 37). A Palavra e o Espírito recriam um novo Israel, fazendo ressuscitar os ossos ressequidos. Os ossos simbolizam Israel em profundo desespero. Como comunidade da Aliança, Israel estava morta. Deus é o Bom Pastor o qual sai para procurar o seu rebanho perdido, a fim de o restaurar e conduzir às boas pastagens (Ez 34, 11-13).

Deus promete colocar à frente do povo um Bom pastor, o seu Servo David, o qual apascentará as suas ovelhas (Ez 34, 23-24). O povo compreenderá que Yahweh é Deus, pois vai recriar um povo que já não tem fé nem esperança  fé e sem esperança. O Senhor vai dar ao povo um coração novo e colocar no seu íntimo um espírito novo (Ez 36, 26).

No breve relato (Sketch) da nova comunidade as relações entre o rei e os sacerdotes serão reguladas até ao pormenor, a fim de se manter a autonomia dos dois campos. Os sacerdotes da linhagem de Sadoc, assistidos pelos levitas terão jurisdição em tudo o que diga respeito à religião. O rei deve custear as despesas do culto (Ez 45, 7- 46, 13).

A Palestina será distribuída pela doze tribos. Isto significa que o império de David será restaurado. O Templo receberá um nome novo: Yahweh está aqui” (Ez 48, 35). A Carta de Jeremias aos exilados dizia que mesmo longe de Jerusalém e do Templo, o povo devia permanecer unido a Deus mediante a oração (Jer 29, 12-14). Israel pode adorar mesmo sem o Templo. Os exilados devem preservar a tradição. Talvez esteja aqui o início da sinagoga. É curioso notar o sentimento de pertença à comunidade da Aliança fortificou-se com o exílio, em vez de enfraquecer como podíamos pensar.

O Exílio era um tempo propício a consagrar a atenção para o património cultural de Israel. Durante o Exílio havia intérpretes os quais explicavam o sentido e a importância da tradição Israelita. Para o povo bíblico a tradição não era uma peça de museu, pertença do passado. Pelo contrário era uma realidade viva, uma Palavra que o Espírito de Deus actualiza em cada época para a respectiva geração. Ezequiel era sacerdote. Deixou lugar para a casa de David (Ez 44, 3). Mas pensava sobretudo num reino de sacerdotes orientado pelos filhos de Sadoc, tal como aparecia no texto de Ez 44, 13-15.


V - Os Profetas Pos-exílicos

Não imaginemos que o regresso do exílio de Babilónia aconteceu como um desfile de grandes massas. A lista do livro de Neemias fala de cinquenta mil pessoas (cf Ne 7; Esd 2), mas trata-se naturalmente de um exagero. O exílio aconteceu pouco a pouco e demorou várias gerações a acontecer.

O número dos que o Senhor chamou para reconstruir o templo (Esd 1, 5), e que vieram mais ou menos em conjunto foi um pequeno número. Os autores exilados começara a vir pouco a pouco. Muitos tinham os seus negócios montados em Babilónia e não queriam regressar enquanto não houvesse condições para organizar a sua vida em Judá.

Segundo o livro de Esdras, a reconstrução do templo foi inspirada pelos profetas Egeu e Zacarias (cf Esd 5, 1). A profecia de Zacarias exprime deposita grande esperança na reconstrução de um estado judaico, agora idealizado e projectado na figura de dois ungidos: o filho de David e o sumo sacerdote, simbolizados em duas oliveiras (Zc 4, 11-14).

Como Zorobabel era um príncipe da casa de David, Zacarias pensava que ele era realmente a garantia do futuro glorioso de Israel (Zc 4, 6 b- 10 a). Zorobabel é o messias de Deus, o rebento prometido (Zc 3, 8; cf Is 11, 1). Para Zacarias, chamar ramo ou rebento a Zorobabel é o mesmo que chamar-lhe o Messias prometido a David (Zc 6, 12-13).

O segundo templo não se comparava com o esplendor do templo de Salomão que fora construído por arquitectos fenícios. Esdras diz que os idosos que se recordavam do anterior templo, ao olharem para o actual, choravam e lamentavam-se em voz alta (Esd 3, 12-13).

Os discípulos do segundo Isaías cujos escritos se encontram no final do livro de Isaías (Is 56-66) são uma voz profética de alta qualidade neste tempo de dor perante um país arruinado e com uma autonomia reduzida. Esta colecção de poemas reflecte a experiência dolorosa da desilusão sobretudo inicial dos que regressaram primeiro do exílio. Os poemas tentam interpretar esta experiência à luz do pensamento do seu mestre, o Segundo Isaías, para quem Israel, através do seu sofrimento foi eleito por deus para ser a luz das nações.

Através da sua missão dolorosa, Israel é a mediação das bênçãos de Deus para toda a humanidade ( Is 49, 6; cf Gn 12, 3). Através destes poemas os discípulos continuam a ver a realidade com o olhar profundo do seu mestre, mostrando assim que o espírito de profecia continua vivo. Não encontramos no Antigo outra leitura tão perfeita e fina acerca das exigências da Aliança (Is 58, 1-12). Recordemo-nos de que, segundo Lucas, Jesus iniciou a sua missão atribuindo-se um texto do terceiro Isaías (L4, 16-21).

O profeta Malaquias acusa a comunidade judaica de inautenticidade perante Deus. O templo está reconstruído, mas os judeus correm o perigo de não disfrutarem dele durante muito tempo. Desonram a Deus colocando alimentos impuros sobre o altar. Oferecem a Deus animais cegos, coxos e doentes. Melhor fora fechar as portas do Templo do que continuar a fazer isto. Deus merece os melhores dons e o culto mais sincero do coração humano.

A intenção de Deus é, antes de mais, purificar o coração dos sacerdotes, a fim de estes apresentarem oferendas correctas a Yahweh. Então o juízo de Deus recairá sobre bruxos, adúlteros, falsas testemunhas e todos aqueles que oprimem os pobres e os sem defesa (Mal 3, 1-5).

A separação dos justos e dos pecadores está iniciada. Os nomes daqueles que temem o Senhor estão gravados num livro de apontamentos. Por isso serão separados e poupados no dia do julgamento. É o resto fiel dos que estão escritos no livro da vida ( cf Apc 5, 1.9).

O livro de Malaquias termina com a profecia segundo a qual Deus vai enviar Elias, o profeta por excelência. O Novo Testamento dirá que João Baptista é o Elias anunciado, fazendo referência a este texto de Malaquias (cf Lc 7, 27). A missão de Elias, diz o profeta é convocar Israel para o arrependimento, preparando assim o resto que escapará ao dia de Yahweh, dia grande e terrível (Mal 4, 5).

Joel foi outro profeta posterior ao Exílio. Segundo a sua profecia, a invasão de gafanhotos é interpretada como o exército da vingança de Deus. Joel descreve a invasão deste exército com grande vivacidade dizendo que os gafanhotos são o sinal do dia da ira que se avizinha (Jl 2, 1-11).

Jl 2, 12-17:O profeta convoca o povo para um grande jejum, a fim de escapar à tragédia do dia de Yahweh que se avizinha.
Jl 2, 18-27: Se o povo fizer penitência, o Senhor vai restaurar Israel. Os gafanhotos deixaram as terras como um deserto. Mas Deus vai fazer brotar água e a abundância surgirá por todos os cantos do país.

O propósito de Deus não é destruir Israel, mas realizar a justiça. Por isso, o profeta anuncia o grande dia da restauração universal. O Senhor vai enviar o seu Espírito sobre toda a Humanidade. Jovens e idosos profetizarão e terão visões. Sobre os escravos também descerá o Espírito de Deus (Jl 3, 1-2).

Os que receberem o Espírito de Deus escaparão ao dia da ira, o qual será verdadeiramente aterrador Vão aparecer prodígios no céu e na terra: sangue, fogo e nuvens de fumo. O Sol converter-se-à em trevas e a Lua em sangue. Então os que invocarem o nome do Senhor serão salvos, isto é, os que receberam o dom do Espírito de Deus. Só um pequeno resto escapará sobre Sião e em Jerusalém (Jl 3, 3-5).


VI - Nascimento do Judaísmo

Podemos simbolizar a dinâmica que se segue ao Exílio em três figuras proeminentes: Zorobabel e a reconstrução do Templo; Neemias e a reconstrução das muralhas de Jerusalém; finalmente surge o sacerdote Esdras, o qual impõe o cumprimento da lei e a renovação da Aliança. Estamos perante o nascimento do judaísmo muito centrado no legalismo, no fundamentalismo e no ritualismo vazio.

Ne 13, 6-7: Como primeiras decisões enquanto governador de Judá, Neemias introduz várias reformas com a intenção de criar coesão entre os judeus. Com a intenção de defender a identidade judia, Neemias inicia uma política de exclusivismo, acentuando a divisão entre judeu e pagão ou entre judeu e samaritano.

A princípio, os samaritanos queriam colaborar na reconstrução de Jerusalém e do Templo. Mas a sua cooperação foi rejeitada, pois os judeus consideravam os samaritanos pessoa impuras em virtude dois casamentos mistos. Isto faz renascer uma rivalidade forte entre judeus e samaritanos. No entanto os samaritanos seguiam o culto do Pentateuco. Tinham mesmo uma edição própria da Torah (ensinamento).

Neemias determinou que, para se ser membro da comunidade judaica, é preciso duas coisas: nascimento de judeus e proibição de casamentos mistos. O livro de Neemias diz que, após a reconstrução das muralhas, Deus inspirou Neemias para registar os cidadão segundo as suas genealogias (Ne 7, 5-69; Esd 2). Segundo esta perspectiva, era decisivo nascer dentro de uma família judaica e ser capaz de relatar a lista dos seus antepassados, a fim de se verificar a pureza de sangue.

Em relação ao outro ponto, Neemias simplesmente proibiu os casamentos mistos na base da lei deuteronómica (Ne 13; cf Dt 23, 3). Neemias baniu um sacerdote do seu ofício pelo facto deste estar casado com a filha de Samballat, o governador samaritano. Neemias mostrava-se irritado pelo facto de as crianças de casamentos mistos falarem hebraico, a língua sagrada das Escrituras.

Mais tarde, Esdras vai ainda mais longe neste zelo reformador: Não só proíbe novos casamentos mistos como desfaz todos os casamentos mistos que já existiam, dividindo um quantidade enorme de famílias que viviam felizes (Esd 10, 2-5). Esdras implementou enormemente o legalismo, obrigando as pessoas a viver numa atitude estritamente fundamentalista, a qual se tornou uma das características fundamentais do judaísmo pos-exílico. 

Nos círculos cristãos, este fundamentalismo legalista é visto de modo negativo, pois significa que a relação do homem com Deus deve ser baseada no rigor de preceitos e normas feitas, bem como no ritualismo cultual. Os primeiros cristãos denunciam falsa comunhão com Deus (cf Lc 18, 9-14; Ga 2, 16; 3, 11; Heb 10, 5-17).

A fragilidade do judaísmo tornou-se cada vez mais visível através do anos: formas falseadas de relação com Deus, vazias de sinceridade e alegria de servir o Senhor com verdade e amor. São João vai contrapor a este cultualismo vazio o culto em Espírito e verdade (Jo 4, 21-23).

A lei pode ficar tão sobrecarregada com minuciosas ou distorcidas interpretações legais que se pode chegar à contradição de serem usadas como modo de fugir à fidelidade a Deus e ao amor dos irmãos. Foi esta a acusação que Jesus fez aos escribas e fariseus do seu tempo.


VII - O Profetismo Apocalíptico

No período pos-exílico, a profecia encontra uma nova forma de expressão através de um estilo literário conhecido como literatura apocalíptica. O exemplo mais completo deste tipo de literatura é o livro de Daniel. O autor do livro de Daniel é desconhecido. Sentiu uma repulsa enorme pela violência e a tirania através das quais o helenismo estava tentando impor-se sobre os judeus. Os livros dos Macabeus testemunham esta violência e o martírio dos judeus.

O propósito do livro de Daniel é reacender a fé de Israel e a fidelidade às tradições judaicas as quais estavam em perigo de ser extintas pela política agressiva dos Selêucidas. O autor tenta convocar o povo judeu para uma fidelidade plena, apesar da violência das perseguições.

Segundo o pensamento de Daniel o curso da história está sujeito à soberania de Deus. Daniel convoca o seu povo a viver de modo corajoso a sua fé. Quando se acredita que os acontecimentos estão mais na mão de Deus do que em mãos humanas, o homem é capaz de agir sem medo das consequências.

O livro de Daniel, portanto participa da visão revolucionária da teologia dos Macabeus. O autor de Daniel fala para o seu tempo como se de um escrito pre-datado se tratasse. Com efeito, o autor coloca o cenário da sua mensagem no exílio de Babilónia. É como se estivéssemos olhando para a frente contemplando o futuro e não para o passado a partir do presente.

O livro de Daniel pertence a um estilo literário especial conhecido como apocalíptica da qual existem muitos exemplos no período pos-exílico e mesmo no período cristão. Na literatura apocalíptica abundam as visões bizarras, estranho simbolismo e acontecimentos sobrenaturais.

Escrito em tempos de perseguição, a literatura apocalíptica emprega um código espiritual, o que faz dela um “livro selado” (Dan 12, 4). O tema central da literatura apocalíptica é a revelação dizendo respeito ao fim dos tempos e a vinda do Reino de Deus.

Mesmo que esta literatura surja num tempo em que a profecia supostamente tinha cessado, ela continua e dá nova expressão à mensagem profética. Desde os começos a fé de Israel é orientada para o futuro, em direcção à realização da promessa que Deus fez ao seu povo. Israel acreditava que a sua vida estava envolvida num grande drama o qual, sob a direcção de Deus, se movia para uma consumação final.

No período pre-exílico esta esperança encontrou expressão na doutrina popular acerca do “Dia de yahweh”. A literatura apocalíptica é profecia numa linguagem diferente. Na sua forma presente o livro de Daniel surgiu durante o reinado de Antíoco Epifânio. O autor de Daniel tem duas secções. A primeira secção engloba os capítulos um a seis. É um conjunto de histórias edificantes sobre a fidelidade de Daniel e seus companheiros à Lei. A segunda parte engloba os capítulos sete a doze e fala das visões de Daniel.

Textos significativos:
Dan 2, 24-45: José interpretou os sonhos de Faraó e por isso foi conduzido ao topo da glória. Agora Daniel interpreta os sonhos de Nabucodonozor e é conduzido ao topo da glória. A sabedoria é um dom de Deus e não uma conquista dos homens.

Dan 2, 5-6: Os sábios e adivinhos de Babilónia iam ser mortos por não serem capazes de interpretar o sonho do rei. Faltava-lhes a sabedoria de Yahweh.
Dan 3, 1-7: Estátua gigante que o rei de Babilónia entroniza e quer que todos adorem inclusivé os judeus. Maneira velada de falar da estátua de Zeus do Olimpo que os selêucidas colocam no Templo de Jerusalém, profanando a casa do Senhor. É a abominação da desolação. Os jovens que, por fidelidade a Deus, se recusam adorar os ídolos são salvos por Deus. Os três jovens caminham no meio do fogo como os hebreus caminhavam pelo meio do mar. Um vento soprava afastando as chamas (3, 50).

Dan 6, 4-10: Daniel fica acima de todos os outros governadores do Império devido à sua fidelidade a Deus. É um apelo para que os judeus continuem a resistir como os Macabeus.
Dan 7, 1-8: Os quatro animais disformes são quatro impérios que dominaram sobre os eleitos de Deus: Caldeus, Persas, Medos, Gregos.
Dan 7, 9-14: A visão do Filho do Homem...
Dan 7, 15-28: Interpretação da visão. Os Santos do Altíssimo e o Filho do Homem são uma realidade orgânica. A visão tem uma conotação messiânica.

Dan 8, 15-19: Daniel é chamado de Filho do Homem. Deus vai fazer justiça no fim dos tempos. Esse dia será o dia da ira.
Dan 12, 1-13: Fim dos tempos e ressurreição. Os Reino de Deus terá uma duração   eterna. Os justos são premiados com um prémio eterno.
Dan 14, 1-22: Daniel desmascara a falsidade do deus Bel. Os sacerdotes comiam as dádivas que traziam para a estátua, dizendo que era o ídolo que os consumia durante a noite. História piedosa para dizer que a estátua do Zeus do Olimpo, entronizada no Templo de Jerusalém é um ídolo vazio e não um deus vivo.


Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias


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