O Homem a quem chamavam Louco




Senhor Deus,
A vossa Palavra gera sonhos de paz e justiça nos corações dos profetas,
mas a maioria dos homens rejeitam-na como diz o evangelho de São João:
“A Palavra era a luz verdadeira que ao vir ao mundo ilumina os homens.
A Palavra estava no mundo, mas o mundo não a reconheceu.
Veio para o que era seu e os seus não a receberam.
Mas aos que a receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 9-12).

Tal como aconteceu antigamente, a tua Palavra continua hoje a ser rejeitada
e os profetas continuam a ser rejeitados como o Louco desta parábola:


Era conhecido como o louco de Vila Grande. Em geral, as pessoas referiam-se a ele em tom de quem faz troça. Se uma pessoa começasse a falar mais a sério sobre problemas sociais ou sobre os valores, aqueles que não gostavam de aprofundar o sentido da vida diziam: “Pareces o Louco da Vila Grande!”

Certo dia, ao passar na praça principal, deparei com este homem e depressa me dei conta de que este homem era um apaixonado pelas grandes causas que dizem respeito à vida e à dignidade humana. Em geral, estas causas costumam apaixonar os profetas e os seres humanos que tomam Deus e o Homem a sério. Em geral, os que enriquecem explorando e oprimindo os mais pobres e fracos detestam reflectir sobre questões deste teor.

Por seu lado, a gente mais simples e menos preparada não tinha uma consciência formada sobre estas questões e por isso não valorizava as tomadas de posição deste homem. Eis a razão pela qual eram tão poucas as pessoas que paravam para ouvir o Louco da Vila Grande.

Parei um pouco para escutar as palavras. O seu aspecto não era vulgar, mas não me pareceu de modo algum um louco. Eis algumas das palavras que fixei do diálogo deste homem com um pequeno grupo de pessoas que se tinham juntado à volta do Louco da Vila Grande:

«Os seres humanos, por serem livres, têm a possibilidade de criar um mundo melhor. A liberdade é a capacidade de se relacionar fraternalmente com os outros e de interagir de modo criativo com os acontecimentos e as coisas. Ao criar-nos à sua imagem e semelhança, Deus deu-nos a capacidade de amar e criar sociedades justas e fraternas.

É preciso sonhar e programar um novo tipo de sociedades onde o critério não seja apenas o lucro ou o domínio de uns homens sobre os outros. As sociedades opressivas impedem a emergência de homens livres, capazes de criar um novo jeito de pessoas, capazes de conviver em paz e comunhão fraterna. As sociedades onde domina a opressão e a injustiça, ao gerar homens oprimidos estão a impedir que o processo de humanização avance.

A lei da humanização é: emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal. A emergência pessoal acontece como crescimento de pessoas capazes de se exprimirem de modo livre, consciente, responsável e de se relacionar com os outros em dinâmica de amor.

As pessoas que oprimem os outros nunca serão pessoas livres, pois a liberdade é a capacidade de se relacionar amorosamente. Como fomos criados à imagem e semelhança de Deus, estamos talhados para construir sociedades onde o convívio e as relações assentam sobre a dinâmica do amor.

O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão fraterna. Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer, aceitando-o tal como é, apesar de ser diferente de nós, e agir de modo a facilitar a sua realização e felicidade. Deus deu-nos a capacidade de fazermos opções, escolhas e programas em que o princípio básico seja tornar possível a realização de todas pessoas.

A cidade regida pelos princípios do amor, dizia o Louco da Vila Grande, merece receber o nome de Cidade Nova. A edificação desta cidade, dizia ele, é obra de todos, pois só é fraterna a cidade onde todos tomam parte naquilo que a todos diz respeito. Todas pessoas, portanto, são válidas para colaborar na tarefa da realização da Cidade Nova. Cada qual, porém, colabora com as capacidades que tem. Eis a razão pela qual, na Cidade Nova, as pessoas sentem-se felizes, pois ninguém é obrigado a fazer aquilo para o qual não tem vocação ou aptidões.

Na Cidade Nova ninguém pensa em criar necessidades artificiais, a fim de levar as pessoas a comprar o que não necessitam. Por outras palavras, na Cidade Nova ninguém explora os outros, nem engana as pessoas só para amontoar dinheiro. As pessoas da Cidade Nova são educadas segundo o princípio da partilha e da ajuda mútua.

Os habitantes da Cidade Nova sabem que a partilha é o único princípio capaz de gerar abundância. Nunca ninguém ficou mais pobre por partilhar com os outros. Os evangelhos ensinam este princípio com os relatos das multiplicações dos pães e dos peixes, as quais resultaram do facto de as pessoas se porem a partilhar. Na Cidade Nova todos fazem render o melhor dos seus talentos e capacidades.

As pessoas vivem felizes e tranquilas, pois sentem que as suas necessidades estão satisfeitas e têm tempo para se alegrarem em convívios fraternos. A pessoa humana e os seus direitos fundamentais são o valor que os habitantes da Cidade Nova aprender a respeitar desde os primeiros anos da sua existência. Eis a razão pela qual ninguém vive com medo ou ansiedade, pois ninguém procura o mal ou o prejuízo do seu irmão.

Na Cidade Nova, as pessoas não sabem o que é não encontrar sentidos para viver, pois todas se sentem amadas chamadas a amar. O amor é considerado uma razão que vale tanto para viver como para morrer. Na verdade, quando uma pessoa morre para salvar outra, ninguém vê nisso uma falta de sentido. Jesus disse que o amor atinge a sua realização máxima quando uma pessoa dá a vida pelos outros. Eis as suas palavras: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que a pessoa que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 12-13).

Nas cidades velhas, as pessoas definham por falta de sentidos para viver. Na verdade, a vida sem sentidos é uma das principais causas de perturbações psíquicas e doenças mentais graves. É por esta razão que nas cidades velhas há tantas pessoas doentes e sem gosto de viver.

Na Cidade Nova todas as pessoas se sentem aceites pelos talentos que têm, sejam muitos ou sejam poucos. Eis a razão pela qual todos crescem, pois o homem faz-se, fazendo. Por outras palavras, na Cidade Nova as pessoas não se sentem marginalizadas ou bloqueadas nas possibilidades de se realizarem tal como são. Nesta cidade as pessoas sabem que cada ser humano é único, original e irrepetível.

É admirável ver como os habitantes da Cidade Nova são pessoas humildes. A humildade é a capacidade de se relacionar com os outros numa linha de verdade e de se situar no convívio do dia a dia de modo correcto e adequado. Desde pequeninos que os habitantes da Cidade Nova aprendem a escutar e compreender os outros. As crianças são estimuladas a dizerem o que sentem, sem medos nem angústias.

Não há pessoa com carências na Cidade Nova. Também não acontece a desumanização devido ao excesso de riquezas. As aspirações mais profundas das pessoas concretizam-se em projectos de vida e instituições de encontro, convívio e diálogo fraterno. As famílias são a calda fundamental para acontecer a humanização das pessoas. Nesta cidade, todas as pessoas encontram possibilidades de realização pessoal, condição essencial para serem felizes.

Os habitantes Cidade Nova são capazes de partilhar de modo espontâneo. Todos gostam de dar o melhor de si e receber o melhor dos outros. Por isso não há pessoas machucadas. Aprender, não é tarefa aborrecida, pois é sobretudo um empenhamento criativo. Por isso se observa nas pessoas uma série enorme de atitudes e comportamentos que exprimem criatividade, partilha, diálogo e apreço pelos demais.

Devido aos princípios de fraternidade que modelam a consciência social da Cidade Nova, a saúde para todos é um direito plenamente adquirido. Nesta cidade não existem cobardes nem heróis. Não há tarefas nobres e tarefas humildes e desconsideradas. A corrupção é uma prática desconhecida, pois não é preciso mentir ou defraudar para ter o necessário. As relações entre as pessoas assentam sobre a lealdade e o bem-querer. Dar as mãos, na Cidade Nova, é um gesto espontâneo e cheio de verdade, pois é o sinal da amizade que alimenta os corações dos habitantes daquela cidade.»

Depois de ouvir as palavras deste homem, comecei a observar as reacções das pessoas que passavam. Em geral via-se um total desinteresse, pois ninguém estava para perder tempo a escutar as palavras de um louco. Havia pessoas que ao passar, olhavam sorrindo-se como quem faz troça.

Eram poucas as pessoas que admiravam a paixão que dominava o coração do Louco da Vila Grande. Os ricos e os que detinham o poder detestavam as palavras daquele louco. Ao acabar de falar, o Louco disse ainda: «Esta noite sonhei que este é o plano de Deus para toda a Humanidade!»

Depois, desapareceu, caminhando por entre as árvores e arbustos dos jardins da Vila Grande. Retirei-me pensativo e compreendi que os homens chamam loucura à Sabedoria que os podia libertar e ajudar a ser felizes. Passados uns momento dei comigo a pensar que a loucura, afinal, está no coração e na cabeça dos que edificam as cidades velhas.

Nestas cidades há os que oprimem e machucam, bem como os que são oprimidos e machucados. As cidades velhas mutilam e distorcem os homens que Deus criou à sua imagem e semelhança. Pouco tempo depois ouviu-se dizer que o Louco da Vila grande aparecera morto junto aos esgotos da povoação.


Espírito Santo,
Enche os corações dos profetas de força e luz,
a fim de a Palavra de Deus continuar a denunciar as forças do mal
e a anunciar os vossos planos de paz e amor.

Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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