As Facetas da Humanização do Homem




a) Deus e o Homem Como Mistério de Relações
b) A Tarefa da Humanização
c) A Emergência Histórica do Homem
d) A Arte de Se Tornar Livre
e) Tornar-se Responsável
f) O Amor e a Vitória Sobre a Solidão



a) Deus e o Homem Como Mistério de Relações

Pelo facto de se constituírem como interioridade espiritual livre, consciente e responsável as pessoas são um mistério, isto é, uma realidade que se revela de modo gradual. Isto quer dizer que as pessoas, na sua realidade mais profunda, não são evidentes para nós. No entanto, as pessoas humanas, tal como as divinas, revelam-se através das Relações.

Quando comunicamos significativamente com os outros, estamos a estruturar-nos como pessoas e a compreender de modo progressivo a realidade das pessoas com as quais nos relacionamos. E é assim que as pessoas humanas, sem darem por isso, vão criando vão criando uma reciprocidade elas e as pessoas com as quais se relacionam de modo mais ou menos duradoiro. Na verdade, o modo como olhamos o outro, começa a converter-se, também, no modo como ele nos começa a olhar a nós. Também é verdade que, pouco a pouco, começamos a tratar o outro de modo semelhante àquele com que ele nos trata.

Como vemos, a dinâmica das relações é fundamental para as pessoas se estruturarem e conhecerem mutuamente. Podemos dizer que é através das relações que nós vamos conhecendo a nossa realidade mais profunda, bem como a identidade das pessoas com as quais nos relacionamos. Na verdade, as pessoas não são evidentes, mas revelam-se de modo progressivo mediante as relações. Além disso, como vimos, nós não só nos conhecemos pela mediação dos outros, senão que também nos estruturamos através das relações.

É ainda através das relações que a nossa realidade espiritual emerge e se robustece. As relações humanas são a dinâmica que faz emergir e crescer a pessoa na sua identidade fundamental. Podemos dizer que os seres humanos vão emergindo e encontrando a sua plenitude através da dinâmica das relações, pois são criados à imagem e semelhança de Deus, uma comunhão de relações familiares.

A primeira pessoa da Santíssima Trindade é Pai, não por ter procriado, mas porque inicia uma relação paternal com a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Do mesmo modo, a segunda pessoa é Filho, não por ter sido dado à luz, mas porque acolhe em relações o amor do Pai e estabelece uma relação filial. Isto quer dizer que é nas relações que a pessoa se possui e encontra a sua plena identidade.

Mas as relações só têm este poder de fazer emergir e a identidade de uma pessoa se tiverem a densidade do amor. De facto, a identidade espiritual de uma pessoa revela-se através do modo de amar e se relacionar. Através das relações, as pessoas descobrem a sua realidade de ser único, original, irrepetível e capaz de comunhão.

Através das relações de amor a pessoa descobre e saboreia a verdade a união orgânica e dinâmica que liga a Humanidade, a calda na qual a pessoa encontra a sua plenitude. Cada pessoa humana é uma concretização da única Humanidade que existe. Na verdade, a Humanidade está a emergir no concreto de cada pessoa de modo único, original e irrepetível.

Devido à sua capacidade de amar e comungar, a pessoa, na medida em que emerge, converge para a comunhão Universal. É este o fundamento do mistério da pessoa que apenas se pode encontrar e possuir em relações de comunhão com os demais. Por isso Deus é um só, pois as pessoas divinas encontram-se e possuem-se de modo pleno numa comunhão orgânica dinamizada pelas relações de amor.

A entrada nesta dinâmica da comunhão orgânica, por vezes, assusta-nos, pois temos medo de perder a liberdade ou a nossa identidade que se configura de modo único, original e irrepetível. Mas a verdade é exactamente o contrário: Só nos possuímos e encontramos plenamente nesta dinâmica da comunhão universal. O nosso egoísmo e o medo de nos anularmos levam-nos muitas vezes a fechar-nos na pequenez do nosso ser isolado, pois o isolamento impede-nos de encontrar a nossa riqueza mais profunda.

A pessoa só encontra a sua grandeza e plenitude dentro do mistério da comunhão. É este o jeito de Deus ser e também a nossa vocação a realizarmo-nos como imagem e semelhança de Deus. Por outras palavras, a comunhão nunca anula a pessoa. Pelo contrário, a comunhão optimiza e faz emergir as possibilidades de realização ou talentos que possamos ter.

Não nos podemos esquecer de que Deus é amor e a pessoa realiza-se na medida em que se edifica como imagem e semelhança de Deus. Não há amor sem relações. Quando dizemos que Deus é amor estamos a dizer que é relações de amor. O amor é a qualidade máxima das relações, pois é a dinâmica que confere qualidade humanizante às relações dos seres humanos.

Pelo contrário, as relações alicerçadas no egoísmo são relações desumanizantes. Quanto mais uma pessoa se dá, mais comungável se torna a sua vida. Podemos dizer que a densidade de vida e felicidade no Reino de Deus depende da profundidade em que a sua vida é comungável.


b) A Tarefa da Humanização

Como pessoas em construção, os seres humanos foram criados para se criarem. Nascemos como seres hominizados, isto é, estruturados e capacitados para nos construirmos como pessoas. Mas a grande tarefa que nos é proposta é a nossa humanização, a qual não pode acontecer sem a nossa participação no processo. A lei da humanização é: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal”.

A humanização do ser humano é a sua vocação fundamental, isto é, a primeira de todas as vocações. Falhar neste projecto é malograr a sua razão de ser na História. Os ensinamentos de Jesus orientavam-se no sentido de interpelar as pessoas a realizar os seus talentos, isto é, a ser fiel às suas possibilidades de humanização (Mt 25, 14-30: cf. Lc 19, 12-27).

Na verdade, a base da divinização do homem é a sua própria humanização. Por outras palavras, as pessoas humanas terão uma interacção orgânica tanto mais profunda com as pessoas divinas quanto mais se humanizarem na sua marcha histórica. O processo da humanização capacita o coração da pessoa para acolher os outros como irmãos, condição essencial para comungar na Família Divina.

Jesus é o alicerce da Nova Humanidade reconciliada e a caminhar para a comunhão da Família de Deus. A Carta aos Efésios, diz que Jesus destruiu os muros dos moralismos e dogmatismos, a fim de poder acontecer a verdadeira humanização do Homem. Esta não podia acontecer sem serem criadas condições para acontecer a comunhão entre os homens de todas as raças, línguas, povos e nações.

É este o caminho para construir o Homem Novo (Ef 2, 14-16). São Paulo diz que Jesus é a Cabeça de uma Nova criação, a qual é constituída por homens reconciliados com Deus, onde o pecado é totalmente perdoado (2 Cor 5, 17-19). O processo da humanização do Homem não pode acontecer sem a intervenção sempre presente do Espírito Santo na vida das pessoas. Mas isto não é problema, pois o Espírito Santo faz do coração das pessoas que se abrem ao amor um templo onde habita de modo permanente (1 Cor 3, 16-17). Eis alguns passos fundamentais para acontecer a humanização do ser humano:

À medida em que se humaniza, a pessoa torna-se humilde. A humildade é a capacidade de a pessoa se relacionar com os outros numa linha de verdade, sabendo situar-se no convívio com os outros de modo correcto e adequado. Na verdade, ser humilde é ser verdadeiro em relação a si e aos outros. Ser humilde é aceitar que a pessoa humana, para se realizar, precisa dos outros. Na verdade, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão.

Não há humanização sem capacidade de diálogo e comunhão com os outros. As pessoas demasiado enredadas em si só conseguem escutar-se a si e, por isso, não são capazes de sintonizar e comungar com os outros.

O homem humanizado reconhece os próprios erros e sabe que só o amor cura as feridas que o pecado abriu no seu coração e no coração dos irmãos. O homem de coração humanizado não está sempre a culpar os outros das suas culpas, insatisfações e fracassos. A pessoa que se empenha na tarefa da humanização não está sempre a julgar os outros e muito menos a culpá-los pelos nossos fracassos. A pessoa que está sempre a criticar em geral anda a fugir de si e, muitas vezes, a projectar os próprios defeitos na pessoa dos irmãos.

À medida em que se humaniza, a pessoa procura ser amável e serena nas relações com os irmãos. Procedendo assim está a preparar-se para receber a bênção prometida aos mansos, os quais, disse Jesus, possuirão a terra (Mt 5, 5). A pessoa humanizada sabe que a amabilidade é a grande arma para desmontar as setas da agressividade com que os outros pretendem destruí-la. Ter a gentileza de dar a primazia ao outro é uma atitude que gera comunhão.

A pessoa humanizada tem a sabedoria para discernir sobre os momentos oportunos para falar e as melhores ocasiões para saber calar e escutar. É um excelente sinal de maturidade saber evitar discussões inúteis que só servem para exaltar os ânimos. Este procedimento não ajuda o processo da humanização das pessoas. É um excelente sinal de sabedoria e humanização saber reconhecer quando o outro tem razão.

Devemos ter sempre presente que, ao romper com o amor estamos a romper com Deus, pois Deus é amor. É verdade que, ao romper com Deus, não estamos a impedir que ele continue a amar-nos. Na verdade, o seu amor de Deus por nós é incondicional. No entanto, não nos devemos esquecer de que apesar de não conseguirmos impedir que Deus nos ame, podemos impedir a comunhão ele. De facto, a comunhão assenta na reciprocidade e no amor e não num amor unidireccional.

Por outras palavras, o amor pode ter uma só direcção, mas a comunhão só pode acontecer na reciprocidade amorosa. O processo da humanização só pode acontecer na medida que a pessoa faça do amor a rocha firme para edificar a sua casa. A humanização não acontece quando a pessoa falseia a realidade do amor, pretendendo, por exemplo, amar a Deus, mas ignorar o amor aos irmãos. A bíblia une sempre o amor a Deus com o amor aos irmãos.

A pessoa que está em processo de humanização Treina-se na arte de facilitar a realização dos outros, procurando aceitá-los por eles serem o que são e não por fazerem o que ela gostaria que eles fizessem. A pessoa humanizada procura comunicar sempre numa linha de verdade e autenticidade. No trato com os irmãos não está sempre a olhar apenas para os seus interesses pessoais.

A pessoa humanizada não descuida a arte da partilha, ajudando os irmãos a ser mais felizes, não apenas com o seu ter, mas também com o seu ser e o seu saber. A pessoa humanizada tem sempre presente de que os outros são um dom de Deus. Com efeito, os demais são mediações que Deus nos concede para nos realizarmos como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de comunhão amorosa.

A pessoa humanizada tem consciência de que a sua realização e felicidade, depende do modo como vive as relações com os outros. Graças à sabedoria que nos vem da Palavra de Deus, nós sabemos que a nossa plenitude nem sequer pode acontecer sem os outros. Na verdade, é com os outros que nós faremos parte da Família de Deus, a qual não assenta nos laços do sangue mas sim no vínculo maternal do Espírito Santo.

Lembremo-nos de que não somos bons em tudo. Na verdade, há coisas em que os outros são muito melhores do que nós. A pessoa humanizada não tem nunca a pretensão de ser a medida dos outros. Além disso, sente-se agradecida quando sente que os outros estão a ser atentos e respeitadores da sua originalidade e diferença. A pessoa que tenta controlar e manipular os outros nunca conseguirá ser um ser profundamente humanizado. Na verdade está a impedir que a Humanidade possa emergir com a sua novidade e diferença no outro.

Na verdade a marcha da humanização assenta no princípio fundamental de que cada pessoa é única, original e irrepetível. As pessoas que põem o amor e a fraternidade em primeiro plano são uma mediação privilegiada de humanização para nós. A pessoa que aceita o outro, apesar dos seus defeitos, está a dar passos largos na tarefa da sua humanização.

A pessoa humanizada entende os ensinamentos de Jesus segundo os quais a pessoa tem de lutar contra as forças negativas do pecado, o grande obstáculo ao processo da humanização. À medida em que se humaniza, a pessoa deixa de alimentar ressentimentos ou planos de vingança em relação aos outros. A pessoa humanizada não dá coisas para amarrar os outros. A marcha da humanização conduz ao dom e à comunhão.

Como ternura maternal de Deus a actuar no nosso coração, o Espírito Santo é quem nos incorpora na Família de Deus (Rm 8. 14-17). São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5). É ele quem nos ajuda a caminhar de modo seguro nesta arte delicada da nossa humanização, condição essencial para sermos divinizados com Cristo.


c) A Emergência Histórica do Homem

A Humanidade é constituída por pessoas, isto é, por seres livres, conscientes, responsáveis e capazes de amar. Por não ter uma complexidade cerebral suficiente, o animal não é nem pode chegar a ser pessoa.

Muitos anos antes de Cristo, Aristóteles definiu o Homem como um animal racional. Hoje reconhecemos que esta definição é muito pobre, pois não basta acrescentar um adjectivo ao termo animal para dizer a verdade do Homem. A diferença que existe entre o animal e o Homem não se reduz ao simples facto de o Homem ter algumas qualidades que o animal não tem. Na verdade, a diferença entre o animal e o Homem resulta de um salto qualitativo.

É verdade que o Homem apareceu na História emergindo da vida animal através de um processo evolutivo. Com efeito, a marcha da evolução, ao atingir o limiar da hominização, isto é, a complexidade cerebral própria de Homem, deu um salto de qualidade. Mas a hominização é apenas a possibilidade para começar a marcha heróica da humanização.

Por outras palavras, a hominização é, na verdade, o barro amassado de que fala o Livro do Génesis, do qual emerge o Homem. Segundo o relato bíblico da criação do Homem, Deus insuflou o seu Espírito no interior do barro, a fim deste se tornar um ser vivente (Gn 2, 7). Após esta comunicação primordial do Espírito Santo, o Homem torna-se um barro com coração, isto é, capaz de emergir como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de amar. Por outras palavras, a comunicação primordial do Espírito da Deus dá início ao processo histórico da humanização do Homem.

A humanização dos seres humanos é uma tarefa que implica o empenho de cada pessoa. Por outras palavras, ninguém pode humanizar a pessoa do outro, embora esta também só se possa humanizar em relações com os demais. A lei da humanização acontece como “emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal.

A base da humanização é, como vimos, a grande novidade da hominização, essa complexidade biológica que pertence à cúpula dos seres vivos da Terra. No entanto, a evolução animal que chegou à hominização não é capaz de realizar a marcha histórica da humanização. A humanização não pode acontecer sem um contexto de relações com a qualidade do amor.

Por outras palavras, a calda própria para se desenvolver o processo da humanização é a dinâmica das relações com a temperatura do amor. Podemos dizer que o amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão.

Os animais ficaram dominados pela ditadura dos instintos que lhes fornece as respostas para os diversos estímulos. A pessoa humana, pelo contrário, precisa de criar sentidos, a fim de encontrar as respostas adequadas para responder aos apelos e estímulos da vida. Com efeito, sem sentidos para viver, a pessoa entra em crise e pode chegar ao suicídio.

Por ser uma pessoa em construção, o ser humano tem necessidade de fazer projectos lógicos que apontem para a sua realização e felicidade. Como sabemos, o animal gosta de brincar, sobretudo enquanto é jovem, mas não é capaz de celebrar a vida nem sonhar um projecto de realização e felicidade. Na verdade, o animal nunca se faz perguntas face às diversas situações da vida. A pessoa humana, pelo contrário, sente uma fome enorme de descobrir e criar sentidos para viver.
A pessoa humana é o único ser que tem consciência da própria morte e, apesar disto, não entra não entra em greve perante a vida. Na verdade, o animal, como não tem consciência da própria morte, não se sente estimulado a criar sentidos para a vida. Com efeito, o sentido da vida e o sentido da morte caminham a passo igual.

A pessoa humana é capaz de chegar à conclusão de que o amor é a grande razão que vale para viver e também para morrer. De facto, ninguém diz que uma pessoa que morre para salvar a vida de outra praticou um suicídio. Pelo contrário, sentimos que essa pessoa levou o amor até à sua densidade máxima.

É aqui que radica a base da liberdade, à qual o animal não tem acesso. A liberdade é a capacidade de a pessoa se relacionar em dinâmica de amor com os outros e interagir criativamente com os acontecimentos e as coisas. É importante não confundir liberdade com livre arbítrio, pois este é apenas a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal. O livre arbítrio não é a liberdade, mas a possibilidade de se tornar livre.

Como não ficou enredada no círculo das respostas instintivas, a pessoa humana deu o salto para o livre arbítrio, a porta que lhe dá acesso à liberdade. Como ser capaz de criar, a pessoa humana é capaz de fazer surgir o novo, dando origem às ciências, às técnicas, às artes ou a atitudes e gestos maravilhosos de amor.

Na verdade, o ser humano já transcendeu o nível das simples satisfações de ordem biológica. E foi assim que ele deu o salto que lhe permitiu entrar no limiar das relações livres, conscientes, responsáveis e capazes de comunhão amorosa. Mas a verdade histórica do Homem não se esgota, infelizmente, na sua face positiva.

Nós sabemos como os seres humanos também são capazes de potenciar as possibilidades de morte e a destruição da vida humana. Somos capazes de fazer guerras monstruosas e criar máquinas diabólicas para matar. Somos capazes de oprimir e explorar para amontoar riquezas tantas vezes inúteis e desnecessárias. O ser humano é capaz de raptar e matar crianças, bem como conceber e construir instrumentos monstruosos de tortura.

Somos capazes de destruir a natureza, o lar de todos nós, com tendo em mira apenas interesses mesquinhos. É capaz de pilhar e destruir pessoas inocentes, mas também é capaz de idealizar e criar planos de solidariedade e fraternidade universal. Se aprendermos a escutar a voz do Espírito Santo que se faz ouvir no nosso coração, seremos realmente capazes de construir uma Nova Humanidade, reconciliada com Deus e configurada com Cristo ressuscitado.


d) A Arte de Se Tornar Livre

A liberdade é uma conquista e uma tarefa a realizar. A liberdade é a capacidade de a pessoa se relacionar amorosamente com os outros e interagir criativamente com os acontecimentos e as coisas. A liberdade não acontece sem decisões na linha do amor e sem atitudes criativas face aos acontecimentos e às coisas.

Com efeito, ser livre é sempre o resultado de uma cadeia de opções, escolhas e decisões na linha do amor. O ser humano não nasce livre. Mas tem a possibilidade de se realizar como pessoa livre, consciente e responsável. As pessoas não são peças de artesanato feitas em série. Isto significa que os seres humanos são diferentes na sua identidade e no grau da sua liberdade conquistada.

Esta situação deriva do facto de o ser humano estar em construção histórica. Faz-se, fazendo. Eis a razão pela qual cada pessoa se realiza de modo único, original e irrepetível. Por outras palavras, a liberdade, tal como a realização pessoal, é fruto de uma vida comprometida.

A pessoa não é igual aos sonhos que tem, pois a pessoa faz-se fazendo. Podemos dizer que a pessoa é igual aos sonhos e projectos que realiza. Alguns sonhos não passam de fugas da realidade. A pessoa que se deixa embalar por tais sonhos não se realiza. E por esta mesma razão não atinge um nível profundo de liberdade.

Não devemos confundir liberdade com livre arbítrio. Este é a capacidade psíquica de optar. Mas não basta decidir e optar para sermos livres. De facto, podemos optar pelo amor ou pelo egoísmo. Apenas as opções na linha do amor e da criatividade tornam a pessoa livre.

Como capacidade psíquica de optar, o livre arbítrio é a possibilidade de a pessoa humana ser livre. Mas tudo depende do estilo das nossas opções. Ninguém é capaz de matar a liberdade da pessoa que se tornou livre. Mas também é verdade que ninguém é capaz de dar a liberdade a uma pessoa. A sociedade pode prender pessoas livres. Neste caso está a limitar as possibilidades de esta pessoa exercitar a sua liberdade. Também está a pessoa a impedir de exercitar o seu livre arbítrio e, portanto, condicionar o seu crescimento como ser livre.

Mas ninguém é capaz de roubar a liberdade de uma pessoa, pois esta é uma dimensão espiritual. A liberdade pertence à interioridade máxima da esfera espiritual da pessoa. Jesus disse que quem comete o pecado é escravo do pecado (Jo 8, 34). O pecado é exactamente o contrário do amor. É a recusa da pessoa humana a realizar-se mediante relações de amor.

Cristo libertou-nos das amarras do medo e deu-nos duas asas fundamentais para voarmos em direcção à liberdade: o Espírito Santo e a Palavra de Deus. As asas não se nos impõem, mas capacitam-nos para voar. Os seres humanos voam mais alto se entrarem em sintonia com a força de voar que vem da Palavra de Deus e do Espírito Santo. Eis o que diz o evangelho de São João: “Se permanecerdes na minha Palavra sereis meus discípulos, tornar-vos-eis conhecedores da verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 31-32).

A Palavra de Deus, por ser a verdade, dá-nos os critérios certos para optarmos e decidirmos na linha do amor, condição fundamental para sermos livres. A verdade é a compreensão e a enunciação correcta e adequada da realidade de Deus, do Homem, da História e do Universo. No nosso íntimo, Deus é um grito que nos convida a agir de acordo com o amor, a fim de sermos livres. A liberdade não é uma coisa que possamos dar aos outros, mas podemos facilitar o processo de libertação de uma pessoa.

A afirmação segundo a qual Deus nos dá a liberdade precisa de ser explicada: Em primeiro lugar é preciso saber que todos os dons de Deus nos são feitos em forma de talentos, isto é, possibilidades de realização. Esta é uma condição essencial para as dádivas divinas serem dons. Se assim não fosse não seriam dons mas imposições.

Quando decidimos optar na linha do amor emergimos e robustecemo-nos como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de comunhão amorosa. São Paulo diz uma coisa muito importante em relação à liberdade: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto permanecei e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão (…). Que a liberdade não sirva de pretexto para vos deixardes subjugar pelo homem velho. Pelo contrário, mediante o amor, ponde-vos ao serviço uns dos outros” (Ga 5, 1-13).

É verdade que nem todas as pessoas têm a mesma densidade no que se refere à liberdade. Eis a razão pela qual São Paulo aconselha as pessoas que têm um nível maior de liberdade a não escandalizarem ou ferirem os mais fracos: “Mas tende cuidado que a vossa liberdade não venha a ser ocasião de queda para os mais fracos. Se alguém te vê, a ti que tens a ciência e a liberdade, comer alimentos que foram consagrados aos ídolos, é capaz de se voltar para os ídolos. Deste modo, pela tua ciência vai perder-se quem é fraco?” (1 Cor 8, 9-10).

A capacidade pessoal de amar é a expressão da liberdade já realizada e o caminho para crescermos mais como pessoas livres. Não é difícil verificar que em muitas afirmações que ouvimos no dia a dia sobre a liberdade, na realidade as pessoas não estão a falar sobre liberdade mas sobre livre arbítrio, o que não é a mesma coisa. Na verdade, como vimos, o livre arbítrio não é a liberdade, mas a possibilidade de a pessoa chegar a ser livre.

O livre arbítrio é a capacidade psíquica de a pessoa optar pelo bem ou pelo mal. Deus é infinitamente livre e, no entanto, não tem livre arbítrio, pois não pode escolher pelo mal. Como sabemos, a pessoa humana não nasce livre, mas sim com a possibilidade de se tornar livre. Para se tornar livre, a pessoa tem de realizar opções no sentido do amor. Ninguém chega a ser livre sem fazer opções. Mas não basta fazer opções para uma pessoa ser livre. Na verdade, para ser livre, a pessoa tem de optar na linha do amor.

Como sabemos, o pecado é a recusa da pessoa humana a optar no sentido do amor. Nesta perspectiva podemos compreender como o pecado não só não impede o crescimento da pessoa como ser livre, como também a sua humanização. Eis as palavras de Jesus a este respeito: "o que comete o pecado é escravo" (Jo 8, 34).

São Lucas afirma no seu evangelho que o Espírito Santo consagrou Jesus, a fim de ele ser agente de libertação do Homem: "O Espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos Pobres e a libertação aos cativos" (Lc 4, 18).

A acção do Espírito Santo no coração da pessoa humana optimiza as suas possibilidades de amar e, portanto, de crescer como pessoa livre. Na medida em que a pessoa deixa o Espírito Santo actuar no seu coração mais as suas opções se tornam semelhantes às de Jesus. Isto quer dizer que a pessoa que se deixa conduzir pelo Espírito Santo vai-se tornando cada vez mais livre e mais agente de libertação de libertação se torna.


e) Tornar-se Responsável

Crescer como pessoa responsável é uma tarefa que ninguém pode realizar por nós. Mas também é verdade que ninguém é capaz de se tornar verdadeiramente responsável sem se relacionar com as outras pessoas, pois somos seres que só podem realizar-se em relações. Eis alguns passos significativos para o nosso crescimento como pessoas responsáveis:

Quando nos comprometemos a fazer uma coisa, executá-la. É fundamental que nos responsabilizemos pelos nossos actos sem cair na tentação das desculpas fáceis ou deitar as culpas para cima dos outros. Quando assumimos a responsabilidade das nossas atitudes e acções estamos a afirmar-nos e a estruturarmo-nos com este sentido: A pessoa, para se tornar verdadeiramente responsável deve treinar-se no sentido de tomar conta da sua vida e da sua realização pessoal.

Devemos assumir com plena consciência o cumprimento dos nossos deveres, realizando as nossas tarefas. É importante não ficarmos à espera que sejam os outros a lembrar-nos a hora ou o cumprimento dos nossos deveres. Sejamos responsáveis pelos nossos compromissos, a fim de nos tornarmos dignos de confiança.

Quando alguém depositar confiança em nós e nos comunicar um segredo, saibamos guardá-lo só para nós, a fim de não trairmos os nossos amigos. A pessoa que trai a confiança que alguém depositou nela não é digna da confiança de ninguém.

Habituemo-nos a usar a cabeça antes de agir, a fim de actuarmos de actuarmos como pessoas responsáveis. Quando nos habituamos a medir as consequências dos nossos actos estamos a estruturar uma personalidade verdadeiramente responsável. Uma pessoa que age habitualmente de modo irreflectido e precipitado nunca chegará a ser verdadeiramente uma pessoa responsável. Na medida em que as nossas decisões são previamente pensadas e amadurecidas, estamos a edificar-nos como uma pessoa responsável.

Não deixemos de realizar os nossos projectos e sejam os fiéis aos nossos compromissos. Quando tivermos um trabalho para fazer, procuremos realizá-lo a tempo e horas, a fim de nos auto controlarmos e merecermos a confiança das outras pessoas.

Podemos ter a certeza de que a nossa responsabilidade crescerá na medida em que formos fiéis aos nossos deveres e compromissos. Na verdade a responsabilidade é a capacidade que a pessoa tem de responder de modo fiel e adequado aos deveres, compromissos e talentos que possui. Como acontece com todas as outras dimensões humanas, a nossa responsabilidade é algo que cresce através do exercício.

A pessoa humana não nasce responsável, tal como não nasce consciente ou livre. Mas vamo-nos tornando responsáveis de modo gradual e progressivo. Deus não nos criou acabados, a fim de sermos responsáveis pela nossa realização e, deste modo, sermos autores de nós mesmos. Ser responsável, portanto, é dar o melhor de si de acordo com os talentos que tem, tal como Jesus ensinou (cf. Mt 25, 14-30).

Como capacidade de responder de modo de modo fiel e adequado aos seus talentos, projectos e compromissos, a responsabilidade cresce em conjunto com a consciência e a liberdade. Como ser consciente, a pessoa descobre o leque das suas possibilidades de realização, tanto de tipo pessoal como social.

Como ser livre, a pessoa decide agir de modo fiel e adequado aos seus talentos e é capaz de assumir compromissos face às outras pessoas. A liberdade é a capacidade de se relacionar amorosamente com os outros e de interagir de modo criativo com as coisas e os acontecimentos. Como capacidade associada à consciência e à liberdade, a responsabilidade não é uma capacidade estática, isto é, oposta a dinâmica da realização pessoal.


f) O Amor e a Vitória Sobre a Solidão

Sem amor o coração humano sente-se vazio, acabando por ficar árido como um deserto ou seco como um ramo ressequido. No coração vazio não germina a alegria que dá vigor à existência e que possibilita uma estruturação sólida da pessoa humana. Sem amor, a pessoa não consegue construir-se como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão. Sem amor, o nosso coração deixa de ser ponto de encontro e comunhão com os irmãos.

No sentido espiritual, o coração é o núcleo profundo a partir do qual emerge e se configura a nossa interioridade espiritual. É a raiz da qual brota a seiva que alimenta as relações que conduzem à plenitude da vida. No coração vazio só habita a solidão, isto é, o tormento de não poder comungar.

Sem amor no coração, a pessoa não consegue encontrar-se nem possuir-se de modo pleno. Na verdade, a pessoa só se possui na medida em que comunga com os outros. Quando o coração não está habitado pelo amor, a pessoa não tem capacidade para se encontrar com os outros de modo construtivo. Sem amor no coração da pessoa afunda-se num abismo insondável de silêncio. Mesmo que grite não consegue fazer-se ouvir.Com efeito, só encontramos eco nas pessoas com as quais nos sentimos em comunhão.

Sem amor, o coração é um espaço onde apenas habita a angústia e a solidão. Quando o coração está vazio de amor a pessoa experimenta a morte! Sem água, as plantas secam e os animais não podem viver. O mesmo acontece às pessoas cujo coração não habitado pela dinâmica do amor. O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Com um coração vazio de amor, a pessoa está privada da força necessária para construir a sua vida de maneira satisfatória e feliz.

Só o amor preenche o coração humano. Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer, aceitá-lo como é, apesar de ser diferente de nós. Amar é agir de modo a facilitar a realização e a felicidade dos outros. É através do amor que a pessoa se encontra e possui. Na verdade, a pessoa só se encontra e possui plenamente na interacção amorosa com os irmãos. Por outras palavras, a pessoa só se encontra e possui na medida em que se dá.

É importante que as pessoas cujo coração está vazio procurem cultivar gestos atitudes, a fim de recuperar o vigor para o seu sem vitalidade amorosa. Eis algumas dessas atitudes e gestos eficazes para ajudar as pessoas no sentido de recuperar o vigor e a vitalidade do coração:

Dar ânimo às pessoas que encontram abatidas ou tristes. Ver nos outros pessoas queridas de Deus, membros da grande Família de Deus, a fim de melhor as amar e ajudar a ser felizes. A pessoa que quer recuperar a alegria e o equilíbrio afectivo não se pode deixar dominar pelo desejo de ter sempre mais, sem pensar nos outros.

É importante resistir à tentação de querer ser sempre o maior, pretendendo sobrepor-se e dominar os demais. É importante não se deixar conduzir apenas pelas coisas que nos são agradáveis. É muito importante saber renunciar ao prazer de uma coisa quando isso é importante para o nosso crescimento e maturidade.

É fundamental que a pessoa mostre o seu amor e solidariedade, facilitando a vida das pessoas. Pensar em pequenos gestos que fortaleçam as relações de amor com os conhecidos ou membros da família com quem se vive.

Evitar atitudes que possam mostrar indiferença em relação às pessoas com quem vivo, tanto em casa como na escola ou no lugar de trabalho. É fundamental estar atento à presença do Espírito Santo que habita no nosso coração como num templo, escutando os seus apelos e sugestões. Quando uma pessoa começa a viver com grande atenção a presença de Deus, a solidão começa a ter menos peso.

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