a)O Mistério da Pessoa Humana
1- A Pessoa Como Ser Único e Irrepetível
2- Amor e Estruturação Pessoal
3-A Pessoa Como Ser Histórico
4-Amar ou Não Amar é a Grande Questão
5-A Dignidade da Pessoa
6-Deus Como Plenitude do Homem
b)O Homem e a Mulher, Dois Jeitos de Ser Pessoa
1-Homem e Mulher, Deus os Criou
2-Colaboradores de Deus na Obra da Criação
c)Sensatez e Maturidade Pessoal
1-Realização Pessoal e Vida Programada
2-Crescimento Pessoal e Capacidade de Perdoar
3-Bondade e Crescimento Humano
d)A Arte de Ser e Crescer Como Pessoa
1-Chamados a Ser e a Crescer
2-Transfigurados Com Cristo
3-A Arte de Crescer Como Pessoa
4-A Caminho do Encontro em Plenitude
5-A Convergência Universal
a)O Mistério da Pessoa Humana
1 - A Pessoa Como Ser Único e Irrepetível
A realidade humana não se esgota no somatório das pessoas isoladas. Na verdade, a plenitude da pessoa não está em si, mas na comunidade social. Podemos dizer que a realidade humana assenta em dois pilares complementares: a pessoa e a sociedade. Na pessoa acontece a Humanidade como processo de emergência única, original e irrepetível.
À medida que emerge, a pessoa constitui-se como ser livre, consciente e responsável. A plenitude da Humanidade, no entanto, não está nas pessoas isoladas, mas na Comunhão Universal, a qual acontece como união orgânica e dinâmica. A Humanidade é, realmente, uma realidade concebida à imagem e semelhança de Deus.
Se quisermos utilizar a imagem bíblica do barro, diríamos que o Homem é uma obra-prima feita de barro, em cuja interioridade está a emergir outra obra-prima feita de espírito. Podemos dizer que o nosso ser interior está a emergir de modo gradual e progressivo como interioridade pessoal livre, consciente, responsável e capaz de amar.
O nosso ser exterior ou individual é a matriz. O nosso ser interior ou pessoal emerge dentro do nosso exterior como o pintainho dentro do ovo. Começamos por ser o que os outros fizeram de nós. Não escolhemos a raça, a nacionalidade, a língua ou o século em que queríamos viver. Tudo isto nos foi dado e constitui a matéria-prima de que dispomos para nos construirmos.
O evangelho de São Mateus chama a esta matéria-prima os talentos. Em relação aos talentos os seres humanos são todos diferentes. É por esta razão que cada pessoa emerge e se estrutura de modo único, original e irrepetível. A pessoa humana é um ser alicerçado na sua unicidade, mas talhado para a reciprocidade da comunhão amorosa.
Com efeito, as pessoas humanas estão talhadas para convergirem num ponto comum com todas as outras: o amor. Emergir como pessoa significa, portanto crescer em densidade espiritual e capacidade de interagir amorosamente. A plenitude da pessoa, portanto, não está em si, mas na comunhão amorosa. A lei da humanização é esta: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal.
2) Amor e Estruturação Pessoal
Como vimos, a pessoa é um ser em construção histórica. Podemos dizer que a pessoa humana é uma realidade emergente e progressiva. Todos nascemos como seres inacabados. A humanização do homem é um processo de espiritualização possibilitado pela dinâmica do amor. Amar é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão.
O amor só pode acontecer em contexto de relações livres, conscientes e responsáveis. Por outras palavras, o amor nunca se impõe. Ninguém pode exigir ao outro que o ame. Como dinâmica de bem-querer, o amor nunca amadurece sob uma situação de dominação.
A liberdade cresce em contexto de amor e o amor fortalece-se em contexto de liberdade. A liberdade é a capacidade de a pessoa se relacionar amorosamente com os outros e de interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos. A liberdade emerge a partir do amor, o qual facilita a emergência do melhor que existe em nós e naqueles com quem nos relacionamos. A pessoa não nasce livre, mas com a possibilidade de o ser.
É importante não confundir liberdade com livre arbítrio. Este não é a liberdade, mas a possibilidade de a pessoa ser livre. Na verdade, o livre arbítrio é a capacidade psíquica de optar, condição para a pessoa se tornar livre. Como capacidade psíquica de optar, o livre arbítrio pode orientar-se no sentido do bem ou do mal. A pessoa torna-se livre na medida em que opta pelo bem.
A liberdade, portanto, está para lá do livre arbítrio. De facto, Deus é infinitamente livre e, no entanto, não tem livre arbítrio, pois não pode optar pelo mal. Não cresce como pessoa quem decide agir contra o amor. Deus não pode optar contra o amor, pois como diz a Primeira Carta de São João, “Deus é Amor” (1 Jo 4, 7). A pessoa que se abre ao amor torna-se ponto de encontro único, original e irrepetível na Comunhão Universal da Família de Deus.
3-A Pessoa Como Ser Histórico
Por se tratar de um ser em realização histórica, a pessoa humana, para se dizer, tem de contar uma história. Sem deixar de ser quem é, a pessoa humana, à medida que se realiza, vai sendo sempre de maneira nova. No processo da realização pessoal o passado não desaparece nem deixa em paz e sossego.
Por outras palavras, o passado de uma pessoa está sempre a vir ao de cima, tanto para facilitar a sua realização pessoal, como para a dificultar. Se nos estamos a construir na história, isso significa que estamos a realizar no tempo o que seremos eternamente. Por outras palavras, o que fazemos hoje está relacionado com o resto da nossa história e até com a nossa vida eterna. Com efeito, o que fazemos hoje está mais ou menos condicionado pelo que fizemos no passado. Mas o que fazemos hoje de modo consciente, livre e responsável torna diferente a nossa vida de amanhã.
Mais uma vez nos surge o amor aparece como critério fundamental para a realização humana. A nossa identidade no Reino de Deus é igual ao jeito que tivermos de nos relacionar e comungar com os outros. Na comunhão universal do Reino de Deus todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que tiver treinado enquanto viveu na história.
É agora o tempo de construirmos aquilo que seremos para sempre. Na verdade, a Vida eterna emerge na História. Amar ou não amar é uma decisão que tem a ver com o sucesso ou o fracasso da realização pessoal. Agora já podemos compreender a razão pela qual Jesus apenas nos deixou o mandamento do amor: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos ameis. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos” (Jo 15, 12-13).
A nossa identidade na comunhão do Reino de Deus é, portanto, o nosso jeito de amar. Por outras palavras, no Céu não há diferença de classes, pois a pessoa vale pelo que é e não pelo que tem. Mas há diferenças pessoais no que se refere à densidade espiritual e capacidade de interagir amorosamente com os outros.
Isto quer dizer, como já vimos, que a pessoa tem nas suas mãos a possibilidade de decidir e realizar o que quer ser eternamente. Como podemos ver, a finalidade da nossa existência na História não é apenas prolongar o mais possível a nossa vida mortal, mas edificar a Vida Eterna. É por esta razão que a vida de uma pessoa se torna tanto mais pesada quanto mais vazia estiver de amor.
4-Amar ou Não Amar é a Grande Questão
Eis o retrato da pessoa que passou a vida dizendo não ao amor: Nada, no seu íntimo, está verdadeiramente estruturado. Nada é autêntico ou genuíno. Tudo o que comunica está desfocado. Nada é firme e sólido. Nada do que fez valeu a pena ter sido feito. Nada de verdadeiramente belo aconteceu naquela existência. Não existe no seu íntimo uma capacidade de amar solidamente edificada.
Podemos perguntar-nos: será que valeu a pena ter vivido se, de facto, viveu uma existência vazia de amor? Pelo contrário, a pessoa que foi gastando a sua vida pelas causas do amor, não a perdeu. Pelo contrário, emergiu como pessoa livres, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.
Esta pessoa está a preparar uma participação magnífica na plenitude da comunhão da Família de Deus. O coração desta comunhão é Cristo. Nele, o divino enxertou-se no humano para que este fosse divinizado. A divinização da pessoa humana consiste, pois, na sua incorporação na comunhão da família divina.
A plenitude do Reino de Deus é para os cristãos uma promessa que Deus cumprirá como cumpriu todas as outras que foi fazendo ao longo da História. Isto quer dizer que Deus é a plenitude do Homem enquanto comunhão orgânica universal. Como sabemos, a Divindade é uma comunhão orgânica infinitamente perfeita. Por seu lado, a Humanidade está também a construir-se como comunhão orgânica.
Graças ao mistério da Encarnação, Cristo tornou-se o ponto de encontro da comunhão humano-divina do Reino de Deus. A pessoa só está inteira se estiver em comunhão. Reduzida a si, está em estado de fracasso. Nascemos talhados para a relação amorosa. Somos, de facto, imagens de Deus e apenas na comunhão com Deus podemos atingir a nossa plenitude.
5-A Dignidade da Pessoa
A dignidade da pessoa começa no facto de não nascer determinada. Nasce com um leque de talentos que lhe possibilitam uma diversidade enorme de opções, escolhas, decisões e compromissos de vida. A dignidade da pessoa está, portanto, no facto de estar chamada a ser autora de si própria. Radica, também, no facto de ser semelhante ao próprio Deus. Situada em contexto de comunhão amorosa, a pessoa humana, é proporcional à Divindade.
Pela sua condição pessoal, o ser humano liga-se à transcendência Divina. A vida pessoal foi primeiro. Com efeito, no princípio, Só existia Deus, três pessoas em Comunhão amorosa. O Universo ainda não era. Não se tinha iniciado ainda a génese, Das galáxias, das estrelas, dos planetas, dos asteróides ou dos cometas e já existia uma comunhão familiar amorosa.
A vida pessoal tem densidade espiritual. Isto quer dizer que o Espírito e o Amor estão primeiro. A génese cósmica foi iniciada pelo desejo criador de Deus. A Divindade é Amor. Por isso é vida em plenitude. Antes da explosão primordial dar início à gestação do Universo, já existia o Amor. Ainda a Terra não girava à volta do Sol. O Céu não era azul e a luz do dia ainda não existia. Mas já existiam pessoas em comunhão amorosa.
A vida pessoal está primeiro. E nunca há-de terminar, pois tem densidade espiritual. Ainda não havia pios, urros, balidos, guinchos ou uivos sonoros. Não existia o espaço faminto de tempo, mas já existiam pessoas em relações. A comunhão de pessoas é o começo e o fim, o Alfa e o Ómega ou plenitude da Criação.
Sem densidade pessoal não existe vida imortal. Só a vida pessoal tem densidade de vida eterna. A vida pessoal ou é divina ou é proporcional à Divindade. Com o aparecimento de seres pessoais a nível da Criação, esta atinge o limiar da vida irreversível. A pessoa é a cúpula da Criação.
O crescimento da vida pessoal não é uma questão de quantidade. Não se mede ao quilo, nem é questão de volume. Não se mede ao metro, nem se analisa pelo método das superfícies. Só se pode valorizar pela qualidade do seu jeito de se relacionar.
A pessoa em realização caminha para a perfeita reciprocidade. Possui-se na medida em que se dá. A plenitude de uma pessoa não está em si, mas na comunhão amorosa. Ao dar-se não se perde. Pelo contrário, encontra-se mais plenamente. O eu pessoal-espiritual, por ser livre, não emerge necessariamente. Não é uma fatalidade ou destino. Não acontece de modo espontâneo.
A realização pessoal é uma tarefa de amor. É um processo histórico. Emerge como novidade constante. Deus é novidade constante no interior de Si mesmo. A Divindade nunca se repete no jeito de ser Pai e Filho no Espírito Santo. O Amor é sempre novo. Eis a razão pela qual Deus nunca é repetição. O Pai e o Filho, encontram-se como novidade permanente no Espírito Santo: “ O que estava sentado no trono disse: ‘Eu renovo todas as coisas (...). Disse ainda: ‘Eu sou o Alfa e o Ómega, O princípio e o fim (Apc 21, 5-6).
Os seres pessoais pertencem à cúpula da Vida. Na verdade, O eu pessoal, não vem de fora para dentro. Emerge no interior do Eu individual. Não nascemos como almas feitas. Pelo contrário, somos pessoas em processo de espiritualização. A nível pessoal, a vida atinge a imortalidade. Mas só se torna sucesso eterno, mediante a assunção e incorporação na Comunhão Universal cujo coração é Cristo. O crescimento pessoal só acontece através de opções, escolhas, decisões e compromissos. A pessoa faz-se, fazendo. Realiza-se, realizando. Constrói-se, construindo...
6-Deus Como Plenitude do Homem
A emergência pessoal é o coração do processo de humanização cuja lei é: Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a Comunhão Universal. O estado de perdição, isto é, o malogro total é a pessoa enroscada sobre si sem possibilidades de encontro e comunhão com as outras pessoas.
No estado de perdição, a pessoa, não consegue de perceber um movimento de amor e bem-querer. Não tem sabedoria para saborear, um gesto de partilha ou reciprocidade amorosa. O egoísmo é uma força capaz de enroscar a pessoa sobre si mesma, como se de um parafuso se tratasse. Este auto enroscamento acontece de modo gradual e progressivo, destruindo todos os elos de relação amorosa.
A pessoa é autora da sua realização pessoal. Ninguém a pode substituir ou colocar-se em seu lugar. Eis a raiz do mistério da dignidade pessoal. A transcendência humana encontra-se em plenitude na transcendência Divina. A pessoa humana é assumida na intimidade familiar de Deus.
O Criador imprimiu na génese do Universo a semente da vida pessoal. O barro amassado, recebe o beijo do criador. O hálito da vida passa de Deus para o Homem e este torna-se barro com coração. A dignidade do Homem em construção consiste em ser autor de si mesmo. Não pode ser substituído por Deus nem pelos outros seres humanos.
Pela fidelidade aos chamamentos do Amor, a vida pessoal-espiritual dilata-se na nossa interioridade, capacitando-nos para a Comunhão Universal. Para isso nos vai dotando de novos elos e possibilidades de participação no mistério do Reino de Deus, que é a festa da vida plena. Deste modo a génese da humanização culmina no dom da divinização. É este o mistério da salvação em Cristo.
b)O Homem e a Mulher, Dois Jeitos de Ser Pessoa
1-Homem e Mulher, Deus os Criou
A Humanidade é um rosto com duas faces: a face masculina e a feminina. Deus é um mistério de relações interpessoais. Deus é uma comunhão trinitária, onde cada pessoa realiza a sua realidade pessoal de modo único, original e irrepetível. Ao criar o Homem à Sua imagem e semelhança, Deus não podia deixar de o criar como conjunto de pessoas abertas talhadas para as relações de amor.
Os seres humanos são, de facto, pessoas estruturadas para o encontro e a comunhão. A semelhança principal entre Deus e o Homem radica no facto de a Divindade ser pessoas e a Humanidade também. Uma pessoa sozinha não se encontra em realização e, por esse mesmo facto, não pode estar em plenitude.
Como ser sexuado, a pessoa humana está talhada para a relação, onde a comunhão acontecerá como interacção de diferenças. A sexualidade humana é uma condição básica para a realização e amadurecimento humano. O Deus Comunhão cria o Homem (varão e mulher) para o encontro. Eis o que diz o Livro do Génesis no relato da criação do Homem: “Deus criou o Homem à Sua imagem e semelhança, varão e mulher os criou” (Gn 1, 27).
Encontramo-nos no mundo com uma condição sexual que não escolhemos. No entanto, a nossa sexualidade é uma realidade inacabada. É fundamental que nos identifiquemos com ela, pois só deste modo podemos atingir a nossa realização. Somos seres sexuados. Todas as nossas relações são sexuadas, o que não deve confundir-se com sexuais.
É sempre como varão ou mulher que nos relacionamos com os outros. Diferenciada não implica melhor ou pior; apenas diferente. A relação do pai com a filha é diferente da relação do pai com o filho. Mas isto não significa melhor ou pior. O mesmo se passa com a relação da mãe com o filho ou a filha.
Há homens e mulheres que, apesar de não terem procriado, tiveram uma vida extraordinariamente fecunda, gerando espiritualmente filhos e filhas que vão ser fermento de humanização da história. São pais e mães no sentido mais profundo da palavra. Apesar de não terem procriado, a sua vida foi fecunda.
O varão e a mulher são absolutamente iguais em dignidade, apesar disto nem sempre ser reconhecido a nível profissional ou social. O homem e a mulher são ambos pessoas com o que isso implica de dignidade. É na harmonia de homem e mulher que a Humanidade está a emergir como imagem de Deus. Criando a mulher, Deus está a fazer emergir o amor em ondas de dom e ternura. Criando o varão, faz emergir o amor em ondas de bem-querer, coragem e firmeza. A Face feminina confere ao amor o colorido da tolerância e do perdão. A face masculina, por seu lado, exprime o sentido e a firmeza que é preciso manter face aos grandes valores da humanização, os quais não se podem ser postos em causa.
Criando a mulher, Deus demonstrou entender de ternura. Por isso modelou o coração maternal. Criando o varão, demonstrou ser o Deus de uma Aliança assente na firmeza e na autoridade da Palavra. Esta Humanidade a emergir e a fluir como um rio com duas margens, dirige-se em direcção ao Oceano Infinito da Comunhão Familiar da Santíssima Trindade.
Somos imagens de Deus. Isto significa que não fomos feitos para estar sós. De facto, ninguém vê directamente o seu rosto, mas apenas o rosto dos outros. Fomos talhados para o face a face. Nesta nossa condição de seres abertos ao outro a condição de seres sexuados tem uma importância fundamental. A pessoa que se fecha em si, negando a dimensão básica da abertura ao outro estrutura-se como um parafuso enroscado sobre si mesmo e, portanto, incapaz de atingir a plenitude da Comunhão Universal do Reino de Deus.
O coração da Comunhão Universal do Reino de Deus é a própria comunhão da Santíssima Trindade. De facto a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade amorosa. Reduzida a si, a pessoa está em estado de perdição. O estado de inferno é exactamente a situação da pessoa que se fechou em si mesma.
No estado de malogro ou perdição, a pessoa não tem ninguém que lhe diga: “Gosto de ti”. Dá-me a tua mão e vamos fazer uma festa. Deus é o contrário do estado de inferno, pois é uma comunhão infinitamente perfeita de três pessoas. Deus é amor, diz a Primeira Carta de São João. Ora, o amor é o contrário da solidão total das pessoas que, porventura se encontrem em estado de inferno.
2-Colaboradores de Deus na Obra da Criação
As pessoas humanas são seres em construção. Podemos dizer que Deus não nos criou. Começou a criar-nos e não completa a obra sem nós tomarmos parte na nossa própria criação. Por outras palavras, Deus começou a criar-nos, está-nos criando e continuará a criar, mas não sem a nossa colaboração.
O Homem pertence à cúpula personalizada da Criação. O Cosmos não é uma pessoa ou um conjunto de pessoas. Mas a Humanidade está a emergir no concreto de cada pessoa e a convergir para uma comunhão Universal. Hoje estamos nós de turno na edificação da Humanidade. Muitos outros já estiveram e, não destruirmos a terra bonita que Deus nos deu muitas outras pessoas podem continuar depois de nós a edificar a Humanidade.
Como vemos cada geração tem o dever de conservar a terra, a fim de a entregar às gerações futuras. Na verdade, nenhuma geração é o dono absoluto da terra que Deus deu à Humanidade. Esta tarefa está tanto nas mãos dos homens como das mulheres. Estamos todos chamados a edificar uma união orgânica e dinâmica cuja cabeça é Cristo. Ele mesmo se chamou a cepa da videira da qual nós somos os ramos (Jo 15, 1-8).
Com esta imagem bonita, Jesus queria significar que as pessoas humanas não são ilhas e que na comunhão orgânica universal os homens e as mulheres têm exactamente o mesmo valor. O Livro do Génesis diz que Deus, ao criar o Homem fê-lo emergir do barro através de uma intervenção especial: Depois de o barro estar amassado, Deus debruçou-se para lhe dar um beijo. Nesse momento, o hálito de Deus passou par o interior do barro, fazendo que o Homem se tornasse um ser vivente (Gn 2, 7).
O hálito da vida é, naturalmente o Espírito Santo, a ternura maternal de Deus que vai ajudando o Homem a nascer. Com esta imagem bonita, a bíblia que dizer que o impulso primordial para a marcha da humanização foi iniciado pelo próprio Deus. O hálito da vida, isto é, o Espírito Santo, fez que o Homem se tornasse barro com coração.
Barro com coração é o ser humano possuidor de uma interioridade espiritual e capaz de amar. Barro com coração é o marido que se esforça para que não falte o essencial lá em casa. Barro com coração é a esposa que se esforça para que não falte o apoio afectivo ao marido.
Barro com coração é a mãe que, após um dia de trabalho, ainda arranja tempo para preparar uns miminhos para os filhos. Barro com coração é o jovem que é capaz de correr riscos para defender os valores que reconhece como essenciais, mesmo que à sua volta esses valores sejam desprezados.
Barro com coração é a jovem que procura agir de acordo com o que lhe parece certo e justo. Barro com coração é o adolescente capaz de ser diferente, mesmo que isso, por vezes, o torne menos popular. Barro com coração é a pessoa humana que procura tratar os outros como deseja ser tratado por eles. Barro com coração é a pessoa que decide falar com alguém que lhe parece estar muito necessitado de desabafar. Barro com coração é o jovem consciente que se mantém firme nas suas opiniões e não anda simplesmente ao sabor das opiniões dos outros.
Ao criar o Homem, diz a Bíblia, Deus criou-os varão e mulher. O Livro do Génesis diz que Adão começou logo a conviver pacificamente com os animais. Mas Adão não falava. Foi então que Deus decidiu dar-lha uma companheira igual. Ao ver Eva, Adão deu um grito de alegria e começou a falar.
Eis as palavras do Livro do Génesis: “O Senhor Deus disse: “Não é conveniente que o homem esteja só. Vamos dar-lhe um auxiliar semelhante a ele” (Gn 2, 18-19). Em seguida, o Livro Génesis descreve as palavras de exultação de Adão ao ver Eva: “Então o homem exclamou: Este é realmente o osso dos meus ossos, a carne da minha carne. Chamar-se à mulher, pois foi tirada do homem. Eis o motivo pelo qual o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e os dois farão uma só carne” (Gn 2, 23-24).
O homem e a mulher de tal modo estão talhados um para o outro que é como se a mulher fosse arrancada do peito do homem e este arrancado do seio da mulher. Como seres semelhantes a Deus, o homem e a mulher são seres criadores. Na verdade eles são capazes de fazer que o novo aconteça e que surjam realidades e projectos que antes não existiam.
Como seres criadores, o homem e a mulher são realmente cooperadores de Deus na obra da Criação. Eis a razão pela qual Deus encontra condições para fazer uma aliança com eles. Mas Deus não criou o homem e a mulher como seres acabados. Para se realizarem como pessoas livres, conscientes e responsáveis, o homem e a mulher têm de tomar parte na sua realização.
De facto, Deus não mandou Adão realizar-se como um sujeito isolado, mas como uma união orgânica. Eis as palavras do Génesis: “Abençoando-os, Deus disse: “crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra” (Gin 1, 28) ”. Portanto, é como varão e mulher que Deus os chama a colaborar na obra da Criação.
Como imagem de Deus, a Humanidade constitui-se com seres pessoais. Por serem pessoas os seres humanos são criadores. De facto, a pessoa humana é capaz de fazer acontecer coisas que antes não existiam. Ao fazer acontecer o novo, o Homem pode ser colaborador de Deus na obra da Criação.
Por isso Deus encontrou logo em Adão condições para fazer uma Aliança. O Senhor confiou-lhe de imediato a missão de colaborar na Sua obra, constituindo-o cabeça da Criação. O Livro do Génesis descreve esta primazia do Homem dizendo que o Senhor Deus lhe deu as plantas, as árvores de fruto, os animais dos campos e as aves do céu (Gn 1, 29-30).
Mas Deus não criou o Homem acabado, a fim deste se realizar como pessoa livre, consciente e responsável. Eis a razão pela qual ele tem de tomar par na sua própria criação. E o Senhor manda-o realizar-se, não apenas como pessoa singular, mas como espécie, onde o homem e a mulher ocupam uma papel igual: “Abençoando-os, Deus disse: “crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra” (Gn 1, 28).
É como varão e mulher que o Homem está chamado a colaborar na Criação do Universo e da Humanidade. Para isso, cada um deles conta com um leque de talentos à partida. É como varão e mulher que Deus chama os seres humanos a construir famílias felizes, sociedades cada mais humanizadas e a respeitar a Terra que nos foi dada como morada.
Se a não cuidarmos, em vez de lugar de vida, esta converter-se-á em lugar de morte: Os rios deixarão de ter água limpa, o ar que respiramos tornar-se-á cada vez de pior qualidade, e se abrirmos buracos na camada de ozono, virão radiações capazes de destruir todos os seres vivos.
O homem e a mulher nascem chamados a realizar esta tarefa fundamental que Deus nos deu a todos. A pessoa humana não nasce feita, a fim de se poder realizar e, deste modo, contribuir para a construção da vida, da Humanidade e da terra em que habitamos. Não nos podemos esquecer de que a pessoa faz-se, fazendo, realiza-se, realizando. É esta a nossa vocação fundamental, a qual constitui o alicerce da nossa dignidade de pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de comunhão amorosa. A pessoa faz-se, fazendo; realiza-se, realizando. É nesta possibilidade de nos construirmos que está a nossa grandeza e dignidade.
c)Sensatez e Maturidade Pessoal
1-Realização Pessoal e Vida Programada
A vida cristã edifica-se sobre a vida humana. Por outras palavras, não pode haver maturidade cristã sem maturidade humana. A vida cristã é uma optimização da vida humana. Esta optimização acontece graças à acção do Espírito Santo em nós. Com o seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo o Espírito Santo actua em nós sem se impor.
Na verdade, o amor nunca se impõe, mas propõe-se sempre. São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5). Isto que dizer que a força amorosa e criadora e renovadora de Deus actuam e circula em nós na medida em que nos habituamos a contar com ele e a programar a vida com ele.
Eis as palavras de Jesus: “Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é comparado a um homem sábio que construiu a sua casa sobre a rocha” (Mt.7,24; Lc.6,47-49). É importante termos presente que o crescimento da vida cristã não acontece por acidente. Pelo contrário, pressupõe o bom uso do tempo, das energias, a meditação da Palavra de Deus e a abertura ao Espírito Santo que nos habita.
À medida que cresce na vida cristã, o crente começa a eliminar tarefas e actividades supérfluas. Ao centrar-se na simplificação da própria vida, a pessoa começa a poupar tempo e energia para o poder aplicar no trabalho de que gosta e o objectivo que quer atingir. Jesus faz propostas neste sentido. Eis o que ele diz no evangelho de São Marcos: “Vigiai, pois não sabeis quando o Senhor da casa voltará: à tarde, à meia-noite, ao canto do galo, ou de manhã, para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo” (Mc.13,35-36).
A realização pessoal é tanto mais plena quanto mais resultar de uma vida programada em função de um objectivo bem elaborado e decidido. Esta simplificação em função de uma melhor qualidade de vida implica rever o modo como ocupamos o tempo, o modo de gastar o dinheiro e olhar o modo como estamos a utilizar as nossas forças e capacidades pessoais.
A pessoa é sempre compensada pelos esforços que faz no sentido orientar as suas decisões e planos. Na verdade, uma boa realização pressupõe a criação e programação de prioridades. É fácil viver deixando-se levar pelo que vier a seguir. Mas já não é tão simples fazer uma programação do tempo e actividades. Devemos remover os obstáculos que se colocam no caminho das prioridades por nós decididas.
É importante saber gerir de modo sensato a nossa vida, a fim de não andarmos ansiosos e inseguros. Devemos treinar-nos no sentido de eliminar tudo o que nos distrai e desvia dos objectivos que nos propomos atingir. Se ainda não demos o primeiro passo neste sentido, devemos tomar consciência de que hoje é o melhor dia para começar. Eis a chamada de atenção que Jesus nos faz no evangelho de São Lucas: “Muito bem, servo fiel. Uma vez que te apresentaste fiel no pouco, vai receber o governo de dez cidades” (cf. Lc.19,18-19).
2-Crescimento Pessoal e Capacidade de Perdoar
Enquanto uma pessoa sente ódio ou ira por alguém não consegue ter paz interior. Quando isto acontece, a nossa inteligência fica obscurecida e o nosso coração gera negativismo. Esta situação gera uma quantidade enorme de bloqueios à circulação do da paz interior e do dinamismo criador de Deus em nós.
Nestas circunstâncias não conseguimos caminhar calmamente nem cultivar uma verdadeira serenidade. Não nos devemos esquecer de que as emoções negativas fluem e são contagiosas, isto é, as anteriores afectam as seguintes, mesmo que não estejam directamente ligadas entre si.
Quando nos sentirmos agressivos e com raiva devemos fazer-nos algumas perguntas deste tipo: Qual a razão desta minha agressividade? Estou irritado contra uma pessoa das minhas relações ou esta agressividade está orientada contra mim? Fui insultado, julgado injustamente ou rebaixado?
Não nos esqueçamos de que, ao odiar ou detestar alguém, os mais prejudicados por isso somos nós. É esta a razão pela qual Jesus nos mandou rezar pelos inimigos. Fazendo isto, a pessoa começa a sentir-se de modo gradual e progressivo mais liberta do remoinho que a faz girar à volta desse sentimento negativo e a vai desgastando e depauperando as suas capacidades criadoras.
As nuvens de raiva e ódio que escurecem o nosso coração só podem ser diluídas através de um plano de perdoar. Uma maneira de caminhar de modo seguro em direcção ao perdão é procurar o perdão daqueles a quem fizemos mal.
Esta procura de perdão pode ser feita em casa e em silêncio. Lembremo-nos de algumas das nossas atitudes que tenham magoado outras pessoas. Este exercício tem a finalidade de nos ajudar um passo na meta que nos propomos: perdoar às pessoas que nos magoaram. Por vezes acontece que, ao fazer este exercício a pessoa exclama: “Perdoo a todos os que me ofenderam, intencionalmente ou não. Se nesses momentos nos lembrarmos de alguma pessoa que nos tenha magoado muito podemos dizer: “perdoo-te”.
Não nos esquecemos de nos perdoar a nós próprios. É importante que a pessoa perdoe os males que fez a si mesma: Quantas atitudes erradas. Quantos Comportamentos prejudiciais para nós. Procuremos tomar consciência das consequências nefastas que estes males nos provocaram. Depois, de modo sereno e saboreando a alegria da paz interior digamos: perdoo os males que me fiz a mim mesmo. Muitas vezes a dificuldade em pedir perdão às pessoas ou perdoar aos que nos ofenderam, radica no facto de não nos termos perdoado os males que fizemos a nós mesmos.
3-Bondade e Crescimento Humano
As primeiras experiências de gentileza que foram registadas na nossa mente são as vivências da ternura que recebemos dos nossos pais. Estas experiências são arquivadas no nosso inconsciente, mas continuam a funcionar como moldes de dar e receber ternura. Quando uma mãe acaricia um filho está a dar-lhe a possibilidade de se tornar uma pessoa amável e sensível no trato com os outros.
Não nos esqueçamos de que a criança que foi bem-amada está capacitada para amar bem. A lei do amor é esta: “Ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado e a pessoa mal-amada ficará a amar mal, isto é, com bloqueios, tropeções e cabeçadas. Se tivermos presente este princípio não será difícil entender a importância da ternura e da amabilidade para a realização pessoa humana.
Se em casa, no trabalho ou no convívio social tratarmos os outros com amabilidade, o normal é recebermos uma resposta amável. O maior obstáculo à bondade e amabilidade nas nossas relações é a história dos nossos traumas e humilhações., os quais estão sempre na base das nossas agressividades e reacções desproporcionadas aos factos que lhe deram origem.
Quando nos descontrolamos tendemos sempre a culpar os outros. É muito possível que os culpados sejam de facto os outros, mas não aqueles contra os quais estamos a enviar setas de raiva e ódio. Na verdade, o mal amado ama mal, mesmo quando dá o melhor de si. Se tomarmos consciência deste facto, muitas das agressividades armazenadas no nosso inconsciente, acabam por ir perdendo força.
Como acabamos de ver, muitas das nossas reacções desproporcionadas brotam de experiências dolorosas do passado e que ficaram arquivadas no nosso inconsciente. Se olharmos atentamente para a nossa história passada, não nos será é difícil verificar como a vida foi mais agradável para nós nos momentos em que fomos amáveis com os outros. Não tenhamos dúvidas de que a vida será mais alegre e feliz se procurarmos ser amáveis nas nossas relações com os outros.
A vida cristã imprime uma dinâmica nova às relações. Viver como cristão é muito mais que passar uma hora por semana na Igreja. A vida cristã é uma vivência do baptismo no Espírito, isto é, viver a vida em dinâmica de pentecostes. É um engano pensar que a felicidade chega depois de termos conseguido um bem material, um estatuto profissional ou uma riqueza significativa.
A experiência diz-nos que, logo que atingimos uma meta ou obtemos uma coisa, logo queremos outra a seguir e assim indefinidamente. Como sabemos, a felicidade conseguida através de coisas que vamos obtendo é fugaz. Ao satisfazermos um desejo logo outro surge a perturbar a nossa paz e felicidade. O amor, pelo contrário, vira-se para o bem do outro, valorizando os seus sucessos e realizações.
Na Carta aos Gálatas, São Paulo aconselha os crentes a fazerem o bem a todos, pois este é o caminho para atingirmos não apenas a maturidade humana como também a perfeição cristã (Gal 6,10). A bondade verdadeira não é uma atitude espontânea. É fruto de uma opção consciente e livre precedida de uma inspiração e apelo do Espírito Santo. Os que praticam a bondade são filhos da luz, diz a Carta aos Efésios: “Andai como filhos da luz, pois o fruto da luz consiste na bondade, justiça e verdade” (Ef 5,8-9).
d)A Arte de Ser e Crescer Como Pessoa
1-Chamados a Ser e a Crescer
Como pessoas em construção, os seres humanos foram criados para se criarem. A nossa vocação fundamental na História não se reduz apenas prolongar a vida mortal, mas construir a vida imortal. Nascemos como seres hominizados, isto é, estruturados e capacitados para nos construirmos como pessoas.
O processo histórico da nossa estruturação pessoal é precisamente a tarefa da humanização. A humanização do ser humano é a condição para podermos tomar parte na Comunhão Universal da Família de Deus. A Lei da humanização é esta: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal”.
Isto quer dizer que a nossa humanização é, de facto, a primeira de todas as vocações. Falhar neste projecto é malograr a nossa razão de ser na História. Jesus interpelava as pessoas no sentido de estas serem fieis aos seus talentos, pois a participação na plenitude da vida depende da fidelidade aos talentos. Ser fiel aos talentos, portanto, significa realizar o melhor das suas possibilidades de humanização (Mt 25, 14-30; cf. Lc 19, 12-27).
Na verdade, a base da divinização do homem é a sua própria humanização. Por outras palavras, as pessoas humanas terão uma interacção orgânica tanto mais profunda com as pessoas divinas quanto mais longe chegarem na tarefa histórica da sua humanização. Podemos dizer que o processo da humanização capacita a pessoa para acolher os outros como irmãos, condição essencial para comungar na Família Divina.
2-Transfigurados Com Cristo
Jesus é o alicerce da Nova Humanidade. Ele é o fundamento da Nova Criação. Nele a Humanidade foi reconciliada com Deus, pois Deus já não leva mais em conta os pecados dos homens (2 Cor 5, 17-19). A Carta aos Efésios, diz que Jesus destruiu os muros estreitos do moralismo e do dogmatismo, a fim de poder acontecer a verdadeira humanização do Homem.
A plena humanização do Homem só pode acontecer na medida que os seres humanos aprendam a criar condições para a fraternidade e a comunhão entre os homens de todas as raças, línguas, povos e nações. É este o caminho para construir o Homem Novo, diz a Carta aos Efésios (Ef 2, 14-16).
O processo de amadurecimento e humanização do Homem não pode acontecer sem a intervenção sempre presente do Espírito Santo na vida das pessoas. Mas isto não é problema, pois o Espírito Santo faz do coração das pessoas, diz a Primeira Carta aos Coríntios um templo onde habita de modo permanente (1 Cor 3, 16-17).
Eis alguns sinais que indicam que está a acontecer crescimento e humanização da pessoa: À medida que se humaniza, a pessoa torna-se humilde e verdadeira. A humildade é a capacidade de se relacionar com os outros numa linha de verdade, sabendo situar-se no convívio com os demais de modo correcto e adequado.
Ser humilde é ser verdadeiro em relação a si e aos outros, aceitando que a pessoa, para se realizar, precisa dos outros. Com efeito, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. A pessoa que se humaniza começa a comunicar cada vez mais numa linha de verdade e amor.
3-A Arte de Crescer Como Pessoa
O Ser humano não pode humanizar-se sem os outros. É verdade que os demais não nos podem, substituir na tarefa da nossa realização, mas a pessoa só pode personalizar-se em dinâmica de relações fraternas. As pessoas demasiado enredadas no seu egoísmo tornam-se incapazes de sintonizar e comungar com os outros.
À medida que se humaniza, a pessoa torna-se capaz de reconhecer os seus erros. Além disso, sabe que apenas o amor pode curar as feridas que o pecado abriu no seu coração e no coração dos irmãos. À medida que cresce na capacidade de se relacionar de modo fraterno, a pessoa deixa de estar sempre a deitar para cima dos outros as culpas dos seus erros e fracassos.
A pessoa que está sempre a criticar não cresceu muito em humanização. Estas pessoas, no fundo, estão a fugir de si e, muitas vezes, a projectar os próprios defeitos nos irmãos. À medida que se humaniza, a pessoa procura fazer da amabilidade e da serenidade o modo de se aproximar dos demais. Mas isto não significa que não seja forte e firme quando estão em causa valores fundamentais. Procedendo assim, a pessoa está a preparar o seu coração para receber a bênção prometida por Jesus aos mansos, quando disse que estes possuirão a terra (Mt 5, 5).
Podemos dizer que a amabilidade é a arte de desmontar as setas da agressividade com que os outros pretendem magoar-nos ou destruir-nos. À medida que cresce como pessoa, o ser humano adquire a sabedoria que o capacita para dar a primazia ao outro, evitando relacionar-se sempre numa atitude de competição.
A pessoa amadurecida tem a sabedoria necessária para discernir sobre os momentos oportunos para falar e as ocasiões em que é melhor calar e escutar. É um excelente sinal de maturidade e crescimento humano evitar discussões inúteis que só servem para exaltar os ânimos. É um excelente sinal de sabedoria e humanização saber reconhecer quando o outro tem razão. A pessoa sábia procura pôr a sua inteligência e vontade ao serviço do amor.
Além disso, tem consciência de que, ao romper com o amor, está a romper com Deus, pois Deus é amor, como diz a Primeira Carta de São João (1 Jo 4, 7-8; 16). É verdade que, ao romper com Deus, não estamos a impedir que ele continue a amar-nos, pois o amor de Deus é incondicional. Mas temos de ter consciência de que, apesar de não conseguirmos impedir que Deus nos ame, podemos impedir a comunhão ele. De facto, a comunhão assenta na reciprocidade amorosa e não num amor unidireccional. Por outras palavras, o amor pode ter uma só direcção, mas a comunhão só pode acontecer quando o amor acontece em dinâmica de reciprocidade.
4-A Caminho do Encontro em Plenitude
A pessoa humana só pode crescer e no processo da sua humanização na medida que faça do amor a rocha firme para edificar a sua casa. Por outras palavras, a humanização não acontece quando a pessoa falseia a realidade do amor pretendendo, por exemplo, amar a Deus, mas ignorando o amor aos irmãos.
A bíblia une sempre o amor a Deus com o amor aos irmãos. À medida que se humaniza, a pessoa começa a aceitar que a pessoa do outro possa emergir na sua condição de pessoa única, original e irrepetível. Isto significa que a pessoa amadurecida sabe aceitar a novidade e a diferença que constitui a identidade dos outros.
Começa a ser capaz de aceitar as pessoas por elas serem o que são e não por fazerem o que ela gostaria que eles fizessem. Quanto mais a pessoa se humaniza mais procura comunicar numa linha de verdade e autenticidade. No trato com os irmãos, a pessoa amadurecida não está com a seta dos interesses sempre virada para si. Além disso cultiva a arte da partilha, procurando ajudar os outros não apenas com os seus teres, mas também com o seu ser e o seu saber.
Quanto maior é a maturidade de uma pessoa, mais esta sabe valorizar os demais, vendo neles uma dádiva que lhe possibilitam uma melhor realização. Com efeito, as outras pessoas são mediações que Deus nos concede para nos podermos realizar.
A pessoa amadurecida tem consciência de que a sua realização e felicidade, depende do modo como vive as relações com os outros. A nossa fé ensina-nos que a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. É esta a razão pela qual Deus é um só por ser uma só comunhão de três pessoas. Por outras palavras, o Uno em Deus é a Comunhão. O plural é constituído por três pessoas, as quais encontram a sua plenitude na Comunhão Trinitária. Na verdade, nós somos incorporados na Família de Deus enquanto membros de uma união orgânica e dinâmica cujo coração é Cristo.
5-A Convergência Universal
Isto quer dizer que o ser humano não é incorporado de modo isolado na Família Divina. Jesus explicou isto de modo muito claro com a imagem da videira, dizendo que ele é a cepa da videira da qual nós somos os ramos. Nós apenas participamos da comunhão familiar de Deus na medida em que estejamos organicamente unidos à cepa. Quanto mais humanizada estiver uma pessoa menos trem a pretensão de ser a medida dos outros. Por isso também se sente agradecida para com os demais sempre que estes a aceitam na sua originalidade e diferença.
A pessoa que passa a vida a tentar manipular e controlar os outros nunca conseguirá atingir uma grande maturidade e uma verdadeira profundidade pessoal. A pessoa que tenta impedir a originalidade dos outros está a impedir que a Humanidade possa emergir nessas pessoas com a sua novidade.
Na verdade, a Humanidade não existe em abstracto, mas está a emergir de modo único, original e irrepetível no concreto da cada ser humano. Por outras palavras, o núcleo da emergência histórica da Humanidade é o coração de cada ser humano e emergir de modo livre, consciente e responsável. As pessoas que põem o amor e a fraternidade em primeiro plano são realmente, grandes arquitectos da emergência histórica da Humanidade.
Isto quer dizer que a pessoa que aceita o outro, apesar dos seus defeitos e limitações está a dar passos largos na tarefa da sua humanização. Quanto mais adulta a pessoa se torna mais compreende que é desumano alimentar ressentimentos ou planos de vingança em relação aos outros. A pessoa humanizada é uma habitação privilegiada da Sabedoria do Espírito Santo. Por isso nunca cai na tentação vil de dar coisas aos outros para os amarrar.
São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5). Noutra passagem diz que onde está o Espírito Santo aí está a liberdade: “Por nós mesmos não somos capazes de nada. A nossa capacidade vem de Deus. É Deus que nos capacita para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra, mas do Espírito Santo. Na verdade, a letra mata, mas o Espírito Santo dá-nos a vida” (2 Cor 3, 5-6). O Espírito Santo, com seu jeito maternal de amar ajuda-nos a avançar de modo seguro na arte delicada da nossa humanização, condição essencial para sermos divinizados com Cristo.
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