a) A Face Negativa da Humanidade
b) A Dinâmica Negativa do Pecado
c) Pecado e Distorção Humana
a) A Face Negativa da Humanidade
O pecado é sempre uma oposição ao amor. Como sabemos, a pessoa humana só pode humanizar-se mediante relações de amor. Pecar, portanto, é recusar-se a crescer como pessoa através de relações de fraternidade e amor. Só há pecado quando a pessoa tem a possibilidade de dizer sim e diz não às propostas do amor.
Mediante o pecado, o pecador diz não ao processo da sua realização pessoal e condiciona ou bloqueia a realização dos outros. Além disso está a inscrever ritmos negativos, isto é, forças bloqueadoras de humanização no tecido social.
Face à realidade do pecado, a pessoa pode estar em duas situações diferentes:
-Situação de vítima;
-Situação culpada.
A pessoa é vítima do pecado quando sofre as suas consequências negativas sem dele ser culpada. Quantos milhões de crianças, por exemplo, sofrem as terríveis consequências pecado sem dele serem culpadas. A outra situação é a da pessoa culpada pelo pecado na medida em que é autora do mesmo pecado.
Há ainda a situação das pessoas que actuam como pecadoras mas que, na verdade, estão agir mais como vítimas do que como culpadas. Estão neste caso as multidões de mal amados com distorções psíquicas e comportamentos compulsivos cuja origem está no facto de terem sido mal amados.
O evangelho dá provas de possuir uma grande sabedoria neste ponto, ao proibir-nos de julgar as pessoas. Com efeito, nós não temos nas mãos a história das pessoas com as marcas das experiências dolorosas de que foram vítimas. Eis a razão pela qual não estamos nunca plenamente capacitados para avaliar os traumas que perturbam a vida psíquica das pessoas e condicionam os seus comportamentos.
É verdade que os outros nos capacitam para fazermos o bem. Do mesmo modo também condicionam e limitam o nosso leque de possibilidades para fazermos o bem. A lei do amor é esta: ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado e o mal amado ama mal, mesmo quando dá o melhor de si.
O amor dos outros capacita-nos para amar. Mas as suas recusas de amor, em relação a nós, condicionam-nos, bloqueando as nossas possibilidades de amar. A lei do amor é esta: Ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado, e o mal amado ficará a amar mal, mesmo dando o melhor de si.
É, pois, o amor dos outros que nos capacita para amar. Do mesmo modo, as suas recusas de amor em relação a nós bloqueiam e limitam as nossas possibilidades de amar. Não há dúvida de que começamos por ser o que os outros fizeram de nós. Mas o mais importante é o que fazemos com as possibilidades e talentos recebidos dos demais. Isto quer dizer que as pessoas humanas não são peças de artesanato feitas série. Cada qual se encontra na vida com o leque de talentos e possibilidades que recebeu, o qual é diferente dos leque dos outros. Por outras palavras, o feixe primordial das possibilidades e condicionamentos que recebemos dos outros faz de nós, logo à partida, seres únicos, originais e irrepetíveis.
É este o sentido da parábola dos talentos de que nos fala o evangelho de São Mateus. Para significar a diferença das possibilidades de cada pessoa, a parábola diz que uns recebem cinco talentos, outros três, dois ou um (cf. Mt 25, 14-30). Ninguém é herói por receber cinco talentos. Do mesmo modo, ninguém é culpado por receber um. A heroicidade edifica-se pelo modo como a pessoa responde aos talentos que recebeu.
Em harmonia com a linguagem tradicional podemos subdividir o mistério do pecado em três categorias distintas: Pecado original, pecado mortal e pecado venial. A designação de pecado original vem de Santo Agostinho. O termo é desconhecido da Bíblia a qual fala do pecado de Adão.
A Bíblia fala do pecado de Adão, mas desconhece o termo de pecado original. Na perspectiva bíblica, o pecado de Adão é uma dinâmica negativa que actua na humanidade de modo orgânico. Por outras palavras, para a Bíblia, o pecado de Adão não é uma realidade que se transmite de modo hereditário de um sujeito para outro e de modo igual para todos. Pelo contrário, trata-se de uma força de destruição e morte que actua nas relações humanas, tornando-as violentas, geradoras de fratricídio e infidelidade a Deus (Gn 4, 8-11).
Não exageramos nada se associarmos o pecado à morte violenta ou não natural. Na verdade o pecado enquanto oposição ao amor mata sempre possíveis de realização humana, que no pecador, quer nos que são vítimas das suas recusas de amor. Mas não devemos associar deficiências físicas ou a morte natural com o acontecimento do pecado.
No evangelho de São João, Jesus é muito claro sobre este aspecto: “Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Então, os seus discípulos perguntaram-lhe: “Mestre, quem pecou para este homem ter nascido cego? Ele ou os seus pais? Jesus respondeu, nem pecou ele nem os seus pais, mas isto aconteceu para nele se manifestarem as obras de Deus” (Jo 9, 1-3).
A obra de Deus é a libertação do Homem. Por isso Jesus liberta o homem da sua cegueira (cf. Jo 9, 6-8). Segundo o Livro do Génesis, o pecado de Adão deu como fruto imediato o fratricídio de Caim, o qual matou seu irmão Abel (Gn 4, 8-16). Para São Paulo, Jesus Cristo é o oposto de Adão. Assim como pelo pecado de Adão veio a morte, assim também, por Jesus Cristo veio a vitória sobre a morte (1 Cor 15, 20-21; Rm 5, 17-19).
Adão era a cabeça da Humanidade. Quando a cabeço não tem juízo, o corpo é que paga. Na visão bíblica, o pecado de Adão é, como já vimos, uma realidade com uma dimensão orgânica. Eis a razão pela qual, com o seu pecado introduziu a Humanidade inteira no caminho do fracasso e do malogro. Segundo o relato do Génesis, Deus expulsou Adão do Paraíso (Gn 3, 23-24). Como Adão é a cabeça da Humanidade, também esta ficou sem acesso ao Paraíso.
O Novo Testamento vê Jesus Cristo como o Novo Adão. No momento da sua morte e ressurreição, Jesus abre as portas do Paraíso e a Humanidade que o precedeu entra com ele na plenitude da Vida Eterna. Eis as palavras que Jesus dirige ao Bom Ladrão no momento de morrer e ressuscitar: “Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).
A vitória sobre a infidelidade de Adão vem-nos pela fidelidade incondicional de Cristo, o segundo Adão. Jesus viveu a sua missão messiânica numa linha de total fidelidade à vontade de Deus Pai: “O meu alimento, diz Jesus no evangelho de São João, é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34). A fidelidade de Jesus, o Novo Adão, foi maior do que a infidelidade do primeiro Adão. O evangelho de São João salienta a fidelidade incondicional de Jesus dizendo: “Não procuro a minha vontade, mas a vontade de quem me enviou” (Jo 5, 30).
Com Santo Agostinho o pecado de Adão tornou-se o pecado original. Com este termo, Santo Agostinho quer dizer que o pecado de Adão é um pecado da Natureza Humana, o qual se transmite de pais para filhos em densidade e consequências para todos. A visão de Santo Agostinho distancia-se profundamente da visão bíblica, apesar de tentar transmitir a mesma verdade. Apesar de se distanciar profundamente da visão bíblica, a noção de Santo Agostinho marcou a Igreja até aos nossos dias.
A questão que se nos deve colocar neste momento é a seguinte: Qual é, afinal, a verdade que está por debaixo destas duas maneiras distintas de falar mas que, no fundo, tentavam comunicar a mesma verdade? Por detrás destas duas linguagens tão distintas há uma verdade importante que podemos sintetizar do seguinte modo: Todos nós, ainda antes de sermos pecadores, somos vítimas do pecado. Começámos por ser o que os outros fizeram de nós. Mas os outros possibilitaram-nos, mas também nos condicionaram.
Mas isto não quer dizer que nos devamos ligar à visão de Santo Agostinho, para quem os seres humano nascem todos com uma mancha igual na alma. Tal como o leque das possibilidades (os talentos) diverge de uma pessoa para outra, assim também acontece com o leque dos condicionamentos. Tanto em relação ao bem que receberam dos outros e os possibilitaram, como em relação aos mal com que os outros os condicionaram cada ser humano é único, original e irrepetível. Na verdade, as pessoas não são peças de máquinas feitas em série.
A tradição sempre entendeu que os seres humanos, em relação ao pecado original, eram vítimas e não culpados. Ser vítima do pecado significa sofrer as suas consequências do pecado, apesar dele não ser culpada. Quanto ao pecado venial, a linguagem tradicional sempre afirmou que se trata de um pecado leve, do qual o seu autor é culpado.
Por outro lado, este pecado, por não envolver matéria grave, empobrece mas não impede a comunhão com Deus e a salvação. O pecado que corta a comunhão com Deus e impede a incorporação na Festa do Reino de Deus é o pecado mortal. A teologia tradicional sempre afirmou que a natureza do pecado venial é essencialmente distinta da natureza do pecado mortal. Por outras palavras, o pecado mortal não é nunca o resultado de uma acumulação de pecados veniais.
Assim, por exemplo, diríamos que nem mesmo um milhão de pecados veniais, perfazem um pecado mortal. O pecado mortal é o estado de morte que resulta de uma opção fundamental que se vai afirmando numa linha de oposição gradual, progressiva e incondicional ao amor. Esta infidelidade, portanto, leva consigo a recusa da comunhão com Deus e os irmãos.
A meta do pecado mortal é, na verdade, a morte eterna ou seja, a rotura total da comunhão com Deus e os irmãos. Ao contrário do pecado mortal, o pecado venial é uma recusa circunstancial ao amor. As consequências deste pecado são uma menor densidade espiritual e, como consequência, uma densidade menor na comunhão no Reino de Deus. Pelo contrário, o pecado mortal é, como vimos, uma opção de oposição gradual e progressiva ao amor.
Mediante esta opção fundamental, a pessoa vai-se estruturando e configurando o seu ser no sentido da solidão radical ao amor. Só mediante uma opção e uma força especial do Espírito Santo, o ser humano é capaz de entrar num processo de conversão através do qual possa passar para uma dinâmica gradual de comunhão com Deus e os irmãos. Por outras palavras, a pessoa, sozinha, não consegue inverter a cadeia da recusa progressiva e incondicional ao amor.
Sem violentar a pessoa, Deus serve-se de muitas mediações, sejam pessoas, coisas ou acontecimentos para iniciar uma mudança de ruma. Estes acontecimentos são autênticos terramotos que abalam os alicerces perigosos sobre os quais a pessoa estava a edificar. Estes acontecimentos são mediações para o Espírito Santo iluminar a mente e interpelar no coração da pessoa, convidando-a construir sobre outros alicerces.
Mas não acontece sem uma opção séria no sentido de a pessoa colaborar com a luz e a acção do Espírito Santo no seu coração. Devemos ter presente que o Espírito Santo está connosco, mas nunca está em nosso lugar, pois nunca nos substitui. Converter-se é reencaminhar-se, isto é, mudar de rumo no sentido de uma libertação profunda e transformadora.
À medida em que a pessoa inicia a caminhada da conversão, começa a tornar-se profundamente livre e, portanto, capaz de amar e comungar com os irmãos. Na verdade, a liberdade é a capacidade de a pessoas se relacionar amorosamente com os outros e interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos. À medida em que começa a viver um processo de conversão, o processo da humanização dessa pessoa começa a tornar-se cada vez mais claro. A lei da humanização é: “Emergência pessoal-espiritual mediante relações de amor e convergência para a fraternidade e a comunhão universal.
O processo histórico da realização humana tem uma face positiva e uma face negativa que podemos equacionar deste modo:
1- O mistério da iniquidade que engloba as forças negativas do pecado, tanto na vertente do pecado de Adão, como do pecado venial e do pecado mortal.
2- O mistério da salvação que acontece como divinização do ser humano na medida em que este se humanizou.
No credo, os cristãos proclamam a remissão dos pecados. Segundo a perspectiva de São Paulo, isto quer dizer que Deus reconciliou consigo a Humanidade, não levando mais em conta os pecados dos homens (2 Cor 5, 17-19). Esta reconciliação é um dom que Deus nos concede através de Cristo. Podemos aceitá-lo ou não. De outro modo não seria um dom, mas uma imposição. O evangelho de Mateus insiste em que a maneira concreta de aceitarmos o dom do perdão de Deus é nós mesmos assumirmos atitudes de perdão em relação aos nossos irmãos (Mt 6, 14).
Os evangelhos também falam do pecado contra o Espírito Santo. Insistem em que este é o único pecado que não tem perdão. O pecado contra o Espírito Santo consiste na oposição explícita e incondicional à Palavra de Deus e ao Espírito Santo, dizendo que a obra de Deus é obra do mal.
A face negativa deste processo histórico do Homem em construção é o mistério da iniquidade que pode levar a pessoa a romper de modo consciente e incondicional com a dinâmica da humanização e, portanto, a rejeitar a possibilidade da divinização.
A face positiva da História Humana é a dinâmica da humanização, a qual só pode acontecer mediante relações de amor fraterno, o qual culmina na plenitude da Comunhão Universal do Reino de Deus.
A tradição cristã distingue o pecado venial do pecado mortal acentuando as suas diferenças: Enquanto o pecado venial conduz ao Estado de purgatório, o pecado mortal conduz ao estado de inferno. O Estado de inferno coincide com a solidão total. A pessoa fica incapaz de acolher e viver qualquer proposta de comunhão. No estado de inferno, a pessoa não tem ninguém que lhe dê uma mão e lhe diga: “Gosto de ti”.
b) A Dinâmica Negativa do Pecado
O Livro do Génesis diz que Deus, à medida em que ia criando as coisas, ficava satisfeito, pois achava que a sua obra era boa (Gn 1, 12; 18; 21; 25; 31). Mas o Homem, com o seu pecado, acabou por desencantar o seu Criador (Gn 6, 13-22). Mas Deus insiste e renova a sua Aliança com Noé (Gn 6, 17-18). O relato do dilúvio é uma elaboração alegórica para dizer que o pecado destrói o Homem.
Na verdade, foi o pecado, não Deus, quem destruiu o Homem. Com efeito, o pecado é sempre gerador de morte não natural, seja o fratricídio como no caso de Caim, ou os homicídios que têm manchado de sangue a história humana. Matando as possibilidades de humanização em nós ou nos outros, o pecado é sempre gerador de morte provocada em nós ou nos outros.
Deus não destrói o Homem. Este é que pode destruir-se mediante o pecado, isto é, opondo-se ao amor. Deus criou-nos para que nos criemos. Eis a razão pela qual nos criou inacabados. Deus correu o risco de iniciar a criação do Homem em construção. Deus correu o risco de criar um ser dotado de livre arbítrio, isto é, com a capacidade psíquica de escolher pelo bem ou pelo mal.
O livre arbítrio é a possibilidade de a pessoa humana se tornar livre. A liberdade é sempre um bem, mas a pessoa humana, dotada de livre arbítrio, pode recusar-se a ser livre, optando pelo mal. A liberdade é a capacidade de se relacionar amorosamente com os outros e interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos. A liberdade humana é, portanto, o resultado de uma cadeia de opções na linha do amor.
Mas o livre arbítrio é a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal, isto é, pelo amor ou contra o amor. No caso de a história de uma pessoa ser o resultado de uma cadeia de opções contra o amor, a pessoa decidiu não ser livre. O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Só a dinâmica do amor humaniza o ser humano, fazendo-o emergir como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.
Para ser verdadeiramente livre, a pessoa tem de ter o poder de o não ser, opondo-se à sua humanização. Se assim não fosse, a pessoa era fatalmente um ser livre. Mas é evidente que isto não é assim, pois, como sabemos, a pessoa não nasce livre, mas com a possibilidade de se tornar livre. Na verdade, se temos a possibilidade de nos tornarmos livres, isto quer dizer que não somos livres de modo fatal.
A liberdade é uma das dimensões principais do homem humanizado. Um ser humano profundamente desumanizado é uma pessoa muito pouco ou quase nada livre. A criança é um ser que ainda não teve a possibilidade de se humanizar e, portanto, ainda não teve a possibilidade de se estruturar como uma pessoa verdadeiramente consciente, livre, responsável e capaz de comunhão amorosa.
Temos a possibilidade de dizermos não à nossa realização se essa for a nossa preferência. É precisamente aqui que radica a possibilidade do pecado, isto é, a possibilidade de dizermos não ao amor. O pecado mutila a pessoa do pecador e bloqueia humanização das vítimas dessas recusas de amor.
As pessoas não são ilhas. A Humanidade forma uma interacção de tipo orgânico, tanto para o bem como para o mal. O ser humano é capaz criar roturas graves no tecido relacional humano. É importante agirmos em conformidade com o princípio ético fundamental: Fazer o bem e evitar o mal. Podemos dizer que, eticamente bom é tudo o que facilita a humanização do homem cuja lei é: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal.
O Amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. O contrário do amor é o pecado, recusa do ser humano a realizar-se e crescer como pessoa através do amor. O pecado gera sempre bloqueios no processo da realização humana, condicionando as possibilidades de a pessoa se comunicar amorosamente com Deus e os irmãos.
As nossas acções, tanto as positivas como as negativas têm consequências pessoais e consequências sociais e históricas. No sentido do bem podemos dizer que as consequências pessoais do nosso agir são a nossa realização e crescimento pessoal. No sentido do mal as consequências pessoais do nosso agir são os bloqueios interiores que resultam das nossas recusas de amor.
Do mesmo modo, as consequências sociais e históricas do nosso agir podem ser positivas ou negativas. As positivas são os ritmos humanizantes que vamos inscrevendo no tecido social através do bem que fazemos. Estes ritmos formam uma dinâmica que possibilita a marcha humanizante do tecido social.
As consequências sociais e históricas de tipo negativo são os ritmos negativos que resultam das nossas recusas de amor, os quais geram bloqueios no tecido social, dificultando a marcha da humanização. A lei do amor é esta: “Ninguém é capaz de amar, antes de ter sido amado, e o mal amado ama mal, mesmo quando dá o melhor de si”.
Como vemos, o sucesso ou insucesso de uma realização humana passa sempre pelo amor. Assim como a componente básica da nossa vida corporal é a água, a componente básica da nossa vida pessoal-espiritual são as relações de amor. Sem água o corpo morre. Sem contexto relacional amoroso, a pessoa fica em estado de morte.
A situação de inferno não é mais que o estado de uma pessoa que, por opção pessoal, se estruturou numa linha de recusa total ao amor. Como vemos, o pecado é uma oposição ao amor e, como consequência, à humanização da pessoa e da sociedade. Isto faz-nos compreender a importância decisiva do amor e a gravidade fundamental do pecado.
Não exageramos nada se dissermos que o amor é o coração, a origem e a plenitude do Universo, pois Deus é Amor (1 Jo 4, 16). A pessoa que ama sintoniza e atinge a plenitude em Deus. Eis o que diz a primeira Carta de São João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus. Aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não conheceu a Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8). O pecado, portanto, atinge o ser humano no seu próprio coração. É o único caminho que conduz ao fracasso essencial de uma pessoa, pois atinge-a na sua essência. Como Deus não manipula o Homem, o pecado é sempre uma possibilidade em aberto.
c) Pecado e Distorção Humana
O Amor nunca envelhece. Por isso as acções da pessoa que ama são sempre criadoras e geradoras de novidade. O processo criador do Universo foi iniciado pelo Amor. Na verdade, ainda antes de existir o Universo já existia uma comunidade de Amor Familiar a cujas pessoas damos o nome de Pai, Filho e Espírito Santo. Só o amor é capaz de edificar em nós o Homem Novo, configurado com Cristo ressuscitado.
A Primeira Carta de São João diz que Deus é amor e que apenas as pessoas que amam podem conhecer a Deus. Eis as suas palavras: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. A pessoa que não ama não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).
O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Só o amor gera pessoas livres e, portanto, criadoras. Com efeito, a liberdade é a capacidade de relacionar amorosamente com os outros e de interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos. Podemos dizer com toda a verdade que o amor gera corações jovens, pois o amor não morre nem envelhece.
São Paulo diz que as pessoas que agem de acordo com Cristo são uma Nova Criação (2 Cor 5, 17). O egoísmo, pelo contrário, faz com que as pessoas girem em volta de si e vá cortando os elos da comunhão amorosa. A pessoa que corta com os elos da comunhão amorosa não é capaz de se possuir plenamente nem de encontrar a novidade do irmão.
Na verdade, as pessoas são sempre portadoras de novidade umas para as outras, pois ninguém é uma cópia do outro. A comunhão amorosa é a calda apropriada para a pessoa emergir e ser optimizada nas suas capacidades criadoras. O egoísmo, pelo contrário, gera na pessoa um coração velho, incapaz de se abrir e comungar com a novidade do irmão. A pessoa que molda o coração ao jeito do homem velho está privada da veste nupcial adequada para tomar parte na Festa do Reino de Deus.
Eis algumas das características dominantes do coração velho:
*Estrutura-se na Mentira. Quando a mentira se torna frequente no pensar, no falar e no agir de uma pessoa, esta começa a estruturar-se como uma pessoa mentirosa. Esta estruturação vai-se tornando cada vez mais dominante ao ponto de fazer da mentira a sua “verdade”. Por outras palavras, a pessoa que se estrutura na mentira pode chegar ao ponto de pensar que a mentira sobre a qual vive e comunica é a verdade.
*Rigidez mental. A rigidez mental revela a incapacidade de uma pessoa se abrir ao novo e ao diferente. É um dos sinais mais claros de que a pessoa foi moldando no seu interior um coração velho. A pessoa que se fecha na mentira endurece a mente e o coração, ao ponto de ficar cada vez mais impedida de ver as coisas com os critérios da Palavra de Deus e ouvir os apelos do Espírito no seu coração. Quanto mais o ser humano se edifica na condição de homem velho, maior é a sua estagnação e teimosia, ao ponto de lhe ser cada vez mais difícil mudar o sentido da vida. O orgulho é o fruto envenenado desta árvore de má qualidade que é a rigidez mental que bloqueia as nossas possibilidades de mudança.
*Egocentrismo Crescente. Quanto mais se reforça em si o homem velho, mais a pessoa gira em volta de si mesma e, portanto, mais difícil se nos torna olhar e dar atenção ao outro. Quanto mais uma pessoa se enrosca em si, mais forte se torna o seu sentimento de solidão e, portanto, mais cresce a sua insatisfação. O perigo maior deste egocentrismo é a pessoa ficar presa de si mesma e, portanto, incapaz de se abrir ao outro. A pessoa que se deixa enredar no egocentrismo estéril vai ficando cada vez mais reduzida a si mesma e, portanto, impedida de encontrar a sua plenitude. Na verdade, a plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão com os outros.
*Desejo Obsessivo de Vingança. A pessoa de coração velho pensa que o perdão é uma fraqueza e uma afronta à sua dignidade pessoal. Na verdade, a capacidade de perdoar é um dom maravilhoso que Deus nos dá, a fim de nos libertarmos das amarras interiores que nos impedem de amar. Enquanto não perdoa, a pessoa está sempre a girar à volta do ressentimento e da mágoa, ao ponto de poder ficar neurótica. No momento em que se decide pelo perdão, a pessoa sente como que um milagre a acontecer dentro de si. Nesse momento a pessoa fica livre dessa obsessão que a impedia de viver em paz.
O desejo de vingança impede a liberdade da mente e do coração, condições básicas para a pessoa voar mais alto no sentido do amor e da comunhão fraterna. Na verdade, as pessoas só podem realizar-se mediante relações de amor, esse impulso de bem-querer que leva a pessoa a eleger o outro como alvo de bem-querer. O ressentimento é uma força negativa que bloqueia as capacidades de a pessoa se sentir livre e capaz de comunhão amorosa. Quando o ressentimento bloqueia as possibilidades de amar de uma pessoa, esta fica condicionado na capacidade de se construir como pessoa feliz.
*A inveja mina o coração do homem velho. Entre as características de um coração envelhecido pelo egoísmo, a inveja é uma das que provoca maiores estragos, tanto no coração e na mente da pessoa invejosa, como nas pessoas que são vítimas dos seus planos maldosos. A pessoa invejosa é uma pessoa profundamente infeliz. Em vez de se alegrar, sofre por ver o bem que acontece aos outros. Como não é capaz de alimentar relações de fraternidade e comunhão, sente-se mal por ver a alegria da amizade a florir nas relações das outras pessoas. É capaz de ter muito mais do que as pessoas que critica e das quais tem inveja. Mas o facto de ver nos outros algo que ela não tem já é, para si, uma fonte de sofrimento.
*A Avareza. As pessoas avarentas, por mais que tenham, têm sempre a sensação de que nunca é suficiente. Quase nunca partilham, mas se dão alguma coisa, parece-lhes sempre que é demasiado.
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