CONHECER DEUS É SABOREAR A SALVAÇÃO

O CONHECIMENTO COMO INTERACÇÃO AMOROSA

Eis o Que Jesus diz no evangelho de São João: “Esta é a vida eterna: Que te conheçam, Pai, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem tu enviaste” (Jo 17, 3). Para o pensamento bíblico, o conhecimento de Deus, não é uma questão meramente intelectual. Conhecer Deus é algo que implica uma comunhão orgânica com ele mediante o Espírito Santo: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. Todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor.” (1 Jo 4, 7-8).

Segundo a Primeira Carta de São João, o amor de Deus não é separado do amor dos irmãos. Por outras palavras, o amor aos irmãos é o caminho seguro para chegarmos ao conhecimento de Deus: “A Deus nunca ninguém o viu. Mas se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós” (1 Jo 4, 12). E logo a seguir acrescenta: “Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso, pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê. Nós recebemos de Jesus este mandamento: quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (1 Jo 4, 20-21).

São Paulo diz que todo o que ama a Deus é conhecido por Deus, no sentido de se constituir uma interacção amorosa entre Deus e o ser humano: “Mas se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Deus (1 Cor 8, 3). O conhecimento de Deus, diz a Primeira Carta aos Coríntios, não é uma conquista da ciência humana. Na verdade, só pelo amor podemos chegar ao verdadeiro conhecimento de Deus: “A ciência incha, mas o amor edifica” (1 Cor 8, 1). O princípio animador desta interacção fecunda entre Deus e o Homem é o Espírito Santo: “Nós damo-nos conta de permanecer em Deus e ele em nós, porque ele nos fez participar do seu Espírito” (1 Jo 4, 13).

São Paulo diz que ninguém pode conhecer Jesus Cristo ressuscitado a não ser pelo Espírito Santo: “Ninguém é capaz de Dizer: “Cristo é o Senhor ressuscitado” a não ser pelo Espírito Santo” (1 Cor 12, 3). Conhecer Cristo é fazer com ele uma só carne. Eis a razão pela qual comemos a carne de Cristo (Jo 6, 54-57). A comunhão, na Eucaristia, é um momento privilegiado para o crente fortalecer este conhecimento de Cristo. Por isso, comer a carne de Cristo, significa unir-se a Cristo ressuscitado mediante o Espírito Santo (Jo 6, 62-63). São Paulo diz que a união a Cristo implica fazer parte do corpo de Cristo: Comemos um só pão porque formamos um só Corpo, isto é, uma união orgânica, isto é, interactiva e fecunda (cf. 1 Cor 10, 17).

O mesmo diz o evangelho de João: “Permanecei em mim que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim acontecerá também convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu e eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer.” (Jo 15, 4-5).

O conhecimento de Jesus Cristo é a mediação fundamental para conhecermos Deus Pai: “Há tanto tempo que estou convosco, Filipe, e ainda não me conheces? Quem me vê, vê o Pai.” (Jo 14, 18). À medida que conhecemos Cristo, então passamos a conhecer o Pai, isto é, a fazer uma união orgânica com Deus Pai, Deus Filho no Espírito Santo: “Nesse dia compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo J0 14, 20). Eis o que significa realmente conhecer Cristo e, através dele, conhecer Deus Pai. Como sacramento, a Eucaristia exprime exactamente esta união com o Senhor: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também aquele que me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

A meta desta união orgânica é a comunhão universal da Humanidade com a Divindade: “Pai, não rogo apenas por eles, mas igualmente por todos os que hão acreditar em mim por meio da sua palavra, a fim de que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. Deste modo eles estarão em nós, e o mundo acreditará que tu me enviaste. Pai, eu dei-lhes a glória que me deste, a fim de que todos sejam um, como nós somos um. Eu neles e tu em mim, a fim de eles poderem chegar à perfeição da unidade (…). Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu conheci-te e estes reconheceram que tu me enviaste. Eu dei-lhes a conhecer quem tu és e continuarei a dar-te a conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu esteja neles também” (Jo 17, 20-26).

O princípio animador desta interacção amorosa e fecunda é o Espírito Santo: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que eu vos disse” (Jo 14, 26). Isto quer dizer que o Espírito Santo nos faz participar de modo orgânico na própria união do Pai e o Filho. No evangelho de São João, Jesus explicita esta união orgânica com as seguintes palavras: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).

É esta a razão pela qual São Paulo exclama com júbilo: “Todos os que são movidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão, mas recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos adoptivos. É por este Espírito que clamamos “Abba”, ó Pai” (Rm 8, 14-15). Conhecer Cristo, diz a Carta aos Filipenses, é configurar a nossa mente com a sua (Flp 2, 5; cf. 1 Cor 2, 16). A Carta aos Gálatas sublinha que o conhecimento de Cristo implica uma união muito especial com Cristo e os irmãos: “Vós todos sois apenas um em Cristo” (Ga 3, 29).

Este tipo de união modifica-nos e configura-nos com o próprio Cristo. Eis o modo como São Paulo explicitou este mistério: “Já não sou eu que vivo mas Cristo que vive em mim” (Ga 2, 10). Conhecer o Senhor, diz a Carta aos Colossences, implica despir-se do homem velho configurado com Adão e revestir-se do homem novo, configurado com Cristo: “Não mintais uns aos outros, já que vos despistes do homem velho, com as suas más acções, e vos revestistes do homem novo, aquele que, para chegar ao conhecimento, não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador. No homem novo já não há grego nem judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas apenas Cristo que é tudo em todos e está em todos” (Col 3, 9-11).

A VIDA ETERNA COMO CONHECIMENTO DE DEUS...

“Esta é a vida eterna: Conhecer-te, Pai Santo, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem tu enviaste” (Jo 17, 3). O projecto que Deus sonhou para a Humanidade implica duas vertentes: a criação e a salvação. Nenhuma destas vertentes pode acontecer sem a acção do Espírito Santo.

A primeira vertente acontece pela comunicação do Espírito Santo, esse hálito da vida que faz do Homem um ser com vida espiritual. O barro, costumo eu dizer, adquiriu um coração capaz de eleger o outro como alvo do seu amor. Esta comunicação inicial do Espírito Santo é o início do processo histórico da humanização, a qual só pode acontecer através do amor. No nosso interior, o Espírito Santo está connosco de modo permanente, mas nunca nos substitui. É ele que nos ilumina, interpela e convida a agir na linha do amor.

A segunda comunicação do Espírito Santo acontece como introdução da Humanidade na plenitude do conhecimento e comunhão com Deus. Na primeira vertente o ser humano realiza-se como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa. O segundo beijo é dado por Deus Filho ao chegar a plenitude dos tempos através desse acto de amor infinito que é a Encarnação. Através deste segundo beijo o Divino se enxertou-se no Humano, a fim de o Humano ser divinizado.

Com a Encarnação iniciou-se a fase da plenitude dos tempos, isto é, a plenitude da gestação e o começo do parto que dá início ao nascimento do dos filhos de Deus. Ao chegar a plenitude dos tempos, diz a Carta aos Gálatas, Deus enviou o seu Filho que nos comunicou o Espírito de adopção e nos leva a clamar “Abba”, isto é, Papá (Gal 4, 4-7). É este o segundo beijo de Deus através do qual o Espírito Santo nos é comunicado, não como hálito de vida, mas como Espírito divinizante. São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5). Este amor introduz-nos na comunhão familiar da Santíssima Trindade, fazendo de nós filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação ao Filho de Deus (Rm 8, 14-17).

O beijo dos primórdios, tal como o beijo da plenitude são realidades dinâmicas e progressivas que se continuam ao longo da História Humana e durante a vida toda de cada pessoa. Por outras palavras, o beijo primordial do Pai dinamiza a marcha da humanização e o beijo do Filho na plenitude, dinamiza a marcha da divinização do Homem. Pelo primeiro beijo, Deus cria-nos à sua imagem e semelhança (Gn 2,7). Pelo segundo introduz-nos na Família de Deus através de um novo nascimento como diz São João: “O que nasce da carne é carne. O que nasce do Espírito é Espírito” (Jo 3, 6). O primeiro beijo dá-nos a possibilidade de sermos humanos.

O segundo dá-nos a possibilidade de sermos divinos: “Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus. E o Verbo fez-se homem e veio habitar entre nós” (Jo 1, 12-14). Este nascimento implica uma verdadeira união orgânica com Cristo alimentada pelo Espírito Santo que é a carne e o sangue de Cristo ressuscitado: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

Jesus Cristo é a condição para o dinamismo maternal do Espírito Santo se difundir organicamente pela Humanidade, incorporando-a na Família Divina. Deste modo, diz São Paulo, Jesus Cristo tornou-se o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 29). O Evangelho de São João exprime esta verdade, dizendo que Jesus é a cepa da videira da qual nós somos os ramos (Jo 15, 1-8). Com esta imagem o evangelista está a pensar na Árvore da Vida cujo fruto, Espírito Santo, está ao nosso alcance (Gn 2, 9).

No momento da morte e ressurreição de Jesus Cristo, a Humanidade que o precedeu passou a fazer uma união orgânica de grandeza humano-divina. Os que precederam Jesus Cristo, no momento da morte e ressurreição do Senhor, não mudaram de lugar, mas a densidade da sua plenitude passou deu um salto de qualidade. E a situação dos que vivem na História depois de Cristo foi igualmente optimizada como diz a Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios: “Nós é que somos o templo do Deus vivo, como disse o próprio Deus: Habitarei e caminharei no meio deles, serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (2 Cor 6, 16). É este o sabor da Salvação, como diz São Paulo: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós e que recebestes de Deus? “ (1 Cor 6, 19).

Eis a maneira bonita como o livro do Apocalipse descreve esta comunhão orgânica do Homem com Deus: “E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: "Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens e eles serão o seu povo. O próprio Deus estará com eles e será o seu Deus, enxugando todas as lágrimas dos seus olhos. Agora já não haverá mais morte nem pranto, pois as coisas antigas passaram” (Apc 21, 3-4).
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias


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