a)Revelação e Conhecimento do Plano de Deus
1-A Revelação Como Dom de Deus
2-O Novo Povo de Deus
3-O Plano Salvador de Deus
b)Cristo Como Princípio e Meta da Criação
c)A Criação Caminha Para o Amor
1-Deus Imprime a Bondade na Criação
2-O Homem Optimiza a Criação
3-Fomos Criados Para o Amor
d)Do Barro Inicial ao Homem Divinizado
1-O Barro Amassado
2-Humanização e Comunhão Familiar com Deus
3-O Papel da Revelação de Deus
4-Com Dois Beijos, Deus Cria e Salva o Homem
5-Espírito Santo e Plenitude Humana
6-Jesus Cristo é a Cúpula da Criação
e)Espírito Santo e a Dinâmica da Vida Eterna
1-As Coordenadas da Plenitude
2-A Vitória sobre a Morte
3-Próximos de tudo e de todos
a)Revelação e Conhecimento do Plano de Deus
1-A Revelação Como Dom de Deus
Só por si, os seres humanos são incapazes de saber quem é Deus. De facto, ninguém pode ir ao Céu para desvendar o mistério de Deus e qual o seu jeito de ser. Se o Homem tenta conhecer a realidade de Deus utilizando apenas as suas capacidades humanas, apenas consegue criar um deus à sua imagem e semelhança. Mas Deus não é uma realidade criada à imagem do Homem. Este é que é alguém criado à imagem de Deus.
No entanto, bem sabemos como é importante para a Humanidade conhecer Deus e o seu plano salvador. Este conhecimento capacita-nos para saborearmos o sentido mais profundo da realidade e da nossa própria vida. O conhecimento do mistério de Deus e o seu plano salvador em favor do Homem, ajuda os seres humanos a possuírem um sentido mais pleno e profundo da vida e da meta para a qual estamos a caminhar. Por outras palavras, conhecendo o significado da sua existência, dentro de um plano global de Amor e Salvação, as pessoas humanas têm razões para se comprometer com a construção da vida.
Foi esta a razão pela qual Deus tomou a iniciativa de se revelar na História. Coube ao Espírito Santo a missão histórica de revelar o rosto de Deus à Humanidade. Além da missão personalizante, o Espírito Santo tem ainda a missão reveladora e a missão divinizante na marcha da História da Humanidade. Na verdade, é sempre pelo Espírito Santo que Deus se comunica, tanto no interior das relações da Santíssima Trindade, como para o exterior, isto é, em relação à Humanidade a acontecer na História.
A revelação de Deus à Humanidade começou a acontecer dentro do Povo Bíblico. Este povo foi não apenas o alfobre onde emergiu e cresceu a Palavra de Deus, como também o regaço onde o Messias foi acolhido. Mas o Povo Bíblico era uma mediação limitada, pois estava encerrado nas coordenadas limitadas de uma raça, uma língua, uma cultura e uma nação com fronteiras bastante estreitas.
Este povo, alimentava o sonho imperialista de dominar sobre os outros povos, pretendendo possuir um domínio universal sobre os outros povos. Além disso, tinha a pretensão de ser o único povo amado de Deus. Todos estes aspectos limitavam enormemente as possibilidades de o Povo Bíblico ser realmente o medianeiro universal da revelação de Deus. Por esta razão que Jesus Cristo, começa a anunciar o Reino de Deus, o qual implica a realização do plano salvador de Deus em favor de todos os homens.
2-O Novo Povo de Deus
Através de Jesus Cristo, Deus assina com a humanidade uma Nova e Eterna Aliança, tal como muitos profetas já tinham anunciado. O Povo da Nova Aliança é o Novo Povo de Deus constituído com gentes de todas as raças, línguas, povos constituído com gentes de todas as raças, línguas, culturas, povos e nações. O Povo da Nova Aliança recebe de Cristo o Evangelho da Salvação Universal e a missão de o Anunciar a todos os povos: “Aproximando-se deles, Jesus disse-lhes: “Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois por todo o mundo e fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. Eu estarei convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 18-20).
Pelo facto de ser composto por gentes de todos os povos raças, línguas e nações, no Novo povo de Deus é uma mediação para o Espírito Santo anunciar o Evangelho no interior de todos os povos e em todas as línguas. O Deus da Revelação diz-se de modo gradual e progressivo. Por outras palavras, o rosto de Deus foi-se definindo de modo surpreendente, transcendendo tudo o que a razão e as religiões tinham dito. As religiões tinham criado uma série imagens de Deus, as quais não eram mais que rostos do próprio Homem. De modo gradual e progressivo, Deus foi-se revelando, ao ponto de se revelar como um Deus que é comunhão amorosa de três pessoas.
3-O Plano Salvador de Deus
Movido pelo seu amor incondicional, Deus decidiu criar o Homem à sua imagem e semelhança e sonhou logo com o mistério da Encarnação, a fim de o Homem poder ser incorporado na Família de Deus. A dinâmica da Encarnação acontece como uma união orgânica entre a interioridade divina do filho Eterno de Deus e a interioridade humana de Jesus de Nazaré, o Filho de Maria. Como Jesus é homem connosco ele é a cepa da videira da qual nós somos os ramos (Jo 15, 1-7).
Como o Humano e o Divino em Jesus Cristo fazem uma união de grandeza humano-divina, a Humanidade, unida a Jesus, fica unida com ele ao mistério da Santíssima Trindade. São Paulo diz que todos os que são movidos pelo Espírito Santo são incorporados na comunhão familiar divina, como filhos e herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros do Filho de Deus (Rm 8, 14-17). Esta incorporação do Homem na Família de Deus é um dom. O modo concreto de aceitarmos este dom é vivermos as propostas do amor a Deus e aos irmãos. O mistério de um Deus que é comunhão familiar, juntamente com os mistérios da Encarnação e da divinização do Homem, constitui o coração da revelação de Deus.
Podemos dizer que Deus, à medida que se nos revela, revela-nos também o sentido mais profundo da nossa vida, bem como a plenitude da nossa realização na história: Será eternamente mais divino quem mais se humanizar nesta marcha da História. A pessoa que mais se humanizar-se é emergir como pessoa mediante relações de amor convergindo, ao mesmo tempo, para a Comunhão Universal cujo coração é a comunhão da Santíssima Trindade.
Pela revelação sabemos que, no princípio, era o amor concretizado na comunhão familiar de três pessoas. Este Deus Comunhão colocou toda a sua bondade e ternura no projecto da Criação. Graças ao dom da revelação nós sabemos que não estamos sós. Por si só, o Homem nunca podia chegar a esta compreensão profunda do mistério de Deus, do Homem e do sentido da História. Com efeito, a Palavra de Deus, apesar de não ser irracional, transcende a simples razão humana.
Podemos dizer que a revelação está para a razão, como os binóculos para os olhos: optimizam as suas possibilidades de visão. O Deus da revelação é também o Deus da Aliança de amor e cooperação. Mas o Homem pode recusar-se a agir segundo as propostas que lhe são feitas pelo Deus da aliança. Levamos em nós a serpente que nos pretende fazer acreditar que as propostas de Deus não são boas para nós. Por outras palavras, os seres humanos não nascem fieis.
A fidelidade é uma qualidade que se adquire de modo progressivo. A infidelidade, pelo contrário, revela-se com muita frequência nas nossas atitudes de cobardia e recusa às propostas do amor. Na verdade a infidelidade humana manifestou-se logo nos primórdios da História Humana. Deus gosta do Homem livre, consciente, responsável e capaz de fraternidade. O Deus que ressuscitou Jesus não é indiferente ao nosso sofrimento. Quando alguém sofre, Deus começa a despertar o no coração das pessoas sentimento de solidariedade, a fim de serem mediação do seu amor libertador.
Deus nunca se alia aos que oprimem ou machucam os irmãos. É o Deus que chamou Moisés para libertar o seu povo da opressão que o estava a machucar. A história da libertação do Egipto pretende ser um sinal revelador da presença libertadora de Deus junto dos que são oprimidos. A revelação ensina-nos que Deus não é indiferente ao que acontece ao Homem. Mas ao mesmo tempo ensina-nos que Deus nunca nos substitui. Está connosco mas não está em nosso lugar.
b)Cristo Como Princípio e Meta da Criação
No seu todo, a bíblia proclama o projecto criador e salvador de Deus realizado em Cristo. Para o Novo Testamento, Jesus Cristo é o início e o ponto culminante do plano de Deus iniciado com a Criação. A marcha da Criação foi assumida e plenificada por Cristo, o qual se tornou a Cabeça desta mesma Criação (2 Cor 5, 17-18).
Já no princípio o Filho Eterno de Deus foi o protagonista da acção criadora. O evangelho de São João diz que ele é a Palavra eficaz de Deus que realiza o que significa. Agora, na plenitude dos tempos, continua a ser essa mesma Palavra eficaz que faz de nós membros da Família Divina. Ao vir habitar no nosso meio, o Filho Unigénito, mediante a Encarnação, isto é, o enxerto do divino no humano deu-nos o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1, 12-14).
Na verdade, foi em Jesus Cristo que a História Humana atingiu a plenitude dos tempos, isto é, a fase dos acabamentos. A Encarnação representa para a Humanidade um salto de qualidade. Por outras palavras, com o mistério da encarnação fica consumado o projecto da criação, da revelação e da Salvação. Com a divinização do Homem, a Criação atinge a sua plenitude. Com efeito o Homem é a cúpula personalizada da Criação. Pelo mistério de Cristo, o Homem é divinizado e a Criação, da qual ele é a cabeça, atinge a sua plenitude no projecto de Deus.
O Livro do Génesis parte do princípio de que todas as coisas são boas, pois foram criadas por Deus (Gn 1,1-27). A bondade das coisas proclamada pelo Livro do Génesis é reafirmada pelo Novo Testamento. Podemos dizer que o Novo Testamento dá um salto de qualidade em relação ao Antigo, pois agora a Criação é vista à luz do acontecimento salvador de Cristo. O legalismo dos levitas e dos fariseus tentaram dividir as coisas entre puras e impuras, boas e más, benditas e malditas. Jesus opõe-se a estes tabus e reafirma a bondade essencial de todas as coisas: Os alimentos são todos puros. O que mancha o homem é a maldade que lhe sai do coração e não os alimentos que possa ingerir (Mc 7, 14-20).
No Livro do Génesis, o Sábado é o sinal da aliança e da comunhão com o Criador. Por isso Jesus entende a santificação do Sábado como um serviço à libertação e salvação do Homem. Deus cuida com ternura de tudo o que criou: Nem um só pássaro cai por terra sem que Deus o permita (Mt 10, 29). Foi Deu quem deu beleza aos lírios do campo e agilidade às aves do céu (Mt 6, 25-34). Do Senhor é a terra e tudo quanto ela contém (1 Cor 10, 26). É Deus quem chama à existência as coisas que não são, a fim de passarem a existir (Rm 4, 17; cf. Gn 1, 3). Na verdade, é Deus quem dá vida a todas as coisas (1 Tim 6, 13).
Mas no centro das atenções e cuidados de Deus está o Homem. Deus é invisível, mas o invisível de Deus mostra-se-nos de modo analógico através das criaturas (Rm 1, 19; cf. Sb 13). A plenitude da Criação, portanto, é a salvação realizada em Jesus Cristo ressuscitado. Podemos dizer que o mundo foi criado por Cristo e para Cristo, como afirmam os hinos a Cristo das Cartas aos Colossenses e aos Filipenses (Col 1, 15-20; Flp 2, 6-11).
Na perspectiva dos hinos cristológicos de Colossenses e Filipenses, Adão, criado como cabeça da Humanidade, desorientou-a. Cristo foi constituído por Deus o Novo Adão, a fim de corrigir os danos causados pelo primeiro Adão e conduzir a Criação à sua plenitude. São Paulo vê a acção de Cristo na génese da Criação ao modo da acção Sabedoria, tal como é descrita no livro da Sabedoria. Adão foi criado à imagem de Deus diz a Carta aos Colossenses (Col 1, 15). O Livro da Sabedoria, por seu lado, diz que a Sabedoria é, desde o princípio, uma imagem perfeita de Deus: “A Sabedoria é um reflexo da luz eterna, um espelho imaculado da actividade de Deus. É una e tudo pode. Permanecendo na sua identidade, tudo renova. Derrama-se no coração das pessoas justas, em cada geração ela forma os amigos de Deus e os profetas. Na verdade, Deus apenas ama as pessoas que vivem em comunhão com a Sabedoria” (Sb 7,26-28).
É por esta razão que São Paulo chama a Jesus Cristo a Sabedoria de Deus (1 Cor 1, 24; 1, 30). Ele é o princípio, o centro e o fim da Criação (Col 1, 15-20). Por serem imagens de Deus, Adão e a Sabedoria eram os medianeiros de Deus junto da Criação. Como Adão falhou, a imagem perfeita de Deus, agora, é Jesus Cristo (Col 1, 15; Flp 2, 6).
No princípio, a Sabedoria exercia uma função virtual junto de Deus, sugerindo aspectos a inserir no seu projecto criador. Por outras palavras, no princípio, a Sabedoria era uma fonte inspiradora para Deus no que se referia ao projecto da Criação do Universo (Prov 8, 22).
Agora, Jesus Cristo é chamado o primogénito da Criação e a sua plenitude: “Todos os que estão em Cristo são uma Nova Criação. Passaram as coisas velhas. Tudo isto se deve ao facto de Deus ter reconciliado consigo a criação por intermédio de Cristo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (1 Cor 5, 17-19). Cristo é a imagem de Deus e por isso ele é a causa exemplar e o padrão do projecto de Deus para a Humanidade (Col 1, 1-16; cf. Sb 9, 1-2, 4; Prov 8, 22). Isto quer dizer que Deus, ao iniciar o seu projecto criador, já tinha presente a plenitude da salvação que viria a acontecer através de Jesus Cristo.
A Carta aos Colossenses afirma isto, dizendo que “tudo foi criado nele e para ele “ (Col 1, 16). Logo no princípio, ao iniciar a génese da Criação, Deus já estava a contemplar a plenitude deste projecto, a qual aconteceria em Cristo ressuscitado (1 Cor 8, 6; Rm 11, 36). Como podemos verificar, o plano criador de Deus, à luz do Novo Testamento, tem como origem e plenitude Jesus Cristo.
No momento em que criou Adão, Deus constituí-o cabeça da Criação. Com o seu procedimento infiel, Adão desorientou a Criação, introduzindo-a no caminho do fracasso. Foi então que surgiu Jesus Cristo como Novo Adão, corrigindo as distorções operadas pelo primeiro Adão (Rm 5, 15-17).
Desde o princípio que Deus sonhou um plano para a Criação. A Carta aos Efésios, querendo dizer que nós fazemos parte do plano que Deus sonhou desde o princípio, diz que Deus nos elegeu antes da criação do mundo (Ef 1, 3). Depois acrescenta que fomos eleitos desde o princípio de acordo com um desígnio prévio de Deus (Ef 1, 11). Deus elegeu-nos desde os primórdios, a fim de exprimirmos a recapitulação de todas as coisas em Cristo (Ef 1, 10). Com Jesus chegou a plenitude dos tempos, pois a Humanidade entrou na fase da sua divinização, tornando-se a cúpula da Criação.
São Paulo diz que graças a Cristo, nada na Criação é impuro. Podemos comer de tudo e não cair nas distinções do judaísmo, pois tudo está purificado em Cristo. Podemos comer de tudo sem nos pormos questões de consciência (Rm 14,14; 1 Cor 1 0, 25). “Tudo o que Deus criou é bom. Não devemos rejeitar qualquer alimento por razões de pureza ou impureza legal (1 Tm 4m 2-5).
Uma vez que Cristo é o Senhor do Universo, os cristãos, como membros do corpo de Cristo, devem viver a sua vocação de seres criados para a liberdade. Cristo libertou-nos, a fim de sermos livres. Na verdade, Cristo chamou-nos à liberdade (Gal 5, 1; 5, 13). Tudo é vosso, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus (1 Cor 3, 21-23).
O prólogo do evangelho de São João é o grande testemunho da fé na Criação e do lugar central de Cristo da génese criadora do Universo. São João escreve o seu prólogo com a intenção de conferir sentido de plenitude ao relato do Génesis sobre a Criação. Por outras palavras, o prólogo do quarto evangelho é como que um novo Génesis, mas elaborado à luz da ressurreição de Cristo.
Por isso João inicia este texto magnífico com as mesmas palavras com que o Génesis inicia o relato da criação: “ No princípio” (Jo 1,1; cf. Gn 1, 1). Tal como no Génesis, a criação é obra da Palavra (Jo 1,3). Surgem referências, tal como no Génesis, à luz e às trevas (Jo 1, 4-5). No entanto, o prólogo de São João vai mais longes: no livro do Génesis a criação é iniciada em simultâneo com a marcha do tempo. No prólogo de São João ela é concebida no interior da eternidade. Com efeito, os possíveis da criação surgem antes do tempo.
Podemos dizer que a dinâmica da marcha criadora teve início nas relações amorosas que animam a Comunhão Familiar da Santíssima Trindade. No entanto, apesar de ter sido sonhada na eternidade, a Criação acontece em simultâneo com o tempo (Jo 1, 12-14). O tempo possibilita a génese criadora do tecido cósmico e o espaço a sua estruturação harmoniosa.
Ao jeito de conclusão podemos dizer que a estrutura literária do prólogo de São João é a dos grandes hinos sapienciais (cf. Prov 8, 22;Si 24, 3-12; Sb 9, 9-12). Existe um ser preexistente à criação, que é mediação e causa exemplar da mesma. Foi enviado aos homens para lhes revelar o plano criador e salvador de Deus. Depois de realizar a sua missão, o medianeiro volta para junto de Deus.
Nos livros sapienciais esta missão cabe à Sabedoria. No prólogo de São João esta é a missão do Logos, da Palavra Criadora de Deus que veio a mundo enviado pelo Pai e volta para onde estava antes (Jo 6, 62). Ao encarnar, o Logos habitou entre nós e deu-nos o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1, 12-14). Dá-nos a Água Viva, isto é, o Espírito Santo, que faz germinar uma nascente de Vida Eterna no nosso coração (Jo 4, 14; 7, 37-39).
c)A Criação Caminha Para o Amor
1-Deus Imprime a Bondade na Criação
No relato da Criação, o Livro do Génesis não se cansa de repetir que as obras da Criação são boas. À medida em que ia criando, Deus imprimia nas obras criadas o selo da bondade. Ao criar as estrelas, os planetas, as plantas e os animais, Deus reconheceu que no interior de cada uma destas coisas havia bondade. Ao criar a luz, Deus viu que a luz era boa. Então o Senhor Deus separou a luz das trevas (Gn 1, 4). E Deus chamou Terra ao solo seco e Mar ao conjunto das águas. E Deus viu que tudo isto era bom (Gn 1, 10).
E Deus disse: “Que a Terra germine plantas cada qual com as sementes próprias da sua espécie e árvores que produzam frutos e sementes segundo a sua espécie. E Deus viu que isto era bom” (Gn 1, 12). Deus Criou o Sol para iluminar o dia e a Lua para iluminar a noite e separou a luz das trevas. E Deus viu que isto era bom (Gn1, 18).
Deus também criou os grandes monstros marinhos, as criaturas vivas que se movem nas águas, bem como as aves, todos segundo as suas próprias espécies. E Deus viu que isto era bom (Gn 1, 21). Depois, Deus criou também os animais selvagens e os animais domésticos segundo as suas próprias espécies. E Deus viu que isto era bom (Gn 1,25).
2-O Homem Optimiza a Criação
Finalmente, Deus criou o Homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou. Deus criou-os como varão e mulher. Então Deus abençoou-os e disse-lhes: Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a Terra e dominai-a (…). E Deus viu que tudo o que tinha feito era muito bom. Houve tarde e manhã e foi o sexto dia (Gn 1, 27-31).
As coisas que nos rodeiam ajudam-nos a encontrar a presença e a bondade de Deus. As perfeições e a bondade das criaturas são sinais da perfeição e da bondade infinita de Deus. Mas foi sobretudo nas pessoas Humanas que Deus imprimiu o selo da bondade.
Nos seres humanos a bondade é uma tarefa, pois Deus não nos criou acabados, a fim de nos podermos realizar como pessoas livres. A bondade humana resulta do amor, essa dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Amar é escolher os outros como nosso próximo, isto é, eleger as pessoas como alvo da nossa atenção e bem-querer.
Os seres humanos vão-se tornando bons na medida em que vão fazendo o bem aos outros, facilitando a sua realização e felicidade. Por outras palavras, fomos criados para nos irmos criando em relações de amor com os outros. Isto quer dizer que Deus não nos faz sem termos parte na nossa própria realização. Eis a razão pela qual o amor é o único mandamento de Jesus para nós: “Este é o meu mandamento, disse Jesus, que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 15, 12).
A bondade humana, portanto, é uma vocação, isto é, um chamamento que Deus nos faz através da sua Palavra. Como esta tarefa é difícil, Jesus, ao ressuscitar, deu-nos o Espírito Santo que nos ajuda e facilita a tarefa de nos tornarmos bons. A nossa vocação a ser bons é um chamamento que Deus nos faz no sentido de nos realizarmos e atingirmos a nossa felicidade. Na verdade, a vontade de Deus a nosso respeito coincide sempre com o que é melhor para nós.
A bondade dos seres humanos é, pois um mandamento. Jesus diz que se trata de um mandamento novo, pois este mandamento não foi dado aos animais, pois eles não têm capacidade para fazer projectos de amor. Eis as palavras de Jesus: “Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13, 34).
3-Fomos Criados Para o Amor
São João diz que nós “Passámos da morte para a vida porque amamos os irmãos. O que não ama o irmão permanece na morte” (1 Jo 3, 14). Para a bíblia, a pessoa está viva na medida em que comunica com os outros em relações de fraternidade e comunhão. A bondade humana é, pois, uma tarefa que temos de realizar e que ninguém pode executar por nós.
A bondade só pode construir-se através da comunhão com os irmãos. Vamo-nos tornando bons na medida em que fazemos o bem às outras pessoas. Eis o que São João diz numa das suas cartas: “Aquele que odeia o seu irmão é um homicida e bem sabeis que os homicidas não têm parte na vida eterna” (1 Jo 3, 15). Como habita de modo permanente no nosso coração, o Espírito Santo capacita-nos para fazermos o bem e, por tanto, para nos tornarmos bons.
Na verdade, a pessoa faz-se, fazendo. A pessoa que faz o bem torna-se boa. A pessoa que comunica em verdade torna-se verdadeira. A pessoa que procura realizar a justiça, torna-se justa. A pessoa humana não é igual ao que diz, mas sim igual ao que faz. Nenhuma pessoa é capaz de ser boa sem a acção do Espírito Santo no seu coração.
São Paulo explica isto na carta aos Romanos. Eis o que ele diz: “A esperança não nos engana, pois sabemos que o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5). O amor, diz a Carta aos Gálatas, é a fonte da bondade e do bem: “Pois toda a lei se resume nisto: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Ga 5, 14). E a carta aos Romanos acrescenta: “O amor não prejudica o próximo, pois o amor realiza a Lei de Moisés na sua máxima perfeição.” (Rm 13, 10).
O contrário da bondade É o egoísmo. Jesus Cristo é o maior sinal do amor que Deus nos tem, pois realizou a sua missão de salvador levando o seu amor até à sua densidade máxima: dar a vida pelos irmãos.
d)Do Barro Inicial ao Homem Divinizado
1- O Barro Amassado
Ao iniciar a génese da criação, Deus já tinha em mente a emergência da vida pessoal-espiritual, condição básica para esse gesto de amor infinito que é a Encarnação e a ressurreição de Cristo. Por outras palavras, ao iniciar a marcha criadora do Universo, Deus já tinha em vista a génese da vida espiritual humana e a sua divinização em Jesus Cristo.
A revelação diz-nos que a plenitude dos seres humanos não culmina na comunhão humana, mas sim na assunção e incorporação na Família de Deus. É verdade que a humanização precisa de um contexto amoroso para acontecer. Mas a nossa plenitude acontece através de Jesus ressuscitado que nos comunica o Espírito Santo e nos introduz na comunhão familiar da Santíssima Trindade.
É esta a razão pela qual temos de nascer de novo pelo Espírito Santo, como diz o evangelho de São João (Jo 3, 6). Depois acrescenta: “A todos os que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. E o Verbo encarnou e veio habitar entre nós” (Jo 1, 12-14).
Foi-nos dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus. Isto significa que Deus está connosco, mas não está em nosso lugar. Por outras palavras, nascemos inacabados, a fim de completarmos em nós a obra criadora de Deus, isto é, humanizarmo-nos em relações de amor, a fim de atingirmos a plenitude do Reino de Deus.
Emergir como pessoa significa crescer em densidade espiritual e capacidade de amar e comungar com Deus e os irmãos. O ser humano nasce hominizado, isto é, com uma estrutura natural própria de homem, mas não nasce humanizado, pois a humanização é uma tarefa que temos de realizar em contexto de relações de amor.
2-Humanização e Comunhão Familiar com Deus
É através do processo de humanização que o ser humano emerge como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de amar. A humanização é uma tarefa que dura a vida toda de uma pessoa, a qual acontece como “emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a Comunhão Universal”.
Para nós, cristãos, a Comunhão Universal para a qual convergem os seres humanos na medida em que se humanizam é o Reino de Deus, a comunhão humano-divina da Família de Deus. O projecto de Deus para a Humanidade implica, pois, duas dimensões: a criação e a salvação.
A criação, como acabámos de ver, acontece como processo histórico de humanização. A salvação consiste na divinização do Homem mediante a sua assunção e incorporação na comunhão da Santíssima Trindade. Isto quer dizer que será eternamente mais divino quem mais se humanizar na marcha histórica da sua realização.
O impulso inicial da humanização teve início com esse beijo que Deus deu no barro primordial do qual saiu o Homem. Ao debruçar-se para dar um beijo no barro apto para emergir como interioridade espiritual, o hálito da vida de Deus, isto é, o Espírito Santo passa para o interior do barro e este torna-se barro com coração.
Mas a obra não fica terminada com a dinâmica da humanização. A plenitude do Homem acontece como divinização do humano que ele foi realizando. Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus deu outro beijo ao Homem, a fim de iniciar a sua divinização. O beijo da divinização acontece através do acontecimento da Encarnação, o qual acontece, tal como o primeiro beijo, pela comunicação do Espírito Santo.
Eis o que São Paulo diz na Carta aos Gálatas: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher sujeita à Lei de Moisés, a fim de nos resgatar do poder da Lei e podermos receber a adopção de filhos. E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho que, no nosso íntimo clama “Abba”, isto é, Papá. Deste modo já não és escravo, mas filho. E$ se és filho, então também és herdeiro pela graça de Deus” (Gal 4, 4-7).
Esta graça de Deus, acrescenta São Paulo na Carta aos Romanos, é o Espírito Santo, o grande dom de Cristo ressuscitado. Eis as suas palavras: “Na verdade, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão que volte a encher-vos de medo, mas recebeste um Espírito que faz de vós filhos adoptivos. É por este Espírito que clamamos “Abba” ó Pai. É também este Espírito que no íntimo do nosso coração nos faz compreender que somos realmente filhos de Deus. Ora, se somos filhos de Deus, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo. De facto, se sofremos com Cristo, também com ele seremos glorificados” (Rm 8, 14-16).
3-O Papel da Revelação de Deus
Através do primeiro beijo aconteceu a intervenção especial de Deus na Criação do Homem (Gn 2, 7). Pelo segundo beijo acontece uma nova geração e um novo nascimento para a vida divina: “Em resposta, Jesus disse-lhe: “Em verdade, em verdade te digo: “quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus”. Perguntou-lhe Nicodemos: “Como pode um homem nascer sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez?” (Jo 3, 3-4).
Os mistérios da fé, para seres compreendidos exigem uma meditação assídua da Palavra de Deus. Por outras palavras, os mistérios de Deus e da Salvação do Homem não são evidentes e, por esta razão, só por revelação podemos ter acesso ao seu significado profundo. Jesus quis revelar o mistério da divinização do Homem a Nicodemos e por isso acrescentou: “Aquilo que nasce da carne é carne. Aquilo que nasce do Espírito é espírito. Não te admires, pois, por eu te ter dito que tendes de nascer do Alto. O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3, 6-8).
Nascer do Espírito é entrar na dinâmica do Homem Novo, o qual é conduzido para a plenitude da novidade de Deus. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo vai-nos conduzindo pata a plenitude da família divina. Ninguém conhece por si esta plenitude, pois trata-se de uma revelação, como Jesus diz no evangelho de São Lucas: “Naquele instante, Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te ó Pai, Senhor do C+eu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o filho houver por bem revelar-lho. Depois, voltando-se para os discípulos disse-lhes: “Felizes os olhos que vêem os que estais a ver. Na verdade, muitos profetas e reis quiseram ver o que estais a ver e não o viram, ouvir o que estai a ouvir e não o ouviram” (Lc 10, 21-24).
4-Com Dois Beijos, Deus Cria e Salva o Homem
O primeiro beijo foi dado por Deus Pai ao Homem no início da grande epopeia da humanização. O segundo beijo é dado ao Homem por Deus filho no momento da Encarnação, como vimos, a fim de acontecer a divinização do Homem. Na verdade, através da dinâmica da Encarnação o divino enxertou-se no humano em Jesus de Nazaré, dando início à humano-divinização. Através do segundo beijo, os seres humanos passam a interagir de modo orgânico com a própria comunidade da Santíssima Trindade.
Primeiro aconteceu apenas com Jesus. Podemos dizer que durante cerca de trinta anos apenas um homem foi divino. No momento da ressurreição de Jesus, isto passa a ser verdade para todos os seres humanos, mas pela mediação de Jesus Cristo: “Jesus respondeu a Tomé: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6).
O Espírito Santo fortalece e alimenta a nossa união orgânica com Jesus. Segundo a imagem do evangelho de São João, Jesus é a cepa da videira da qual nós somos os ramos. Nós apenas podemos ser ramos vivos e fecundo se estivermos unidos à cepa (Jo 15, 4-5). Sem esta união orgânica nós não podíamos ter acesso à comunhão familiar da Santíssima Trindade. A seiva que circula e fortalece esta união orgânica é o Espírito Santo que Jesus ressuscitado nos comunica. É como que uma Água Viva, diz o evangelho de São João, que faz emergir uma nascente de Vida Eterna no nosso coração (Jo 7, 37-39).
Por outras palavras, falar da seiva da videira que vem da cepa para os ramos ou da Água Viva que vem de Cristo para o nosso coração é exprimir a dinâmica do Espírito Santo no nosso íntimo. Ele é o Sangue da Nova Aliança que nos comunica a vida humano-divina de Cristo, introduzindo-nos na Vida Eterna (Jo 6, 62-63). Ele é o Sangue da Nova Aliança que vai ser derramado por todos para perdão dos pecados (cf. Mt 26, 28). Ele é o produto da videira que Jesus beberá com os discípulos no Reino de Deus (Mt 26, 29 cf. Mc 14, 25; Lc 22, 17-18).
O beijo primordial no barro comunica-nos o hálito da Vida, isto é, o Espírito Santo, fazendo de nós seres viventes (Gn 2,7). O beijo da plenitude, isto é, a dinâmica da Encarnação, introduz-nos na plenitude dos tempos e faz de nós membros da Família de Deus (Gal 4, 4-7; Rm 8, 14-17). Eis as palavras de São Paulo na Carta aos Gálatas: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher (…), a fim de recebermos a adopção de filhos. E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito Santo de seu filho que, no nosso íntimo clama: Abba, ó Pai” (Ga 4, 4-6).
Na verdade, é o Espírito Santo quem nos introduz na Família de Deus (Rm 8, 14). São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Isto quer dizer que é de modo orgânico que o Espírito Santo nos introduz na Família da Santíssima Trindade. O plano da Salvação assenta, pois, sobre dois beijos, os quais devem ser entendidos como uma realidade dinâmica e progressiva.
5-Espírito Santo e Plenitude Humana
Graças a esta presença dinâmica do Espírito Santo em nós, Deus torna-se realmente o Emanuel, isto é, o Deus connosco, como diz o evangelho de São Mateus: “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho a quem chamarão Emanuel, isto é, Deus connosco” (Mt 1, 23).
Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo Deus vai-nos moldando à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27). Pelo segundo, incorpora-nos na Família Divina (Jo 1, 12-14). Pelo primeiro beijo, o Espírito Santo ajuda-nos a caminhar no processo da nossa humanização. Pelo segundo realiza em nós a dinâmica da ressurreição, a qual culmina na assunção e incorporação na Família Divina.
Para o evangelho de São João, a Eucaristia é o mistério da comunicação do Espírito como alimento da vida eterna. O Espírito Santo é o Espírito de Cristo ressuscitado. Assim como ressuscitou Jesus também nos vai ressuscitando com ele: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).
Graças à acção do Espírito Santo, Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, faz um com o Filho Eterno de Deus, tal como o Pai e o Filho, em Deus, fazem um. Eis as palavras de Jesus no evangelho de São João: “Eu e o Pai somos Um” (Jo 10, 30). Jesus Cristo é, pois a condição para o dinamismo salvador do Espírito Santo se difundir organicamente pela Humanidade, incorporando-nos na família da Santíssima Trindade. Deste modo o Filho unigénito de Deus, pelo mistério da Encarnação tornou-se o primogénito de muitos irmãos, como diz a Carta aos Romanos (Rm 8, 29).
São Paulo diz que o nosso coração é templo do Espírito Santo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3, 16). Na Segunda Carta aos Coríntios, São Paulo volta a insistir neste ponto, dizendo: “Nós é que somos o templo do Deus vivo, como disse o próprio Deus: Habitarei e caminharei no meio deles, serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (2 Cor 6, 16).
É, pois, a partir do nosso íntimo que se constitui essa união orgânica que nos insere na Família de Deus: “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós e que recebestes de Deus? “ (1 Cor 6, 19). A única força que pode destruir em nós o templo de Deus é o egoísmo, a fonte de todo o pecado: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3, 16-17).
O livro do Apocalipse descreve esta comunhão do Homem com Deus de maneira muito bonita: “E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: ‘Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens e eles serão o seu povo. O próprio Deus estará com eles e será o seu Deus, enxugando todas as lágrimas dos seus olhos e não haverá mais morte nem pranto nem dor”. (Apc 21, 3-4).
6-Jesus Cristo é a Cúpula da Criação
Como vemos, Jesus Cristo é a cúpula do plano de criador de Deus. Isto quer dizer que a Salvação em Cristo é a plenitude da Criação. O pecado humano não aboliu o plano de Deus, pois em Cristo, Deus reconciliou consigo a Humanidade, diz São Paulo, não levando mais em conta o pecado dos homens. Eis a razão pela qual Jesus Cristo é a Cabeça da Nova Criação (2 Cor 5, 17-18).
O prólogo do evangelho de São João representa o ponto mais alto da fé na obra criadora de Deus realizada Por Cristo. É por esta razão que São João inicia o prólogo do seu evangelho com as mesmas palavras com que o Génesis inicia o relato da criação: “ No princípio” (Jo 1,1; cf. Gn 1, 1). Se a consumação de todas as coisas acontece em Cristo ressuscitado, então a nossa meta não é o vazio da morte, mas a nossa divinização mediante a incorporação na plenitude da vida na Família de Deus.
e)Espírito Santo e Dinâmica da Vida Eterna
1-As Coordenadas da Plenitude
A plenitude da vida que veio-nos por Cristo. Ao ressuscitar, Jesus passou da face exterior da realidade para a sua face interior. A face interior da realidade é a dimensão na qual acontece a Comunhão Universal que constitui a Família de Deus! Podíamos dizer que a face interior da realidade é a esfera da vida pessoal em comunhão universal. Antes da criação do Universo, só existia a Santíssima Trindade cuja mora é uma comunhão de amor infinitamente perfeito.
O Universo surge como uma génese gigante, exterior ao próprio Deus. De facto, o amor emerge a partir de dentro e Deus, como diz a Bíblia, é amor (1 Jo 4,7). Eis a razão pela qual Deus é a interioridade máxima de todas as coisas. O Universo inicia a sua génese criadora a partir de Deus que, como presença interior, dinamiza a marcha da Criação, mas sem a manipular. Algo de semelhante acontece com a nossa interioridade espiritual em relação à saúde e dinamismo do nosso corpo.
Na marcha criadora do Universo tudo acontece através de uma sequência de causas e efeitos. Tudo funciona com a sua própria autonomia. Mas o dinamismo divino, por ser relações de amor, é o mais nobre de todos. O Universo está marcado com o selo das relações. De facto, a Santíssima Trindade é a matriz transcendente a partir da qual brotou o dinamismo criador.
A interioridade máxima do real é constituída pelas coordenadas da Divindade que são universalidade e equidistância. E nós, graças a Cristo ressuscitado, já fomos assumidos na Família de Deus. Por isso, pelo acontecimento da nossa morte, nós passamos a habitar as coordenadas de Deus com Cristo ressuscitado.
2-A Vitória sobre a Morte
Ao ressuscitar, Jesus Cristo venceu a morte para si e para nós. Isto foi possível porque nós fazemos um todo orgânico com ele. Na véspera da sua passagem para a face interior da realidade, Jesus garantiu-nos que nós habitaríamos para sempre com ele na Festa do Reino de Deus.
Por outras palavras, por termos parte na sua ressurreição, Jesus garantiu-nos que temos habitação garantida na Comunhão da Família Divina. Eis as palavras da sua promessa: "Não vos deixarei órfãos, pois eu voltarei a vós (...). Nesse dia compreendereis que eu estou no meu Pai, vós em mim e eu em vós" (Jo 14, 18-20).
Esta maneira de falar de Jesus quer dizer que seremos assumidos de modo orgânico na comunhão familiar da Santíssima Trindade. Esta promessa dá-nos a certeza de que os nossos seres queridos que, pelo parto da morte, nasceram para a Vida Eterna, estão perto de nós. Com efeito, nas coordenadas da universalidade e da equidistância, já não há lonjura, mas sim omnipresença a tudo e a todos. Esta omnipresença acontece para nós a partir de dentro, pois dizer Reino de Deus é o mesmo que dizer interioridade máxima da realidade.
3-Próximos de tudo e de todos
Mesmo agora, já não há lonjura nem distância entre a nossa interioridade espiritual e a Comunhão Universal da Família de Deus! Podemos dizer que no ponto onde termina a nossa interioridade espiritual limitada começa a interioridade espiritual ilimitada da Comunhão Universal Vossa Família de Deus. O animador desta comunhão orgânica universal da Família de Deus é o Espírito Santo. É por esta razão que ele está sempre à porta do nosso coração.
Sempre que pelo amor nos abrimos à comunhão, encontramo-nos com o Espírito Santo, pois ele não só inspira as nossas atitudes de amor, como também as optimiza. Por outras palavras, é o Espírito Santo que nos introduz na dinâmica comunitária do Reino de Deus. É pelo Espírito Santo que passamos a fazer parte da Nova Criação reconciliada com Deus, como diz São Paulo (2 Cor 5, 17-19).
Este dom teve início com o mistério da Encarnação e atingiu a plenitude com a ressurreição de Cristo. Através da Encarnação o Divino enxertou-se no Humano, a fim de todos nós sermos divinizados. No momento em que Jesus ressuscitou, a dinâmica do Natal que até então só habitava o seu coração, passou a habitar o coração de todos os seres humanos.
Com efeito, a salvação acontece pela incorporação das pessoas humanas na Comunhão Familiar das Pessoas Divinas. Com o seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo incorpora-nos na Família de Deus: Como filhos em relação a Deus Pai e como irmãos em relação ao Filho de Deus. Os dois pilares da dinâmica que nos salva são, na verdade, o Natal e a Páscoa.
A seiva que vivifica e robustece esta união humano-divina é o Espírito Santo, o Sangue da Nova e Eterna Aliança. É este o mistério proclamado na Eucaristia, de modo particular no rito da comunhão do Pão e do Vinho consagrados. O Evangelho de são João diz que a carne e o sangue de Cristo ressuscitado é o Espírito Santo e não uma realidade de tipo biológico (Jo 6, 62-63).
No momento da comunhão eucarística, os crentes reforçam a união orgânica que os liga a Cristo e à Santíssima Trindade, crescendo como Corpo de Cristo. Eis a palavras de São Paulo: "Comemos do mesmo pão porque fazemos um só Corpo" (1 Cor 10, 17). E ainda: “Vós sois membros do corpo de Cristo, cada qual na parte que lhe toca” (1 Cor 12, 27).
Como Sangue da Nova aliança, o Espírito Santo reforça os elos da nossa comunhão com Cristo e torna-nos participantes da sua ressurreição. Eis as palavras de Jesus a este respeito: "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, assim também aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue viverá por mim" (Jo 6, 56-57).
Ao comerem o Pão e beberem o Vinho da Eucaristia, os cristãos estão a afirmar que é no interior da pessoa que acontece a união e a interacção que diviniza a pessoa humana, incorporando-a na Família Divina.
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