1 – Primeiro Concílio de Niceia
2 – Concílio de Constantinopla
3 – Concílio de Éfeso
4 – Concílio de Calcedónia
5- Concílios II e III de Constantinopla
1- Primeiro Concílio de Niceia (325)
A questão que se punha aos padres do primeiro concílio de Niceia era a divindade de Cristo. Ninguém punha em questão que Jesus fosse um homem, mas dizer que também era Deus era qualquer coisa que ia contra o dogma fundamental do antigo Testamento: Só há um Deus cujo nome é Yahvé. A divindade para o mundo judaico era unipessoal. Deus é um sujeito único e infinito. É o Criador e Senhor de todas as coisas.
O Antigo Testamento aceitava que Deus adoptava como filhos os filhos de David no momento em que estes subiam ao trono: “Fui eu que consagrei o meu rei sobre o meu monte santo de Sião! Vou anunciar o decreto do Senhor: ‘tu és meu filho, eu hoje te gerei”Sal 2, 6-7). Foi isto que Deus anunciou através da primeira profecia messiânica da história, quando predisse através do profeta Natã que o filho de David seria adoptado como filho de Deus. Graças a este filho o trono de David perduraria para sempre (2 Sam 7, 12-16).
O Salmo 89 recorda esta verdade de modo muito bonito: “Encontrei David meu servo e ungi-o com o óleo santo. A minha mão estará sempre com ele e o meu braço há-de torná-lo forte (....) ele me invocará dizendo: ‘tu és meu pai, és o meu Deus e o rochedo da minha salvação. Farei dele o primogénito, o maior entre os reis da Terra” (Sal 89, 21-28).
O judaísmo conhecia todos estes textos. Aceitava que o Messias era o filho de Deus, mas isto de modo algum significava um filho natural de Yahvé. É ainda esta a visão de São Paulo quando afirma na carta aos Romanos que Jesus é o filho de David segundo a carne. Constituído filho de Deus, pelo Espírito Santo, no momento da sua ressurreição de entre os mortos (Rm 1, 3-5).
É também este o sentido da confissão de Pedro quando Jesus, no caminho de Cesareia, faz a pergunta aos discípulos sobre o que estes pensam dele. Pedro antecipando-se, responde, que Jesus é o Messias, o Filho de Deus (Mt 16, 16). Esta resposta quer dizer apenas que Jesus é o Messias anunciado a David.
O evangelho de João faz uma leitura sapiencial da realidade do Cristo e da sua missão. Através deste caminho, o Espírito Santo conduziu João ao mistério da preexistência do filho de Deus. Isto implica a afirmação de que Deus não é apenas um sujeito. A divindade é pessoas. Este passo levou os judeo-cristãos a afastarem-se, formando as seitas dos Ebionitas, Elcasitas e Cerinto.
Para estes grupos judaico-cristãos Jesus foi o fundador de uma nova aliança, o filho de David adoptado e constituído filho de Deus no momento da sua ressurreição. De facto, foi no momento da ressurreição que Jesus subiu ao Céu e sentou-se à direita de Deus: “Saiba toda a casa de Israel que Jesus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado” (Act 2, 36).
O salmo 110 dizia que os filhos de David, no momento em que subiam ao trono ficavam sentados à direita de Deus (Sal 110, 1). Os discípulos de Jesus, ao terem a experiência pascal começam a proclamar que ele é o Messias. Apesar de os judeus o terem morto, Deus ressuscitou-o e sentou-o à sua direita. Isto significa para os judeus que foi constituído rei: “Agora foi exaltado pela direita de Deus” (Act 2, 33; 5, 31).
No momento do seu martírio, Estêvão grita em voz alta que está vendo Jesus de Pés à direita de Deus (Act 7, 55). Marcos declara que Jesus, após a sua ressurreição, foi elevado ao Céu e sentou-se à direita de Deus (Mc 16, 19).
Jesus, após ascensão, ficou sentado à direita do poder de Deus (Lc 22, 69). Cristo Ressuscitado, diz Paulo, está sentado à direita de Deus (Rm 8, 34; Ef 1, 20). A Carta ao Hebreus diz que Cristo está para sempre à direita de Deus (Heb 10, 12; 12, 2). Após a ressurreição, sublinha a carta aos Hebreus, Jesus sentou-se à direita da Majestade nas alturas (Heb 1, 3). Segundo a primeira carta de Pedro Jesus, ao entrar no Céu, ficou sentado à direita de Deus (1 Pd 3, 22).
Esta era a visão do judeo-cristianismo. Com os evangelhos de João as coisas modificaram-se profundamente. O Filho de Deus é preexistente. Faz um com o Pai (Jo 10, 30). Cristo é identificado com a Palavra que desde toda a eternidade está junto de Deus e é Deus, sem se confundir com o Pai: “No princípio existia o Verbo. O Verbo estava em Deus e era Deus. No princípio estava com Deus e por ele tudo começou a existir. Sem o Verbo nada veio à existência” (Jo 1, 1-4).
Um texto como este representa uma alteração profunda da visão judaico-cristã. Sendo assim, Deus não é um mas vários. Isto, para os judeo-cristãos parecia-lhes politeísmo. Negava a realidade mais sagrada da fé: o monoteísmo. Tentam encontrar a alternativa adopcionista: Jesus é um homem e não um Deus. O mais que se pode dizer é que Deus está em Jesus de modo muito especial, adoptando-o como filho, como tinha prometido a David. Por esta razão, Jesus se torna o medianeiro da salvação e o caminho para chegarmos até ao Pai.
A cultura pagã começa a levantar outras dificuldades. Reinava o politeísmo. A maior parte dos cristãos são provenientes do paganismo. Existe um deus supremo ao qual todos os outros deuses se submetem. Se Cristo é divino só pode ser um deus subordinado ao Deus supremo que é o Pai. Estamos perante o subordinacionismo.
Havia ainda a alternativa de dizer que existe apenas um Deus que se manifestou na história de modos diferentes: como Pai, como Filho e como Espírito Santo: o modalismo. Trata-se sempre da mesma pessoa divina, embora esta se manifeste de modo diferente para se revelar mais perfeitamente.
À medida em que o cristianismo se difunde, novas dificuldades vão surgir. O gnosticismo e o neoplatonismo, filosofias dominantes no Oriente, tentam explicar a situação excepcional de Jesus Cristo dizendo que ele não tinha um corpo nem era Deus. Na realidade era um anjo. Não pertencia à esfera do divino. Veio para salvar os homens mediante a comunicação de um conhecimento superior.
Para o gnosticismo a matéria era a fonte do mal. O conhecimento transmitido por Jesus consiste em ajudar a alma a elevar-se, a fim de se libertar do mal. Jesus não tinha um corpo material. Por isso estava acima do mal. Tinha apenas um corpo aparente para se fazer ver e entender.
Como não tinha corpo não sofreu nem morreu. Por isso logo após a sua morte começou a fazer-se entender. A heresia segundo a qual Jesus teria apenas um corpo aparente recebeu o nome de docetismo.
Outra dificuldade para a reformulação da verdade de Cristo foi o arianismo. Ario era um presbítero de Alexandria. Atrai muitos bispos para a sua teoria sobre Cristo: Apenas existe um Deus que não é criado nem gerado. Todas as outras coisas são criadas, incluindo Jesus Cristo. O Verbo foi criado antes de qualquer outra criatura. Isto significa que foi criado do nada. Eis a razão pela qual pode encarnar-se, transformar-se em homem e receber o título honorífico de filho de Deus. Recorre a alguns textos da Escritura, sobretudo aos que afirmam que Jesus é menor que o Pai (Jo 17, 3;14, 28).
A prova de que Jesus não é Deus é que sofreu. Sabemos que Deus não pode sofrer. O mesmo se diga do facto de encarnar. Santo Atanásio foi o grande opositor de Ario. Face a este cenário complexo, o imperador Constantino convoca um concílio em Niceia no ano de 325. Do concílio sairá uma confissão de fé para combater os desvios vigentes. Eis o credo de Niceia:
“Cremos em um Só Deus, Pai todo-poderoso, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis e em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus, unigénito nascido do Pai. Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Nascido, não criado. Da mesma substância do Pai, por quem foram criadas todas as coisas do Céu e da Terra. Por nós homens e por nossa salvação, desceu, encarnou e se fez homem. Padeceu e ressuscitou ao terceiro dia. Subiu ao Céu e virá para julgar os vivos e os mortos. Cremos no Espírito Santo.”
Fica afirmada a divindade de Jesus. Mas nada se diz sobre a sua condição humana. Esta dimensão tinha sido posta em causa pelo docetismo ao afirmar que Jesus não tinha tido um corpo humano.
O filho pertence à esfera do pai. Por isso é verdadeiro Deus. É o unigénito do Pai. É o único filho de Deus. Não foi criado mas gerado. É Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. É Deus mas diferente do Pai. O modalismo e o arianismo são negados. O modalismo também, pois diz-se que Jesus não é apenas uma máscara do Pai. É gerado. É importante não confundir o termo gerar com procriar. O Filho é gerado na reciprocidade amorosa com o Pai.
2 – Primeiro Concílio de Constantinopla (381)
Este concílio teve de afirmar o que Niceia deixou em silêncio. Jesus Cristo é um homem completo. Teve de enfrentar o apolinarismo, teoria de Apolinário de Laodiceia, segundo a qual Jesus não tinha alma humana. O Concílio afirma que Jesus é um homem completo. Tem alma e corpo. Não é apenas um corpo de homem tendo como dimensão espiritual o Logos.
O concílio reuniu-se para combater esta heresia de Apolinário para quem Jesus não era um homem completo. Era um corpo humano habitado pelo Verbo. A Escritura diz que o Verbo encarnou. Isto significava para Apolinário de Laodiceia que o Verbo formou um corpo e introduziu-se nele. Jesus Cristo não tinha alma, pois o Verbo ocupou o lugar da alma humana.
Desta distorção resultaria a ideia de que Maria gerou apenas um corpo humano, não um homem. Seria um novo ser composto de duas realidades totalmente diferentes. Ao fim e ao cabo nem era plenamente homem nem plenamente Deus. O Concílio diz que o Verbo apenas salvou o que assumiu. Se não tivesse assumido o homem completo não tinha salvo o homem completo.
De facto somos salvos em Cristo porque fazemos um todo orgânico com ele. Esta organicidade não acontece ao nível do eu exterior mas sim do eu interior, pessoal-espiritual. Para salvar o homem inteiro, Jesus tinha de ser um homem inteiro. Cristo ressuscitado, diz Paulo, é o Novo Adão que veio restaurar as distorções do Antigo Adão (Rm 5, 17s).
O papa Dâmaso escreve aos bispos orientais fazendo a síntese da doutrina do concílio dizendo: “Alguns afirmam que Cristo apenas tomou da Virgem Maria um homem imperfeito, isto é, sem alma intelectiva. Estes estão próximos do arianismo, o qual afirma que no filho de Deus há uma unidade imperfeita, pois o filho não é igual ao Pai. Os outros afirmam que no filho do Homem também há unidade imperfeita, pois não é igual aos homens.
Mas se o Verbo assumiu um homem imperfeito, o dom de Deus é imperfeito e imperfeita também a nossa salvação, pois não foi salvo todo o homem(...). Se todo o homem pereceu era necessário que o homem todo fosse salvo. Mas se foi salvo sem a alma intelectiva...” (Dâmaso I in Carta aos Bispos Orientais DS 146).
3 – Concílio de Éfeso (431)
O motivo que criou as tensões que levaram ao concílio de Éfeso foi uma questão de filosofias e linguagens distintas: por um lado está Alexandria cuja filosofia era platónica. Por outro lado temos Antioquia e Constantinopla cuja filosofia era aristotélica. O bispo de Constantinopla, Nestório, começa a dizer que Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Maria gerou o homem, não o Logos. Por isso podemos dizer que ela é mãe de Cristo.
Esta linguagem, para Alexandria, tinha sabor a heresia, pois parecia que se estava a negar a unidade entre o homem Jesus e o Verbo. Alexandria punha o acento no facto de Cristo ser um só. Nada há em Cristo que não seja divino. É Deus sempre e em todas as dimensões.
Esta linguagem era exagerada para os pensadores de Antioquia e Constantinopla, pois negava a autonomia da humanidade de Jesus. Os alexandrinos tropeçam na dificuldade de explicar como um homem é Deus. Os Antioquenos vão ter dificuldade em dizer como é possível o Verbo encarnar e um homem não deixar de o ser. Estamos, não perante um pensamento ortodoxo e outro heterodoxo mas perante duas maneiras diferentes de pensar.
Nestório tenta explicar o mistério de Cristo dizendo que existe o Verbo e Jesus. Maria é mãe de Jesus mas não do Verbo. Mas é correcto chamar-lhe mãe de Cristo, pois o homem e o Verbo estão unidos e fazem um. Para Nestório era claro que o Filho unigénito de Deus é eterno e Jesus de Nazaré, o filho de Maria nasceu no século primeiro da era cristã.
Os alexandrinos diziam que o Logos e o homem são Deus. Por isso Maria é mãe de Deus. Nestório dizia ainda que o Logos é uma pessoa divina e, portanto, não pode morrer. Quem morreu foi o homem Jesus, não o Logos, pois Deus não pode morrer. Os alexandrinos diziam que o homem e o Logos são Deus, por isso foi Deus que morreu.
O papa Celestino, influenciado por Cirilo de Alexandria, condena Nestório em 430. No ano seguinte (431) reúne-se um Concílio em Éfeso. Como os Alexandrinos chegaram primeiro à cidade de Éfeso, iniciaram o concílio. Quando os antioquenos chegaram já Nestório estava condenado e Maria proclamada como “Theotokos”, isto é, mãe de Deus.
Mais tarde Cirilo de Alexandria reconheceu o ponto de vista dos antioquenos e mudou de posição acabando por ser amaldiçoado pelos monges alexandrinos. Sobretudo Cirilo compreendeu que Deus é uma união orgânica de três pessoas. Não foi Deus que encarnou, mas uma das três pessoas divinas. Eis o extracto de uma carta de Cirilo de Alexandria a Nestório: “Jesus Cristo é uma só pessoa. Tudo o que se diz de Jesus se diz do Verbo, pois há uma identidade pessoal. Jesus e o Verbo são apenas um e o mesmo. É certo que de esta única pessoa se podem afirmar tanto características humanas como divinas. O Verbo encarnou, tornou-se passível e morreu por nós” (Citação de Maximino Reyero in Jesús el Cristo –Ediciones Paulinas, Santiago de Chile, 1980, p.300).
Como podemos ver, Cirilo quase toca a heresia de Apolinário de Laodiceia, segundo a qual Jesus não tinha alma humana. Cristo era um corpo de homem em cujo interior estava o Verbo substituindo a alma humana.
Como podemos ver estes conflitos derivavam da dificuldade de afirmar a unidade humano divina de Cristo. A questão do homem Jesus não ficou resolvida com a vitória dos alexandrinos em Éfeso. Por isso foi necessário acontecer outro concílio para dizer que Jesus era realmente um homem e fazia um com o Logos.
4 - Concílio de Calcedónia (451)
Este concílio tentou afirmar de modo mais sólida a plena humanidade de Jesus. No entanto continuava a dificuldade em afirmar a unidade do Homem com o Verbo. O problema surgiu com as afirmações de um monge chamado Eutiques, o qual afirmava a unidade pólo humano com o divino. Mas ao dar-se a unidade, um dos pólos é anulado.
Cristo, dizia Eutiques, é da Divindade e da Humanidade. Mas depois da união é já um só. A natureza humana foi assumida e absorvida pela divindade do Verbo. A identidade humana de Jesus desapareceu ao unir-se ao Logos. Eutiques, ao fim e ao cabo, levou até ao extremo as afirmações dos Alexandrinos.
Houve sempre a tendência de afirmar a perfeita união em Cristo, anulando uma das dimensões ou pólos. Foi mais uma vez o que fez Eutiques. Estava perfeitamente na linha da carta de Cirilo de Alexandria a Nestório e depois reafirmada pelo Concílio de Éfeso.
O concílio de Calcedónia corrigiu o desvio deste monge dizendo que Cristo é constituído por duas naturezas perfeitas, mas formando uma só pessoa. Mas mesmo assim ainda tiveram de anular o essencial do homem Jesus: a sua condição pessoal.
Na época isto não significava grande coisa uma vez que pessoa (prosopon) significava apenas a máscara exterior que era a mediação de comunicação. O essencial é o interior. Mas o termo pessoa, hoje é essencial para dizer a dignidade humana. Se Jesus tinha corpo e alma como afirmou o primeiro Concílio de Constantinopla em 381, que lhe faltava para ser pessoa humana?
No fundo é ainda o humano que é sacrificado para afirmar a unidade. Este modo de ver recebeu o nome de união hipostática. A união dá-se pelo facto de as duas naturezas se encontrarem em uma só pessoa.
Talvez esta dificuldade só possa ser resolvida através da compreensão bíblica da união orgânica. Nesta perspectiva não é preciso dizer que a unidade de Cristo se consegue à custa da pessoalidade humana. A Divindade é uma e a mesma mas não é de tipo hipostático ou unipessoal. Deus é três pessoas e nem por isso deixa de ser um. Nós fazemos um com Cristo e o Pai sem ser preciso anular a nossa pessoalidade (Jo 17, 21-23).
Esta unidade é de natureza orgânica, tal como a unidade de Deus. Em Deus as pessoas não se anulam nem se fundem. O Pai é Pai e não é Filho. O Filho é apenas Filho. Nunca foi nem será Pai. O Espírito Santo é a ternura maternal de Deus, o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).
É o princípio relacional na comunhão divina da Santíssima Trindade, na comunhão humano-divina de Cristo. É também pelo Espírito Santo que nós fazemos uma união orgânica com Cristo, tal como os ramos da videira e a cepa (Jo 15, 1-6). Para afirmar esta união orgânica das pessoas humanas com Cristo, São Paulo fala do Corpo de Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27).
O Espírito Santo é o princípio vivificante desta organicidade. É pelo Espírito Santo que somos incorporados e assumidos na família divina (Rm 8, 14-17; Ga, 4, 4-7). Nesta comunhão orgânica da Humanidade com a Divindade, o divino não anula o humano. Existe uma perfeita proporcionalidade para acontecer esta união orgânica entre a Humanidade e a Divindade: A natureza divina concretiza-se em pessoas e a humana também.
Com efeito, a Divindade é pessoas e a Humanidade também. Por isso a Humanidade é proporcional à Divindade. É nesta proporcionalidade que existe a possibilidade da Encarnação. Em Cristo o humano e o divino encontram-se organicamente unidos como duas naturezas perfeitas.
A natureza divina de Cristo concretiza-se numa pessoa e a humana também. Estas duas pessoas estão organicamente unidas, tal em Deus as pessoas do Pai e do Filho estão unidas no Espírito Santo.
É neste mistério que está constituída a possibilidade da nossa Salvação. Tal como o Pai e o Filho fazem uma unidade no Espírito Santo, o homem Jesus e o Filho eterno de Deus fazem uma perfeita unidade no Espírito Santo. E nós fazemos um com o Filho e, mediante este, um com o Pai no Espírito Santo (Jo 17, 21-23). Por isso somos membros do Corpo de Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27). A nossa salvação radica no facto de os ramos da videira fazerem um com a cepa (Jo 15, 1-7).
Este mistério é expresso de modo privilegiado no sacramento da Eucaristia: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem me como viverá por mim” (Jo 6, 56-57). Eis o mistério da união orgânica a nível da Trindade Divina, da realidade humano-divina de Cristo e da nossa incorporação na Família Divina por Cristo e no Espírito Santo.
O Concílio de Calcedónia sublinha que as duas naturezas estão unidas sem fusão nem confusão. Sem se alterarem uma à outra. Sem se dividirem no sentido de se isolarem uma da outra. Sem possibilidade de separação. O humano já está unido ao divino para sempre. Eis a garantia da nossa salvação.
Como a afirmação de duas naturezas numa pessoa não deixava bem claro até que ponto a natureza humana não seria substituída pela divina uma vez que só esta era pessoa. Foi preciso mais dois concílios para afirmar a plena autonomia do humano face ao divino.
5 – Concílios II e III de Constantinopla (553 e 681).
O problema que os concílios II e III de Constantinopla tiveram que enfrentar foi a questão da autonomia humana de Jesus. Começa-se a dizer que em Jesus Cristo existia apenas o princípio de acção divino. A humanidade de Jesus ficava reduzida a uma marioneta nas mãos do Logos. Esta afirmação era de certo modo coerente com o facto de em Cristo haver apenas a pessoa divina. Deu-se a esta teoria o nome de monoenergismo.
Ainda na mesma linha começa-se a afirmar que Jesus não tinha vontade humana. Em Cristo existia apenas a vontade divina que decidia as acções executadas por Jesus. Este desvio recebeu o nome de monotelismo.
Em qualquer dos casos a humanidade de Cristo ficava esvaziada, pois não teria liberdade humana e, portanto, não tinha capacidade para realizar actos verdadeiramente humanos. Neste caso Jesus, mesmo que quisesse, não podia pecar. Sabemos que Jesus não pecou, mas isto não significa que não pudesse pecar.
Jesus não pecou por ter sido plenamente fiel ao Espírito Santo que o habitava e o convidava a realizar a missão que Deus lhe confiou. Por outras palavras, Jesus foi plenamente livre, pois amou incondicionalmente.
A liberdade é a capacidade de se relacional amorosamente com Deus e as pessoas humanas, bem como interagir de modo criador com as coisas e os acontecimentos. Por isso podemos dizer que Jesus foi plenamente livre. A coincidência da vontade humana de Jesus com a vontade de Deus não anula a vontade humana. Pelo contrário, significa amor a Deus e fidelidade à sua vontade.
O terceiro concílio de Constantinopla confirmou os concílios anteriores e reafirmou a plena autonomia humana de Jesus: Em Jesus Cristo há duas naturezas, as quais permanecem íntegras com as suas propriedades. Esta união chama-se de composição ou hipostática. O Verbo uniu-se à humanidade completa.
A liberdade é uma dimensão essencial do homem. Se Jesus não tivesse liberdade humana não era homem perfeito. A harmonia da vontade de Jesus com a do Logos não anula nenhuma dessas vontades.
Em Cristo, dizia o segundo concílio de Constantinopla, há duas vontades: a humana e a divina. Esta afirmação foi um passo fundamental e decisivo para afirmar a plena autonomia de homem Jesus de Nazaré como homem perfeito. A vontade humana e a divina, diz o concílio, não eram duas forças contrárias. Apesar de tudo eram duas realidades distintas.
Actuavam em perfeita harmonia, pois o Espírito Santo, princípio animador de relações é o vínculo que harmoniza esta interacção da vontade divina com a humana e vice-versa. Utilizando uma visão platónica, o concílio diz que a vontade humana segue a divina.
Além disso, em Cristo existem dois princípios de acção: o humano e o divino. Estes princípios não se contradizem. Pelo contrário, o divino optimiza o humano. Para bem entendermos esta verdade sobre Cristo é fundamental recuperar a noção bíblica de união orgânica. Só deste modo se podemos superar totalmente o perigo de mutilar ou reduzir a verdade de Jesus, homem em tudo igual a nós excepto no pecado.
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