a)Cristo Como Início e Plenitude da Criação
1-O Lugar do Homem no Plano Criador
2-Todas as Coisas Criadas por Deus São Boas
3-Cristo Como Princípio e Fim da Criação
4-O Sonho Criador de Deus é Eterno
5-Pecado e Restauração em Cristo
b)Cristo Como Coração das Escrituras
1-Os Profetas e o Messias Esperado
2-Os Filhos de David como Filhos de Deus
3-Jesus é o Filho de David Anunciado
4-Jesus é o Messias, o Deus Connosco
5-O Messias e a Força do Espírito
6-Jesus Realiza as Antigas Profecias
c)A Sabedoria Que Emana da Cruz de Cristo
1-A Cruz e a Força da Salvação
2-A Cruz e a Difusão do Espírito Santo
3-Os Apóstolos e a Morte de Jesus na Cruz
4-O Amor Tudo Desculpa
d)Jesus Cristo Como Redentor
1-Jesus Como Servo Fiel
2-O sofrimento e a Justiça de Deus
3-O Justo Sofredor e a Redenção do Povo
4-Os Apóstolos e o Sofrimento de Cristo
5-Ao Glorificar Jesus, Deus Redime a Humanidade
6-A Igreja e a Nova Humanidade
a)Cristo Como Início e Plenitude da Criação
1-O Lugar do Homem no Plano Criador
O Novo Testamento é a proclamação alegre do projecto salvador de Deus realizado em Cristo e ressuscitado. Na verdade, Jesus Cristo é a cúpula do plano de Deus iniciado com a Criação. A História foi assumida e plenificada por Jesus Cristo ressuscitado, o qual se tornou a Cabeça da Humanidade reconciliada salva (2 Cor 5, 17-18).
Mas o Novo Testamento proclama a presença dinâmica do Filho Eterno de Deus no princípio da Criação. Por outras palavras, Cristo é o impulsionador do impulso primordial que deu início à génese criadora do Universo. O evangelho de São João diz que o Verbo, isto é, o Filho Eterno de Deus, é a Palavra que realiza o que significa, conferindo sentido e finalidade à marcha criadora. Segundo o evangelho de São João, Cristo continua a ser a Palavra eficaz que conduz a Criação à plenitude da Salvação. Eis a razão pela qual temos de nascer de novo pelo Espírito Santo, diz São João (Jo 3,6).
São Paulo explicita este mistério de modo muito bonito dizendo que todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos e herdeiros de Deus Pai, bem como irmãos e co-herdeiros do Filho de Deus (Rm 8, 14-17). Deste modo a História atinge a plenitude dos tempos, isto é, a fase dos acabamentos ou divinização do homem. Com o mistério da Encarnação fica consumado o projecto da criação, e da Salvação.
Devido ao facto de possuir uma vida espiritual, o Homem já era a cabeça da Criação. Mas com o acontecimento da Encarnação, isto é, do enxerto do humano no divino ele é incorporado na Família Divina. Com a divinização do Homem, a Criação atinge a sua plenitude. Se o mundo é criação de Deus, então as coisas são boas. Deus proclamou a bondade da Criação no próprio acto de criar, diz o Livro do Génesis (cf. Gn 1, 1-2, 7).
2-Todas as Coisas Criadas por Deus São Boas
O Novo Testamento reafirma a bondade da Criação e dá um salto de qualidade ao interpretar a Criação à luz do acontecimento de Cristo. Os fariseus, movidos por uma leitura distorcida da realidade dividiam as coisas entre puras e impuras, boas e más, benditas e malditas. Jesus opõe-se a estes tabus e reafirma a bondade essencial de todas as coisas. Os alimentos são todos puros. O que mancha o homem é a maldade que lhe sai do coração e não os alimentos que possa ingerir (Mc 7, 14-20).
O Sábado, sinal da Aliança, aparece no livro do Génesis como a consumação e santificação da criação. Jesus entende a santificação do Sábado como compromisso com a libertação, a restauração e a salvação do Homem. A Salvação é uma verdadeira recriação. Deus cuida com ternura de todas as criaturas. Nem um só pássaro cai por terra sem que Deus o permita (Mt 10, 29). Foi Deus quem deu beleza aos lírios do campo e agilidade às aves do céu (Mt 6, 25-34).
Deus é o criador e Senhor de todas as coisas. Do Senhor é a terra, diz a Primeira Carta aos Coríntios e tudo quanto ela contém (1 Cor 10, 26). Deus chama à existência as coisas que não são, diz a Carta aos Romanos, a fim de que possam existir (Rm 4, 17; cf. Gn 1, 3). As coisas existem graças ao poder criador de Deus (Rm 11, 36). Deus é invisível, diz São Paulo, mas o invisível de Deus mostra-se-nos de modo analógico através das criaturas (Rm 1, 19; cf. Sb 13).
A plenitude da Criação é Cristo. Ele é a cabeça da Criação em estado de plenitude. O mundo foi criado por Cristo e para Cristo (Col 1, 15-20; Flp 2, 6-11). Criado como cabeça da Humanidade, Adão acabou por desorientá-la. Jesus Cristo veio como o Novo Adão, a fim de restaurar os danos causados por Adão na dinâmica da Criação.
3-Cristo Como Princípio e Fim da Criação
São Paulo, inspirando-se na presença da Sabedoria nos primórdios da Criação, diz que Cristo é a Sabedoria de Deus que esteve presente na dinâmica criadora do Universo. Jesus Cristo é o princípio, o centro e o fim da Criação (Col 1, 15-20). Adão foi sonhado por Deus para ser o medianeiro entre Deus e a Criação. Adão foi infiel à sua missão. Jesus, o novo Adão, é a imagem perfeita de Deus (Col 1, 15; Flp 2, 6). Ele é, de facto, a Sabedoria de Deus (Col 1, 24; 30). A Sabedoria tinha uma função arquétipa (forma virtual da realidade que viria a ser criada). A sua presença junto de Deus tinha uma função inspiradora (Prov 8, 22).
Agora, Cristo é igualmente visto como forma primordial e modelo da acção criadora de Deus. Ele é o primogénito da Criação. Por outras palavras, Jesus Cristo é o ponto de encontro entre Deus e a Criação. Ele é a causa exemplar e inspiradora do projecto criador de Deus. Ele é também, acrescenta São Paulo, a plenitude e a cabeça da Nova Criação: “Todos os que estão em Cristo são uma Nova Criação. Passaram as coisas velhas. Tudo isto se deve ao facto de Deus ter reconciliado consigo a criação por intermédio de Cristo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (1 Cor 5, 17-19).
Cristo é o ícone (imagem) de Deus. Por isso é a causa exemplar e o padrão do projecto de Deus para a Humanidade (Col 1, 1-16; cf. Sb 9, 1-2). Isto quer dizer que Deus, ao iniciar a marcha da criação, já tinha presente a plenitude da salvação em Cristo. É neste sentido que a Carta aos Colossenses diz que “tudo foi criado nele e para ele “ (Col 1, 16b). Logo no início da criação, Deus inspira-se na plenitude do projecto. Esta plenitude acontece em Cristo ressuscitado (1 Cor 8, 6; Rm 11, 36).
Olhada à luz da revelação de Deus, a Criação é cristocêntrica. Adquire o seu sentido pleno em Cristo ressuscitado. Devido à sua infidelidade Adão desorientou a Criação, conduzindo-a para o caminho do fracasso. Cristo é o novo Adão, o recriador e restaurador desta Criação distorcida (Rm 5, 15-17). Com Jesus Cristo a criação entrou na sua última fase. Chegou a plenitude dos tempos. A Humanidade entrou na fase da sua divinização. Cristo libertou-nos, a fim de sermos livres. Jesus Cristo veio para nos conduzir à liberdade (Gal 5, 1; 5, 13). Deus fez de nós condutores da marcha criadora, diz São Paulo: Tudo é vosso. Vós sois de Cristo e Cristo é de Deus (1 Cor 3, 21-23).
O prólogo do evangelho de João representa o cume da Cristologia do Novo Testamento. Mas é também um testemunho fundamental de fé na criação. São João, ao escrever o prólogo do seu evangelho tinha a intenção de conferir um sentido de plenitude ao relato do Génesis sobre a Criação. Por isso ele inicia o seu prólogo com as mesmas palavras com que o Génesis inicia o relato da criação: “No princípio” (Jo 1,1; cf. Gn 1, 1). Tal como acontece no Livro do Génesis, também no prólogo do evangelho de São João a criação é obra da Palavra (Jo 1,3). Tal como no Livro do Génesis surge o confronto e oposição da luz e das trevas (Jo 1, 4-5).
4-O Sonho Criador de Deus é Eterno
No entanto, o prólogo de São João dá um salto de qualidade em relação ao Génesis. No livro do Génesis a criação é iniciada em simultâneo com a marcha do tempo. No prólogo de São João ela é concebida no interior da eternidade. Os possíveis da criação surgem antes do tempo. Brotam das relações amorosas que existem na Comunidade Divina. Mas o início da génese criadora é temporal (Jo 1.12-14).
A estrutura literária do prólogo de João é a dos hinos sapienciais (cf. Prov 8, 22; Si 24, 3-12; Sb 9, 9-12). Existe um ser preexistente à criação, isto é, o Logos, a Palavra que é causa exemplar da mesma. Na perspectiva do evangelho de João, Cristo é o princípio e o fim da Criação (cf. Apc 1, 17; 22, 13).
A chave de leitura da teologia bíblica sobre a criação é a Aliança e o plano salvador de Deus. O Novo Testamento, por seu lado, faz uma leitura cristocêntrica do projecto criador de Deus. Podemos dizer que o documento fundamental da teologia bíblica sobre a criação não é o livro do Génesis mas sim o prólogo de São João, o qual explica e dá sentido aos relatos do Génesis.
Segundo o Livro do Génesis, Deus viu que todas as coisas eram boas (cf. Gn 1, 3-27). Para o prólogo de São João a plenitude desta bondade acontece pelo mistério da Encarnação, graças ao qual os homens foram divinizados e introduzidos na Família de Deus (Jo 1, 12-14).
5-Pecado e Restauração em Cristo
Apesar do pecado do Homem, Deus não abandonou o seu projecto. Após a sua infidelidade, Adão sentiu que estava nu, isto é, sem possibilidades de sair do seu fracasso (Gn 3, 9-11). Logo que Adão se sentiu nu, isto é, incapaz de atingir a sua plenitude, Deus começou logo a revesti-lo, isto é, a dar-lhe novas possibilidades de realização: “Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, pois ela seria a mãe de todos os viventes. Depois o Senhor Deus fez túnicas de peles para Adão e sua mulher e vesti-os” (Gn 3, 20-21).
Ao revestir o Homem, Deus inicia o processo da recriação do homem, corrigindo as distorções que o afastavam de Deus e de si próprio. O evangelho de São João diz que o Homem só pode atingir a plenitude do seu ser se nascer de novo, pois o facto de ser filho de Adão não o conduz à comunhão com Deus (Jo 3, 3-6).
A recriação do Homem dá-se no interior de cada ser humano. Ainda que o homem exterior envelheça, degradando-se e perdendo energias, o homem interior vai-se renovando gradualmente pela acção do Espírito Santo, diz São Paulo (2 Cor 4, 16-17).
São João diz que Cristo ressuscitado nos dá a Água Viva que faz jorrar Vida Eterna no nosso íntimo (Jo 4, 14; 7, 37-39). Na verdade, diz a Carta aos Romanos, os que são movidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus Pai e irmãos do Filho de Deus (Rm 8, 14-16).
A visão bíblica na criação é optimista, pois enquadra a plenitude da Criação em Jesus Cristo. Em Jesus Cristo Criação e Criação interligam-se amorosa e definitivamente. Não tem sentido criar uma dicotomia entre Deus e a Criação como se de coisas opostas se tratasse.
Em Jesus Cristo Deus realizou a reconciliação de todas as coisas, tanto as da Terra como as do Céu (2 Cor 5, 17-19). Mas a Criação ainda está em génese. Deus não criou de uma só vez. Por outras palavras, a Criação está em marcha. O Deus criador convida-nos a ser seus colaboradores, conduzindo a Criação à sua plenitude. Unido a Cristo de modo orgânico, o Homem tornou-se a cúpula da Criação assumida e incorporada na própria Família Divina.
b)Cristo Como Coração das Escrituras
1-Os Profetas e o Messias Esperado
A primeira profecia messiânica foi pronunciada pelo profeta Natã cerca de mil anos antes de Cristo. O rei David acabava de conquistar a cidade de Jerusalém e estava a planear construir aí um templo para Deus. O profeta Natã dirige-se ao rei David dizendo-lhe que não é essa a vontade Deus. Quando ele morrer, acrescenta o profeta, Deus vai suscitar-lhe um filho, o qual irá construir um templo para Deus. Deus será um pai para o filho do rei, graças ao qual a casa real de David será sólida e permanecerá para sempre (2 Sam 7, 12-16).
Esta profecia marcou toda a tradição messiânica de Israel, ao ponto de o evangelho de São Lucas a colocar na boca do anjo que anuncia a Maria o nascimento de Jesus: “Ele será grande e chamar-se-á filho do Altíssimo. Vai herdar o trono de seu pai David. Reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 32-33).
O rei David pensou que a profecia se referia ao seu filho Salomão. Eis a razão pela qual ele começou a preparar o seu filho para esta tarefa grandiosa. Logo que subiu ao trono, Salomão construiu o templo de Jerusalém, convencido de estar a realizar a profecia de Natã. No dia da inauguração do templo, o rei Salomão declara que, ao construir o templo, estava a realizar a vontade de Deus, tal como ela foi anunciada a David seu Pai:
“Depois, Salomão colocou-se diante do altar do Senhor, perante toda a assembleia de Israel. Depois levantou as mãos para o céu e disse: “Senhor, Deus de Israel, não há Deus semelhante a ti, nem no mais alto dos Céus, nem cá em baixo na Terra. Tu guardas a tua misericordiosa Aliança para com os teus servos que caminham na tua presença de todo o coração. Tu cumpriste sempre as tuas promessas para com o teu servo David, meu pai. Tudo o que a tua boca anunciou, a tua mão o realizou, como hoje podemos ver. Agora, Senhor, Deus de Israel, realiza a promessa que fizeste ao teu servo David, meu Pai, quando lhe disseste: “Nunca mais deixará de sentar-se, diante de mim, no trono de Israel, alguém da tua estirpe, desde que os teus filhos tenham o cuidado de ter uma conduta correcta, caminhando na minha presença, como tu fizeste (…). Que o teu olhar esteja atento dia e noite sobre este lugar do qual disseste: “Aqui estará o meu nome. Ouve, pois, a oração que, neste lugar, te faz o teu servo” (1 Rs 8, 22-29).
2-Os Filhos de David como Filhos de Deus
Devido à profecia de Natã, os reis descendentes de David, recebiam o título de filhos de Deus. Isto quer dizer que os reis davídicos, ao subirem ao trono, como que eram adoptados por Deus como seus filhos. Eis o que diz o salmo dois: “Fui eu quem te consagrou como rei sobre o meu monte santo de Sião! Vou anunciar o decreto do Senhor que me disse: “Tu és meu filho, hoje mesmo te gerei” (Sal 2, 6-7).
Fazendo referência à profecia de Natã, o Salmo 89 diz: “Fiz uma Aliança com o meu eleito, jurei a David, meu servo: Estabelecerei a tua descendência para sempre e o teu trono há-de manter-se eternamente” (Sal 89, 4-5). E mais à frente o mesmo salmo acrescenta: “Encontrei David, meu servo, e ungi-o com o óleo santo. A minha mão estará sempre com ele e o meu braço há-de torná-lo forte (…). Ele me invocará, dizendo: Tu és meu Pai, és o meu Deus e o rochedo da minha salvação! Eu farei dele o meu primogénito, o maior entre os reis da terra (…). Estabelecerei para sempre a sua descendência e o seu trono terá a duração dos Céus” (Sal 89, 21-30).
3-Jesus é o Filho de David Anunciado
Perante textos como estes não é difícil ver onde São Lucas foi buscar o seu texto da anunciação, pondo na boca do anjo uma mensagem que é, de facto, uma síntese a esperança messiânica do Antigo Testamento: “Disse-lhe o anjo: “Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e vai chamar-se filho do Altíssimo, pois o Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 30-33).
Os profetas vão ampliar e fortalecer a esperança messiânica, ao ponto de os tempos messiânicos surgirem como a plenitude dos tempos. O profeta Isaías exulta perante os tempos gloriosos que virão quando Deus suscitar o filho prometido a David. Ele vê o Messias como o sinal visível da bondade e da presença de Deus no meio do povo: “Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Sobre os seus ombros recairá o ceptro do poder real. Será chamado Conselheiro Maravilhoso, Deus Altíssimo, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9, 6).
Face à incredulidade do rei Acaz, o profeta Isaías enfrenta-o e diz-lhe que Deus lhe vai dar um sinal. A jovem rainha estava grávida e Isaías diz ao rei que essa gravidez é um sinal de que Deus vai realizar o que lhe prometeu. A gravidez da jovem rainha é o sinal que a promessa de Deus se vai realizar, mas não na pessoa do rei Acaz, pois ele portou-se como um incrédulo.
4-Jesus é o Messias, o Deus Connosco
O rei Messias será o Emanuel, isto é, o Deus connosco (Is 7, 14). Moisés foi enviado por Deus, a fim de conduzir o povo pelo deserto e, deste modo, poder atingir a terra prometida. Do mesmo modo Deus vai enviar um líder que, no deserto, vai preparar e conduzir o povo ao Messias prometido: “Uma voz clama no deserto: “Preparai os caminhos do Senhor. No deserto endireitai os caminhos para o Senhor nosso Deus” (Is 40, 3).
Naturalmente que este texto foi escrito para elevar os ânimos do povo escravizado em Babilónia. O profeta tenta dizer aos exilados de Babilónia que, tal como Deus conduziu os escravos do Egipto pelo deserto até atingirem a plena liberdade na terra prometida, assim vai acontecer agora.
Mas os escritores do Novo Testamento, preocupados com a realização das Escrituras em Cristo, aplicam este texto a João Baptista. Segundo Lucas, João Baptista realiza o papel do líder que, no deserto, prepara o povo para acolher o Messias anunciado pelos profetas: “João começou a percorrer toda a região do Jordão, pregando um baptismo de penitência para a remissão dos pecados, como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías: Uma voz clama no deserto: “preparai os caminhos do Senhor, e endireitai as suas veredas. Toda a ravina será preenchida, todo o monte e colina serão abatidos. Os caminhos tortuosos ficarão direitos e os escabrosos tornar-se-ão planos. E toda a criatura verá a salvação de Deus” (Lc 3,3-5).
5-O Messias e a Força do Espírito
Isaías compara o Messias a um renovo, isto é, a um rebento saído de uma planta chamada Jessé, isto é, o Pai de David. Sobre ele repousará o Espírito de Deus que o capacitará para criar uma Nova Humanidade: “Brotará um rebento do tronco de Jessé, e um renovo brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor: Espírito de sabedoria, Espírito de entendimento, Espírito de Conselho, Espírito de Fortaleza, Espírito de Ciência e de Temor do Senhor. Não julgará pelas aparências nem proferirá sentenças somente pelo que ouviu dizer. Pelo contrário, julgará os pobres com justiça e os humildes da terra com equidade (…). Então o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito. O novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá (…). A criancinha brincará na toca da víbora e o menino acabado de desmamar meterá a mão na toca da serpente. Não haverá dano nem destruição em todo o meu santo monte. A terra está cheia do conhecimento do Senhor” (Is 11, 1-9).
É difícil dizer de maneira mais bonita o sonho da Nova Humanidade! O profeta Jeremias dirá que a Humanidade restaurada pela acção salvadora do Messias é obra do Espírito Santo, o qual será o selo de uma Nova Aliança indestrutível: “Dias virão em que firmarei uma Nova Aliança com a Casa de Israel e a casa de Judá, oráculo do Senhor. Não será como a aliança que estabeleci com seus pais, quando os tomei pela mão para os fazer sair da terra do Egipto, aliança que eles não cumpriram, apesar de eu ser o seu Deus, oráculo do Senhor. Esta será a aliança que eu estabelecerei, depois desses dias, com a casa de Israel, oráculo do Senhor: Imprimirei as minhas leis no seu íntimo e gravá-las-ei no seu coração. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo (…). Todos me conhecerão desde o maior ao mais pequeno, pois a todos perdoarei os seus pecados e não mais me lembrarei das suas iniquidades, oráculo do Senhor” (Jer 31, 31-34).
6-Jesus Realiza as Antigas Profecias
O Novo Testamento reconhece que Jesus Cristo é o Messias anunciado pelos profetas. São Lucas diz que Jesus, após a sua ressurreição, abriu os olhos dos discípulos, a fim de eles compreenderem que as antigas profecias se realizaram nele. Eis as palavras de Jesus: “Homens sem inteligência e lentos de espírito para acreditar no que os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória? Começando por Moisés e seguindo por todos os profetas explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que se referia a ele” (Lc 24, 25-27).
São Mateus, ao longo do seu evangelho demonstra a preocupação de demonstrar que as antigas profecias messiânicas estão de acordo com a história de Jesus Cristo. Logo no início do seu evangelho, ele declara que Jesus é o filho anunciado a David: “Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão” (Mt 1, 1).
Do mesmo modo, São Lucas sublinha que a primeira profecia messiânica se realizou em Jesus de Nazaré: “Ele será grande e chamar-se-á filho do altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David. Reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 32-33).
O profeta Miqueias profetizou que o nascimento do Messias se daria em Belém (Miq 5, 2). Nos seus evangelhos da infância, São Mateus e São Lucas, dizem que o nascimento de Jesus se deu em Belém (Lc 2, 1-3; Mt 2, 1). O profeta Malaquias diz que antes do dia do Senhor, Deus vai enviar o profeta Elias (Mal 4,5). São Mateus diz que João Baptista é o profeta Elias que devia vir antes do dia do Senhor (Mt 11, 13-14).
Num dia de Sábado, diz o evangelho de São Lucas, Jesus foi à sinagoga de Nazaré e leu o texto do profeta Isaías que fala da consagração do Messias (cf. Is 61, 1-3). Depois, Jesus acrescenta São Lucas, dá testemunho de que essa profecia se referia à sua pessoa e que acabava de se realizar nesse momento (Lc 4, 16-21).
Do mesmo modo, o profeta Zacarias fala da entrada triunfal do Messias em Jerusalém, montando um jumento (Zac 9, 9). O evangelho de São Mateus diz que Jesus realiza esta profecia entrando em Jerusalém montado sobre um jumento (Mt 21, 7-10).
No livro do Deuteronómio, Moisés fala de um profeta que virá e que será um líder em tudo semelhante a Moisés. O povo deve seguir esse profeta, diz o livro do Deuteronómio (Dt 18, 15). As multidões, ao verem as maravilhas realizadas por Jesus, chamam-lhe o profeta da Galileia” (Mt 21, 7-10).
O profeta Isaías lamentava-se dizendo que a mensagem de Deus não era ouvida nem aceite pelo povo (Is 53, 1). O evangelho de João diz que apesar de Jesus ter realizado tantos sinais indicadores de que Deus estava nele os chefes dos judeus não acreditaram nele (Jo 12, 37).
Do mesmo modo, a paixão e morte de Jesus é interpretada à luz dos sofrimentos do justo sofredor do profeta Isaías e do Salmo vinte e um que fala dos sofrimentos do Servo de Deus. O Servo de Deus, apesar de inocente, é humilhado, maltratado e é morto de modo violento. No entanto, a sua morte terá um efeito libertador para os pecadores (Is 52, 13- 53, 12). O salmo 21 diz que o Justo sofredor será esmagado. Os seus pés e as suas mãos serão trespassados (Sal 22, 16). Os evangelistas vêem na crucifixão de Jesus a realização desta profecia (Lc 24, 39; cf. Mt 26, 67). Perante o abandono e o sofrimento, o justo sofredor sente-se abandonado por Deus e clama: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Sal 21, 1)
São Mateus põe estas palavras do salmo na boca de Jesus no momento de morrer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46). De tal modo os evangelistas têm a preocupação de fazer coincidir a história de Jesus com as Escrituras que, por vezes, chegam a forçar os seus relatos ou, então, a forçar os factos históricos. Este modo de proceder tem como pano de fundo a preocupação dos evangelistas em demonstrar que Jesus é o Messias anunciado pelos profetas.
c)A Sabedoria Que Emana da Cruz de Cristo
1-A Cruz e a Força da Salvação
A cruz de Jesus Cristo é uma fonte de Sabedoria que ilumina o mistério de Deus, de Jesus Cristo e do Homem. No alto da cruz, Jesus garantiu ao Bom Ladrão que nesse mesmo momento ia abrir o Paraíso fechado pelo pecado de Adão (Lc 23, 43). A cruz de Jesus fala-nos do acontecimento da morte e ressurreição de Jesus graças ao qual a Humanidade deu um salto de qualidade: O véu do templo rasgou-se de alto a baixo (Mt 27, 51).
Com este relato, os evangelistas querem dizer que a Humanidade tem acesso directo a Deus. Na verdade, o véu do templo era um cortinado que separava o Santo dos Santos, isto é, o lugar da presença de Deus, da parte onde estavam os fiéis. Só o sumo-sacerdote entrava no Santos dos Santos para comunicar com Deus. Agora todos têm acesso a Deus como membros da família divina: Filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação Filho de Deus (Rm 8, 14-17).
Foi na cruz que teve início a divinização do homem. Este acontecimento, diz São Paulo, representa a plenitude dos tempos, isto é, a fase dos acabamentos, pois o ser humano é incorporado na Família de Deus e clamar: “Abba ó papá” (Gal 4, 4-7). Foi no momento da morte e ressurreição de Jesus sobre a cruz que os túmulos começam a abrir-se e os justos a ressuscitar com Cristo (Mt 27, 52).
Este relato quer dizer que foi na da cruz de Cristo que teve início a ressurreição da Humanidade. Se Cristo é o Novo Adão, isto é, a cabeça da Nova Humanidade, não tinha sentido ressuscitar a cabeça e o corpo não. De facto, diz São Paulo, nós somos corpo de Jesus Cristo e seus membros, cada qual com sua função (1 Cor 12, 27).
2-A Cruz e a Difusão do Espírito Santo
Foi a partir da cruz que comunicou a difusão do Espírito Santo. De facto, no momento em que o soldado espeta a lança no coração de Jesus sai sangue e Água (Jo 19, 34). A água é a Água Viva como Jesus tinha ensinado aos Apóstolos, a qual provoca uma nascente de Vida Eterna no coração da pessoa humana (Jo 7, 37-39). As pessoas que beberem desta Água, disse Jesus à Samaritana, nunca mais terá sede (Jo 4, 14).
O sangue é o sangue da Nova e Eterna Aliança, isto é, o Espírito Santo enquanto princípio que nos comunica a Vida de Jesus ressuscitado. Foi isto que Jesus disse aos judeus quando lhes explicou que a carne e sangue que nos alimenta são a dinâmica amorosa do Espírito Santo e não uma realidade de ordem biológica (Jo 6, 63)
O Espírito Santo é o sangue de Cristo ressuscitado, o qual é uma realidade de oram espiritual (Jo 6, 62). Os que são vivificados por este sangue recebem a vida eterna e ressuscitam com Jesus Cristo, como ele mesmo disse (Jo 6, 54-55).
Foi a partir da cruz que o Espírito Santo rompe com as fronteiras estreitas da fé judaica. Na verdade, no momento em que Jesus morre e ressuscita no alto da cruz, o primeiro a reconhecê-lo como Filho de Deus foi o centurião romano, um pagão e não um judeu. Mas a cruz de Jesus Cristo não nos fala de um Deus Pai cruel, capaz de exigir a morte violenta do seu próprio Filho Unigénito. Um Deus vingativo, incapaz de perdoar sem exigir tormentos e maus tratos. As pessoas que desfiguraram assim o rosto de Deus Pai não se davam conta que Deus é uma Família Trinitária cuja dinâmica é o amor e a reciprocidade.
O que Deus Pai sente em relação a nós também o sente o seu Filho Unigénito, bem como o Espírito Santo. Jesus curava os doentes e perdoava os pecados, afirmando que era esta a vontade de Deus Pai. Justificava o seu procedimento, dizendo que estava a proceder de Acordo com a missão que o Pai lhe tinha confiado: “O meu alimento, dizia ele, é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34).
Noutra passagem ainda mais explícita, afirmou: “Eu não desci do Céu para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas o ressuscite no último dia” (Jo 6, 38-39). Se é este o jeito de Deus amar e perdoar, como é que ele podia ter exigido a morte cruel de Jesus Cristo? Deus não ama o pecado, e a morte de Jesus foi um pecado, pois ele era o mais inocente dos homens.
3-Os Apóstolos e a Morte de Jesus na Cruz
Perante a dificuldade de justificar o facto de Jesus ter morrido como um criminoso ou um malfeitor, os Apóstolos recorrem ao texto do Justo Sofredor do profeta Isaías (cf. Is 52,13-53-12). Este texto e o Salmo 21 são duas reflexões profundas sobre um tema chocante para a mentalidade bíblica: Como é possível haver justos que sofrem? Os dois textos tentam encontrar um sentido e responder a este facto chocante para a razão. A resposta encontrada é a de que o sofrimento do justo tem valor redentor para os pecadores.
Os dois textos afirmam que Deus toma partido pelos justos que sofrem. Deus vem em socorro do justo que sofre, conduzindo-o ao sucesso derradeiro que é a vitória sobre a morte. Ao tomar partido pelo justo sofredor, Deus liberta-o a ele e ao povo com o qual ele forma uma união orgânica, interactiva e dinâmica. O povo que sofria no exílio da Babilónia foi liberto, pois aí havia justo a sofrer. Podemos encontrar muitos ecos destes textos ao longo do Novo Testamento.
Os discípulos de Jesus, ao anunciarem aos judeus que ele é Messias dizem que a morte de Jesus tinha de ser aquela, pois já estava anunciada pelos textos do Servo Sofredor. Graças ao sofrimento deste justo os pecadores foram redimidos. A Primeira Carta de São Pedro diz que Jesus foi o justo Sofredor que carregou com os nossos pecados, citando o profeta Isaías: “Carregou sobre si os nossos pecados sobre o madeiro da Cruz, a fim de que nós, estando mortos para o pecado, possamos viver na justiça. Fomos curados nas suas feridas” (1 Pd 2, 24).
4-O Amor Tudo Desculpa
A bíblia diz que Deus é amor (1 Jo 4, 7; 16). Isto quer dizer que as pessoas divinas nada podem contra o amor, de contrário, Deus estava a negar-se a si mesmo. A nossa fé diz-nos que Deus é amor incondicional, isto é, perdoa sempre sem necessidade de qualquer reparação ou desagravo.
Falar da justiça de Deus não significa falar de um acto forense, isto é, um julgamento de tribunal. Se Deus é amor, a sua justiça não pode ser outra senão a justiça do amor e o amor nunca se vinga, diz São Paulo: “O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará” (1 Cor 13, 7-8).
Se Deus é amor, então temos de reconhecer que Deus é assim, quer se trate do pai, do filho ou do Espírito Santo. Esta é a luz que nos vem da Sabedoria da cruz de Jesus Cristo, a qual nos fala da plena fidelidade de Jesus à missão que Deus lhe confiou. A sabedoria da cruz de Cristo convida-nos a sermos fieis como Jesus foi. Na verdade, da nossa fidelidade à vontade de Deus pode depender a felicidade de muitos irmãos nossos.
A morte violenta de Jesus foi o resultado abominável da ingratidão humana. Mas a sabedoria que emerge da cruz confirma-nos de que Deus toma partido pelos que gastam a vida pelas causas do amor.
O amor de Jesus Cristo por nós é o reflexo do amor que Deus Pai nos tem. São Paulo entendeu muito bem a união que existe entre o amor de Deus Pai e o amor de Cristo. Eis as suas palavras: “Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. O que era antigo passou. Eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que em Jesus Cristo nos reconciliou com Deus, não levando mais em conta o pecado dos homens” (2 Cor 5, 17-19).
A Primeira Carta a Timóteo diz que Jesus Cristo é o único medianeiro entre Deus e o Homem (1 Tim 2, 15). A Carta aos Colossenses descreve o projecto salvador que Deus sonhou para nós e realizou em Jesus Cristo: “Jesus Cristo é a imagem perfeita do Deus invisível, o primogénito de toda a Criação. Foi de acordo com ele que as coisas do Céu e da Terra foram criadas, tanto as visíveis como as invisíveis. Tanto as do Céu como as da Terra (…). Tudo foi criado nele e por ele. Ele é anterior a todas as coisas e todas subsistem por ele. Ele é a cabeça da Igreja e o princípio, o primogénito de entre os mortos, a fim de ter a primazia em todas as coisas. Aprouve a Deus que habitasse nele toda a plenitude, a fim reconciliar consigo todas as coisas em Cristo e por Cristo” (Col 1, 15-20).
d)Jesus Cristo Como Redentor
1-Jesus Como Servo Fiel
Graças ao acontecimento da Encarnação, a Humanidade e a Divindade ficaram definitivamente unidas. As pessoas humanas não são ilhas. As divinas também não. Por outras palavras, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. É por esta razão que a Humanidade, tal como a Divindade, formam uma união orgânica.
Na verdade, a Humanidade é constituída por pessoas e a Divindade também. Olhando o mistério da pessoa nesta perspectiva bíblica, torna-se claro que o ser humano é solidário com a Humanidade tanto no bem que faz como no mal.
Esta maneira de entender as coisas aparece muito clara no livro do profeta Isaías. O profeta faz uma leitura dramática do exílio do Povo de Deus na Babilónia. Para Isaías é sobretudo chocante o facto de, na Babilónia, haver justos que estão a passar por situações de grande sofrimento (Is 52, 13-53, 12). Até este período o povo bíblico pensava que os justos não podiam sofrer, pois Deus é justo e não vai provocar sofrimentos aos justos, pois estes realizam de modo fiel a vontade de Deus.
Neste período pensava-se que Deus era o autor do sofrimento. Nesta perspectiva, o sofrimento das pessoas humanas era expressamente provocado por Deus, a fim de as punir das suas infidelidades e pecados. Segundo esta maneira de ver as coisas, é normal que Deus não envie sofrimentos aos pecadores, a fim de o punir das suas maldades.
2-O sofrimento e a Justiça de Deus
Como Deus é justo, é normal que ele não envie sofrimentos aos justos, pois estes, além de não serem pecadores, são amigos de Deus. O sofrimento das crianças era atribuído ao pecado dos pais. Ainda no Novo Testamento encontramos vestígios desta mentalidade: “Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. Os seus discípulos perguntaram-lhe, então: Rabi, quem pecou para este homem ter nascido cego? Ele, ou os seus pais? Jesus respondeu: nem pecou ele nem os seus pais. Isto aconteceu para se manifestarem nele as obras de Deus (Jo 9, 1-3).
A observação do sofrimento dos justos no exílio de Babilónia deu origem a uma releitura que deu origem a uma visão que vai muito além da visão tradicional: A saída encontrada pelo profeta Isaías (Segundo Isaías) é a de que o justo, por fazer uma união orgânica com o povo pecador, passa pelos mesmos sofrimentos: perseguições exploração e violência. Mas Deus não quer o sofrimento do justo e, portanto vai tomar partido em seu favor, libertando-o.
3-O Justo Sofredor e a Redenção do Povo
Ao libertar o justo da situação de opressão, Deus liberta com ele a multidão dos pecadores, pois o povo de Deus faz um todo orgânico, tanto justos como pecadores. Esta leitura aprofundada dá origem a um conceito totalmente novo: o sofrimento do justo é redentor para os pecadores. Por ter sempre presente o mistério da união orgânica do povo de Deus composto por justos e pecadores, o profeta passa constantemente do justo que sofre para o povo o povo sofredor.
Eis algumas palavras profundamente significativas disto que acabámos de analisar: “O meu servo terá êxito, pois será engrandecido e exaltado. Muitos povos ficaram espantados diante dele, ao verem o seu rosto desfigurado e o seu aspecto disforme. Do mesmo modo, muitos povos e reis vão ficar espantados ao verem as coisas maravilhosas e inauditas que vão acontecer (…). O servo cresceu diante do Senhor sem figura e sem beleza, pois estava desfigurado pelo sofrimento. Como um rebento em terra árida, vimo-lo sem aspecto atraente.
Desprezado e abandonado, por ser o homem das dores dominado pelo sofrimento. Desconsiderado, era considerado como um homem diante do qual se deve tapar o rosto, por ser um homem castigado por Deus. Na verdade ele tomou sobre si as nossas doenças e carregou as nossas dores. Nós o reputávamos como um leproso ferido por Deus e humilhado. Mas foi ferido por causa dos nossos pecados e esmagado por causa das nossas iniquidades.
O castigo que nós merecíamos caiu sobre ele, pois fomos curados nas suas chagas. Andávamos desgarrados como ovelhas perdidas, cada qual seguindo o seu caminho. Mas o Senhor carregou sobre ele os nossos crimes, perdoando a nossa iniquidade. Foi maltratado e humilhado, mas não abriu a boca. Era semelhante ao cordeiro levado ao matadouro ou à ovelha que permanece muda nas mãos do tosquiador. Sem defesa nem justiça, levaram-no à força. Quem é que se preocupou com o seu destino? Foi ferido por causa dos pecados do meu povo e suprimido da terra dos vivos. Deram-lhe sepultura entre os ímpios e uma tumba entre malfeitores, apesar de não ter cometido qualquer crime nem praticado qualquer fraude.
Aprouve ao Senhor esmagá-lo com sofrimentos, mas a sua vida tornou-se um sacrifício de reparação. Terá uma posteridade duradoura e viverá longos dias. O desígnio do Senhor realizar-se-à por meio dele (…). O Justo justificará a muitos, pois carregou com os seus crimes. Por esta razão terá uma multidão como herança e grandes despojos. Entregou a sua vida à morte e foi contado entre os pecadores, pois tomou sobre si os pecados de muitos, sofrendo pelos culpados” (Is 52, 13-53,12).
É admirável a profundidade deste texto de Isaías. Não admira que este fosse o texto preferido pelos Apóstolo para justificar a morte violente e injusta de Jesus.
4-Os Apóstolos e o Sofrimento de Cristo
Perante a dificuldade de justificar os sofrimentos e a morte de Jesus, os discípulos recorreram a estes textos magníficos, dizendo que Jesus é o Servo sofredor. Fomos salvos pelo sofrimento de um homem justo, Jesus Cristo, o Messias. Isto foi possível porque Jesus de Nazaré é um homem e, como tal, faz uma união orgânica com toda a Humanidade.
Por ser justo, Deus não podia permitir que ele ficasse sob o domínio da morte e por isso o ressuscitou. Uma vez ressuscitado, ele dá-nos a comer a sua carne e a beber o sem sangue, isto é, o Espírito Santo, fazendo-nos participar da sua ressurreição (Jo 6, 53-54). Ele é verdadeiramente a cepa da videira da qual nós somos os ramos.
Apenas podemos viver e ser fecundos na medida em que estivermos unidos à cepa (Jo 15, 4-5). A Primeira Carta de São Pedro tem uma passagem em que cita o texto do Servo Sofredor, para dizer que fomos salvos em Cristo por estarmos unidos a ele: “Carregou sobre si os nossos pecados sobre o madeiro da Cruz, a fim de que nós, estando mortos para o pecado, possamos viver na justiça. Fomos curados nas suas feridas” (1 Pd 2, 24). Um morreu por todos, diz São Paulo, e nele todos morreram para o pecado (2 Cor 5, 14).
5-Ao Glorificar Jesus, Deus Redime a Humanidade
Como Jesus era Justo e fiel, Deus tomou partido por ele, ressuscitando-o e glorificando-o. Como a Humanidade forma um todo orgânico com Jesus Cristo, todos fomos assumidos e glorificados nele e com ele. Este mesmo argumento é usado na Segunda Carta a Timóteo: “Eis uma palavra digna de confiança: Se morremos com Cristo também vivemos com ele” (2 Tim 2, 11).
A Humanidade está unida a Cristo de modo orgânico e interactivo. Com a ressurreição de Cristo, a Humanidade deu um salto de qualidade, entrando no limiar da fraternidade universal, diz São Paulo. Agora já não importa a raça, a língua, o estatuto social, o povo ou a condição sexual, pois todos têm a mesma dignidade em Jesus Cristo: “Já não há diferença entre judeu ou grego, escravo ou homem livre. Já não há diferença entre homem ou mulher, pois todos formamos um em Jesus Cristo” (Gal 3, 28).
O evangelho de São João põe na boca de Jesus o sentido profundo desta união orgânica com Cristo, a qual nos introduz na própria comunhão da Santíssima Trindade: “Nesse dia compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20). E um pouco mais à frente acrescenta: “Eu neles e tu em mim, Pai, a fim de eles serem perfeitos na unidade. Deste modo o mundo conhecerá que me enviaste e os amaste a eles, tal como me amaste a mim” (Jo 17, 23).
Graças a esta união orgânica que nos liga a Cristo, nós fomos incorporados na Família de Deus. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo conduz-nos ao Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho de Deus que nos acolhe como irmãos. Eis as palavras de São Paulo na Carta aos Romanos: “Todos os que se deixam guiar pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para andardes no temor. Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção graças ao qual chamais “Abba”, ó Pai (…). Ora, se somos filhos somos também herdeiros: herdeiros de Deus pai e co-herdeiros com Cristo, pressupondo que com ele sofremos, para também com ele sermos glorificados (Rm 8, 14-17).
E depois explicita melhor o seu pensamento dizendo: “Àqueles que Deus conheceu antecipadamente, também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo que este é o primogénito de muitos irmãos” (Rm 8, 29).
6-A Igreja e a Nova Humanidade
A comunidade cristã é o sacramento desta unidade orgânica universal já enxertada e assumida em Deus. São Paulo insiste em que os membros da comunidade formam o corpo de Cristo: “Comemos de um só pão para formarmos um só corpo” (1 Cor 10, 17). E ainda: “Vós sois membros do Corpo de Cristo. E cada um de vós é uma parte deste corpo” (1 Cor 12, 27).
Sabemos como o corpo é mediação de encontro e comunicação. Como corpo de Cristo, a comunidade é mediação de encontro e comunicação de Cristo ressuscitado com o mundo. A Carta aos Efésios vai nesta mesma linha quando afirma: “Portanto, cada um deite fora a hipocrisia e fale a verdade ao seu irmão, pois somos membros de um só corpo” (Ef 4, 25).
A raiz desta comunhão orgânica universal é Jesus ressuscitado. O Espírito Santo é o princípio de organicidade e dinamismo que anima todo o corpo. Servindo-nos da imagem da união orgânica entre a videira e os ramos, podemos dizer que o Espírito Santo é a seiva que circula da cepa para os ramos, vivificando-os e tornando-os fecundos (Jo 15, 1-8). Inseridos na comunhão universal da Família Divina e Animados pelo Espírito Santo a nossa vida fica capacitada para dar frutos de excelente qualidade.
A Carta aos Gálatas diz que graças à união com Cristo e à fecundidade do Espírito Santo, nós vamos superando os frutos da carne, isto é, as acções do homem velho. Deste modo nos vamos tornando de modo gradual e progressivo a Nova Humanidade enxertada em Cristo: “A carne deseja o que é contrário ao Espírito e o Espírito o que é contrário à carne. Se sois conduzidos pelo Espírito não estais sob o domínio da carne, pois as obras da carne são patentes: fornicação, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, fúrias, ambições, discórdias, partidarismos, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas parecidas. Sobre estas coisas vos previno como já o fiz antes quando vos disse que os que praticam tais coisas não herdarão o Reino de Deus. Por seu lado, os frutos do Espírito São: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio. Contra estas coisas não há lei. Os que são de Cristo crucificaram a carne. Se vivemos pelo Espírito, sigamos o Espírito. Não nos tornemos vaidosos, provocando-nos e tendo inveja uns dos outros” (Gal 5, 17-26).
O amor é muito mais do que uma questão de emoções. Podemos dizer que o amor é o sinal seguro e a garantia de que Deus está em nós, pois Deus é amor. Unidos a Jesus, o Homem Novo, a Humanidade é a Nova Criação, reconciliada com Deus em Jesus Redentor (2 Cor 5, 17-19).
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