Jesus Cristo como Cúpula da História




a)Jesus Cristo Como Filho do Homem
1-Sentido Messiânico do Título Filho do Homem
2-O Filho do Homem e a Esperança Libertadora
3-Jesus e o Título Filho do Homem
4-Os Evangelhos e a Missão do Filho do Homem

b)Cristo e o Dom da Vida Eterna
1-Fé em Cristo e Vida Nova
2-Jesus Cristo é o Servo Fiel
3-Cristo e o Dom da Vida Eterna

c)Participar na Ressurreição de Cristo
1-O Homem Só Ressuscita Unido a Cristo
2-O Espírito Santo Como Força Ressuscitadora
3- Imortalidade e Ressurreição
4-A Possibilidade da Ressurreição Com Cristo

d)Jesus Cristo e o Mandamento do Amor
1-Só o Amor Basta
2-São Paulo e a Força Salvadora do Amor
3-O Amor ao Jeito de Deus
4-O Amor Tende Para a Reciprocidade
5-Horizontes Universais do Amor
6-Amor e Identidade Espiritual da Pessoa



a)Jesus Cristo Como Filho do Homem

1-Sentido Messiânico do Título Filho do Homem

No livro de Ezequiel Deus chama o profeta mais de noventa vezes com o título “Filho de Homem”. Logo no começo, ao consagrá-lo para a sua missão profética, Deus chama-o como Filho do Homem: “Filho de homem põe-te de pé que vou falar contigo. O Espírito penetrou em mim enquanto o Senhor me falava. Ouvi, então alguém que me chamava. Disse-me: “Filho de homem, vou enviar-te aos filhos de Israel” (Ez 2, 1-2).

Esta é a primeira passagem da Bíblia em que aparece o título Filho de Homem. No contexto do livro de Ezequiel, o título não tem qualquer conotação messiânica. A expressão significa apenas, homem, filho de Adão e pretende sublinhar a distância intransponível que existe entre o Homem e a transcendência divina.

Já não podemos dizer a mesma coisa do alcance deste título no livro do profeta Daniel. Aqui, o título “Filho do Homem” já tem um significado messiânico. O Filho do Homem, em Daniel, é o Messias, investido por Deus no Céu. Deus, o Ancião sentado no trono, recebe o Filho do Homem e investe-o dos poderes reais atribuídos ao Messias:

“Entre as nuvens do Céu vinha alguém como um Filho de Homem. Chegou junto ao Ancião e foi conduzido à sua presença. Foram-lhe dadas soberania, glória e realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes das diversas raças e línguas o servem. O seu império é um império eterno que não passará jamais e o seu Reino nunca será destruído” (Dn 7, 13-14).

Não é difícil ver como este texto está decalcado na primeira profecia messiânica da história do povo bíblico, a qual foi proferida cerca de mil anos antes de Cristo. Trata-se da profecia dirigida a David. Eis as palavras do profeta Natã, ao rei: “Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, vou manter a tua descendência, consolidando o teu reino através de um filho teu. Ele construirá um templo ao meu nome e eu firmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e ele será um filho para mim (…). A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim e o teu trono permanecerá firme para sempre” (2 Sam 7, 12-16). A visão do Filho do Homem de Daniel tem como pano de fundo esta profecia que é a matriz da esperança messiânica do povo bíblico.


2-O Filho do Homem e a Esperança Libertadora

No conjunto das profecias bíblicas sobre o Messias, a profecia do Filho do Homem é a última. Embora o autor do Livro de Daniel apresente os seus oráculos como estando a ser pronunciados em Babilónia, no tempo do Exílio, na verdade estamos num outro contexto de grande sofrimento para o povo: a tirania dos reis selêucidas em Jerusalém.

Estamos nos finais do século segundo antes de Cristo. Os judeus estão a ser martirizado pelos descendentes de Alexandre Magno, os quais queriam impor-lhes a religião e os costumes pagãos. A profecia do Filho do Homem é um texto de carácter apocalíptico, a linguagem própria dos momentos de grande perseguição.

Nesta profecia o nome de Filho de David é substituído pelo nome de Filho do Homem, a fim de não ser mais um motivo de perseguição. Além disso, o Filho do Homem recebe o seu poder directamente de Deus, no Céu. Por outras palavras, o Filho do Homem não é sagrado no templo como tinham sido os outros filhos de David. Neste momento o templo não é um lugar sagrado, pois foi profanado pelos selêucidas que colocaram lá os seus ídolos.

Agora podemos compreender melhor como o título de Filho do Homem aplicado a Jesus pressupunha, da parte dos discípulos, a experiência da ressurreição. As profecias messiânicas diziam que o Messias devia subir ao trono e tornar-se o rei dos reis vizinhos. Mas isto não aconteceu com Jesus. Para os judeus isto era a prova de que Jesus não era o Messias. É verdade que os judeus mataram Jesus, dizem os discípulos, mas Deus ressuscitou, e entronizou-o no Céu, sentando à sua direita (Rm 1, 3-5).

Aplicando a Jesus o título de Filho do Homem, os discípulos estão a dizer aos judeus que Jesus é o rei messiânico anunciado pelos profetas. Deus ressuscitou-o e sentou-o à sua direita concedendo-lhe a soberania e o poder messiânicos do rei messiânico. Eis as palavras do Livro dos Actos dos Apóstolos: “Saiba toda a casa de Israel com absoluta certeza que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado” (Act 2, 36).


3-Jesus e o Título Filho do Homem

Não sabemos se o Jesus histórico se apelidou alguma vez de Filho do Homem. Na verdade este título só tem o seu pleno significado após a ressurreição de Jesus. Mas podemos dizer que no caso de o Jesus histórico se ter designado a si mesmo como Filho do Homem, ele estava a fazer referência ao seu poder messiânico após a sua ressurreição.

Entre os títulos atribuídos pelo Novo Testamento a Jesus, o mais usado é o “Filho do Homem”. Aparece nos evangelhos mais de oitocentas vezes! O título Filho de Deus é capaz de aparecer umas trezentas vezes. O título Filho do Homem ganha peso sobretudo após a Páscoa, pois é o que melhor se adapta para dizer que Jesus é Messias entronizado no Céu.

Eis o que diz a Carta aos Romanos: “Acerca do Filho de Deus, nascido da descendência de David segundo a carne, constituído Filho de Deus (rei entronizado) em todo o seu poder, pelo Espírito Santo, no momento da sua ressurreição de entre os mortos” (Rm 1, 3-5). Deus ressuscitou-o e entronizou-o no Céu, diz o Livro dos Actos dos Apóstolos (Act 2, 22-24). Jesus foi investido no seu poder real na presença de Deus, tal como anunciou o profeta Daniel (cf. Dan 7, 14).

Após a Páscoa, os discípulos ao falarem do Jesus histórico vão atribuir-lhe muitas características próprias do Filho do Homem entronizado no Céu. Graças ao rei messiânico entronizado no Céu, diz a profecia de Daniel, Deus vai suscitar o reino dos santos, isto é, o resto fiel: “Os santos do Altíssimo são os que hão-de receber a realeza e guardá-la por toda a eternidade” (Dn 7, 18).

Para a mentalidade bíblica, o rei e o povo fazem um todo orgânico. Eis a razão pela qual o texto passa da figura singular do Filho do Homem, para a figura colectiva dos eleitos constituído pelo resto fiel. O título Filho do Homem, tal como aparece em Daniel, sugere que o Messias é mais que um simples homem.


4-Os Evangelhos e a Missão do Filho do Homem

Para os evangelhos, o Filho do Homem é o escolhido por Deus para realizar a salvação da Humanidade: De agora em diante, o Filho do Homem estará sentado à direita do Todo-poderoso, diz o evangelho de São Lucas (Lc 22, 69). O Filho do Homem tem poder para perdoar os pecados diz o evangelho de São Mateus (cf. Mt 9, 6).

Ele é o Senhor até do Sábado, o dia que Deus tinha consagrado para o repouso (Mt 12, 8). Como sabemos, o dever de guardar o Sábado era indiscutível para qualquer judeu. A obrigação de guardar o sábado era um ponto central no conjunto dos mandamentos escritos por Moisés. As atitudes de Jesus face ao Sábado indicam que o Filho do Homem é superior a Moisés

É no momento da sua ressurreição que Jesus atinge a plenitude do seu poder de Filho do Homem, isto é, Messias entronizado no Céu (Act 3, 19-21). O Filho do Homem está entronizado no Céu. No dia decidido por Deus, ele vai voltar para instaurar um Reino da justiça. Ele vai vir, diz São Mateus, envolto na glória de seu Pai, com os anjos e, então, retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta (Mt 16, 27). A vinda do Filho do Homem será como o relâmpago que sai do Oriente e brilha até ao Ocidente (Mt 24, 27).

A Salvação que Deus concede à Humanidade através do Filho do Homem é universal, isto é, destina-se a todos os seres humanos, diz São Mateus: “Então aparecerá o sinal do Filho do Homem no Céu. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do Céu com grande poder e glória” (Mt 24, 30). No momento do seu martírio, Estêvão disse: “Vejo o Céu aberto e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus” (Act 7, 56).

No evangelho de São João, o Filho do Homem adquire as características de um ser divino e preexistente. Ele é o Filho Eterno, Deus com o Pai e o Espírito Santo: “Ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem” (Jo 3, 13). O Pai deu ao Filho o poder de julgar, pois Ele é o Filho do Homem (Jo 5, 27). Este texto de São João tem subjacente a visão de Daniel, segundo a qual o Filho do Homem é investido no Céu com poder e Glória, a fim de julgar todos os povos (cf. Dn 7, 13).

Os evangelhos são unânimes em declarar Jesus como o Filho do Homem, isto é, o rei messiânico entronizado no Céu. Associada a esta noção está também a ideia de que vai vir como rei para criar o Reino dos Eleitos de Deus. No dia da sua vinda, dizem os evangelhos, todos os homens o verão chegar sobre uma nuvem (Lc 21, 27; Mc 14, 62; Mt 26, 64). A nuvem na Bíblia é o sinal que acompanhava as manifestações de Deus. Com o evangelho de São João, o título de Filho do Homem adquire uma profundidade inultrapassável: o Filho do Homem é o Filho de Deus preexistente.


b)Cristo e o Dom da Vida Eterna

1-Fé em Cristo e Vida Nova

São Paulo diz que ninguém pode reconhecer Jesus Como o Senhor ressuscitado a não ser pelo Espírito Santo: “Por isso quero que saibais que nenhuma pessoa que fale sob a inspiração do Espírito poderá dizer que Jesus é um maldito. Do mesmo modo ninguém é capaz de proclamar Jesus como o Messias ressuscitado a não pela inspiração do Espírito Santo (1 Cor 12, 3).

Ao consagrar Jesus para a sua missão messiânica, o Espírito Santo optimizou a sua capacidade de se dar de modo fiel e total ao plano salvador de Deus. Nós fomos salvos graças à sua fidelidade. Mediante o baptismo no Espírito Santo também nós somos consagrados para realizar a vontade do Pai. Da nossa fidelidade a esta vontade também pode depender a felicidade de muitos irmãos nossos. O Espírito Santo vai-nos ajudando no sentido de compreendermos de que toma partido pelos que gastam a sua vida pelas causas do amor.

A ressurreição de Jesus é a prova de que Deus não permite que o justo seja destruído pelas forças da do mal. Devido ao facto de Jesus ser um homem perfeito connosco também nós participamos da sua ressurreição. Na verdade, o humano e o divino unem-se de maneira perfeita em Cristo. Graças a este facto, foi-nos dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus. Não por decisão do Homem, mas por vontade de Deus. Eis a razão, diz o evangelho de São João, pela qual o Verbo encarnou e habitou entre nós (cf. Jo 1,12-14).


2-Jesus Cristo é o Servo Fiel

E foi assim que o Filho de Deus decidiu tornar-se nosso irmão, a fim de sermos assumidos e incorporados na Família de Deus. Deste modo o Filho Único de Deus tornou-se o primogénito de muitos irmãos, proporcionando novos membros à Família de Deus (Rm 8, 29).

Foi em Jesus Cristo que os seres humanos deram o salto de qualidade que fez deles uma Nova Criação, como diz São Paulo: “Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. O que era antigo passou. Eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que, em Jesus Cristo, nos reconciliou com Deus, não levando mais em conta os pecados dos homens (2 Cor 5, 17-19).

Graças à fidelidade de Jesus Cristo fomos reconciliados com Deus. Deus criou o Homem (varão e mulher) è sua imagem e semelhança, diz o Livro doe Génesis (Gn 1, 26). Mas Adão, levado pelo seu orgulho, quis ser igual a Deus, rejeitando a sua condição de servo de Deus. Com este procedimento, Adão arrastou a humanidade para o caminho do fracasso e da morte. Jesus Cristo como servo fiel, reconduzindo a Humanidade para o caminho da vida (Rm 5, 17-19).

A Carta aos Colossenses põe um paralelismo entre Adão e Jesus Cristo. Também Cristo foi criado à imagem de Deus. Mas este aceitou a sua condição de servo numa atitude de plena fidelidade. Eis as suas palavras sugestivas do hino sobre a fidelidade de Cristo: “Jesus Cristo é a imagem perfeita do Deus invisível. Ele é o primogénito de toda a Criação, pois foi de acordo com ele que todas as coisas foram criadas, tanto as do Céu, como as da Terra, as visíveis e as invisíveis (…). Tudo foi criado nele e por ele. Ele é anterior a todas as coisas e todas subsistem por ele. Ele é a Cabeça da Igreja, o princípio e o primogénito de entre os mortos, a fim de ter a primazia em todas as coisas. Aprouve a Deus que habitasse nele toda a plenitude, a fim de que todas as coisas fossem reconciliadas com Deus” (Col 1,15-20).


3-Cristo e o Dom da Vida Eterna

São Paulo diz que o Espírito Santo habita em nós como num templo (1 Cor 3, 16). É importante sabermos acolher a sua força criadora, a fim de darmos um salto de qualidade, passando de uma vida banal para uma vida que dê frutos de vida eterna.

Para que isto aconteça basta vivermos unidos a Cristo como os ramos da videira estão unidos à cepa, como diz o evangelho de São João: “Permanecei em mim que eu permaneço em vós. O ramo da videira não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira. O mesmo acontecerá convosco se não estiverdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, pois sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 4-5).
Com a sua luz reveladora, o Espírito Santo faz-nos compreender o sentido desta união orgânica com Cristo. Ele é realmente a Árvore da Vida que está no Centro do Paraíso. Graças à união orgânica que o liga à Humanidade, o fruto da vida eterna já ao alcance de todos nós. No evangelho de São João, Jesus diz que tem uma Água Viva para nos dar, a qual faz brotar uma nascente de Vida Eterna no nosso Coração. Esta Água, diz São João, é o Espírito Santo (Jo 7, 37-39).

Noutra passagem Jesus fala do fruto da Vida Eterna, associando-a à Eucaristia: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a Vida Eterna e eu hei-de ressuscitá-lo no último dia” (Jo 6, 54). Este dom é-nos concedido na medida eu que nós fazemos uma união orgânica com Jesus, tal como ele faz uma união orgânica com o Pai: “Assim com o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também aquele que me come viverá por mim” (Jo 6, 57).

No mesmo evangelho, Jesus afirma a sua união orgânica com o Pai e também connosco. É esta a condição para nós sermos incorporados na Comunhão Familiar de Deus: “Eu vivo e vós também haveis de viver. Nesse dia vós compreendereis que eu estou no meu Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 19-20).


c)Participar na Ressurreição de Cristo

1-O Homem Só Ressuscita Unido a Cristo

A fé cristã tem como alicerce a Boa Nova de Cristo ressuscitado. Ao anunciar a ressurreição de Jesus Cristo, o cristão também anuncia a Humanidade participa da sua vitória sobre a morte. Eis o que São Paulo diz na Primeira Carta aos Coríntios: “E quando este corpo corruptível se tiver revestido de incorruptibilidade e este corpo mortal se tiver revestido de imortalidade, então cumprir-se-á a palavra da Escritura: “A morte foi tragada pela vitória. Onde está ó morte a tua vitória? Onde está, ó mote, o teu aguilhão?” (1 Cor 15, 54-55).

No evangelho de São João, Jesus garante-nos que a nossa ressurreição será como a sua, pois nós constituímos com ele uma união orgânica. Eis a palavras de Jesus tal como no-las transmite o evangelho: “Permanecei em mim, que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, esse dá muito fruto” (Jo 15, 4-5).


2-O Espírito Santo Como Força Ressuscitadora

A força ressuscitadora de Jesus Cristo, isto é, o Espírito Santo, foi-nos comunicada pelo próprio Jesus no momento de ressuscitar. Jesus prometeu-nos a Água Viva, isto é, o Espírito Santo que nos ressuscita e nos dá a Vida Eterna: “No dia mais solene da Festa, Jesus disse em voz alta: “Se alguém tem sede venha a mim e beba. Eu tenho uma Água Viva para dar, a qual fará brotar uma nascente de Vida Eterna no coração daqueles que a beberem”. Jesus referia-se ao Espírito Santo, pois o Espírito ainda não viera por Jesus não ter ressuscitado” (Jo 7, 37-39).

São Paulo diz que nós formamos um corpo do qual Cristo é a cabeça. Graças ao Espírito Santo que anima a nossa união a Cristo, todos nós participamos da sua ressurreição: “Assim como o corpo é um, apesar de ter muitos membros, assim também Jesus Cristo. De facto, nós fomos baptizados num só Espírito, a fim de formarmos um só corpo, tanto os judeus como os gregos, os escravos ou homens livres. Todos nós bebemos de um só Espírito (1 Cor 12, 12-13).

O evangelho de São João diz que vivemos de Cristo, por estarmos unidos a ele, tal como ele vive do Pai, por estar unido a ele: “Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, assim aquele que me come viverá por mim” (Jo 6, 57). O evangelho de São João faz uma comparação de Jesus com a Árvore da Vida, a qual tinha um fruto capaz de dar ávida eterna aos que o comem.

Ao sugerir que Jesus é a Árvore da Vida, São João diz que o fruto desta Árvore é o Espírito Santo, a Água que brota do seu coração e nos dá a Vida Eterna: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei-de ressuscitá-lo no último dia (…). Com efeito, quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele” (Jo 6, 54-56). Com este texto magnífico, São João está a dizer que a nossa ressurreição está garantida graças à ressurreição de Jesus Cristo.


3- Imortalidade e Ressurreição

É verdade que os seres humanos, por terem uma interioridade espiritual já são imortais. Mas a ressurreição não se reduz à simples imortalidade. A ressurreição implica ser vivificado pelo Espírito Santo, a seiva que vem da cepa da videira para os ramos, a fim de os vivificar e tornar fecundos, como disse Jesus (Jo 15, 4-5).

Além da ressurreição de Cristo o evangelho é também a Boa Notícia da nossa ressurreição com ele. Ressuscitar com Cristo implica a nossa assunção e incorporação na Comunhão da santíssima Trindade.

Podemos dizer que a nossa vida tem sentido na medida em que vivemos para amar e vamos morrendo por amor, isto é, à medida que nos vamos gastando pelas causas do amor. Podemos dizer que o amor é uma dinâmica de bem-querer que vale tanto para viver como para morrer. Ao dar-nos o mandamento do amor, Jesus estava a indicar-nos o caminho que nos conduz à plenitude da Vida.

A plenitude da Vida consiste em ser assumido no regaço da Santíssima Trindade. Como Árvore da Vida, Jesus dá-nos o fruto da Vida Eterna. No momento da sua morte e ressurreição, abriu-nos as portas do Paraíso. É isto mesmo que Jesus diz ao Bom Ladrão no momento da sua morte e ressurreição: “Em verdade te digo:”hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).

Jesus é o Novo Adão que abre as portas que tinham sido fechadas a Adão (Gn 3, 23-24). A ressurreição de Cristo é a garantia de que a meta para a qual estamos a caminhar não é o vazio da morte, mas sim a Vida Eterna. Não basta a pessoa ser imortal para atingir a plenitude da vida. Na verdade, se houver pessoas em estado de inferno, estas são imortais, mas não possuem a Vida Eterna. São Paulo diz que por Adão veio a morte e por Cristo, o Novo Adão, veio a Vida Eterna (Rm 5, 18). É verdade que só ressuscita o que em nós é imortal. Mas a simples imortalidade, só por si, não chega para participarmos na plenitude da vida eterna com Cristo ressuscitador.


4-A Possibilidade da Ressurreição Com Cristo

Com o aparecimento do Homem sobre a terra, as sementes de vida espiritual germinaram no Universo e a Criação atingiu a plena possibilidade de comungar com o Criador. Esta possibilidade radica no facto e a Humanidade ser pessoas e a Divindade também. A Divindade é uma comunhão orgânica e dinâmica de três pessoas.

A Humanidade está a emergir de modo concreto em cada ser humano e a convergir para a comunhão orgânica e dinâmica das pessoas divinas com as humanas. Graças à Encarnação, o Filho de Deus uniu-se de modo orgânico à Humanidade, criando assim as condições para a ressurreição Universal em Cristo. Podemos dizer que só não participa na plenitude da ressurreição com Cristo a pessoa que se estrutura em atitude de recusa progressiva ao Amor.

Ao criar-nos, diz São Paulo, Deus predestinou-nos para sermos conformes com o Seu Filho, a fim de este ser o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 29). Isto significa que estamos talhados para a Comunhão Universal da Família de Deus. Ao falar da morte, o cristão não pode deixar de anunciar a sua esperança na ressurreição de Cristo e na nossa ressurreição com ele

São Paulo diz que a nossa ressurreição e a de Cristo são uma só dinâmica que funciona de modo orgânico. Eis o que ele diz na Primeira Carta aos Coríntios: “Ora, se nós anunciamos Cristo ressuscitado, como é que alguns de vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação e a vossa fé não tem fundamento” (1 Cor 15, 12-14).


d)Jesus Cristo e o Mandamento do Amor

1-Só o Amor Basta

O amor é a veste nupcial e a única indispensável para participar no Banquete do Reino de Deus. Jesus tinha consciência de que só o amor basta. Foi por esta razão que pôs de lado a multiplicidade dos preceitos normas e ritos do judaísmo, substituindo-os pelo amor. Os evangelhos dão-nos conta da multiplicidade tensões e conflitos dos judeus com Jesus, exactamente porque Jesus não cumpria as leis e normas do judaísmo. O evangelho de São Mateus diz que uma vez Jesus ousou dizer aos fariseus que ele cumpre a Lei judaica até à última vírgula. Jesus queria dizer-lhes que o amor realiza todas as aspirações das normas e leis do judaísmo (Mt 5, 17).

Naquilo que possa haver de válido na multiplicidade de leis e normas da Lei judaica apontam para o amor a Deus e aos irmãos. Como Jesus foi total e incondicionalmente fiel ao amor a Deus e aos irmãos podia dizer com verdade que ele cumpriu a Lei e os profetas de modo perfeito. Jesus sabia que o amor cumpre toda a lei e os profetas, pois Deus é amor, e só pode comungar com Deus vive de acordo com o amor, como diz a Primeira Carta de São João (1 Jo 4, 16).

Foi por esta razão que Jesus fez do amor a síntese de todos os preceitos, leis e mandamentos. Eis as palavras de Jesus: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 12-13). São Paulo diz na Carta aos Gálatas que toda a Lei se reduz a isto: “Amarás ao teu próximo como a como a ti mesmo (Gal 5, 14).


2-São Paulo e a Força Salvadora do Amor

O Apóstolo compôs um hino sobre o amor que é uma obra-prima. Eis algumas das afirmações deste hino: “Ainda que fale as línguas dos anjos e dos homens, se não tiver amor não passo de um bronze que soa e faz barulho. Mesmo que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência. Ainda que tenha uma fé grande ao ponto de deslocar montanhas se não tiver amor, nada sou. Mesmo que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, Se não tiver amor, de nada me aproveita. O amor é paciente e prestável. O amor não é invejoso, nem arrogante ou orgulhoso. O amor nada faz de inconveniente nem gira sempre à volta do seu interesse. Também não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. O amor desculpa tudo, e acredita sempre. O amor espera tudo e tudo suporta. O amor jamais passará” (1 Cor 13, 1-8).

A proposta que Jesus faz aos cristãos é a de estarem atentos aos apelos do Espírito Santo, a fim de que o seu amor atinja a densidade de amor caridade, isto é, o amor ao jeito de Deus.

3-O Amor ao Jeito de Deus

Eis a proposta que Jesus fez aos seus discípulos, a fim de atingirem a densidade do amor caridade, isto é, amor ao jeito de Deus: “Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. Eu, porém, digo-vos: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. Fazendo assim tornar-vos-eis filhos do vosso pai que está nos Céus, o qual faz com que o sol se levante todos os dias sobre bons e maus e faz cair a chuva sobre justos e pecadores (…). Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai do Céu é perfeito” (Mt 5, 43-48).

De tal modo a densidade do amor de Jesus se aproximou do jeito de amar de Deus Pai que um dia pode afirmar: “Há tanto tempo que estou convosco e ainda não me conheceis, Filipe? Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). Uma outra vez Jesus afirmou a total sintonia com o Pai que um dia o seu jeito de ser e amar com o jeito de ser e amar de Deus, que Jesus afirmou: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).

Como vemos, amar com amor caridade, isto é, ao jeito de Deus, configura-nos com Deus ao ponto de nos tornarmos suas imagens perfeitas. Apesar de ter sido bem alicerçado na teologia judaica, São Paulo entendeu bem o mandamento de Jesus. Eis o que ele diz na Carta aos Romanos: “Amar o próximo como a si mesmo resume toda a Lei de Moisés” (Rm 13, 8). Depois acrescenta que o amor é a plenitude da Lei (Rm 13, 10). No evangelho de Mateus Jesus declara que o amor ao próximo é sentido por ele como amor a si mesmo (Mt 25, 40).


4-O Amor Tende Para a Reciprocidade

A comunhão amorosa atinge o seu ponto mais alto na reciprocidade. Por isso Jesus diz que Deus usará para connosco a mesma medida que nós usarmos com a nossa medida (Mt 7, 2). Esta afirmação deve ser lida pela positiva, não pela negativa e quer dizer que podemos amar tranquilamente os outros. Mesmo que eles sejam ingratos para nós, Deus estabelecerá uma perfeita reciprocidade amorosa connosco.

É como se Deus nos estivesse a dizer: “A densidade do amor com que amares os outros é a força que modela o teu coração para eu entrar em comunhão contigo. A Lei e os profetas, acrescenta Jesus, resumem-se num princípio único: “Fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem a nós” (Mt 7, 12).

Aprofundar o mistério do amor é aprofundar o mistério de Deus e do Homem. Como seres talhados para o amor, a nossa vida espiritual só atinge a sua plenitude na comunhão amorosa. Quando amamos os irmãos, estes sentem que uma nova porta se abriu para eles. A confiança começa a crescer na pessoa quando esta se sente amada. Muitos dos seus problemas começam a encontrar solução.

Amar é deixar que o outro seja segundo as suas possibilidades e aspirações mais profundas. Ninguém é capaz de amar antes deter sido amado. Por outras palavras, só teremos ouvidos para ouvir as vozes que gritam por amor, depois de termos sido amados por alguém. Quanto mais pleno e incondicional for este amor melhor ouviremos os apelos do amor para lá dos laços do sangue, da raça, da língua ou da nacionalidade.


5-Horizontes Universais do Amor

Os ensinamentos de Jesus apontavam para os horizontes universais do amor. Eis as suas palavras no evangelho de São Mateus: “Se amais apenas os que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também fazem o mesmo. Se saudais apenas os da vossa raça e língua que fazeis de extraordinário? Não fazem assim também os pagãos? Sede perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos Céus” (Mt 5, 46-48).

Amar com horizontes universais é optimizar o nosso amor, capacitando-nos para amar com amor teologal ou caridade. Quem não tem vivências de amor é incapaz de conhecer Deus, pois Deus é amor, diz a Primeira Carta de São João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus. Aquele que não ama não chega a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (Jo 4, 7-8).

A lei do amor é assim: “A pessoa está capacitada para amar na medida em que foi amada por alguém. Mas fica condicionada nas suas capacidades na amar na medida em que foi mal amada.” O amor é um movimento de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. O amor concretiza-se em opções e atitudes que facilitam a felicidade dos outros. Ninguém é capaz de nos obrigar a amar. Na verdade, o outro nunca será capaz de se nos impor como próximo. Por outras palavras, os outros tornam-se nosso próximo a partir do momento em que os elegemos como alvo do nosso bem-querer.


6-Amor e Identidade Espiritual da Pessoa

O que constitui a nossa identidade espiritual e eterna é o nosso jeito de amar. No Reino de Deus, todos nós dançaremos o ritmo do amor, mas cada um com o jeito que treinou enquanto esteve em construção na História. Isto quer dizer que é o amor que nos estrutura como pessoas.

Por outras palavras, o amor é a dinâmica imprescindível para a humanização do homem. Uma pessoa mal amada é uma pessoa mal estruturada, tem dificuldade em encontrar-se e encontrar os outros de modo satisfatório.

A auto-estima do mal amado anda normalmente em baixo, pois ninguém é capaz de gostar de si antes de alguém o ter amado e valorizado. O mal amado é vítima, não culpado. Está bloqueado e bloqueará outros sem disso terem culpa. Ao reduzir os preceitos e mandamentos do judaísmo ao amor a Deus e aos irmãos, Jesus deu provas de ter uma compreensão profunda da realidade do amor. A Primeira Carta de São João diz que Deus é amor (1 Jo 4, 7). Isto quer dizer que fomos criados pelo amor e, portanto, talhados para amar.

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