a) O Lugar de Maria no Novo Testamento
1- Jesus e a Sua Família
2- Maria Como Mediação do Espírito Santo
3- Maria no Templo
4- Maria e o Mistério de Cristo
5- A Perda do Menino Jesus no Templo
b) A Presença de Maria na Igreja Nascente
1- Maria e o Resto Fiel
2- Maria e as Aparições de Jesus Ressuscitado
3- Maria e a Igreja Nascente
4- Maria e a Nova Aliança
c) Maria e a Voz Profética do Magnificat
1- O Magnificat Como Cântico Bíblico
2- O Rosto de Maria no Magnificat
3- A fidelidade de Maria
4- Maria Foi descobrindo o Plano de Deus
5- Maria e Jesus Cristo
6- A Força Interveniente do Magnificat
d) Maria no Limiar da Nova Aliança
e) Maria Teve Um Menino
1- Um Menino Bem Amado
2- O Mistério do Menino de Maria
3- Ele é o Nosso Salvador
4- Deu-nos o Poder de Sermos Filhos de Deus
5- Ele é a Árvore da Vida Eterna
a) O Lugar de Maria no Novo Testamento
1- Jesus e a Sua Família
As referências a Maria nos evangelhos de São Mateus, São Marcos e São Lucas deixam claro este princípio: A realidade de Jesus Cristo enquanto Messias é obra do Espírito Santo, não de Maria: “Enquanto ele falava, uma mulher, levantando a voz do meio da multidão, disse: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!” Ele, porém, retorquiu: “Felizes antes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 27-28).
Jesus tinha uma consciência muito clara sobre a sua missão: Deus enviou-o para construir a Família de Deus, a qual não assenta nos laços do sangue, mas nos vínculos do Espírito Santo. Eis a razão pela qual Jesus rejeita certas afirmações que parecem opor-se a esta verdade: “Estava ele a falar à multidão, quando apareceram sua mãe e seus irmãos que, do lado de fora, procuravam falar-lhe: Disse-lhe alguém: “A tua mãe e os teus irmãos estão lá fora e querem falar-te”. Jesus respondeu ao que lhe fez a comunicação: “Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos?” E indicando com a mão os discípulos, acrescentou: “Aí estão minha mãe e meus irmãos, pois todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 46-50).
São Lucas e São Marcos substituem a expressão “fazer a vontade do Pai” por “Escutar a Palavra de Deus e pô-la em prática” (Lc 8, 20; cf. Mc 3, 31-35). Em Nazaré, os conterrâneos de Jesus espantavam-se com a sua sabedoria e com os milagres que fazia, pois eles conheciam-no muito bem e à sua família: “Chegado o sábado, Jesus começou a ensinar na sinagoga. Os numerosos ouvintes enchiam-se de espanto e diziam: “De onde lhe vem tudo isto e que sabedoria é esta? Como é possível realizar tais milagres? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?” E isto chocava-os” (Mc 6, 2-4).
2- Maria Como Mediação do Espírito Santo
No relato da visita de Maria a sua prima Isabel, São Lucas apresenta Maria como mediação da obra messiânica, pois levava no seu ventre Jesus, o Messias, o qual comunicou o Espírito Santo a João Baptista. O relato tem um grande significado simbólico. Em primeiro lugar afirma que não foi João que comunicou o Espírito Santo a Jesus, mas foi Jesus que comunicou o Espírito Santo a João.
Depois aparece a figura de Maria como a grande mediação do Espírito. Na verdade, foi Maria que levou Cristo, o portador do Espírito Santo, até João Baptista. Eis o relato de São Lucas: “Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para as montanhas, a uma cidade da Judeia. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então, erguendo a voz, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? De facto, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio” (Lc 1, 39-44).
É um texto bonito para fazer a ligação entre João Baptista e Jesus. Naturalmente que se trata do “midrash”, isto é, um texto elaborado em forma de relato histórico, mas que é apenas uma elaboração teológica. No que se refere à figura de Maria, São Lucas aprofunda toda a riqueza teológica associada a Maria, a mãe do Messias: Maria aparece neste relato como uma mulher de Fé: “Feliz de ti que acreditaste”, diz-lhe Isabel (Lc 1, 45). Tal como Abraão, Maria acreditou. Graças à sua fé, Abraão tornou-se o medianeiro das bênçãos da salvação para a Humanidade: “Disse o Senhor a Abraão: “Farei de ti um grande povo. Abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem. E na tua descendência todas as famílias da terra serão abençoadas” (Gn 12, 2-3).
Por ser uma mulher de Fé, Maria recebeu a missão de ser a mãe do portador das bênçãos prometidas a Abraão para toda a Humanidade. A grande bênção que o Filho de Maria traz para a Humanidade é o Espírito Santo que faz dos seres humanos membros da Família de Deus: São Paulo entendeu muito bem esta verdade fundamental e por isso escreveu: “Todos os que se deixam guiar pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão, mas um Espírito de adopção, graças ao qual clamais: “Abba, Papá!” (Rm 8, 14-15).
3- Maria no Templo
Os evangelhos da infância, isto é, os dois primeiros capítulos dos evangelhos de São Lucas e São Mateus, não são relatos históricos. Se os compararmos vemos como são totalmente diferentes e até contraditórios. Trata-se de um procedimento corrente no mundo bíblico chamado “midrash”.
O “midrash” é um texto com uma intenção teológica bem definida: Elaborar o retrato do personagem em causa e da missão que Deus lhe vai confiar. As maravilhas ligadas ao nascimento ou infância do personagem em causa indicam os planos que Deus tem para ele. Os evangelhos da infância são um midrash. Isto quer dizer que a sua elaboração tem a função pedagógica de apresentar de Jesus e a missão que Deus lhe vai confiar.
Vejamos o encontro com o velho Simeão: Maria foi ao templo para fazer a apresentação do seu filho ao Senhor. Nesse momento aparece um ancião chamado Simeão, homem justo e piedoso, o qual esperava a consolação de Israel. Simeão estava cheio do Espírito Santo (Lc 1, 25). Inspirado pelo Espírito Santo, toma o menino nos braços e exclama: “Agora, Senhor, tal como me disseste, deixa partir este teu servo em paz. Os meus olhos viram a salvação que ofereces a todos os povos e que é a luz que se vai revelar às nações. Ele é a glória de Israel teu povo”.
Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele. Simeão abençoou-os e disse a Maria sua mãe: “Este menino será um sinal de contradição. Será causa de queda e ressurgimento de muitos em Israel. Uma espada trespassará o teu coração e assim se revelarão os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 29-35). Naturalmente que um texto destes foi escrito depois da vida, morte e ressurreição de Jesus.
4- Maria e o Mistério de Cristo
Este midrash, como todos os outros que aparecem na bíblia eram elaborados após a morte do personagem em causa. A anunciação do anjo a Maria faz igualmente parte do evangelho da infância de Lucas. São Lucas põe na boca do anjo uma síntese da primeira profecia messiânica da história: o oráculo do profeta Natã a David, cerca de mil anos antes de Cristo (2 Sam 7, 12-16). Esta profecia marcou toda a história bíblica, pois é a matriz da esperança messiânica em Israel.
Agora, o Anjo da Anunciação sintetiza a profecia, apresentando-a em forma de anúncio do nascimento maravilhoso do Messias esperado. Eis o que diz o evangelho de São Lucas: “Ao entrar em casa de Maria, o anjo disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo”. Ao ouvir estas palavras, Maria perturbou-se e perguntava-se sobre o significado de tal saudação. Disse-lhe o anjo: “Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar á luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David. Reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim”. Maria disse ao anjo: “Como será isso, se eu não conheço homem?” O anjo respondeu-lhe: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é santo e será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 28-35).
O que Jesus é como Messias é obra do Espírito Santo. Para acentuar este aspecto, São Lucas põe na boca de Maria a seguinte questão: “Como será isso, visto eu não conhecer varão?” (Lc 1, 34). O grande protagonista deste mistério é o Espírito Santo. Como ternura maternal de Deus, o Espírito Santo vai optimizar o amor maternal de Maria, a fim de ela amar o Filho de Deus com um amor maternal optimizado pelo próprio Deus. Nesta passagem, Maria aparece como a grande mediação do Espírito Santo para que se concretize o mistério de Cristo. Foi o Espírito Santo que consagrou Jesus para ele realizar a sua missão, diz São Lucas mais à frente (Lc 4, 18-21).
Na verdade, Maria apenas compreendeu de modo perfeito o mistério de Cristo com o Pentecostes. Como diz o Livro dos Actos dos Apóstolos, Maria só compreendeu de modo perfeito o mistério de Cristo após a ressurreição do Senhor (cf. Act 1, 14). É muito interessante ver como o evangelho de São João, com seu simbolismo tão rico, diz que a festa das Bodas de Caná teve lugar três dias depois. Não é difícil ver aqui uma alusão à experiência pascal de Maria e dos irmãos de Jesus (Jo 2, 1-2).
No evangelho de João Maria é mencionada apenas duas vezes: nas Bodas de Caná (Jo 2, 1-12) e junto à cruz (Jo 19, 25-27). Maria não é nunca mencionada pelo seu nome. São João chama-lhe sempre a mãe de Jesus. Mesmo quando os judeus falam dos pais de Jesus, mencionam Jesus pelo seu nome, mas para Maria utilizam a designação de Mãe de Jesus: “Os judeus puseram-se, então a murmurar contra Jesus pelo facto de ele ter dito: “Eu sou o pão que desceu do Céu” e diziam: “Não é ele Jesus, o filho de José, de quem nós conhecemos o pai e a Mãe?” Como se atreve a dizer agora: “Eu desci do Céu?” (Jo 6, 41-42).
Quando Jesus a fala com Maria, este chama-lhe sempre mulher. Deste modo, Deste modo, São João pretende acentuar que Jesus, enquanto Messias, não é obra de Maria, mas sim do Espírito Santo. Eis o testemunho de João Baptista: “Eu não o conhecia, mas foi para ele se manifestar a Israel que eu vim baptizar com água. “Eu vi o Espírito Santo que descia do Céu como uma pomba e permanecia sobre ele. Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a baptizar é que me disse: “Aquele sobre quem vires descer o Espírito e poisar sobre ele é o que baptiza com o Espírito Santo. Pois bem: eu vi e dou testemunho de que este é o filho de Deus” (Jo 1, 31-34).
Ao pôr na boca de Maria o cântico do Magnificat, Lucas entendia que uma proclamação desta força e profundidade se adequava perfeitamente à mãe de Jesus. No evangelho de Mateus Jesus convida os discípulos a aprenderem dele que é manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). Jesus tem um coração manso e humilde. Este coração de Jesus foi em grande parte pela acção maternal de Maria. De facto, os meninos judeus, no tempo de Jesus, ficavam ao cuidado exclusivo das mães até aos cinco anos de idade. É o período básico para a estruturação das linhas mestras da personalidade humana!
5- A Perda do Menino Jesus no Templo
No relato da perda do Menino Jesus no Templo, ao falar do reencontro de Jesus com os seus pais, São Lucas, como fez São João no relato das bodas de Caná, utiliza a simbologia dos três dias. Depois de muita aflição, os pais de Jesus encontram-no três dias de pois na casa do Pai.
Naturalmente que também há uma alusão à experiência pascal de Maria. Eis o relato: “Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. Quando Jesus atingiu os doze anos, subiram até lá, segundo o seu costume. Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem. Pensando que ele se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Três dias depois encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas (…). Ao vê-lo, os seus pais ficaram assombrados e sua mãe disse-lhe: “Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!” Ele respondeu-lhes: “Porque me procuráveis?” Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai? Mas eles não compreenderam as palavras que Jesus lhes disse” (Lc 2, 41-49).
Nas entrelinhas deste texto do “midrash” de São Lucas está uma alusão muito significativa sobre a descoberta que Maria faz do seu Filho no momento da sua experiência pascal. A experiência pascal de Maria e dos irmãos de Jesus é afirmada de modo solene por São Paulo quando descreve em síntese as aparições do Senhor ressuscitado (1 Cor 15, 7). São Paulo nomeia Tiago em vez de Maria, mas isso deve-se ao facto de Maria ser uma mulher e as mulheres, no mundo judaico daquela época, não poderem servir como testemunha. Pôr uma mulher a testemunhar a ressurreição de Jesus, seria tirar credibilidade ao facto.
É por esta mesma razão que, no evangelho da infância de São Mateus, o anjo só fala com José. São Mateus escreve o seu evangelho a pensar nos judeus. Como a mulher não era considerada uma testemunha credível o anjo da anunciação nunca fala com Maria, mas apenas com José (Mt 1, 20; 2, 13).
Por outras palavras, no evangelho de São Lucas, o anjo da anunciação só fala com Maria. No evangelho de São Mateus, o anjo só fala com José: “Andando José a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: “José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho ao qual darás o nome de Jesus, pois ele salvará o povo dos seus pecados. Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor disse pelo profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará á luz um filho, e há chamá-lo Emanuel, que quer dizer Deus connosco” (Mt 1, 22). O anjo falou várias vezes em sonhos com José: Na fuga para o Egipto (Mt 2, 13-15). No regresso do Egipto para a terra de Judá (Mt 2, 19-21). Na mudança para Nazaré (Mt 2, 22-23). Podemos dizer que noutro contexto cultural a figura de Maria seria mais realçada.
b) A Presença de Maria na Igreja Nascente
1- Maria e o Resto Fiel
A teologia do resto fiel de Deus atravessou toda a tradição profética, desde o profeta Elias até aos últimos profetas. Devido às suas infidelidades, Israel será disperso no meio dos outros povos e ficará reduzido a um pequeno resto que se voltará para o Senhor (Dt 4,27). Com este resto Deus, que é rico em misericórdia vai renovar com a sua Aliança, fazendo deste resto o grupo dos seus eleitos (Dt 4,31).
O Profeta Isaías diz que Deus só conta com um pequeno resto que se voltará para o Senhor: “Naquele dia o resto de Israel e os sobreviventes de Jacob não farão alianças com os inimigos do Senhor, mas apoiar-se-ão com confiança no Deus forte. Ainda que o teu povo, ó Israel, fosse tão numeroso como os grãos de areia das praias do mar, apenas um pequeno resto voltará (10, 18-22).
Os judeus que regressaram do exílio de Babilónia estavam convencidos de ser eles o resto anunciado pelos profetas (Zac 3, 8-9). Face ao modo como os judeus rejeitaram Jesus Cristo, São Paulo vê nos poucos judeus que se converteram à fé, o resto anunciado pelo profeta Isaías no texto que vimos acima” (Rm 9, 19; 27-29). Ao longo da História da Salvação, Deus foi renovando a sua Aliança sempre com um pequeno resto: O núcleo familiar de Noé (Gn 6, 9). O resto de um grupo de homens que, no tempo do profeta Elias, se manteve fiel ao Senhor (1 Rs 9, 10, 18).
2- Maria e as Aparições de Jesus Ressuscitado
O Novo Testamento vê em Maria e no grupo dos discípulos o resto fiel anunciado pelos profetas. Este resto, unido a Cristo ressuscitado e animado pelo Espírito Santo é o fermento da Nova Criação realizada em Cristo ressuscitado (2 Cor 5, 17-19). A última passagem do Novo Testamento que nos fala de Maria é o relato da comunidade apostólica primordial, logo após o Pentecostes.
Depois de referir o nome dos onze discípulos, Lucas acrescenta: “E todos unidos pelos mesmos sentimentos, entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e seus irmãos” (Act 1, 14). Após a Páscoa, Maria e os discípulos formavam o resto fiel reunido em nome de Jesus de Nazaré, o Messias de Deus. Segundo os Actos, o resto fiel era constituído pelos onze discípulos, pela mãe de Jesus e seus irmãos e por um grupo de cerca de cento e vinte pessoas (Act 1, 15).
Ao fazer a síntese das aparições de Jesus ressuscitado, São Paulo declara estar a repetir exactamente o que os Apóstolos lhe comunicaram, pois ele, nessa altura, ainda não fazia parte do grupo dos cristãos. Depois de mencionar a aparição do Senhor a Pedro, aos doze, e a mais de quinhentos irmãos, São Paulo fala de uma aparição a Tiago. Este Tiago não é o irmão de João, pois este estava incluído no grupo dos doze, mas sim Tiago, o irmão de Jesus que, na altura em que São Paulo escreveu o texto era o chefe da comunidade de Jerusalém.
Na Carta aos Gálatas, São Paulo fala deste Tiago, dizendo tratar-se do irmão do Senhor. Além do encontro com São Pedro, São Paulo não viu mais ninguém a não ser Tiago: “Passados três anos subi a Jerusalém para conhecer Pedro e fiquei com ele durante quinze dias. Mas não vi nenhum outro Apóstolo a não ser Tiago, o irmão do Senhor. O que vos escrevo, digo-o diante do Senhor, não estou a mentir” (Gal 1, 19).
O relato das aparições do Senhor ressuscitado Tiago é mencionado entre os que tiveram uma aparição própria (cf. 1 Cor 15, 3-9). Como se pode comprovar no relato das pessoas beneficiadas com uma aparição do Senhor não há nenhum nome de mulher. Isto revela como este texto é antigo. Ainda estamos em pleno contexto judaico, onde a mulher não podia servir de testemunha. Se na lista das pessoas que viram o Senhor ressuscitado houvesse nomes de mulher, em vez de Tiago teríamos naturalmente o nome de Maria.
Agora já podemos ler o relato das aparições, tal como os Apóstolos o transmitiram a Paulo. Eis as palavras do Apóstolo na Primeira Carta aos Coríntios: “Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as mesmas Escrituras. Apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida pareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, enquanto alguns já morreram. Depois apareceu a Tiago” (1 Cor 15, 3-7)
Este texto dá-nos a garantia de que Maria e o seu núcleo familiar mais íntimo foram beneficiados com uma aparição do Senhor ressuscitado. O evangelho de João diz de maneira muito sugestiva que Maria, após a hora de Jesus, isto é, a sua morte e ressurreição passa a fazer parte do resto fiel continuando a sua missão de mãe do Messias, mas agora como mãe da comunidade apostólica que é o Corpo de Cristo (1 Cor 12,27).
Maria foi, pois, uma mediação privilegiada do Espírito Santo, ajudando o resto fiel com o qual o Espírito Santo ia fundar a Igreja: “Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria, a mulher de Cléofas e Maria Madalena. Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que ele amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!” E desde aquela hora, o discípulo acolheu-a em sua casa” (Jo 19, 25-27). Seria errado pensar que Jesus entregou Maria a João, a fim de esta não ficar só e abandonada.
3- Maria e a Igreja Nascente
Os Actos dos Apóstolo testemunham que Maria, após a Páscoa, se fazia acompanhar do seu núcleo familiar a que o Novo Testamento chama irmãos de Jesus (Act 1, 14). O texto de João, utilizando um simbolismo muito bonito, diz que Maria, após a Páscoa, continua a sua missão maternal de mediação especial do Espírito Santo no interior do resto fiel. O Novo Testamento, de modo especial o Livro dos Actos dos Apóstolos e os escritos de São Paulo vêem neste resto fiel o embrião do Novo povo de Deus.
Como sabemos, a dinâmica do amor maternal é básica para o desenvolvimento de qualquer embrião. A teologia do resto fiel vem associada à ideia de um castigo que deixará o povo de Deus reduzido a um pequeno resto. Esse dia será trágico, pois os pecadores vão ser aniquilados. Só escapará o resto fiel o qual se apoiará sobre uma Nova aliança assente, não na letra das tábuas de pedra dadas a Moisés no Monte Sinai, mas no dom do Espírito Santo.
O dia do Senhor está próximo, dizia o profeta Ezequiel. Aproxima-se o tempo: o Senhor vai derramar a sua cólera. Nesse dia o ouro e a prata não poderão salvar (Ez 7, 5-19). Os justos vão ser assinalados, a fim de escaparem à ira do Senhor, formando assim o resto fiel. Todos serão exterminados, excepto os assinalados na fronte, os quais constituem o pequeno resto que Deus vai poupar. (Ez 14, 22).
Deus vai conceder um coração e um espírito novos aos que restarem fiéis. Estes serão reconduzidos para Jerusalém onde encontrarão a felicidade, a paz e a prosperidade (Ez 11, 17-19). Os poderosos vão ser humilhados. Os simples e pobres vão ser exaltados. As coisas vão mudar, pois o humilde será exaltado e o que está no alto será humilhado (Ez 21, 30-31).
São Lucas via em Maria um membro eminente deste resto fiel. É por esta razão que ele põe na boca de Maria o hino do Magnificat composto com estas palavras do profeta Ezequiel (Lc 1, 46-56). O Novo Testamento vê a Igreja nascente como o pequeno resto, o pequeno rebanho à frente do qual o Senhor vai colocar um pastor que sairá da casa de David, como disse o profeta Ezequiel (Ez 34, 11-25).
O evangelho de São Lucas põe na boca do anjo da anunciação uma síntese destas palavras de Ezequiel: “Ele será grande e será chamado filho do Altíssimo, pois vai herdar o trono de seu pai David. Ele vai reinar para sempre sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 32-33).
4- Maria e a Nova Aliança
Maria era um membro do povo judeu. Isto quer dizer que ela pertencia à Antiga Aliança. São Paulo reconhece que Maria, apesar de nascer como membro da Antiga Aliança teve a nobre missão de ser a ponte de passagem para a Nova Aliança. São Paulo atribui-lhe o privilégio de ser a aurora da plenitude dos tempos: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da antiga Lei. Deste modo Deus resgatou os que se encontravam sob o domínio, a fim de receberem a adopção de filhos. E porque somos filhos, Deus enviou aos nossos corações os Espírito de seu Filho que clama: “Abba, Papá!” Deste modo já não és escravo, mas filho. E se és filho, és também herdeiro pela graça de Deus” (Gal 4, 4-7).
Apesar de ter nascido como membro da Antiga Aliança, Maria tornou-se uma figura central na emergência histórica do Povo da Nova Aliança. Nos pronunciamentos dos profetas, a teologia do resto fiel estava associada ao juízo final, também chamado o dia da ira. Nesse dia, só o resto fiel escaparia à tragédia que Deus ia enviar sobre a Humanidade. Os discípulos consideravam-se o resto que escaparia ao dia da ira como os profetas tinham anunciado. No dia do juízo, diz o evangelho de São Mateus, haverá menos rigor para Sodoma do que para os que rejeitarem a mensagem de Jesus (Mt 11, 24). O juízo universal é associado à segunda vinda de Cristo, a qual iria a acontecer muito em breve, pensavam os discípulos.
Eis o que diz São Paulo na Primeira Carta aos Tessalonicenses: “Vós sabeis perfeitamente que o dia o Senhor virá como um ladrão vem pela calada da noite (…). Vós não andais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão” (1 Ts 5, 2-4). Maria ocupa um lugar de destaque no conjunto deste pequeno resto fiel, pois continua a sua missão de mediação privilegiada do Espírito Santo: O evangelho de São João diz que Jesus, no momento da sua morte, entrega Maria a João, a fim de ela ser a mãe do resto fiel do qual vai emergir o Povo da Nova Aliança (Jo 19, 25-27).
c) Maria e a Voz Profética do Magnificat
1- O Magnificat Como Cântico Bíblico
O Cântico do Magnificat tem a beleza e a força profética dos grandes cânticos bíblicos. Ao elaborar este grito profético em nome de Maria, São Lucas teve a intenção de colocar Maria entre os grandes personagens da História da Salvação. A confirmação desta verdade é posta por São Lucas na boca da sua prima Santa Isabel.
Por outras palavras, ao colocar na boca de Maria o canto do Magnificat, São Lucas está a querer dizer que Maria é uma mulher privilegiada no conjunto de todas as mulheres: “Então, erguendo a voz, Isabel exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor” (Lc 1, 42-45).
São Lucas inspirou-se nos grandes cantos do Antigo Testamento, especialmente no cântico de Ana, a mãe do profeta Samuel (cf. 1 Sam 2, 1-10). São Lucas, ao elaborar o canto do Magnificat tem como pano de fundo a história de Jesus e, sobretudo a experiência da sua ressurreição. Por outras palavras, o Magnificat é uma confirmação da força profética e libertadora da missão messiânica de Jesus. Além disso é a proclamação de que em Jesus Cristo se realizaram todas as profecias.
São Lucas confirma esta sua intenção no seu evangelho quando põe na boca de Jesus ressuscitado a garantia de que, em si, se realizaram toda as profecias messiânicas: “Jesus disse-lhes, então: “Ó homens lentos de espírito e faltos de inteligência, para acreditar em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de passar por estas coisas para entrar na sua glória? E, começando por Moisés e seguindo por todos os profetas explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito” (Lc 24, 25-27).
2- O Rosto de Maria no Magnificat
No Magnificat, São Lucas mostra-nos Maria como uma mulher em construção como as demais. O tema central do Magnificat é o acontecimento salvador de Jesus Cristo e a fidelidade de Deus. Em Jesus de Nazaré Deus realizou não só as antigas profecias como também as promessas feitas aos patriarcas: “Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre” (Lc 1, 54-55).
São Lucas apresenta Maria como uma mulher simples, crente e fiel à vontade de Deus. Estas qualidades fizeram de Maria uma mulher com as melhores condições para ser a mãe do Messias. Com seu jeito maternal de amar, O Espírito Santo prepara o coração maternal de Maria, a fim de ela amar o Filho de Deus com um jeito divino. Por outras palavras, o Espírito Santo optimiza o amor maternal de Maria, a fim de esta amar Jesus Cristo com o jeito do próprio Deus.
Maria foi eleita pelo Espírito Santo para ser colaboradora de Deus na concepção, nascimento e acompanhamento maternal do Messias salvador. São Lucas é muito realista no modo como apresenta Maria. A mãe de Jesus não é apresentada como se fosse uma deusa. Maria teve de crescer na compreensão do mistério de Jesus Cristo. A própria Maria se chama a humilde serva do Senhor.
3- A fidelidade de Maria
Ao dar-se conta da grandeza da missão que Deus lhe confiava, Maria sentiu-se amedrontada. Mas depois apercebeu-se de que Deus lhe confiou esta missão, não por que ela seja uma pessoa importante, mas porque o Senhor se dignou olhar para a humilde condição da sua serva: “Deus pôs os olhos na humildade da sua serva” (Lc 1, 48). Ao mesmo tempo, São Lucas apresenta Maria como uma mulher sensata, contemplativa e modesta. Maria medita em tudo o que vai descobrindo, meditando-o no seu coração e não faz alarde dos privilégios que Deus lhe concede. Através da meditação, ela vai compreendendo o mistério que envolve o seu filho meditando e contemplando as maravilhas de Deus.
Maria tem consciência de que a missão que Deus lhe pede tem como centro o seu Filho. Segundo São Lucas, Maria compreende que as prerrogativas que Deus lhe concede, estão em função da missão messiânica do seu Filho. Eis a razão pela qual ela só foi descobrindo de modo gradual o mistério que habitava o coração do seu Filho. Isto quer dizer que o plano de Deus não era evidente para Maria logo à partida.
4- Maria Foi descobrindo o Plano de Deus
Na verdade, a compreensão plena do mistério de Cristo só foi claro para Maria após a experiência pascal. Perante a grandeza dos planos de Deus, Maria limitava-se a guardar e meditar todas essas maravilhas no seu coração diz São Lucas: “Jesus respondeu-lhes: “por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?” Mas os seus pais não compreenderam as palavras que ele lhes disse. Depois desceu com eles, voltando para Nazaré, e era-lhes submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração” (Lc 2, 49-51; cf. 2,19).
A beleza, a inspiração e a garra profética do Magnificat é indiscutível. É profundamente significativo o facto de São Lucas o elaborar para pôr na boca de Maria. Procedendo assim, ele sublinha não só a importância do papel maternal de Maria, mas também as suas qualidades para ser a grande mediação do Espírito Santo para o acontecimento messiânico.
Zacarias, o pai de João Baptista, não teve fé. Por isso ficou mudo até ao nascimento de seu filho: “Eu sou Gabriel, aquele que está diante de Deus e fui enviado para te falar e te anunciar esta Boa Nova. Vais ficar mudo, sem poder falar, até ao dia em que tudo isto acontecer, por não teres acreditado nas minhas palavras, que se cumprirão na altura própria” (Lc 1, 19-20).
Maria, pelo contrário, acredita, apesar de não compreender o alcance do que lhe está a ser pedido. São Lucas sublinha expressamente que Maria, ao contrário de Zacarias, é possuidora de uma grande fé: “Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor” (Lc 1, 45).
Além de crente, sugere São Lucas, Maria é dócil ao plano que Deus sonhou para si: “Maria disse, então: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Temos de reconhecer que o Magnificat é um canto messiânico. Tem a força profética das palavras, atitudes e denúncias de Jesus. Na verdade, a pregação e as atitudes públicas de Jesus, são a expressão de uma vida marcadamente profética.
5- Maria e Jesus Cristo
Colocando o Magnificat na boca de Maria, São Lucas quis atribuir a Maria uma ligação privilegiada à missão libertadora do Messias. Não é por acaso que o canto de Maria tem uma referência muito clara à obra libertadora de Jesus: “Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias (Lc 1, 51-53).
Podemos dizer que a força profética destas palavras é uma síntese do jeito de viver de Jesus. Esta relação aparece muito clara no evangelho de São Lucas, logo no início da vida pública de Jesus: “Jesus veio a Nazaré onde se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista. Consagrou-me para mandar em liberdade os oprimidos e a proclamar um ano favorável da parte do Senhor”. Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Começou então a dizer-lhes: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4, 16-21).
São Lucas interpreta este texto de Isaías como um anúncio antecipado da acção profética e libertadora da missão de Jesus. Os dois textos são exclusivos de São Lucas, o que demonstra bem a sua intenção de sublinhar a garra profética das palavras e das acções de Jesus. É neste contexto que São Lucas evidente o Magnificat.
Nesta mesma linha do Magnificat está o cântico profético de Zacarias, ao qual damos o nome de “Benedictus” (cf. Lc 1, 67-79). Os dois cânticos surgem como uma exultação no Espírito Santo. Este tema da exultação no Espírito Santo é muito querido para São Lucas. O Espírito Santo faz exultar os justos que formam o resto fiel, isto é, o conjunto de pessoas que vivem na expectativa da vinda do Messias. Para São Lucas a abundância do Espírito é o sinal claro de que chegaram os tempos messiânicos, tal como os profetas tinham previsto. Eis o que São Lucas diz no Livro dos Actos dos Apóstolos: “Mas tudo isto é a realização do que disse o profeta Joel: “Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre toda a criatura” (Act 2, 16-17; cf. Jl 3,1).
O Magnificat de Maria, tal como o Benedictus de Zacarias são exultações no Espírito Santo (cf. Lc 1, 46-56; 1, 67-79). Nesta mesma linha está o cântico de Simeão, o ancião que tomou nos braços o Menino Jesus quando este foi apresentado no templo. Este cântico de Simeão é muito sugestivo, pois aparece como obra explícita do Espírito Santo: “Ora vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Era justo e esperava a consolação de Israel (…). O Espírito Santo estava em Simeão e tinha-lhe revelado que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. Impelido pelo Espírito Santo veio ao templo no momento em que os pais do Menino Jesus o trouxeram para o apresentar ao Senhor. Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus dizendo: “Agora, Senhor, tal como disseste, deixa partir em paz o teus servo, pois os meus olhos acabam de ver a Salvação que ofereceste a todos os povos: Luz para se revelar às nações e glória de Israel teu povo” (Lc 2, 25-32).
Estes cânticos têm em comum o reconhecimento de que Jesus é Messias anunciado pelos profetas e prometido aos patriarcas. Significam também que o conhecimento de Jesus como Messias é um dom do Espírito Santo.
6- A Força Interveniente do Magnificat
O Cântico do Magnificat não é um texto adocicado ou neutro no que se refere à denúncia do mal. Podemos dizer que o Magnificat enfrenta e denuncia as injustiças com a mesma frontalidade com que Jesus as defrontava. Maria aparece no Magnificat como uma excelente discípula de Jesus. Isto torna-se mais claro se tivermos presente que São Lucas escreveu este cântico após a experiência da ressurreição de Jesus.
No cântico do Magnificat, Maria denuncia as injustiças dizendo que uma sociedade onde um grupo de gente privilegiada explora uma multidão de gente privada de poder, de riqueza e direitos humanos não corresponde à vontade de Deus. Depois acrescenta que esta ordem será alterada, pois a misericórdia de Deus vai manifestar-se em favor dos mais pobres: “A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias” (Lc 1, 50-53).
Para São Lucas, Maria, Zacarias e Simeão são vozes que sintetizam a fé e a expectativa do resto fiel de Israel. Foi se tratar dos justos fiéis à vontade de Deus, o Espírito Santo revelou-lhes que Jesus veio inaugurar o Reino de Deus. O realce especial dedicado a Maria tem a ver com a sua ligação especial ao Messias e ao seu plano salvador. O que Jesus é como Messias é obra do Espírito Santo, não de Maria. Mas Maria é a grande mediação do Espírito Santo, a fim de acontecer o projecto salvador de Deus.
O Magnificat de Maria, o Benedictus de Zacarias, e o cântico de Simeão são textos cristológicos que proclamam Jesus como o Messias anunciado pelos profetas. Ao mesmo tempo proclamam a fidelidade de Deus que cumpriu as suas promessas.
d) Maria No Limiar da Nova Aliança
Em Maria, o povo Bíblico entra no limiar da Nova Aliança. O evangelho de São João associa à Hora de Jesus a transição de Maria para a dinâmica da Nova Aliança: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé a sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria, a mulher de Cleophas, e Maria Madalena. Então Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!” E, desde aquela hora, acolheu-a como mãe” (Jo 19, 25-27).
A Hora em são João significa a ressurreição e glorificação de Jesus. Os Actos dos Apóstolos testemunham a presença de Maria na comunidade primitiva: “E todos unidos pelo mesmo sentimento, entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus e seus irmãos” (Act 1, 14).
A transição de Maria para a Nova Aliança, portanto, deve ser associada à experiência pascal. A pregação primitiva sobre a experiência pascal dos discípulos, diz que Tiago, o mais velho dos chamados irmãos de Jesus, fez uma experiência pascal própria, tal como aconteceu com outros grupos: “Transmiti-vos em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Depois apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, apesar de alguns já terem morrido. Depois apareceu a Tiago” (1 Cor 15, 3-7).
Este Tiago é, como vimos, o mais velho dos chamados irmãos de Jesus que, após a Páscoa faziam parte da comunidade apostólica. Se olharmos com atenção nesta lista das aparições não aparece nenhum nome de Mulher. Isto quer dizer que esta pregação está profundamente marcada por uma forte carga judaica. Se assim não fosse não seria o nome de Tiago mas o de Maria que apareceria.
Isto significa que o grupo familiar de Maria teve uma aparição pascal própria. É isto, aliás que testemunha o texto mais tardio dos Actos dos Apóstolos que testemunha a presença de Maria e dos irmãos do Senhor: “Entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com seus irmãos” (Act 1, 14). Segundo o evangelho de João, Maria transita para a Nova Aliança mantendo a sua missão maternal: “Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe”. E, desde aquela hora, acolheu-a como mãe” (Jo 19, 27).
Para compreendermos o significado enorme desta transição de Maria para a Nova Aliança, basta por em paralelo a figura de Maria com João Baptista. João foi uma figura decisiva para ajudar o povo a compreender a chegada do Messias: “João disse a todos: “Eu baptizo-vos em água, mas vai chegar alguém mais forte do que eu, a quem não sou digno de desatar a correia das sandálias. Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo e no fogo” (Lc 3, 16).
Jesus dá testemunho em favor de João, pondo-o acima de qualquer outro personagem da Antiga aliança. No entanto Jesus diz claramente que ele não transitou para a Nova Aliança: “Depois Jesus começou a falar às multidões a respeito de João: “Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento? Então que fostes ver? Um homem vestido de roupas luxuosas? Os que usam roupas luxuosas encontram-se nos palácios dos reis. Que fostes, então, ver? Um profeta? Sim, eu vo-lo digo, e mais que profeta. Ele é aquele de quem está escrito: “Eis que envio o meu mensageiro diante de ti, a fim de te preparar o caminho. Em verdade vos digo: entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista. No entanto, o mais pequeno no Reino dos Céus é maior do que ele” (Mt 11, 7-11).
O Reino dos Céus significa a Nova Aliança. João não transitou para a Nova aliança. Eis a razão pela qual o menos no Reino dos Céus é maior do que ele. Numa das suas aparições após a Páscoa, o Senhor ressuscitado disse aos discípulos: “João baptizava com água. Vós, porém, sereis baptizados com o Espírito Santo dentro de poucos dias” (Act 1, 5) Podemos dizer que João atingiu a cúpula do Povo da Antiga Aliança, mas não fez a passagem para a Nova.
e) Maria Teve Um Menino
1- Um Menino Bem Amado
Maria Teve Um Menino! A Notícia circulou veloz entre as gentes de Nazaré. As amigas de Maria comunicavam o acontecimento com a força de uma exultação que vem do fundo do coração. Faziam-no com um contentamento parecido à alegria dos que anunciam o Evangelho. O Menino de Maria nasceu e cresceu no meio de muito amor. Era um Menino encantador como acontece com todas as crianças.
O seu olhar transparente cativava a ternura dos adultos. Era uma criança traquina e encantadora, como as outras crianças! Chorava, tinha fome de felicidade, e alimentava sonhos e esperanças. Como acontece com os meninos bem-amados, o Menino de Maria crescia feliz. Pelo facto de ter recebido muita ternura, o menino de Maria tinha uma capacidade enorme para ser dom.
2- O Mistério do Menino de Maria
Em Nazaré, as pessoas diziam que o filho de Maria e José era um menino encantador. Mas ninguém podia imaginar o alcance salvador daquele Menino a crescer. Cativava os que o tomavam ao colo. O seu sorriso transparente parecia transmitir algo que prolongava e optimizava o sorriso das demais crianças.
Mas ninguém suspeitava que aquele Menino havia de chamar pai ao próprio Deus! No seu coração aconteceu o encontro definitivo do Homem com Deus: o Divino enxertou-se no Humano, a fim de este ser divinizado. Por outras palavras, no coração deste menino aconteceu o mistério da Encarnação: O melhor de Deus encontrou-se com o melhor da Homem. Apesar de ninguém suspeitar, o Menino de Maria era o Salvador da Humanidade.
3- Ele é o Nosso Salvador
No coração deste menino, a sua interioridade humana interagia de modo directo com a interioridade divina da segunda pessoa da Santíssima Trindade. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo animava esta interacção humano-divina, tornando-a fecunda. As pessoas que acariciavam o Menino de Maria não podiam imaginar que, no encanto desta criança se exprimia em grandeza humana, a ternura do próprio Deus! Como os outros seres humanos, o Menino de Maria era uma concretização única, original e irrepetível de Humanidade.
Mas, além disso, levava em si o mistério do Deus que veio habitar com o Homem. A sua interioridade humano-divina era constituída por uma unidade orgânica e dinâmica de um ser humano com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. No menino de Maria, o Humano e o Divino, estão unidos sem fusão nem confusão, pois esta união orgânica acontece como perfeita interacção entre o melhor de Deus e do Homem. O Filho de Maria é homem com todos os homens que nasceram de Adão. Mas também é Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Este enxerto do Divino no Humano é possível graças ao facto de a Divindade ser constituída por pessoas e Humanidade também.
4- Deu-nos o Poder de Sermos Filhos de Deus
Pelo facto deste menino ser homem connosco, todos nós fomos assumidos e incorporados na família de Deus. Ele é como que a cepa da videira da qual nós somos os ramos. A seiva que vem da cepa para os ramos e os torna fecundos é o Espírito Santo. Eis o que ele disse um dia: “Permanecei em mim, que eu permaneço em vós. Tal como os ramos não podem dar frutos por si mesmos, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, pois sem mim nada podeis fazer (Jo 15, 4-5).
Na verdade, o menino de Maria é o portador da vida eterna para todos nós. Eis o mistério profundo que se habita o coração do Menino de Maria. Ele é, de facto, a Cabeça da Nova Humanidade recriada pelo Espírito Santo e reconciliada com Deus (2 Cor 5, 17-19). Este menino crescia como outra criança qualquer. Chamava pai a um homem e mãe a uma mulher. Quando o Menino de Maria brincava com os outros meninos, ninguém podia imaginar o mistério que se ocultava no coração daquela criança.
5- Ele é a Árvore da Vida Eterna
Este menino é a expressão máxima da fecundidade de Maria e a garantia da nossa salvação. Foi nele que a vida eterna ficou ao alcance de todos nós. Ele é a Árvore da Vida colocada por Deus no centro do Paraíso, da qual Adão não foi digno, como diz o livro do Génesis: “O Senhor Deus disse, então: “Eis que o Homem, Quanto ao conhecimento do bem e do mal, se tornou como um de nós. Agora é preciso impedi-lo de estender mão e colher o fruto da arvore da vida, pois comendo dele, viveria para sempre”. O Senhor Deus expulsou Adão do Jardim do Éden, a fim de cultivar a terra da qual fora tirado” (Gn 3, 22-24).
No momento da sua morte e ressurreição, o menino de Maria abriu o Paraíso que Adão tinha fechado: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso, disse ele ao Bom Ladrão” (Lc 23, 42-43). O Menino de Maria é o Novo Adão. É também a Arvora da vida que nos dá o fruto da Vida Eterna: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei-de ressuscitá-lo no último dia. De facto, a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue é uma verdadeira comida e o meu sangue é uma verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, Também aquele que me come viverá por mim” (Jo 6, 54-57). Ditosa és tu Maria, pelo Filho que acolheste nos teus braços!
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