A Nova Aliança inicia uma Nova Criação





a) A Superação da Lei de Moisés

b) A Boa Nova da Ressurreição de Jesus
1- As Testemunhas da Ressurreição de Jesus
2- Ressurreição de Cristo e Salvação

c) As Aparições de Cristo Ressuscitado
1- A Identidade de Jesus Ressuscitado
2- O Túmulo Vazio é Um Argumento Tardio
3- A Diversidade das Aparições
4- Ascensão e Mandato de Evangelizar

d) A Vinda Gloriosa de Jesus Cristo
1- A Plenitude dos Tempos
2- A Influência das Falsas Profecias

e) A Salvação Como Dom Para Todos
1- A Humanidade é Só Uma
2- Cristo e a Nova Humanidade
3- A Pessoa Humana Não É uma Ilha
4- Cristo e o Dom da Salvação
5- Cristo e a Nova Aliança


a) A Superação da Lei de Moisés

São Paulo foi o autor do Novo Testamento que mais sentiu a tensão entre a Novidade da Nova aliança e a letra do Antigo Testamento. Foi a experiência desta tensão que o levou a escrever: “É Deus quem nos torna aptos para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata, enquanto o Espírito dá vida” (2 Cor 3, 6).

Os Actos dos Apóstolos procuram testemunhar o nascimento da Igreja nascente. O seu autor, São Lucas, apesar de suavizar os conflitos, não conseguiu ocultar a tensão entre a acção renovadora do Espírito Santo e a resistência provocada pela visão conservadora dos discípulos de Jerusalém.

A questão de fundo dos Actos dos Apóstolos é a incorporação dos pagãos na Igreja. São Lucas recebeu de São Paulo, o seu mestre, o zelo e a paixão pela evangelização dos pagãos. Na visão dos actos dos Apóstolos este é o plano de Deus desde toda a eternidade. Partilhava com o seu mestre a opinião de que os pagãos deviam ser evangelizados e baptizados em pé de igualdade com os judeus.

Tal como São Paulo, São Lucas era um helenista, isto é, um judeu que vivia fora da Palestina. São Lucas, ao escrever, tem sempre em mira os pagãos convertidos ao cristianismo. Eis a razão pela qual ele pretende apresentar a Igreja como uma realidade harmoniosa e planeada por Deus desde toda a eternidade.

Lucas conceba a Igreja como o Novo Povo de Deus, o qual está na continuidade do primeiro povo de Deus. É esta a razão pela qual é tão importante para ele que tudo parta de Jerusalém. Jerusalém, a capital do povo Bíblico, deve ser o ponto de partida para a evangelização do mundo. Por isso a comunidade de Jerusalém exerce o papel de Igreja mãe. É em Jerusalém que acontece o Pentecostes, o grande dom do Espírito Santo (Act 1, 12). A dinâmica missionária devia arrancar de Jerusalém. Outro aspecto fundamental é a ideia de que os Doze são o alicerce do novo Povo de Deus (Act 1, 15-26). Tudo está harmoniosamente planeado por Deus. A Cidade Santa e os Doze são o alicerce da Igreja.

No capítulo sexto dos Actos, São Lucas fala de um conflito aparentemente secundário. Segundo ele, tratou-se de um conflito na comunidade de Jerusalém devido a um desentendimento entre os cristãos de origem grega e os cristãos de origem hebraica. Os cristãos de origem judaica cuidavam das suas viúvas e descuidam as viúvas dos gregos (Act 6, 1).

Com a sua preocupação de apresentar a Igreja como uma realidade harmoniosa, São Lucas disfarça a questão central do conflito existente na comunidade de Jerusalém. Na realidade o conflito assenta numa questão que foi causa de graves tensões na Igreja nascente: a pregação, o baptismo e a incorporação dos pagãos na Igreja.

São Lucas tenta dizer que se trata apenas de um mal-estar nascido do facto de os cristãos judeus desprezarem as viúvas de origem pagã. Para fazer frente a este conflito, os Doze tomam a iniciativa de eleger os diáconos (Act 6, 2). Os nomes dos diáconos são todos de origem, não judaica. Com este procedimento, São Lucas pretende dizer que os cristãos de origem pagã são reconhecidos e confirmados pelos Doze.

Este aspecto era fundamental para a visão de São Lucas. Para confirmarmos isto, basta ver a importância que ele dá ao relato do martírio de Estêvão, o diácono helenista escolhido para a evangelização dos pagãos. Ao descrever o martírio do Apóstolo de São Tiago, o irmão de São João, reduz tudo num simples versículo (Act 12, 2). A morte do diácono Estêvão, pelo contrário, ocupa sessenta e sete versículos (Act 6, 8-7, 60).

São Lucas distingue os helenistas (cristãos judeus de cultura grega) dos gregos (cristãos de origem pagã). Os chamados diáconos não são mais que apóstolos de origem helenista, eleitos para a evangelização dos pagãos. E é assim que o diácono Filipe, conduzido pelo Espírito Santo, sai de Jerusalém para iniciar a evangelização da Samaria. A iniciativa não partiu dos Doze (Act 8, 29). Daqui, a necessidade de a sua obra ser confirmada.

O relato da subida de Pedro e João à Samaria tem exactamente este sentido: “Quando os Apóstolos tiveram conhecimento de que a Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Estes foram até lá e oraram pelos Samaritanos para que estes recebessem o Espírito Santo que ainda não descera sobre nenhum deles. Tinham apenas recebido o baptismo em nome do Senhor Jesus. Pedro e João iam impondo as mãos sobre os samaritanos, os quais iam recebendo o Espírito Santo” (Act 8, 14-17).

Se tomássemos o texto à letra, ficaríamos com a impressão de que o Espírito Santo é uma coisa que um homem pode dar de modo mágico ou automático. Como sabemos, o Espírito Santo é uma pessoa. Com a ressurreição de Cristo, foi-nos dada a possibilidade de interagirmos com o Espírito Santo de maneira totalmente nova.

No relato da pregação de Pedro em casa de Cornélio acontece exactamente o contrário. Os pagãos recebem o Espírito Santo ao ouvirem a Palavra, ainda antes de serem baptizados. Como vemos, o baptismo no Espírito, no caso dos adultos, acontece antes da celebração litúrgica do baptismo e sem qualquer imposição das mãos (Act 10, 44-45). Segundo o relato da Evangelização da Samaria, os Samaritanos já tinham acolhido a Palavra de Deus (Act 8, 14b). A diferença está em que, no caso da Samaria, não era Pedro o pregador.

O relato da evangelização da família de Cornélio dá-nos a impressão de que Pedro foi o grande evangelizador dos pagãos. De facto não foi assim. São Lucas, com este texto, pretende dizer apenas que está legitimada a pregação dos pagãos, pois Pedro já o fez por mandato do Espírito Santo (Act 10, 9-20). Com isto, Lucas quer apenas significar que a evangelização dos pagãos é algo confirmado por Jerusalém.

Lucas utiliza uma simbologia semelhante quando fala da missão de São Paulo. Este, embora fosse um teólogo fariseu, não fazia parte dos Doze. Eis a razão pela qual a sua missão devia ser confirmada. São Lucas não está preocupado com o rigor dos factos históricos, pois apenas lhe interessa fundamentar a verdade teológica segundo a evangelização dos pagãos é uma acção fundamental da Igreja primitiva. Por isso São Lucas tenta harmonizar as coisas dizendo que tanto a Igreja judaica como a Igreja de origem pagã são obra do Espírito Santo. É este o significado da confirmação, por parte dos Doze, da evangelização dos pagãos.

Segundo os Actos dos apóstolos, o primeiro pagão a ser incorporado na Igreja foi evangelizado pelo diácono Filipe, sob a condução do Espírito Santo. Trata-se do baptismo do eunuco da rainha Candace (Act 8, 26-40). Segundo a lei mosaica, um eunuco não podia fazer parte do povo de Deus (Dt 23, 2; Esd 56, 3-7; Neem 13, 1-3). Ao elaborar este relato, São Lucas afirma claramente que o novo Povo de Deus não assenta nas prescrições do judaísmo, segundo o qual os eunucos não podiam fazer parte da assembleia do povo de Deus. Esta iniciativa pertence a Deus, pois não nasceu dos Doze mas dos missionários helenistas.

Lucas tenta harmonizar constantemente a acção evangelizadora dos cristãos da Palestina representados por Pedro e os cristãos de origem helenista representados por Paulo. Pedro pretende conduzir os pagãos para as práticas judaicas e Paulo, muito mais aberto e culto opõe-se a tal pretensão, pois ele acha que os pagãos devem ser evangelizados e baptizados em pé de igualdade com os judeus. Daqui, a sua iniciativa de evangelizar e baptizar os pagãos em pé de igualdade com os judeus.

Esta perspectiva está bem patente quando São Lucas fala da missão de São Paulo. No fundo, os Actos dos Apóstolos são uma tentativa de demonstrar que a missão de São Paulo é a grande obra do Espírito Santo na difusão do Evangelho entre os pagãos. No entanto, tudo isto é feito de maneira harmónica, a fim de não chocar os helenistas e os gregos.

Não deixa de chamar a atenção o facto de o livro dos Actos relatar por três vezes a conversão de Paulo (Act 9, 1-19a; 22, 1-21; 26, 9-20). No total, dedica cinquenta e um versículos a este grande acontecimento do Espírito Santo, o que indica a importância que São Lucas atribui a este acontecimento. São Lucas começa por apresentar o Apóstolo como o grande perseguidor da fé. Quando ainda era adolescente, Paulo, ainda chamado Saulo, colabora no martírio de Estêvão: “Saulo aprovava também essa morte” (Act 8, 1) Depois entra na casa dos cristãos para os maltratar e levar para a prisão (Act 8, 3).

Com estes reparos São Lucas tenta acentuar a força miraculosa do Espírito Santo no acontecimento da conversão de Paulo. Agora, uma vez convertido, deve ser confirmado, a fim de ser aceite e reconhecido como o grande escolhido de Deus para a obra do Evangelho. Para isso, Paulo deve entrar na cidade e dirigir-se à comunidade onde lhe será dito o que deve fazer (Act 9, 6).

Estes relatos contrastam com a descrição que o próprio Paulo diz acerca da sua conversão e da sua dedicação à missão. Segundo o relato de Paulo, a sua prática missionária não procedem de qualquer homem, mas sim de uma inspiração do Espírito Santo (Gal 1, 11-12). Está de acordo com Lucas quando fala do seu zelo pelo judaísmo, a ponto de ser perseguidor da Igreja (Gal 1, 13). Deus, no entanto, chamou-o para anunciar o Evangelho entre os gentios.

Quando sentiu o chamamento de Deus, São Paulo não consultou qualquer homem. Também não foi a Jerusalém para consultar os que tinham sido Apóstolos antes dele. Pelo contrário retirou-se para a Arábia, a fim de fazer uma longa meditação. Depois voltou a Damasco, a cidade onde se tinha dado a sua conversão (Gal 1, 16-17). Passados três anos de missão, São Paulo foi, então, a Jerusalém, a fim de visitar São Pedro, acabando por ficar quinze dias com ele (Gal 1, 18). Não viu mais nenhum Apóstolo, a não ser Tiago, o irmão de Jesus (Gal 1, 19). Tiago, o irmão de Jesus, não fazia parte dos Doze, mas São Paulo chama-o Apóstolo.

Para ele, apóstolo é todo o missionário itinerante. Dá-se este título a si mesmo, apesar de São Lucas nunca o chamar assim, pois ele não pertencia aos Doze. Na realidade, os diáconos helenistas eram todos Apóstolos, isto é, missionários itinerantes e fundadores de comunidades. Lucas, no entanto, só atribui este título aos Doze. Paulo, pelo contrário, reconhece muitos outros Apóstolos além dos Doze (cf. 1Cor 15, 5).

Como vimos, segundo os Actos dos Apóstolos, Paulo deve ir confirmado antes de partir para a missão. Para os helenistas a Igreja seria obra de Deus devia funcionar de maneira harmoniosa e sem tensões. A Igreja está inserida no plano geral de Deus sobre a História da Humanidade. Daqui, a necessidade de que tudo funcione harmonicamente. Para os gregos, o mundo é um cosmos ordenado, isto é, um Universo bem ordenado e com um fim bem definido. Por outras palavras, Deus é a fonte da harmonia cósmica e histórica.

O mundo judaico não tinha esta visão das coisas. A acção de Deus passa por todos os acontecimentos onde há tensões, tragédias e guerras. Os acontecimentos são utilizados por Deus em função de um objectivo e, portanto, nunca alteram nem anulam os planos de Deus. É devido às preocupações com a mentalidade grega que os Actos dos Apóstolos legitimam a obra de São Paulo dizendo que São Pedro foi o primeiro a pregar e fazer conversões entre os pagãos (Act 10, 1-18). Só depois Paulo e os chamados diáconos passaram a pregar o Evangelho aos pagãos (Act 11, 20). Uma vez legitimada a sua missão, começa a surgir uma enorme multidão de pagãos convertidos (Act 11, 22).

A notícia do sucesso dos novos apóstolos chega a Jerusalém onde a mentalidade era contrária ao anúncio do evangelho aos pagãos. Foi então que os Doze decidem enviar Barnabé a Antioquia (Act 11, 22). No capítulo 15, a questão fica solucionada apenas no capítulo quinze dos Actos dos Apóstolos quando Paulo e Barnabé decidem vir a Jerusalém.

A razão que motivou a ida de São Paulo a Jerusalém era realmente séria: Paulo denuncia o facto de alguns enviados de Jerusalém irem atrás dele e dos outros apóstolos helenistas, a fim de espiarem o trabalho deles. Estes cristãos não passam de uns falsos irmãos, como ele lhes chama (Gal 2, 4) não é um acto de boa fé e confirmação, mas antes um acto de espionagem. De facto, os cristãos de Jerusalém diziam que os pagãos não podiam ser plenamente cristãos se não praticassem antes as normas prescritas pela Lei de Moisés (Act 15, 1).

Paulo e Barnabé enfrentam-nos e vão a Jerusalém para pôr as coisas a claro (Act 15, 2). Os Apóstolos e os presbíteros da comunidade examinaram a questão (Act 15, 6). Agora São Paulo fica confirmado através de um discurso de São Pedro nitidamente forjado por São Lucas. Nesse discurso, São Pedro afirma que Deus não faz acepção de pessoas (Act 15, 8-10). Além disso diz que a Lei é um jugo insuportável (Act 15, 10). O Homem é salvo pela graça, não pelas obras da Lei (Act 15, 11).

É evidente que esta é a linguagem de São Paulo, não a de São Pedro. Isto torna-se ainda mais claro quando aparece o próprio São Pedro a declarar que Deus o escolheu para evangelizar os pagãos (Act 15, 1). Não é difícil ver como São Lucas tenta confirmar São Paulo pondo as suas palavras na boca de São Pedro. Procedendo deste modo, São Lucas declara que a obra de São Paulo está legitimada e confirmada pela comunidade de Jerusalém e por São Pedro.

A descrição de São Paulo sobre a sua ida com Barnabé a Jerusalém é diferente do relato dos Actos dos Apóstolos. Passados catorze anos de missão, diz ele, fui a Jerusalém, a fim de não estar a correr em vão (Gal 2, 1-2). Isto porque os falsos irmãos, vindos de Jerusalém, iam atrás dele contrariando a sua obra evangelizadora (Gal 2, 4). Foi então que Pedro, Tiago e João, considerados como as colunas da comunidade de Jerusalém, dão as mãos a Paulo em sinal de comunhão. Nesse momento reconhecem, diz São Paulo, que São Pedro foi escolhido para os judeus e São Paulo para os pagãos (Gal 2, 9-10).

Como vemos, São Paulo diz o contrário dos Actos dos Apóstolos. São Pedro resolve partir para Antioquia, a fim de confirmar publicamente a obra de Paulo (Gal 2, 11a). São Paulo descreve um incidente que revela bem a fragilidade e ambiguidade da personalidade de São Pedro. Primeiro, começou por comer e celebrar a Eucaristia com os cristãos de origem pagã. Mas, quando apareceram alguns defensores da visão rígida de Jerusalém São Pedro começou a afastar-se da mesa e da Eucaristia dos pagãos cristãos.

O grupo conservador de Jerusalém estava ligado a Tiago, o irmão do Senhor, o qual era o chefe da comunidade de Jerusalém. A situação complicou-se quando Barnabé se juntou a São Pedro, entrando neste jogo duplo (Gal 2, 12-13). É então que são Paulo os enfrenta os enviados de Tiago com dureza (Gal 2, 14).

São Lucas, referindo-se a este acontecimento, relata-o de modo diferente, a fim de não chocar os cristãos de origem pagã. Os Actos dos Apóstolos dizem simplesmente que Paulo e Barnabé programaram uma viagem pelas cidades onde existiam comunidades. Barnabé queria levar consigo João Marcos, a fim de colaborar na obra do Evangelho. São Paulo opôs-se, pois não achava João Marcos capaz de realizar esta missão. Após uma discussão acesa, Paulo e Barnabé separaram-se. Barnabé foi para Chipre e Paulo foi visitar outras comunidades acompanhado por Silas (Act 15, 35-41).

São Lucas omite totalmente o incidente com São Pedro. Do mesmo modo, são omitidas as razões profundas da separação de Paulo e Barnabé. Nos últimos treze capítulos dos Actos, São Pedro e Barnabé desaparecem. A missão evangelizadora de São Paulo, pelo contrário, é o tema dominante. A acção evangelizadora de São Paulo é obra do Espírito Santo. É a comunidade de Antioquia, não a de Jerusalém, que impõe as mãos a Paulo e o envia para a missão entre os pagãos (Act 13, 2-3). A imposição das mãos efectuada pelos cristãos de origem pagã vale tanto como a dos cristãos de Jerusalém.

Lucas diz e defende esta perspectiva. Mas fá-lo de maneira conciliadora. A sua preocupação é sobretudo de tipo teológico. Ele entende que o Espírito Santo não é fonte de divisão, mas de união. Ele sabe como a evangelização dos missionários helenistas foi fundamental para o nascimento e implantação da Igreja. Mas os Doze são, na visão de São Lucas, são a ponte de ligação entre o povo bíblico e os pagãos. No contexto dos Actos dos Apóstolos, a imposição das mãos tem o mesmo sentido que em Paulo o dar as mãos em sinal de confirmação e comunhão de fé.


b) A Boa Nova da Ressurreição de Jesus

1- As Testemunhas da Ressurreição de Jesus

Sem as aparições de Jesus Ressuscitado aos discípulos não tínhamos Igreja nem Novo Testamento. Por outras palavras, a Igreja e o Novo Testamento são o grande testemunho da ressurreição de Jesus ao longo dos séculos. Na verdade, a ressurreição de Cristo é o grande tema da pregação dos Apóstolos. Vejamos alguns dos textos principais: “Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte, pois era impossível que ele ficasse sob o domínio da morte” (Act 2, 24). O Senhor da vida foi à morada dos mortos, não como morto, mas como Senhor da vida, a fim de comunicar a plenitude da vida a todos os que o tinham precedido. A ressurreição de Jesus para os Apóstolos não era uma crença, mas sim uma certeza que lhes advinha do facto de terem tido a experiência pascal.

“Foi este Jesus que Deus ressuscitou e disto nós somos testemunhas. Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vedes e ouvis” (Act 2, 32-33). Na verdade, as aparições do Senhor Ressuscitado são experiências feitas no Espírito Santo diz São Paulo (1 Cor 12, 3).

No evangelho de São João, a experiência pascal dos discípulos e a comunicação do Espírito Santo coincidem (Jo 20, 21-23). Saiba toda a casa de Israel com toda a certeza que Deus estabeleceu como Senhor e juiz a esse Jesus por vós crucificado” (Act 2, 36). “Arrependei-vos, portanto, a fim de os vossos pecados serem apagados. Deste modo Deus vos concederá os tempos de perdão, quando enviar aquele que vos foi destinado, o Messias Jesus. Ele deve permanecer no Céu até ao momento de restauração de todas as coisas de que Deus falou outrora pela boca dos profetas” (Act 3, 19).

Segundo a lógica judaica dos discípulos, se Jesus é o rei Messias, isso significa que pela sua ressurreição, ele foi entronizado no Céu à direita de Deus (Rm 1, 3-5). É por esta razão que os discípulos começam a anunciar a segunda vinda de Cristo. Uma vez que Jesus já está entronizado no Céu, ele vai vir para tomar posse do seu reino e realizar os templos da plenitude messiânica, tal como ela foi anunciada pelos profetas.

Entretanto, ele deve permanecer no Céu até que as condições previstas por Deus aconteçam. “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para que os vossos pecados sejam perdoados. Deste modo, Deus vos concederá os tempos de perdão quando ele enviar aquele que vos foi destinado, o Messias Jesus, o qual deve permanecer no Céu até ao momento da restauração final de que Deus falou outrora” (Act 3, 19-21).

Mas quando Jesus voltar já não virá como servo sofredor e humilde, mas sim como o Filho de Deus sentado no seu trono de glória. Ele é, diz São Paulo, o filho de David, constituído filho de Deus, isto é, rei entronizado e ungido com a unção do Espírito Santo, no momento da sua ressurreição (Rm 1, 3-5). Naquele dia vai aparecer sobre as nuvens do Céu, sentado no seu trono. Virá como juiz que vem realizar o dia da ira e da condenação dos que o rejeitaram, diz o evangelho de São Lucas (cf. Lc 21, 20-30).

O Evangelho de Lucas utiliza palavras muito duras em relação aos que o rejeitaram: “Quanto a esses meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os cá e degolai-os na minha presença” (Lc 19, 27). Os Actos dos Apóstolos acrescentam: “Ficai sabendo vós e todo o povo de Israel: é em nome de Jesus de Nazaré, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, que este homem se apresenta diante de vós curado. Ele é a pedra que vós, os construtores, rejeitastes, tornando-se pedra angular. Não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do Céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar” (Act 4, 10-12).

A Carta aos Hebreus diz que Cristo, ao ressuscitar, Jesus Cristo foi É verdadeiramente o único sumo-sacerdote que oferece o culto agradável a Deus pela salvação da Humanidade (Heb 10, 5-17). E o Livro dos Actos dos Apóstolos diz que Deus constituiu Jesus Cristo como cabeça e salvador da Humanidade: “O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem matastes, suspendendo-o de um madeiro. Foi a Ele que Deus elevou com a sua direita como Chefe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados. E nós somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem” (Act 5, 30-32).

Os Apóstolos anunciam esta realidade dizendo que eles mesmos são testemunhas do que Deus fez por Jesus antes e depois da ressurreição: “E nós somos testemunhas do que ele fez no país dos judeus e em Jerusalém. Mataram-no, suspendendo-o de um madeiro. Deus ressuscitou-o ao terceiro dia e permitiu-lhe manifestar-se, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com ele depois da sua ressurreição dos mortos. Mandou-nos pregar ao povo e confirmar que ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos” (10,39-42).

A segunda vinda de Cristo, no Novo Testamento, é sempre associada ao juízo final e ao dia da ira, o qual implica a condenação dos que o rejeitaram e a salvação dos que lhe foram fieis. Vejamos o que diz São Paulo na Carta aos Romanos: “Nós que acreditamos naquele que ressuscitou Jesus, nosso Senhor, de entre os mortos, o qual foi entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4, 24-25). E a Primeira Carta aos Tessalonicenses acrescenta: 1 Ts 1, 10: “Para aguardardes dos Céus Jesus, o Filho de Deus que ele ressuscitou de entre os mortos, o qual nos livra da ira que está para vir” (1 Ts 1, 10).


2- Ressurreição de Cristo e Salvação

Para o Novo Testamento, a ressurreição de Cristo não é apenas uma curiosidade. Não é apenas um sinal para confirmar a autenticidade messiânica de Jesus. É muito mais que isso: a condição fundamental da nossa salvação. É por Jesus ressuscitado que somos postos em união intrínseca com o Espírito Santo. É pelo Senhor ressuscitado, diz o evangelho de São João, que nos é dada a Água Viva que faz emergir no nosso coração a Vida Eterna” (Jo 7, 37-39).

No evangelho de São João, a Hora de Jesus é precisamente o momento da sua morte e ressurreição. É nesse momento que a possibilidade de sermos filhos de Deus se torna eficaz para todos os seres humanos. Pelo mistério da Encarnação o divino enxertou-se no Humano em Jesus de Nazaré. É aqui que radica a possibilidade da nossa divinização. Mas esta possibilidade só se tornou eficaz no momento da ressurreição de Jesus. Por outras palavras, foi nesse momento que o sangue da Nova e Eterna Aliança, isto é, o Espírito Santo, passa a circular no coração dos seres humanos.

É este o mistério da carne e sangue de Jesus Cristo que nos dá a vida eterna, como diz São João: “Disse-lhes Jesus: “Em verdade em verdade vos digo: se não comerdes a carne do filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei-de ressuscitá-lo no último dia (Jo 6, 53-54). E para que estas palavras não gerassem confusão na mente das pessoas, São João explica o sentido das suas afirmações: “Que palavras insuportáveis! Quem as pode entender? (...). Jesus respondeu: “isto escandaliza-vos? E se virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes?” (Jo 6, 62).

Com esta expressão, São João pretende dizer que este dom tem a ver com Cristo ressuscitado. A Eucaristia é uma realidade de ordem espiritual, não de grandeza biológica. Depois acrescenta: “O Espírito é quem dá vida. A carne não serve para nada. As palavras que vos disse são espírito e vida” (Jo 6, 63).

Deste modo, Humanidade e Divindade passam a estar unidas e dinamizadas pelo mesmo princípio de vida e comunhão, isto é, o Espírito Santo: “Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim por meio da sua palavra, a fim de que todos sejam um só, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. Para que assim eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que tu me deste, de modo que sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que tu me enviaste e que os amaste como me amas a mim.

Pai, quero que onde eu estiver estejam também comigo aqueles que me confiaste, a fim de contemplarem a glória que me deste, pois amaste-me antes da criação do mundo. Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu conheço-te e estes reconheceram que me enviaste. Dei-lhes a conhecer quem és e continuarei a fazê-lo, a fim de que o teu amor por mim esteja neles e eu esteja neles também” (Jo 17, 20-25).

A confissão do Senhor ressuscitado é condição fundamental para que a nossa fé seja teologal. Por outras palavras, não é cristão quem não fundamenta a sua fé em Cristo ressuscitado. Eis o que São Paulo diz a este respeito: Rm 10, 9: “Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10, 9). E na Primeira Carta aos Coríntios acrescenta: “E Deus que ressuscitou o Senhor Jesus há-de ressuscitar-nos também a nós pelo seu poder” (1 cor 6, 14).

Isto quer dizer que a ressurreição de Cristo é o início da ressurreição universal. Os que precederam o Senhor ressuscitaram com ele. E nós estamos a ser ressuscitados pela acção ressuscitadora do Espírito Santo. É por esta dinâmica ressuscitadora do Espírito Santo que nós vamos sendo incorporados de modo progressivo na Comunhão da Família de Deus, como diz a Primeira Carta aos Tessalonicenses: “Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus reunirá com Jesus os que em Jesus adormeceram” (1 Ts 4, 14).

E a Primeira Carta aos Coríntios diz: “Se Cristo não ressuscitou, diz São Paulo, a nossa fé é vã e ainda permanecemos nos nossos pecados. Mas não é assim. Cristo ressuscitou como primícias dos que morrem. De facto, assim como por um homem veio a morte, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Como todos morrem em Adão, todos voltam à vida em Cristo. Cada qual na sua ordem: primeiro Cristo. Depois os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. Depois segue-se o fim quando Jesus entregar o Reino a Deus Pai, depois de ter colocado todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído será a morte (1 Cor 15, 12-26).

São Paulo pensava que a segunda vinda de Jesus Cristo ia acontecer muito em breve. Ele estava convencido de que ainda estaria vivo no dia da vinda do Senhor. Eis as suas palavras: “Nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final. Na verdade, a trombeta soará. Então os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados (1 Cor 15, 51).

Partindo da sua experiência pascal, São Paulo tenta descrever para os Coríntios a condição dos ressuscitados: “Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: Semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível. Semeado na desonra é ressuscitado na glória. Semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força. Semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual. Com efeito, se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual. Assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito um ser vivente. O último Adão é um espírito vivificante. Mas primeiro foi o terreno, não o espiritual. Este vem depois. O primeiro homem, tirado da terra, é terreno. O segundo vem do Céu. Tal como era o terreno assim são os terrenos. Tal como é o celeste, assim serão os celestes. Digo-vos, irmãos, a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus. Do mesmo modo, a corruptibilidade não pode herdar a incorruptibilidade” (1 Cor 15, 42-50).

“Se Cristo não ressuscitou que ganham os que se fazem baptizar pelos mortos? Se de facto os mortos não ressuscitam porque se baptizam eles?” (1 Cor 15, 29). Trata-se de uma prática existente em algumas comunidades, a fim de sufragar os catecúmenos falecidos. “Tem sempre presente Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos e nascido da linhagem de David, segundo o meu evangelho” (2 Tim 2,8).

Nesta mesma linha de pensamento, a Carta aos Romanos diz que Jesus, nascido de David segundo a carne, foi constituído filho de Deus, isto é, Messias, o rei ungido com o Espírito Santo e entronizado no momento da sua ressurreição de entre os mortos (Rm 1, 3-5). Como é que Paulo sabia isto? Pelas escrituras e os profetas (cf. 2 Sam 7, 12-16; Sal 2, 6-7).

Em relação à segunda vinda de Cristo, os cristãos estão seguros, pois esse será para os crentes o dia da salvação e não o dia da ira: “Quem irá acusar os eleitos de Deus, se é o próprio Deus quem nos justifica? Quem irá condená-los? Jesus Cristo que morreu e ainda mais, que ressuscitou e, sentado à direita de Deus intercede por nós?” (Rm 8, 33-34). E ainda: “Se morremos com Cristo, acreditamos que também viveremos com ele. Sabemos que Cristo ressuscitado de entre os mortos já não morre mais. Na verdade, a morte já não tem mais domínio sobre ele” (Rm 6, 8).

Estamos organicamente unidos a Cristo, como os ramos da videira estão unidos à cepa, diz o evangelho de São João (Jo 15, 1-7). Isto significa que a nossa ressurreição é uma participação da ressurreição de Cristo. Para dizer que a ressurreição da Humanidade se inicia com a ressurreição de Cristo, Mateus afirma que, no momento da sua morte e ressurreição, os túmulos começaram a abrir-se e os mortos a ressuscitar (Mt 27, 52-54). O véu do templo rasgou-se (Mt 27, 51; Mc 15, 38; Lc 23, 45). Esta afirmação não é histórica, mas tem um grande peso teológico.

Os evangelhos pretendem afirmar que, com a morte de Jesus, todos têm acesso ao Santo dos Santos, isto é, à comunhão com Deus. Os cultos do templo durante os quais o sumo-sacerdote passava para lá do véu do templo não obtinham qualquer eficácia salvadora. Ao rasgar o véu do templo, Cristo inaugurou um novo culto, o qual consiste em fazer a vontade do Pai, diz a Carta aos Hebreus (Heb 10, 5-10). O evangelho de São João sublinha que a Deus agradam-lhe o culto em Espírito e Verdade não os cultos do templo de Jerusalém (Jo 4, 21-23).

O plano salvador de Deus engloba a incorporação da Humanidade na comunhão divina. A Carta aos Efésios descreve de modo bonito o plano que Deus realizou em Cristo. Eis as suas palavras: “Deus revelou-nos o mistério da sua vontade, o plano generoso que tinha estabelecido, a fim de conduzir os tempos à sua plenitude: Submeter tudo a Cristo, reunindo nele o que há no Céu e na Terra. Foi também em Cristo que fomos escolhidos como herança, predestinados de acordo com o desígnio de Deus que tudo opera, segundo a sua vontade (...). Foi nele ainda que acreditastes e fostes marcados com o selo do Espírito Santo prometido, o qual é a garantia da nossa herança, a fim de tomarmos posse dela na redenção” (Ef 1, 9-14).

”Se confessares com a tua boca: ’Jesus é o Senhor’ e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo” (Rm 10, 9). Participamos nesta plenitude de modo orgânico, não de modo individual e isolado: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criatura. Foi nele que todas as coisas foram criadas nos Céus e na Terra. Tanto as visíveis como as invisíveis: tronos, dominações, poderes e autoridades. Tudo foi criado por ele e para ele. Ele é anterior a todas as coisas e todas subsistem nele. Ele é a cabeça do corpo que é a Igreja. É o princípio, o primogénito dos mortos, o primeiro em tudo. Aprouve a Deus fazer habitar nele a plenitude e, por ele e para ele, reconciliar todas as coisas pacificando pelo sangue da cruz tanto as que estão na Terra como nos Céus” (Col 1, 15-20).

Neste hino cristológico Cristo aparece como cabeça da Criação. Quando Deus sonhou o seu plano criador, projectou-o de modo a que Cristo fosse a sua cúpula. Deus quis que Jesus ressuscitado fosse a plenitude a plenitude de todas as coisas.

No momento da sua morte e ressurreição entrou em comunhão com a Humanidade que o precedeu, introduzindo os seres humanos na comunhão da família divina: “Cristo padeceu pelos pecados de uma vez para sempre. O justo sofreu pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Morto na carne, foi vivificado no Espírito, indo pregar aos espíritos cativos na morada dos mortos. Entre estes estão os incrédulos que, no tempo de Noé, Deus interpelou pacientemente enquanto se construía a Arca. Nessa Arca apenas oito pessoas se salvaram da água, figura do baptismo que vos limpa, não as impurezas do corpo, mas vos confere uma consciência justificada em virtude da ressurreição de Cristo. Tendo subido ao Céu, está sentado à direita de Deus, submetendo a ele anjos, dominações e potestades” (1 Pd 3, 18-22).

Cristo é o princípio e a plenitude da Criação. Já no princípio ele era a Sabedoria que, junto de Deus, actuava como princípio inspirador. Esteve presente nos começos como medianeiro da acção criadora de Deus, diz o Livro dos Provérbios (Prov 8, 22-32). Depois, ao chegar a plenitude dos tempos, O Senhor ressuscitado conduziu a Criação para Deus tornando-se o medianeiro da Salvação (Jo 1, 1-14).


c) As Aparições de Cristo Ressuscitado


1- A Identidade de Jesus Ressuscitado


A experiência da pregação ensinou a São Paulo que o anúncio da ressurreição de Cristo encontrava muitas resistências. Os judeus diziam que a pregação do Senhor ressuscitado era uma fraude. Tudo isso não passava de uma mentira inventada pelos discípulos. Por seu lado, a filosofia gnóstica dos helenistas, dizia que Jesus, enquanto viveu na terra, não era um homem, mas um anjo com aparência de homem.

Para contrariar estas afirmações perigosos, os discípulos começam a atribuir a Jesus ressuscitado muitos traços físicos, a fim de afirmarem que ele é um homem real. O Senhor ressuscitado, diziam os apóstolos, é o mesmo que comeu e conviveu connosco. É também por esta razão que os apóstolos, a partir dos anos setenta, vão dar tanta importância ao túmulo vazio.

De facto, na pregação das primeiras décadas do cristianismo, o túmulo vazio não era argumento para defender a veracidade da ressurreição de Jesus. Ainda por volta dos anos cinquenta não se usava este argumento. São Paulo conservou-nos um resumo do que era a pregação da ressurreição de Jesus.

Ele diz que a sua pregação se apoia no testemunho que recebeu dos Apóstolos: “Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez. A maior parte destes ainda vive, se bem que alguns já tenham morrido. Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos. Em último lugar apareceu-me também a mim como a um aborto” (1 Cor 15, 3-8). Estamos perante o texto mais antigo do Novo Testamento que nos fala da ressurreição de Jesus. Foi isto que os Apóstolos pregaram durante as primeiras décadas após as aparições do Senhor ressuscitado.


2- O Túmulo Vazio é Um Argumento Tardio

Como podemos verificar, o túmulo vazio não aparece como argumento para defender a ressurreição de Jesus. Também não aparece o nome de qualquer mulher. Isto revela que ainda estamos sob uma forte influência judaica, onde as mulheres não serviam como testemunhas. No relato das aparições aparece o nome de Tiago, o mais velho dos chamados irmãos de Jesus: Tiago, José, Simão e Judas (Mc 6, 3; Mt 13, 55).

No tempo de São Paulo, Tiago era o chefe da comunidade de Jerusalém. Paulo refere-se expressamente a Tiago, designando-o como o irmão do Senhor, o qual era um dos principais (Gal 1, 19). Se fosse possível apresentar mulheres como testemunhas, certamente que em vez de Tiago apareceria o nome de Maria, como acontece mais tarde nos Actos dos Apóstolos: “E todos unidos pelo mesmo sentimento, entregavam-se assiduamente à oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus com seus irmãos” (Act 1, 14). É bonito verificar que Maria e o grupo familiar de Jesus tiveram uma experiência pascal separada da dos discípulos, tal como vemos ao colocar a experiência de Tiago em separado das outras experiências relatadas no texto.
A introdução do argumento do túmulo vazio surgiu com a introdução dos nomes de mulheres entre as testemunhas do ressuscitado: “Terminado o Sábado, ao romper do primeiro dia da semana, Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro. Eis que neste momento, aconteceu um terramoto. O anjo do Senhor, descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre ela. O seu aspecto era como o de um relâmpago e a sua túnica branca como a neve. Os guardas começaram a tremer com medo do anjo e ficaram como mortos. O anjo tomou a palavra e disse às mulheres: “Não tenhais medo. Eu sei que buscais Jesus, o crucificado. Não está aqui, pois ressuscitou como havia dito. Vede o lugar em que jazia e ide dizer aos discípulos que o Senhor ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis. Eis o que eu tinha para vos dizer”. Afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: ‘Salvé !’. Elas aproximaram-se, abraçaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. Jesus disse-lhes: ‘Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão” (Mt 28, 1-10).

O relato de São Lucas diz que as mulheres foram comunicar o sucedido aos discípulos, mas estes pensaram que se tratou de uma alucinação. Pedro, porém, tomou a palavra das mulheres a sério e correu para o sepulcro (Lc 24, 1-12).

3- A Diversidade das Aparições

Segundo Mateus os onze foram para a Galileia tal como Jesus lhes ordenou. Chegados à Galileia, Jesus apareceu-lhes e confiou-lhes a missão de evangelizar o mundo: “Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado. Quando o viram adoraram-no. Alguns, no entanto, ainda duvidavam. Aproximando-se deles, Jesus disse-lhes: “Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”(Mt 28, 16-19).

Este mandato de evangelizar os pagãos em pé de igualdade com os judeus é uma conquista das comunidades apostólicas. Se fosse um mandato explícito associado à experiência pascal dos discípulos, Pedro e a comunidade de Jerusalém não ousariam oferecer resistência à evangelização dos pagãos (cf. Act 10, 9-16). Esta relutância fez que Paulo enfrentasse Pedro com dureza, como o mesmo Paulo confessa (Gal 2,11-14). Foi também, por esta razão que se realizou o chamado concílio de Jerusalém ( Act 15, 1-6).

O relato dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). É dos relatos mais bonitos dos muitos relatos das aparições de Jesus ressuscitado. O Senhor ressuscitado mantém a mesma identidade que tinha antes, mas o seu jeito de estar é totalmente diferente. Por outras palavras, sem deixar de ser o mesmo, Jesus apresenta-se com um jeito de estar totalmente diferente.

Por isso os discípulos não sentem necessidade de perguntar: “Mas que és tu?”. À medida que comunicavam com Jesus, os discípulos vão-se apercebendo que é o Senhor. Quando o reconhecem, Jesus este desaparece (Lc 24, 31). Isto quer dizer que o Senhor ressuscitado não pode ser retido nas coordenadas do espaço-tempo. Por outras palavras, quem ressuscita sai destas coordenadas, transcendendo-as totalmente. São Marcos fala de uma aparição a dois discípulos que iam a caminho do campo (Mc 16. 12-13). Possivelmente refere-se à mesma tradição dos discípulos de Emaús.


4- Ascensão e Mandato de Evangelizar

Segundo São Marcos, o mensageiro misterioso que estava no sepulcro, não é um anjo. Trata-se de um jovem que está dentro do sepulcro aberto. As mulheres são três e não uma como no evangelho de São João. O jovem encarrega as mulheres de avisarem os discípulos, dizendo-lhes que deve ir para a Galileia, a fim de verem o Senhor (Mc 16, 3-8).

Para o evangelho de São, como disse, havia apenas uma mulher. Trata-se de Maria Madalena, a mulher que sentiu de modo profundo o amor libera libertador de Jesus. Ao ver o sepulcro aberto, Maria correu a avisar Pedro e João. Foram estes, diz o evangelho de São João, os primeiros a fazer a experiência pascal (Jo 20, 1-10).

É curioso notar que só após a aparição a Pedro é que Maria Madalena, tem a aparição de Jesus ressuscitado. Agora, Maria vê dois anjos e logo a seguir vê o Senhor ressuscitado, a quem ela confunde com o jardineiro (Jo 20, 11-16). Ao aperceber-se de que era Jesus, Maria tenta abraçar os pés de Jesus, mas este não permite, pois tem de ir para o Pai (Jo 20, 17). Em Mateus, as mulheres lançam-se aos pés de Jesus e abraçam-no sem qualquer reparo por parte de Jesus (Mt 28, 9). Para o evangelho de São João, experiência pascal e Pentecostes são realidades simultâneas. ( Jo 20, 20-23).

Numa passagem do evangelho de São Lucas, os discípulos assustaram-se ao verem o Senhor, pois pensaram tratar-se de um fantasma. Para os tranquilizar, Jesus diz-lhes que o podem tocar, a fim de verificarem que é ele e não um fantasma, pois os fantasmas não têm carne e ossos como ele tem (Lc 24, 36-39). Depois de os tranquilizar, Jesus come com eles (Lc 24, 41-42).

Do mesmo modo, no relato de Tomé, Jesus desafia o apóstolo, mandando que o toque e que meta a mão na chaga do seu peito. Mas Tomé não lhe chegou a tocar, fazendo uma profissão de fé no Senhor, chamando-o de “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 27-29). No final do Evangelho de João aparece Jesus ressuscitado a assar peixe para dar aos discípulos e a comer com eles (Jo 21, 9-13).

Ao acentuar o aspecto físico de Jesus, os discípulos estão apenas a defender que o Jesus o Senhor ressuscitado não é um fantasma, mas o mesmo Jesus com o qual eles conviveram e comeram. Estamos longe da sobriedade dos relatos dos primeiros trinta anos, onde Jesus ressuscitado era visto como um ser totalmente espiritualizado. Algumas décadas antes destes relatos, São Paulo insistia em que o corpo do Senhor ressuscitado é uma realidade espiritual e não biológica (1 Cor 15, 42-50).


d) A Vinda Gloriosa de Jesus Cristo

1- A Plenitude dos Tempos

À luz da Fé, a História da Humanidade vai chegar a um fim. Muitas pessoas chamam “Fim do Mundo” ao fim da História Humana. São Paulo diz que, com Jesus Cristo, a Humanidade chegou à plenitude dos tempos. Esta expressão significa que Cristo inaugurou a fase da nossa introdução na Família de Deus. A criação e a salvação da Humanidade demoram muitos milhões de anos, mas já estamos na Nova Aliança, isto é, da comunhão da Humanidade com Deus. Na verdade, com Jesus Cristo a Humanidade atingiu um nível totalmente novo: os seres humanos foram divinizados.

Ao falar da plenitude dos tempos, São Paulo queria dizer que chegou o tempo da salvação para toda a Humanidade. A plenitude dos tempos significa que a Humanidade atingiu o topo, isto é, o ponto mais elevado da História. As primeiras comunidades cristãs julgavam que, devido ao facto de Cristo já estar ressuscitado, o mundo iria acabar muito em breve.

Os primeiros cristãos imaginavam que Jesus, ao ressuscitar, passou a ser um rei poderoso, vingativo e implacável. Subiu ao Céu mas em breve iria voltar para destruir os maus. Imaginavam que a vinda de Jesus aconteceria muito em breve. Eis a razão pela qual alguns cristãos achavam que já nem valia a pena trabalhar. São Paulo teve de os repreender, dizendo-lhes que a vinda gloriosa de Jesus Cristo não estava para acontecer assim tão depressa. Os Apóstolos, ao princípio, pensavam que ainda estariam vivos quando Jesus chegasse (Lc 21, 20-30).


2- A Influência das Falsas Profecias

Os primeiros cristãos pensavam assim devido aos muitos pseudo apocalipses, isto é, falsas profecias que anunciavam o fim do mundo como o dia da ira de Deus. Em geral estes apocalipses associavam o fim do mundo à vinda de um messias celeste. Nesse dia, diziam os apocalipses falsos, Deus ia destruir todos os pecadores, escapando apenas o pequeno resto dos justos, isto é, dos que não tinham pecado. Influenciados por estes apocalipses, os Apóstolos e os Evangelistas também falavam do dia da ira que estava para chegar. Era também esta a maneira de ver de São João Baptista (Mt 3, 7-10).

Graças ao aprofundamento da Palavra de Deus e aos estudos da bíblia, os Apóstolos começaram a compreender melhor o significado da vinda gloriosa de Jesus Cristo. O Espírito Santo ajudou os Apóstolos a compreender que a vinda gloriosa de Jesus Cristo não é uma tragédia, mas um acto de amor de Deus que vai enviar Cristo para salvar a Humanidade.

No dia da vinda gloriosa de Jesus ressuscitado, as pessoas que ainda vivam na Terra serão salvas, passando a fazer parte para sempre da Família de Deus. Quando as últimas pessoas chegarem ao Céu, isto é, à comunhão da Família de Deus, já lá estão os muitos milhões de pessoas que nasceram depois de Adão e Eva. Devemos, pois, fixar estes dois aspectos importantes: Em primeiro lugar, o final da História Humana não significa o final do Universo.

Em segundo lugar, a vinda gloriosa de Jesus não é uma tragédia para a Humanidade, mas o grande dia da Salvação. Jesus anunciou o Reino de Deus como um projecto de amor que Deus sonhou para toda a Humanidade. A vontade de Deus, diz São Paulo, é que todas as pessoas conheçam Deus e façam parte da Família Divina (1 Tim 2, 4).

Se olharmos com atenção a maneira como Jesus actuava, vemos como ele não vinha a condenar e matar os pecadores. Pelo contrário, vinha a perdoar e conduzir as pessoas para Deus. Era esta a razão pela qual Jesus comia com os pecadores. Bem sabemos como Jesus perdoou o pecado de alguns pecadores muito conhecidos: Perdoou à mulher adúltera que os sacerdotes judeus queriam matar (Jo 8, 1-11). Perdoou ao Zaqueu, homem desprezado por todos os judeus (Lc 19, 1-10). Perdoou à Samaritana, considerada uma mulher que Deus ia destruir (Jo 4,7-21).

Jesus amava os pecadores perdoava os seus pecados. Jesus dizia que, procedendo deste modo, estava a fazer a vontade de Deus: “O meu alimento, dizia ele, é fazer a vontade de meu Pai e realizar o seu projecto de salvação” (Jo 4, 34).

A primeira Carta a Timóteo diz que a vontade de Deus é que os homens se salvem e cheguem a conhecer a verdade e o amor de Deus por eles” (1 Tim 2, 4). O projecto de Deus é a comunhão universal do Reino de Deus, uma família muito grande, onde as pessoas se amam todas. A vinda gloriosa de Cristo significa que Jesus ressuscitado não deixará ninguém fora da Família de Deus. Só não entra na festa do Reino de Deus quem rejeita a salvação que Deus nos oferece a través de Jesus Cristo.


e) A Salvação Como Dom Para Todos

1- A Humanidade é Só Uma

Existe uma só Humanidade. Todos os seres humanos fazem parte do mesmo plano criador e salvador de Deus. A Humanidade faz uma única união orgânica e dinâmica. Com a ressurreição de Jesus Cristo, a totalidade humana deu um salto de qualidade, passando da condição de não divina para a condição de divinizada. A divinização da Humanidade não é uma questão individual. A salvação atinge o tecido humano universal devido ao facto de Cristo, homem como nós, fazer parte do entretecido humano universal.

Na verdade, se Cristo não fosse um homem, nós não estaríamos salvos, pois ele não faria um connosco. Do mesmo modo, se ele fosse apenas homem também estávamos salvos, pois o divino enxertou-se no humano, divinizando-o graças ao acontecimento da Encarnação. A bíblia afirma a unidade do género humano ao relacionar todos os homens com Adão, o primeiro pai do Género Humano. Ao falar de Adão, a bíblia quer significar a Humanidade nos seus começos. É isto que significa o título de Adão, o pai da Humanidade.

2- Cristo e a Nova Humanidade

A união que existe entre os seres humanos é de tipo orgânico. Por outras palavras, a Humanidade forma um só corpo cuja cabeça era Adão. São Paulo fala dos crentes como formando um só corpo cuja cabeça é Cristo (cf. 1Cor 10, 17; 12, 27). Cristo é o Novo Adão que corrige a distorção feita no tecido humano pelo primeiro Adão (Rm 5, 17-19). O sangue que alimenta e fortalece este corpo é o Espírito Santo (1 Cor 12, 13).

São João, para falar da união que nos liga a Cristo, usa a imagem da união vital que existe entre a cepa da videira e os seus ramos (Jo 15, 1-7). Nós somos ramos vivos e fecundos na medida em que estivermos unidos a Jesus Cristo, a cepa da qual recebemos a seiva da vida (Jo 15, 4-5). É de Cristo que recebemos a Água viva que faz emergir no interior do nosso coração uma nascente de vida eterna (Jo 4, 14). A Água viva, continua São João, é o Espírito Santo que nos vem de Cristo ressuscitado (Jo 7, 39).


3- A Pessoa Humana Não É uma Ilha

A verdade a união orgânica de todos os seres humanos pode perceber-se na realidade de cada ser humano. De facto, cada pessoa é um ser habitado por muitas outras pessoas. Por outras palavras, quando começamos a ser conscientes de nós já estamos habitados por todas aquelas pessoas que nos foram transmitindo valores, critérios que nos levam a decidir e actuar de uma certa maneira e não de outra.

Os dados que estas pessoas foram incutindo em nós através da educação formam essa estrutura psíquica inconsciente a que damos o nome de superego. Apesar de ser inconsciente, o superego está sempre presente no sentido de possibilitar as nossas decisões, opções e modos de agir.

É na perspectiva deste entretecido humano que nós devemos ver a dinâmica negativa do pecado de Adão: Todos nós, ainda ante4s de sermos pecadores, já somos vítimas do pecado. O Espírito Santo gera em nós sentido de pecado, nunca sentimentos de culpa. Os sentimentos de culpa surgem em nós como obra do superego. Dizer que o Espírito Santo gera em nós sentido de pecado significa que ele nos faz ver as nossas possibilidades de agir na linha do amor. Não o fazer é pecado. Na verdade, o pecado é a resistência aos apelos que o amor faz no nosso coração. O nosso superego deita-nos em cara as coisas incorrectas que fizemos, fazendo-nos sentir culpados. O Espírito Santo nunca age assim. Como podemos ver, ninguém é capaz de se habitar de modo pleno, isto é, de modo consciente, livre e responsável sem antes ter sido habitado pelos outros.

A bíblia vê a universalidade do pecado de Adão no facto de a Humanidade formar um todo orgânico cuja cabeça é Adão. Utilizando o famoso ditado popular diríamos que quando a cabeça não tem juízo, quem paga é o corpo. Como cabeça da Humanidade, Adão não teve juízo e por isso todo o corpo está cheio de interacções negativas.

Mas Deus, movido pelo seu amor por nós, suscitou-nos uma nova cabeça, isto é, Jesus Cristo, o Novo Adão. Do primeiro herdámos o pecado e a morte, diz a Carta aos Romanos (Rm 5, 12). Do segundo herdámos a vida (Rm 5, 18-19). “Todos os que estão organicamente unidos a Cristo, diz São Paulo, são uma Nova Criação. Tudo isto nos vem de Deus que, em Cristo, nos reconciliou consigo, não levando mais em conta o pecado dos homens (2 Cor 5, 17-19).


4- Cristo e o Dom da Salvação

Cristo é, pois, a Cabeça da Nova Humanidade. Dele nos vem o Espírito Santo que faz de nós membros da Família de Deus: filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação em Filho de Deus (Rm 8, 14-17). É este o Homem Novo reconciliado com Deus. O evangelho de São João diz que o Homem Novo acontece através de um novo nascimento mediante o Espírito Santo (Jo 3, 6). Este novo nascimento acrescenta o mesmo evangelho, acontece, não pela vontade da carne ou do homem, mas pela vontade de Deus. Foi para isto que o Filho de Deus encarnou e veio habitar no nosso meio (Jo 1, 12-14).

Este dom, por acontecer na dinâmica da união orgânica universal não tem a ver com uma questão de raça, língua ou nacionalidade. O projecto sonhado por Deus é para todos os homens e não apenas para uma parcela da Humanidade. Eis as palavras de Deus para Abraão ao fazer com ele uma aliança em favor de toda a Humanidade: “Todas as famílias da Terra serão abençoadas na tua posteridade” (Gn 12, 3). Ser filho de Abraão, isto é, eleito de Deus, é uma realidade espiritual e não de tipo genealógico, disse Jesus. Na verdade, Deus pode fazer até das pedras filhos de Abraão (cf. Mt 3, 7-9).

A carta aos Efésios diz que a salvação dos pagãos é parte integrante do mistério e da missão de Cristo: “Por revelação me foi dado conhecer o mistério (plano secreto), tal como acima vo-lo comuniquei resumidamente. Lendo-o podeis fazer uma ideia da compreensão que tenho do mistério de Cristo, o qual não foi revelado às gerações passadas como agora foi dado a conhecer, pelo Espírito Santo, aos seus santos apóstolos e profetas. Segundo este mistério, os pagãos são admitidos à mesma herança que os filhos de Abraão. Na realidade, eles são membros do mesmo corpo e participantes da mesma promessa em Cristo Jesus (...). A mim, o menor de todos os santos, foi-me dada a graça de anunciar aos pagãos a insondável riqueza de Cristo e a todos iluminar sobre a realização do mistério escondido no coração de Deus, o Criador de todas as coisas, desde os tempos mais remotos” (Ef 3, 2-9). Ao falar deste modo, São Paulo está a falar como teólogo judeo-cristão, grande conhecedor das Escrituras.


5- Cristo e a Nova Aliança

Após a sua conversão à fé cristã, as Escrituras que ele tanto amava, fizeram-no compreender a universalidade do plano salvador de Deus. Na verdade, São Paulo conhecia muito bem os textos do profeta Isaías que anunciavam a salvação dos pagãos como o plano de Deus para os tempos messiânicos.

Eis as palavras de Isaías: “O estrangeiro que se converte ao Senhor não deve dizer, o Senhor excluiu-me do seu povo. O eunuco não diga: “sou apenas um lenho seco”. Eis o que diz o Senhor: “aos eunucos que guardarem os meus sábados e fizerem o que me é agradável, afeiçoando-se à minha aliança, dar-lhes-ei, no meu templo e dentro das minhas muralhas um nome duradoiro que jamais perecerá. Aos estrangeiros que se converterem ao Senhor, tornando-se seus servos, servindo-o, amando-o e guardando o sábado sem o profanar, e cumprindo a minha aliança, hei-de conduzi-los a Sião, meu monte santo. Então eu os cumularei de bens na minha casa de oração. Oferecerão sobre o meu altar holocaustos e sacrifícios que me serão agradáveis, pois a minha casa é casa de oração para todos os povos” (Is 56, 3-7).

Não é por acaso que os Actos dos Apóstolos nos descrevem demoradamente a conversão do primeiro pagão, o qual, além de pagão, era também um eunuco (Act 8, 26-37). São Marcos diz que no momento em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo, anuncia a universalidade da Salvação, tal como o profeta Isaías tinha anunciado. Interrogado pelos sacerdotes sobre a sua autoridade para proceder deste modo, Jesus respondeu-lhes: “A minha casa será casa de oração para todos os povos, mas vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mc 11, 17). Depois anuncia um Novo Templo e um Novo culto ao qual terão acesso todos os povos.

O evangelho de São Mateus diz que no momento da morte de Jesus não são os judeus, mas sim os pagãos que reconhecem Jesus como o Filho de Deus e o Salvador (Mt 27, 54). Os evangelhos sinópticos dizem que no momento da morte de Jesus o véu do templo rasgou-se de alto a baixo (Mt 27, 51; Mc 15, 38; Lc 23, 45). Isto significa que os cultos ineficazes do templo chegaram ao fim. É agora o tempo do novo culto em espírito e verdade, como diz São João (cf. Jo 4, 21-23). Para lá do véu do templo estava o Santo dos Santos, local onde Deus se tornava presente. Apenas o sumo-sacerdote tinha acesso ao Santo dos Santos, pois só ele tinha acesso directo com Deus.

No momento da morte e ressurreição de Jesus todos passam a ter acesso a Deus como membros da Família divina (Rm 8, 14-17; Gal 4, 4-7). A Carta aos Hebreus diz que os cultos do templo não agradaram a Deus e, por isso foram ineficazes. Eis a razão pela qual Jesus Cristo, ao vir ao mundo, acabou com eles, instituindo o novo culto que consiste em fazer a vontade de Deus (Heb 5, 9). Tudo isto estava previsto por Deus, diz a Carta aos Hebreus, pois o seu plano era estabelecer uma Nova Aliança assente sobre um Novo Culto.

Em seguida, a Carta aos Hebreus cita o profeta Jeremias dizendo que Deus já tinha previsto uma Nova Aliança, a qual teria como fundamento um novo culto: “De facto, com uma só oferta, Cristo tornou perfeitos para sempre os que são santificados por ele. Era isto que o Espírito Santo nos queria dizer quando afirmou: “Esta é a aliança que estabelecerei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: porei as minhas leis nos seus corações e gravá-las-ei nas suas mentes e não mais me recordarei dos seus pecados nem das suas iniquidades” (Heb 10, 14-17).

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