Pecado e Juizo Final na Bíblia




a) O Dia da Ira no Profetas

b) Juízo Final e a Segunda Vinda de Cristo
1- A Visão de São Paulo
2- Reinado Messiânico e o Resto Fiel

c) O Fim da História Nos Escritos de São Paulo

d) O Reino de Deus é a Nova Jerusalém



a) O Dia da Ira nos Profetas

O dia de Yahvé ou o dia da ira é o tema apocalíptico mais repetido nos escritos dos profetas e, mais tarde nos textos apócrifos. O pano de fundo associado ao dia da ira é a ideia de que o pecado não tem lugar no plano de Deus. Eis a razão pela qual os profetas falavam de um dia em que Deus intervirá, a fim realizar uma purificação universal.

Na óptica destes apocalipses, o dia da intervenção purificadora de Deus, será um dia de tragédia e sofrimento. Os maus vão ser aniquilados, pois o pecado não tem lugar no pleno de Deus. Só o pequeno resto dos justos escapará à destruição deste dia. Deus vai purificar a Humanidade, destruindo os pecadores. Mas este dia é também o dia em que se vai manifestar a bondade de Deus ao salvar o resto fiel dos justos. Nesse dia apenas os justos exultarão, pois o “Shalom”, isto é, a felicidade, a paz e a prosperidade, serão o grande dom de Deus para este pequeno resto.

O profeta Isaías diz que o Senhor tem um exército constituído por uma multidão de anjos, os quais estão preparados para executar o castigo divino. Os homens olharão uns para os outros cheios de terror, pois o Sol e a Lua deixarão de brilhar (Is 13, 4c-10). Os habitantes da Terra serão destruídos e reduzidos a um pequeno número (Is 24, 6). Deus vai reunir o resto fiel dos diversos quadrantes da terra e com ele reinará em Jerusalém (Is 24, 23). Nesse dia, os justos falecidos ressuscitarão, a fim de tomarem parte no Reino glorioso de Deus (Is 26, 19). Nesse dia da vingança de Deus, o pequeno resto será salvo (Is 35, 4).

Então Deus habitará para sempre na Jerusalém restaurada, realizando, assim, a promessa feita a David (Is 55, 3-5). A Nova Jerusalém já não precisa de luz, pois no seu centro está a glória de Deus. O Senhor será a sua luz eterna, pois habitará para sempre no meio dos justos (Is 60, 19-21). A salvação do resto fiel não ficará a dever-se a um anjo, mas à presença do próprio Deus no seu meio (Is 63, 9). Deus vai renovar todas as coisas, a fim de edificar a Nova Jerusalém, a Cidade de Deus na qual habitará o “Shalom”, isto é, a paz, a prosperidade e a felicidade para sempre (Is 65, 17-18).

Os pecadores e os fingidos escusam de pôr a esperança no Templo ou no culto, pois estes não salvam. Nenhuma casa pode Ter a pretensão de possuir o monopólio da presença de Deus. A “shekinah”, isto é, o ponto da Terra sobre o qual incide o olhar de Deus, não é um templo construído por pedras, mas sim o coração dos humildes e dos arrependidos do seu pecado. O que agrada a Deus não são os cultos e sacrifícios, o sangue dos vitelos, mas sim a misericórdia para com os fracos e os desprotegidos. É isto que purifica o coração e obtém o perdão dos pecados (Is 1, 12-19).

O senhor vai punir através do fogo e a espada. Muitas vão ser as vítimas da cólera divina naquele dia (Is 66, 15-16). Os cadáveres serão causa de espanto para os justos. O fogo que, nesse dia, vai punir os pecadores nunca se extinguirá (Is 66, 18-24). O profeta Jeremias diz que, no dia da ira, o templo será destruído (Jer 26, 9). Os pecadores cairão ao fio da espada. O flagelo estender-se-á sobre toda a terra, transformando-a num deserto devido ao fogo da cólera de Deus (Jer 25, 29-37). Mas o resto fiel será salvo (Jer 31, 7-8).

Nesse dia, Deus fará com este resto uma Nova Aliança, a qual não terás como alicerce a letra da Lei mas o dom do Espírito Santo. Nesse dia os corações dos justos serão cheios da força do Espírito Santo (Jer 31, 31-34). O profeta Ezequiel que, no exílio da Babilónia fez a dura experiência da escravidão, interpreta os sofrimentos do exílio como o início do dia da ira. Faz apelo aos judeus para que se mantenham fiéis, a fim de se tornarem o resto escolhido para habitar na Jerusalém restaurada com a casa de David. O dia do Senhor está próximo, pois o terror final está iniciado. Por isso já não há alegria sobre as montanhas de Judá, pois o dia do Senhor está próximo. O ouro e a prata não têm qualquer poder para os salvar (Ez 7, 5-19).Tal como fez às casas hebreus no Egipto, Deus vai assinalar os justos, a fim destes escaparem à ira do Senhor. Portanto, vão ser todos exterminados, excepto os assinalados na fronte. Os assinalados constituem o resto fiel que Deus vai poupar no dia da destruição (Ez 14, 22).

Deus vai restaurar o coração dos que ficarem integrados dos justos que fizerem parte do resto fiel. Deus vai infundir neles um coração e um espírito novos, reconduzindo-os para a Jerusalém restaurada, onde encontrarão finalmente o shalom (Ez 11, 17-19). Nesse dia os poderosos vão ser humilhados, enquanto que os pobres e os humildes vão ser exaltados: “Retira a tiara. Depõe a coroa. As coisas vão mudar, pois o humilde será exaltado e o que está no alto será humilhado (Ez 21, 30-31). No dia da ira, os céus ficarão escuros, pois as estrelas e demais corpos celestes deixarão de brilhar. As trevas cobrirão a Terra (Ez 32, 7-8).

À frente deste pequeno rebanho de Deus, o Senhor vai colocar um pastor que sairá da casa de David. Uma vez purificada a terra, Yahvé será o único Deus, o descendente de David será o único pastor e Israel viverá numa paz sem limites (Ez 34, 11-25). Os que forem achados fiéis serão renovados, pois o Senhor vai tirar do seu peito o coração de pedra, alusão às tábuas da Lei e vai infundir neles o Espírito Santo (Ez 36, 24-28). Na Babilónia, Israel está esmagado pelo sofrimento. O aspecto do povo de Deus é semelhante a um montão de esqueletos ressequidos. Mas Deus vai enviar o Espírito Santo sobre esse montão de ossos, fazendo-os ressuscitar (Ez 37, 5-12). Após a batalha entre o bem e o mel (Gog e Magog), os eleitos de Deus, vencedores, viverão para sempre (Ez 38, 3s).

A Jerusalém restaurada terá doze portas, cada qual com o nome de uma tribo de Israel (Ez 48, 31-35). Isto quer dizer que o reino de David vai ser restaurado na sua grandeza original, a qual tinha terminado com a morte de Salomão que o império de David se dividiu nos reinos de Judá e Israel e nunca mais unificou (1 Rs 12, 16-24; 2 Cron 10, 16-19).

O profeta Ezequiel viveu a experiência do exílio de Babilónia. O seu livro é um reflexo do sofrimento vivido pelo povo nessa situação de opressão. Temos agora um outro profeta cujos escritos falam do cativeiro de Babilónia, mas que é apenas um modo de não ser identificado pelos inimigos que estão a oprimir o povo. Trata-se do profeta Daniel cujos escritos são do século segundo antes de Cristo.

De novo temos o povo de Israel a viver uma experiência de opressão e martírio. Desta vez não se trata dos babilónios mas dos selêucidas, os descendentes de Alexandre Magno. Agora, a opressão e o martírio não têm lugar longe da pátria, mas em Jerusalém. O templo foi profanado e os invasores querem impor aos judeus a sua cultura, o helenismo, e a religião grega.

Com a capa da Babilónia, Daniel está a falar dos tormentos vividos pelo povo em Jerusalém. O império dos selêucidas é uma estátua enorme, mas com pés de barro, a qual vai ser despedaçada com uma simples pedrada (Dan 2, 31-43). Temos aqui o símbolo do gigante Golias vencido por David com uma simples pedrada. O livro tenta fortalecer a esperança dos crentes maltratados.

Para não agravar os sofrimentos do povo, o livro chama apenas Filho do Homem ao Messias, isto é, ao Filho de David. O tribunal de Deus está reunido sobre as nuvens, isto é, no Céu. O Filho do Homem vai ser coroado pelo próprio Deus acima das nuvens do Céu, a fim de realizar tudo o que está anunciado para o dia da ira. O Filho de Homem vai receber uma realeza eterna, pois o seu reino não terá fim (Dan 7, 9-14). Ele é o rei anunciado a David cujo reino durará para sempre (Dan 2, 44; cf. 2 Sam 7, 16)

O rei Antíoco IV vai ser punido pelas suas blasfémias e profanações do templo e dos vasos sagrados (Dan 5, 2). Os quatro imperadores selêucidas são simbolizados por quatro bestas disformes. Saem das águas, o abismo onde habitam as forças do mal (Dan 7, 3s). O pior destes animais é o quarto, Antíoco IV, o qual estava, nessa altura, a martirizar o povo de modo bárbaro (Dan 7, 7). O poder deste animal feroz está a chegar ao fim. O tribunal já está reunido para julgar. O dia da punição está determinado (Dan 7, 11-12). O dia da ira está a chegar ( Dan 5, 25-28). Estão a chegar os últimos tempos (Dan 8,19).

Eis os pilares sobre os quais assenta o dia da ira:
*A salvação do Resto Fiel;
*A punição dos maus;
*A realização das promessas e a constituição de uma Nova e Eterna Aliança.

Os santos do Altíssimo, os justos, vão receber a realeza e guardá-la-ão para sempre, tornando-se um povo de reis e sacerdotes (Dan 7, 14-18; cf. Ex 19, 6). No dia da ira acontecerá a ressurreição dos mortos. Os justos vão viver com Deus e os ímpios serão lançados no mundo da ignomínia. Nesta mesma linha, o profeta Joel vê o dia da ira, também chamado dia do Senhor como um dia de trevas e escuridão.

O Senhor vai chegar precedido de um fogo devorador. Após o castigo desse dia, a Terra vai ficar como um deserto (Jl 2, 1-3). O Sol e a Lua obscurecer-se-ão. As estrelas perderão o brilho, pois o dia da ira é grande e terrível (Jl 2, 10-11). O sol converter-se-á em trevas e a lua em sangue. Surgirão muitos prodígios na terra e no céu (Jl 3, 4).

O Resto Fiel permanecerá em Jerusalém. Apenas sobreviverão aqueles que o Senhor chamou (Jl 3, 5). Deus congregará todos os povos no vale de Josafat, onde realizará o julgamento (Jl 4, 2). Também para o profeta Amós o dia do senhor é um dia de trevas e não de luz (Am 5, 18). A justiça de Deus vai ser realizada pelo fogo (Am 7, 4). O profeta Abdias diz que o resto fiel permanecerá no monte de Sião, isto é, em Jerusalém (Abd 1, 17). Nesse dia, os ímpios serão aniquilados (Abd 1, 18).

Segundo o profeta Miqueias, Deus vai salvar o resto Fiel e conduzi-lo-á como um pastor conduz o seu rebanho (Miq 2, 12). Deus vai reunir os coxos, os estropiados, os pobres e os desprezados com os quais vai formar o resto, pois Deus quer fazer dos fatigados e humilhados um povo poderoso (Miq 4, 6-7). Nesse dia, os pais estarão contra os filhos e estes contra os pais (Miq 7, 5-6).

O profeta Sofonias alerta os justos, dizendo-lhes que devem juntar-se e praticar a justiça, a fim de escaparem à destruição do dia da ira (Sof 1, 14-2, 13). Deus já reservou o pequeno grupo dos que vão constituir o resto Fiel. O Senhor virá visitá-los e dar-lhes a recompensa (Sof 2, 7-9). Deus habitará com o resto na Jerusalém restaurada (Sof 3, 13-17).

Também segundo o profeta Zacarias Deus habitará com o do resto Fiel na Nova Jerusalém (Zac 2, 14-17). A Cidade Santa, a Nova Jerusalém, será a morada de Deus e tornar-se-á fonte de bênçãos para todos os povos da Terra (Zac 14, 14, 6-16).

O profeta Malaquias diz que os pecadores, no dia da ira, serão como palha lançada ao fogo. Antes do dia terrível vai voltar o profeta Elias, o qual aproximará os corações dos pais e dos filhos entre aqueles que formam o resto Fiel (Mlq 3, 18-24).


b) Juízo Final e a Segunda Vinda de Cristo

1- A Visão de São Paulo

Os discípulos de Jesus estavam convencidos de que ele era o Filho de David prometido, isto é, o rei messiânico que em breve iria subir ao trono. Isto nada tem de extraordinário, pois era esta a compreensão judaica da sua época. Como podemos verificar no evangelho de São Lucas foi nestes termos que o anjo anunciou a Maria o nascimento do seu Filho (cf. Lc 1, 32-33).

Convencidos de que Jesus em breve se sentaria no trono real, os Apóstolos Tiago e João pedem a Jesus para lhes conceder o privilégio de ocuparem os primeiros lugares na corte real. Os outros Apóstolos, ao ouvirem as pretensões de Tiago e João, protestam, pois também eles tinham pretensões no sentido de ocuparem esses lugares.

Pouco a pouco, Jesus tenta mudar esta mentalidade dos discípulos (Mc 10, 35s). Mas apesar dos seus esforços neste sentido, Jesus conseguiu muito pouco (Mt 16, 23). Esta tarefa ficaria para o Espírito Santo realizar após a Páscoa (Act 3, 19-21; 2, 32-36). Após a experiência pascal, a compreensão dos discípulos acerca da realeza de Jesus começa realmente a transformar-se.

Uma vez que Jesus morreu sem subir ao trono, os apóstolos recorrendo à profecia do Filho do Homem Daniel dizem que Jesus foi entronizado no Céu, após a sua ressurreição. Na verdade, argumentam eles, Deus já tinha anunciado através do profeta Daniel que as coisas aconteceriam assim (Dan 7, 13-14). Uma vez entronizado no Céu, Jesus vai voltar com todo o poder, a fim de estabelecer com o resto o Reino de Deus e executar a purificação do dia da ira (Act 3, 19-21). Os discípulos vão, pois, anunciar a segunda vinda de Cristo dentro do cenário que os profetas tinham elaborado para o dia da ira.

São Paulo anuncia aos cristãos que eles formam o resto fiel que escapará ao dia ira no dias da vinda de Jesus Cristo: “Jesus ressuscitou dos mortos e livrou-nos da ira futura” (1 Tes 1, 10). Quando o Senhor vier, os que permaneceram fieis vão ao encontro do Senhor nos ares, ficando para sempre com Ele (1 Tes 4, 14-17). O dia do Senhor virá como um ladrão, surpreendendo os desprevenidos (1 Tes 5, 2).

Os fiéis devem aspirar pelo dia do Senhor, pois eles sabem que Deus não os reservou para a ira, mas para a salvação em Jesus Cristo (1 Tes 5, 9). O Senhor vai vir entre chamas de fogo fazer justiça e punir os que se opõem ao Evangelho (2 Tes 2, 6-8). Os que constituem o resto fiel aparecerão junto dele revestidos de glória (Flp3, 1-4). Os judeus, ao rejeitarem o Evangelho, estão a aumentar os motivos do seu castigo no dia da ira (Rm 2, 5-6).


2- Reinado Messiânico e o Resto Fiel

É enorme a influência dos textos apocalípticos dos profetas nos textos do Novo Testamento. Podemos dizer que os textos apocalípticos do Antigo Testamento são o material com que os autores do Novo Testamento elaboram o cenário da Segunda vinda Cristo. Para São Paulo, a parusia, isto é, a Vinda de Cristo como rei messiânico significa o fim do mundo velho. “Se alguém está em Cristo, diz ele, é um Nova Criação. Passou o que era velho” (2 Cor 5, 17).

Na sua maneira de entender, a parusia, a vinda de Cristo, vai dar-se muito em breve. Se Cristo já ressuscitou, não há razão para permanecerem ainda os vestígios do mundo velho. Com efeito, o Espírito de Cristo ressuscitado, a força criadora do Mundo Novo já está activa no coração dos crentes e das comunidades espalhadas pelo império romano.

Quanto aos crentes, estes devem estar vigilantes, pois o Senhor vai chegar quando menos pensarmos. O dia do Senhor virá, como um ladrão, pela calada da noite (1 Tes 5, 2). Será um dia de tragédia e destruição para os que se opõe a Cristo e ao plano salvador de Deus. Mas para os eleitos esse será um dia de glória e alegria, pois é o dia da salvação e da libertação para o resto fiel.

A primeira carta aos Tessalonicenses é o documento do Novo Testamento que melhor testemunha a tensão escatológica da primeira geração cristã (cf. 1, 3; 4, 13-18; 5, 1-11 4, 13-18; 5, 1-11; 5, 23-24). Para os que vivem para o Senhor esse dia será o dia da sua glorificação. Mas para os inimigos de Cristo esse será o dia da ira e da destruição. Vão acontecer as tragédias e os castigos anunciados pelos apocalipses dos profetas (cf. Am 5, 18-20; Jl 2, 1;3, 14;Ez 30, 20-21; Mal 3, 19-23).

Profundo conhecedor dos textos dos profetas, São Paulo considera os cristãos como o resto fiel que escapará à destruição do dia da ira de Deus: “Deus não nos reservou para a ira mas para a salvação que nos vem de Nosso Senhor Jesus Cristo (1 Tes 5, 9). O resto fiel é escolhido e preservado da corrupção do mundo, a fim de participar no Reino da glória de Deus (1 Tes 2, 12). Os cristãos falecidos vão ressuscitar no dia da vinda do Senhor, a fim de participarem na festa da salvação (1 Tes 4, 15-17).

Deus é fiel. Por isso nos vai fortalecendo com a dinâmica do Espírito Santo, a fim de aparecermos irrepreensíveis no dia da vinda de Cristo (1 Cor 1, 8; 1 Tes 3, 13; 5, 23-24). Os que se obstinam na prática do mal estão a acumular razões de condenação para o dia da ira de Deus (Rm 5, 9). Para os eleitos, o dia do Senhor é motivo de alegria e exultação, pois já estão marcados para esse dia com o selo da salvação que é o Espírito Santo (Ef 4, 30)

Nós não andamos nas trevas, diz ele, de modo a ser surpreendidos no dia do Senhor (1 Tes 5, 4). Este dia está próximo (Flp 4, 5;Rm 13, 11). Na verdade, nós chegámos a estes tempos que são os últimos (1 Cor 10, 11). No dia da vingança o Senhor virá com os anjos em todo o seu poder (2 Tes 1, 5-10). Mas para os eleitos não há condenação, pois ninguém nos poderá separar do amor de Cristo (Rm 8, 35-39).

O resto Fiel será reunido dos quatro cantos da Terra, a fim de formar o Reino Messiânico, pois a ira não os atingirá (Mc 13, 26). Os judeus que troçam do anúncio da Segunda vinda de Jesus ressuscitado fazem parte do grupo dos ímpios reservados para o dia da ira (2 Pd 1, 16-17). Estes serão castigados com o fogo, sofrendo o mesmo castigo dos habitantes de Sodoma (2 Pd 2, 7-8). Deus tem atrasado um pouco a Segunda vinda de Cristo, a fim de possibilitar que se salve o maior número possível (2 Pd 3,3).

O Apocalipse é uma síntese genial dos apocalipses do Antigo e do Novo Testamento, bem como dos apocalipses apócrifos do judaísmo. Com uma variedade enorme de textos consegue estruturar um plano cheio de esperança para os crentes que, agora, já estão a ser perseguidos e martirizados. A Segunda vinda está próxima. O Senhor aparecerá sobre as nuvens do Céu. Todos os olhos o hão-de ver (Apc 1, 7). Os cristãos perseguidos e atormentados têm de esperar só mais um pouco (Apc 1, 9). Os que estão encarcerados e atormentados nas prisões podem alegrar-se, pois dentro de poucos dias acabarão os seus tormentos (Apc 2, 10-11).

O Resto fiel será constituído pelos crentes e pelos justos do Antigo Testamento, simbolizados pelos cento e quarenta e quatro mil, um múltiplo de doze, para significar os justos das doze tribos. Além dos justos do povo hebreu, há ainda uma multidão incontável de todas as raças, línguas, culturas e nações, isto é, a multidão dos pagãos que aceitaram Jesus Cristo (Apc 7, 3-10). Cristo receberá o império e o poder, reinando para sempre (Apc 11,15).

Paulo pensava que o Reino de Cristo, na Terra, duraria apenas o tempo suficiente para Cristo dominar os poderes maléficos que vagueiam pelos ares. Depois, entregará o Reino ao Pai, afim de Deus ser tudo em todos (1 Cor 15, 24-28). O autor do Apocalipse, pelo contrário, diz que o reino messiânico, sobre a terra, durará mil anos. Os eleitos reinarão com Cristo durante mil anos vivendo na terra a plenitude do “Shalom”, isto é, a paz, a felicidade e o bem-estar (Apc 20,4). O Demónio será aprisionado e os ímpios destruídos no dia da vinda do Senhor permanecerão no reino dos mortos durante os mil anos do reino messiânico sobre a terra (Apc 20, 1-2). Após os mil anos, os ímpios ressuscitam, a fim de serem punidos com o castigo eterno e o Demónio será solto.

Felizes dos que participaram na primeira ressurreição, isto é, os que ressuscitaram no dia da segunda vinda de Jesus (Apc 20, 5). Os que vão ressuscitar após os mil anos do Reino messiânico vão ser todos punidos com o fogo. Mas antes disto vai dar-se a batalha do Armagedon, isto é, a luta decisiva entre o bem e o mal. Uma vez vencidos, o Demónio e os seus adeptos, serão finalmente lançados no lago do fogo e do enxofre (Apc 20, 8-10). Todos aqueles cujos nomes não estejam inscritos no livro da vida serão lançados no lago do fogo (Apc 20, 12-15).

Deus cria, então um novo Céu e uma nova Terra (Apc 21, 1). É então que a morada de Deus, a Jerusalém celeste, e a morada dos eleitos, a Jerusalém terrestre se juntam e Deus passa a habitar no meio dos eleitos, limpando-lhes as lágrimas do rosto. Não haverá mais pranto, nem morte, nem gritos, nem dor, pois Deus vai renovar todas as coisas (Apc 21, 2-5).

Apesar de o dia da ira estar associado à acção do Messias. Jesus anunciou que a sua missão não se situa na linha punitiva do dia da ira. Pelo contrário, Deus chamou-o para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos cativos, fazer que os coxos caminhem e os cegos vejam (Lc 4, 18-21). A sua missão não consiste em destruir os pecadores, mas em destruir o pecado. A destruição do pecado acontece no coração do ser humano pela acção do Espírito Santo que transforma o seu coração, fazendo-o passar do egoísmo para o amor fraterno. Já o profeta Jeremias tinha anunciado que a Nova Aliança assenta no dom do Espírito Santo, o qual vai introduzir no interior dos homens um coração novo (cf. Jer 31, 31-33).

Jesus distingue muito bem a diferença que existe entre a destruição do pecado e a destruição do pecador. Apesar de ser contra o adultério toma partido pela adúltera quando os fariseus a queriam matar. O evangelho de São João põe na boca de Jesus uma frase profundamente sugestiva a este respeito: “Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo” (Jo 12, 47). E ainda: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Ou então: “O Filho do Homem veio salvar o que estava perdido” (Mt 18, 11). Deus é Amor, diz a primeira Carta de São João (1 Jo 4, 7). Eis a razão pela qual não condena ninguém. As pessoas que vão para a morte eterna condenam-se por sua própria condenação.


c) O Fim da História Nos Escritos de São Paulo

Falar de São Paulo é falar do maior teólogo da primeira geração cristã. Por ser um teólogo judeu convertido à Fé Cristã, São Paulo encontrava-se numa situação privilegiada para compreender o plano salvador de Deus realizado em Cristo. Segundo a sua visão da História da Salvação, Com Jesus Cristo teve início a plenitude dos tempos. Por outras palavras, Com Jesus Cristo a História Humana entrou na fase dos acabamentos, a Humanidade (1 Cor 10-11). Com a ressurreição de Jesus Cristo, a Humanidade recebe a força do Espírito Santo, graças ao qual somos incorporados na Família de Deus (Rm 8, 14-16; Ga 4, 4-7).

O coroamento da História vai acontecer com a segunda vinda de Jesus Cristo como rei e cabeça da Nova Humanidade (Col 1, 15-20; Flp 2, 6-11). No dia em que o Senhor aparecer (parusia), os mortos ressuscitarão e os vivos serão arrebatados nos ares, ficando plenamente espiritualizados num abrir e fechar de olhos.

São Paulo imaginava a Segunda Vinda de Jesus Cristo como um acontecimento que iria acontecer muito em breve. Além disso, tinha uma consciência muito clara de que, graças à ressurreição de Jesus Cristo, a morte foi vencida, não só para Cristo, mas para todos os homens (1 Cor 15, 26). Se Cristo ressuscitou, então também nós somos ressuscitados e glorificados com ele. O nosso futuro está cheio de sentido (Col 1, 27; 1 Cor 15, 12-24).

A ressurreição de Jesus Cristo não é uma transformação meramente individual, pois Cristo é um homem e, portanto, faz uma união orgânica com a Humanidade. Se nós não ressuscitamos, então também Cristo não ressuscitou. Por outro lado, se Cristo não ressuscitou também não ressuscitamos e a salvação humana ainda não aconteceu (1 Cor 15, 12-13).

Com a ressurreição de Jesus Cristo, a salvação começou a actuar na Humanidade pelo poder do Espírito Santo, o qual nos vai configurando com Cristo e inserindo na Família de Deus. O Espírito Santo, diz ele, é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). O acontecimento da ressurreição de Cristo inaugura o futuro definitivo. A dinâmica da salvação já está a activa no coração dos que se abrem a Cristo (Rm 3, 26; 11, 5; Ef 2, 8).

Cristo é o Novo Adão que vence as consequências do pecado e da morte que o primeiro Adão introduziu no tecido da Humanidade (1 Cor 15, 51-52). Assim como a morte veio para todos por intermédio de Adão, a vitória sobre a morte vem por Jesus Cristo (1 Cor 15, 54-56). Graças a Cristo ressuscitado, a dinâmica da ressurreição está activa na história (1 Tes 4, 15-17). Quando Jesus Cristo aparecer como rei glorioso, então também nós seremos glorificados com ele (Col 3, 4). O nosso ser presente será transformado e ficará como Cristo glorioso (Flp 3, 21).


d) O Reino de Deus é a Nova Jerusalém

À luz da Fé Cristã, o Reino de Deus é a comunhão Universal das pessoas humanas com as divinas e outras que, porventura, possam existir. No evangelho de São João, Jesus garante-nos que, na casa do Pai, há moradas que cheguem para todos: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse como poderia eu ter-vos dito que vou preparar um lugar para vós?” Quando eu for e vos tiver preparado um lugar virei novamente e levar-vos-ei par junto de mim, a fim de que, onde eu estou, vós estejais também” (Jo 14, 2-3).

A Carta aos Hebreus diz que os crentes aguardam uma nova cidade construída pela mão de Deus e não pela mão dos homens (Heb 13, 14). Na verdade, dizem os Actos dos Apóstolos, Deus não habita em moradas construídas pela mão dos homens (Act 7, 48-49; 17, 24). Os eleitos habitarão com Deus numa cidade que não é obra dos homens, mas sim de Deus.

O Livro do Apocalipse diz que a nossa morada definitiva é a Nova Jerusalém. No dia da ira, os eleitos estarão assinalados com o nome de Deus, a fim de não perecerem (Apc 3,12). A Nova Jerusalém é a morada de Deus e da Humanidade salva em Cristo e definitivamente unida a Deus. É bem conhecida a visão grandiosa do Apocalipse que descreve a Nova Jerusalém a descer do Céu como uma jovem adornada para o encontro com o seu esposo (Apc 21,2). A cidade de Deus é o templo do Senhor, isto é, o palácio e a cidade de Deus.

Na Nova Jerusalém, os eleitos formam o povo do Senhor, pois Deus, habitará no meio deles (Apc 21,3). Na morada de Deus com os homens terminam definitivamente a dor, o medo, a angústia ou o luto, pois os seus habitantes são os eleitos de Deus. O próprio Deus, vai junto de cada um dos eleitos, beija-o e limpa as lágrimas dos seus olhos (Apc 21, 4). Deus declara o fim do mundo velho, declarando que acaba de fazer novas todas as coisas (Apc 21, 5).

A Nova Jerusalém é realmente uma Nova Criação como diz São Paulo: “Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho. Eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que, em Cristo, reconciliou consigo a Humanidade não levando mais em conta os pecados dos homens.” (2 Cor 5, 17-19).

Na Nova Jerusalém todos encontram a plenitude da felicidade. Ninguém tem carências. Todos os eleitos são declarados como filhos e herdeiros de Deus (Apc 21, 7). A Nova Jerusalém já não depende do Sol e da Lua, pois já não há sucessão dos dias e das noites. A luz perpétua que ilumina a Nova Jerusalém é a glória de Deus, a qual brilha como se fosse uma pedra preciosa (Apc 21, 23). Todos caminham à luz de Deus e do cordeiro (Apc 21, 24).

Na Nova Jerusalém já não há templo, pois Deus torna-se presente a todos e comunga directamente com todos sem necessidade da mediação dos lugares sagrados. Como diz São Paulo, o templo do Altíssimo é o coração das pessoas: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. De facto, o templo de Deus é santo e esse templo sois vós” (1 Cor 3, 16-17).

O que separa a pessoa humana de Deus é o pecado. Na Nova Jerusalém o pecado é totalmente abolido. Eis a razão pela qual todos levam em si o esplendor da própria glória de Deus (Apc 21, 26). Do trono de Deus e do Cordeiro dimana um rio de Água Viva que a todos conduz à plenitude da vida (Apc 22, 1).

Nas margens do Rio da Água Viva está plantada a Árvore da Vida cujo fruto confere vida eterna àqueles que o comem. O evangelho de São João associa a Eucaristia a Cristo que é a Árvore da Vida cujo fruto nos dá a Vida Eterna: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, pois eu vou ressuscitá-lo no último dia. De facto, a minha carne é uma verdadeira bebida e o meu sangue é uma verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem me come viverá por mim” (Jo 6, 54, 57).

O fruto da Árvore da Vida, isto é, o corpo e sangue do Senhor ressuscitado é o Espírito Santo, acrescenta São João, a fim de evitar qualquer associação com antropofagia (Jo 6, 62-63). A fecundidade da Árvore da vida é plena e permanente, pois produz frutos novos todos os meses (Apc 22,2). Eis o que diz o Apocalipse: “Felizes os que vencem as tribulações e a oposição dos inimigos da Fé, pois Deus dar-lhes-á a comer o fruto da Árvore da Vida” (Apc 2, 7).

Na Nova Jerusalém todos contemplam de modo directo a face do Senhor (Apc 22, 4). Esta passagem faz-nos lembrar a primeira Carta de São João a qual afirma que, no Céu, todos são semelhantes ao próprio Deus, pois contemplam-no tal como ele é (1 Jo 3, 2). A Nova Jerusalém, diz a Carta aos Hebreus, é a cidade do Deus vivo (Heb 12, 22).

A primeira Carta de São Pedro diz que Deus nos fez renascer para uma vida nova, a fim de nos conceder uma herança incorruptível que nunca será destruída (1 Pd 1, 3-6). No momento em que o Senhor Aparecer, o nosso corpo mortal, através de uma recriação instantânea, dará lugar ao corpo glorioso, o qual é espiritual e eterno (1 Cor 15, 42-45). Mediante uma transformação radical, Deus libertar-nos-á deste corpo de morte, o qual é a expressão da nossa natureza frágil e pecadora (Rm 7, 20-25).

O corpo dos ressuscitados é espiritual, em tudo idêntico ao corpo glorioso de Jesus Cristo, diz a Carta aos Filipenses (Flp 3, 20-21; cf. Rm 8, 28-30). O nosso corpo glorioso vem de Deus e é eterno., pois habitará para sempre com Deus (2 Cor 5, 1-5). No monte Tabor, Jesus mostrou aos discípulos o que será o corpo glorioso dos ressuscitados com Cristo (Lc 9, 28-32). A glória do nosso corpo glorioso depende da densidade da nossa comunhão com Cristo (2 Cor 3, 17-18).

Já começou a plenitude dos tempos. Os que viveram antes de Cristo ressuscitaram com ele. Nós, os que surgimos na história depois dele, entramos na plenitude dos ressuscitados no momento da nossa morte. Os horizontes da nossa esperança levam-nos a compreender qual é a razão fundamental da nossa vida na Terra. De modo gradual e progressivo começamos a compreender que tudo deve estar em função da plenitude da Vida Eterna. Na verdade, a finalidade da nossa existência na terra não é apenas prolongar o mais possível a nossa vida mortal, mas trabalharmos na construção da Vida Eterna.

Esta Sabedoria é um dom do Espírito Santo que, pouco a pouco, nos faz compreender o sentido desta afirmação profunda do evangelho de São Marcos: “Que importa ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua vida eterna?” (Mc 8, 36). O evangelho de São João convida-nos a seguir as pegadas de Jesus, pois ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode chegar ao Pai a não ser por ele (Jo 14, 6). Alegremo-nos, portanto, pois o Reino de Deus está a emergir de modo pleno no coração de cada ser humano.

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