O Mistério da Pessoa em Construção


a)Do Tempo Para a Eternidade
1-O Homem, o Tempo e a Eternidade
2-O Tempo é Para Nascer e Crescer
3-O Homem e a Hora de Deus
4-A Plenitude dos Tempos
5-O Tempo e a Liberdade

b)A Dimensão Espiritual da Pessoa
1-A Divindade e a Humanidade Como Pessoas
2-A Pessoa Humana Como Ser Histórico
3-A Pessoa e a Vida Eterna
4-O Pecado das Forças Desumanizantes

c)Passos Para Crescer Como Pessoa
1-A Importância da Amizade
2-Atenção à pessoa do outro
3-Capacidade de Perdoar
4-A Arte de Compreender
5-Amar e Deixar-se Amar
6-Ser Mediação de Felicidade

d)Valores e Estruturação Pessoal
1-A Comunicação dos Valores
2-Valores e Estruturação Humana
3-Relações Humanas e Valores


a)Do Tempo Para a Eternidade

1-O Homem, o Tempo e a Eternidade

Quando olhamos o tempo, tendo como pano de fundo a eternidade, este ganha um sentido e uma importância verdadeiramente fundamentais. Nesta perspectiva o tempo surge como o ventre em cujo interior os seres pessoais emergem e atingem a sua densidade de Vida Eterna. Por ser espiritual, a vida pessoal tem uma consistência imortal e, portanto, com densidade de vida eterna.

Vista à luz da eternidade, a vocação fundamental da pessoa humana é realizar-se como pessoa mediante o amor. Se o tempo nos é dado para construirmos a nossa realidade pessoal e eterna, então o tempo deve ser tomado a sério e aproveitado. Vistas a esta luz, as manhãs surgem como um convite a aproveitar o novo dia como mais uma oportunidade para realizarmos no tempo o que seremos eternamente.

Quando olhamos o tempo com os horizontes da eternidade, o amor ganha sabor a vocação fundamental, pois é por ele que podemos viver o amor neste dia único e irrepetível. Se o vivermos de modo empenhado, a pessoa emerge em cada dia com uma novidade chamada a enriquecer o património definitivo da comunhão universal do Reino de Deus. Por outras palavras, é hoje o tempo de configurarmos a identidade pessoal que desejamos ser para sempre.

2-O Tempo é Para Nascer e Crescer

Na verdade, a nossa identidade espiritual coincide com o nosso jeito de amar. Comparando a dinâmica da vida eterna à festa de umas bodas, podemos dizer que a pessoa humana “dançará” eternamente o ritmo do amor com o jeito que tiver treinado na história. É agora, portanto, o tempo de moldarmos a nossa capacidade de comungar com os outros no Reino de Deus.

Hoje mesmo podemos reorientar o nosso jeito de conviver na festa da vida eterna, mudando o modo de nos relacionarmos com os demais. Hoje é o dia em que podemos burilar e aperfeiçoar o nosso modo de nos relacionarmos e comungarmos com as pessoas divinas, as humanas e todas as outras que possam fazer parte da Comunhão Eterna da Família de Deus.

Por outras palavras, é agora o tempo de edificarmos a plenitude da vida que ultrapassa a morte. Na verdade, o dia de hoje é importante, pois é um tempo que Deus nos dá para edificarmos o que havemos de ser para sempre.

Deus criou-nos inacabados, a fim de nos irmos realizando no tempo, estruturando assim a nossa história pessoal. Com efeito, nós somos os gestores do nosso tempo, condição indispensável para decidirmos no dia-a-dia o que seremos ser eternamente. Visto à luz da eternidade, o tempo para nós, não é uma mera sucessão de instantes que se juntam para dar consistência e configuração aos segundos, aos minutos, às horas, aos dias, aos anos, aos séculos ou aos milénios. Por outras palavras, o tempo é muito mais do que aquilo que os relógios e os calendários contabilizam.

3-O Homem e a Hora de Deus

À luz da Palavra de Deus cada dia é para o Homem um “kairós”, isto é, a hora de Deus e a oportunidade de o Homem, orientado pelo Espírito Santo, realizar a pessoa que deseja ser eternamente. Hoje é o dia em que o Espírito Santo nos interpela e ilumina, a fim de completarmos, em nós e no mundo, a criação de Deus. O maior perigo do dia de hoje é a decisão de matar o tempo, pois isto significa decidir não emergir nem crescer como capacidade de comungar mais com Deus e os irmãos.

Compete-nos a nós dar a última palavra sobre a fecundidade do dia de hoje. Na verdade, neste dia temos a possibilidade de dar um salto qualitativo, conferindo à vida uma densidade nova e, deste modo, enriquecer a nossa plenitude definitiva. As pessoas que a longo da sua vida tomaram o tempo a sério, atingiram uma maior realização pessoal e fizeram a Humanidade avançar.

Estamos a tocar o mistério do ser humano cuja realização é um processo histórico. Deus criou-nos inacabados, a fim de completarmos a sua obra, realizando-nos de modo livre, consciente e responsável. Surgimos na vida com um leque de talentos ou possibilidades que podemos realizar ou não. Realizando-os fazemos emergir a pessoa que vai brotando no nosso íntimo como capacidade de comunhão fraterna.

Hoje é o dia em que podemos realizar as nossas possibilidades ou talentos fazendo emergir o nosso ser pessoal. À medida em que vamos construindo a pessoa que temos como tarefa realizar, o Espírito Santo vai-nos configurado com Jesus e incorporando na Família Divina.

Deste modo Jesus Cristo se torna o primogénito entre muitos irmãos. Eis o que diz São Paulo a este respeito: “Porque àqueles que Deus conheceu desde os tempos primordiais, também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo que ele é o primogénito de muitos irmãos” (Rm 8, 29).

4-A Plenitude dos Tempos

Se hoje nos humanizarmos sendo fiéis ao amor, podemos dizer que hoje é um dia em que o Espírito Santo nos configura com Jesus Cristo. São Paulo chama Plenitude dos tempos à fase dos acabamentos da Humanidade. A Plenitude dos tempos começou com o mistério da Encarnação, pois o processo da divinização acontece a partir do momento em que o divino se enxerta no humano.

Podemos dizer que a configuração com Cristo e a divinização do Homem são os pilares da plenitude dos tempos. São Paulo diz que, ao chegar a plenitude dos tempos nós fomos feitos filhos no Filho (Gal 4, 4-7). No coração do homem configurado com Cristo o amor tem um lugar especial, capacitando-nos para vencermos o egoísmo que é a lei da selva. O tempo é o campo onde as nossas possibilidades se tornam realidade, atingindo o nível de realizações definitivas.

5-O Tempo e a Liberdade

É em génese temporal que emerge e se fortalece em cada um de nós a pessoa livre, consciente e responsável. A liberdade é a capacidade de a pessoa se relacionar amorosamente com os outros e interagir de modo criativo com os acontecimentos e as coisas. É certo que a pessoa não nasce livre, mas sim com a possibilidade de chegar a ser livre.

A possibilidade de sermos livres é o nosso livre arbítrio, isto é, a capacidade de optarmos pelo bem ou pelo mal. A liberdade emerge como fruto da das opções na linha do amor. De facto, ninguém pode ser livre sem exercitar o seu livre arbítrio. No entanto, temos de saber que não basta uma pessoa exercitar o livre arbítrio para se tornar livre.

Por outras palavras, a liberdade é um processo de libertação, realizado a partir do livre arbítrio. Ao contrário das pessoas humanas, as pessoas divinas são infinitamente livres. Eis a razão pela qual não têm livre arbítrio ou seja a possibilidade de se tornarem livre. De facto as pessoas divinas não têm a possibilidade de optarem pelo mal.

O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão universal do Reino de Deus. Deus é amor pleno e total diz a Bíblia (1 Jo 4, 7-8). Eis a razão pela qual é o próprio Deus que assume as nossas realizações de amor na comunhão familiar de Deus (Rm 8, 14-17). Esta dinâmica leva a pessoa a eleger o outro como alvo de bem-querer, aceitá-lo assim como é e agir de modo a facilitar a sua realização e felicidade.

Por ser o resultado de um processo de libertação que se concretiza em opções de amor, a liberdade é a capacidade de as pessoas se relacionarem amorosamente e interagirem de modo criativo umas com as outras. Dizer que a liberdade é um processo de libertação significa que se vai tornando realidade o que em nós começa por ser apenas uma possibilidade. À medida que a pessoa se realiza, emerge de forma única, original e irrepetível. Isto quer dizer que, na Comunhão Universal da Família de Deus ninguém está a mais, pois ninguém é a cópia de outra pessoa.


b)Dimensão Espiritual da Pessoa

1-A Divindade e a Humanidade Como Pessoas

A pessoa humana não se esgota na sua dimensão biológica. No interior do ser humano, está a emergir a vida, como o pintainho emerge dentro do ovo. À medida que emerge, a vida espiritual do ser humano estrutura-se como vida pessoal, isto é, livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.

Pode acontecer reciprocidade amorosa entre as pessoas divinas e as humanas, pois a Divindade é pessoas e a Humanidade também. Por outras palavras, existe proporcionalidade entre as pessoas humanas e as divinas. É verdade que as pessoas divinas não têm vida de nível biológico ou psíquico. Isto quer dizer que as pessoas humanas são proporcionais às divinas apenas ao nível da sua interioridade espiritual.

A vida pessoal humana, por ser proporcional à vida pessoal divina já pertence à cúpula da Criação. A pessoa apenas pode realizar-se em dinâmica de relações e comunhão amorosa. Isto significa que pessoa, à medida que se realiza, é autora de si própria.

Neste aspecto, o Homem é realmente alguém que está a emergir como ser à imagem e semelhança de Deus. É verdade que a pessoa humana, ao contrário das pessoas divinas, começa por ser o que os outros fizeram dela. Mas o decisivo é o modo como a pessoa se realiza a partir dos talentos que recebeu.

2-A Pessoa Humana Como Ser Histórico

Optando, decidindo e realizando os talentos que recebeu dos outros, a pessoa estrutura-se como ser livre. A liberdade é a capacidade de se relacionar de modo amoroso com os outros e de interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos. O nível de liberdade de uma pessoa é o resultado de uma cadeia enorme de opções, escolhas e decisões.

Apesar de não nascer livre, a pessoa nasce com a possibilidade de se tornar livre. Por outras palavras, a pessoa humana não nasce livre, mas sim com a possibilidade de o ser. A possibilidade de o ser humano se tornar livre radica no livre arbítrio, a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal.

À medida que se realiza, a pessoa humana emerge como ser único, original e irrepetível. As pessoas são um pouco como as impressões digitais: Apesar de haver uma multidão imensa de polegares as impressões digitais de um pessoa não se repetem. Podemos dizer que a identidade natural de um ser humano é constituída pelas impressões digitais e pelo seu ADN.

A identidade espiritual é constituída pelo jeito de amar e comungar de uma pessoa. A identidade natural acaba no cemitério. A identidade espiritual, pelo contrário, faz parte da Vida Eterna de umas pessoa. A identidade natural é um dado biológico que faz parte do património genético herdado pela pessoa. A identidade espiritual, pelo contrário, é algo que a pessoa constrói através do seu jeito de amar e se relacionar.

3-A Pessoa e a Vida Eterna

Utilizando uma imagem que me é muito querida, eu diria que, no Reino de Deus, todos dançaremos o ritmo do amor, mas cada pessoa com o jeito que tiver treinado na história. Cada pessoa é única, original e irrepetível, tanto nas impressões digitais que herdou dos outros, como nas impressões digitais que construiu em relações com os outros.

Como já vimos, a realidade espiritual humana tem uma identidade histórica. Assim como o pintainho emerge dentro do ovo, assim a vida pessoal-espiritual emerge no interior do nosso ser exterior. Ao terminar a marcha histórica da pessoa, a casca do ovo rebenta e o pintainho nasce e entra na festa da vida eterna.

Por outras palavras, a vida pessoal, por ser espiritual, não está a caminhar para o vazio da morte. Na edificação da vida pessoal, o decisivo são as opções e realizações na linha do amor. Os fracassos ou quedas circunstanciais que aconteçam pelo caminho não anulam a realização do Homem em construção.

O grande obstáculo à realização histórica da pessoa é de facto o pecado, isto é, a recusa da pessoa a realizar-se mediante relações de amor. As recusas da pessoa a realizar-se mediante o amor, geram um conjunto de forças negativas que bloqueiam o processo realização da pessoa e bloqueiam o processo histórico da humanização.

4-O Pecado das Forças Desumanizantes

No mundo em que vivemos, o pecado manifesta-se de muitos modos: É o egoísmo e a indiferença das pessoas em relação aos seus irmãos. É o fabrico de armas monstruosas para destruir a vida humana. São as Guerras geradoras de catástrofes e morte. Provocadas apenas por interesses económicos … É a leviandade com que se brinca com o equilíbrio ecológico. É o tráfico de drogas que, de modo gradual e progressivo, vão destruindo o equilíbrio de milhões de seres humanos. É a distribuição injusta das riquezas, ao ponto de todos os dias causarem a morte pela fome de milhões de seres humanos.

É o abuso sexual de crianças, gerando distorções enormes nestes seres humanos, ao ponto de, muitas vezes, impedirem a sua realização e felicidade. São as várias formas de violência, sobretudo a tortura e o comércio de seres humanos. É a exploração sexual de jovens de ambos os sexos. É a pena de morte e a violação dos direitos humanos.

É a distorção e manipulação da verdade levada a cabo pelos poderosos meios de comunicação social, pelos senhores da guerra e pelos poderosos grupos de pressão. É o pecado social estruturado, impedindo os seres humanos de se realizarem como pessoas.

É importante que os seres humanos tenham consciência de que impedir um ser humano de se realizar é mutilar a Humanidade. Na verdade, a Humanidade está a emergir de modo único, original e irrepetível no concreto de cada pessoa humana. Mas a vitória pertence à Humanidade, pois Jesus Cristo ressuscitado é a garantia do sucesso humano universal.

É verdade que o pecado não impede que o projecto de Deus aconteça, mas os ritmos negativos do pecado actuam nas sociedades como forças de bloqueio que atrasam a sua marcha para a Comunhão Universal do Reino de Deus. Deus É uma comunidade de três pessoas. Isto quer dizer que ele toma partido pela vida pessoal. O divino se enxertou no humano em Jesus Cristo, a fim de as pessoas humanas encontrarem a sua plenitude com as pessoas divinas.


c)Passos Para Crescer Como Pessoa

1-A Importância da Amizade

As relações são o veículo de comunicação e crescimento do amor entre as pessoas. O amor tem a capacidade de se auto gerar através de atitudes e opções que dinamizam e fortalece a comunhão do casal. A amizade acontece quando as pessoas se encontram e decidem ser dom e ajuda umas para as outras. Os amigos são dons recebidos e dons oferecidos. Quando as pessoas aceitam ser dom umas para as outras, acontece a comunhão, isto é, a dinâmica que conduz à plenitude humana.

Na verdade, a lei da humanização é emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal. A amizade é um dos maiores remédios para combater a doença da solidão, essa epidemia que ameaça destruir a felicidade das pessoas e das sociedades. A amizade edifica-se sobre a humildade. As pessoas que só pensam em ser mais que os outros e pretendem estar sempre acima deles não chegam longe na vivência da amizade.

O amigo verdadeiro quer o melhor para o seu amigo. Por esta razão é capaz de o elogiar, mas também de lhe dizer algumas verdades que não são agradáveis. Mas o verdadeiro amigo faz isto para ajudar o seu amigo a crescer como pessoa livre, consciente e responsável. No entanto, os amigos autênticos aceitam-se mutuamente assim como são, procurando sempre facilitar a realização e felicidade dos seus amigos.

2-Atenção à pessoa do outro

Uma das doenças mais perigosas dos nossos tempos é a solidão. É uma epidemia que tende a generalizar-se, pois as pessoas vivem cada vez mais enredadas numa série de solicitações e tarefas que as impedem de comunicar em profundidade. Isto é uma ameaça muito séria para a vida em casal, pois esta não pode manter-se sem uma comunicação profunda.

Dar atenção ao seu companheiro ou companheira é tão essencial como dar de comer a uma criança que não pode alimentar-se sozinha. Isto quer dizer que na vida de casal a pessoa precisa do outro para vencer ou não cair na solidão. Os outros são uma mediação indispensável para a cura da solidão. A amabilidade é uma das formas mais simpáticas de viver o amor. Um gesto amável ou uma palavra amiga ajuda o outro a sentir-se aceite e válido. Mostrar simpatia por uma pessoa é aumentar as suas possibilidades de integração e realização social.

Não nos podemos esquecer da lei fundamental da reciprocidade: A pessoa não é capaz de gostar de si, antes de alguém ter gostado dela. Como dissemos acima, construímo-nos em relações com os outros e encontramos a nossa plenitude pessoal na comunhão com os demais.

3-Capacidade de Perdoar

A capacidade de perdoar é fundamental para poder acontecer o crescimento na vida do casal. O perdão beneficia a pessoa perdoada, mas acima de tudo beneficia a pessoa que perdoa. Com efeito, enquanto uma pessoa não perdoa, está amarrada e dominada pela pessoa do outro.

Por outras palavras, enquanto uma pessoa se recusa a perdoar o outro este domina-a. De facto, enquanto não perdoamos, o outro gira dia e noite como um remoinho no nosso íntimo, sem sermos capazes de nos libertar dele. No momento em que decidimos perdoar, a pessoa do outro deixa de ser uma presença obsessiva a girar na nossa mente, bloqueando as nossas capacidades de criar e trabalhar.

Com efeito, o ressentimento e o ódio são sentimentos que dominam e oprimem a pessoa que os tem. A pessoa dominada pelo rancor, pela raiva ou o ódio só consegue libertar-se através do perdão. No momento em que a pessoa decide perdoar sente-se realmente livre e desculpabilizada.

4-A Arte de Compreender

Compreender e aceitar o outro não significa anular as diferenças que existem entre ele e nós. O amor não anula. Pelo contrário, optimiza aquilo que de bom existe na pessoa do outro. É importante ter presente que cada pessoa é única, original e irrepetível. Compreender é procurar entender o que o outro está a querer dizer-nos e o que está a tentar fazer.

Uma pessoa que gasta a ida ao serviço do amor, mesmo que não seja cristã tem a veste nupcial para participar no banquete do Reino de Deus. Compreender o outro é ajudá-lo a gostar de si, aceitando-o assim como é. Na medida em que a pessoa se sente aceite como é e valorizada, começa a sentir forças para se realizar, fazendo emergir o melhor das suas possibilidades.

Todos somos sensíveis às atitudes dos outros para connosco. Damo-nos muito bem conta de quando os demais nos estão a dar a mão ou nos estão a rejeitar e a marginalizar. Uma criança é capacitada para fazer melhor quando se sente valorizada naquilo que acabou de fazer. Damo-nos muito bem conta de quando estamos a ser acolhidos e bem recebidos ou, pelo contrário, estamos a ser indesejados. A pessoa só se possui plenamente na reciprocidade amorosa.

5-Amar e Deixar-se Amar

A pessoa ama tornando-se dom para o outro. Mas permitir ao outro que seja dom para nós é também uma forma de o amor, pois é dar-lhe a possibilidade de se realizar. Neste mundo agitado em que vivemos, não é fácil encontrar espaço para o dom e a gratuidade. Por isso o processo da humanização, encontra tantos bloqueios na indiferença reinante entre as pessoas e na violência, tanto a nível das famílias, das sociedades e das nações.

Vendo as coisas à luz da fé, a pessoa do outro é um dom que Deus nos dá para nos podermos humanizar. Do mesmo modo, nós estamos chamados a ser dom para ajudar o outro a realizar-se e ser feliz. Por outras palavras, amar o outro é acolhê-lo como dom de Deus e procurar ser dom para ele.

Apesar de estarmos chamados a ser dom para os irmãos, podemos recusar-nos. Como sabemos, o amor propõe-se, mas nunca se impõe. No entanto, a fidelidade às propostas do amor é condição para a pessoa atingir a sua realização e felicidade. Por outras palavras, só podemos atingir a maturidade pessoal tornando-nos dom.

Com efeito, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão com os outros. Face a este apelo fundamental podíamos perguntar-nos: Em que medida uma pessoa está possibilitada para ser dom para os outros? Esta pergunta coloca-nos no coração do mistério da reciprocidade amorosa. O princípio que nos permite dar a resposta a esta questão é o seguinte: Estamos capacitados para ser dom, na medida em que os outros foram dom para nós.

É a lei do amor: “ Ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado e o mal amado ama mal, mesmo dando o melhor de si”. Talvez um exemplo pode ajudar-nos a compreender melhor este mistério do amor: Uma pessoa amada em densidade cinco está capacitada para amar em densidade cinco, como diz o evangelho de São Mateus (Mt 25, 20-21).

6-Ser Mediação de Felicidade

O ser humano faz-se bom, fazendo o bem, isto é, agindo de acordo com as interpelações do amor, tal como estas surgem na nossa consciência. As propostas que nos são feitas no sentido de agir de acordo com o amor surgem como apelos no íntimo da nossa consciência. Agir de acordo com a consciência é, basicamente, responder sim aos valores que os outros nos transmitiram e agir de acordo com a voz de Deus que se faz ouvir na nossa consciência.

Podemos dizer que a nossa consciência é o ponto de encontro com Deus e os outros. Os outros tornam-se presentes na nossa consciência através dos valores que foram inscrevendo em nós mediante o processo educativo. O Espírito Santo, por sua vez, é uma presença constante que, no nosso íntimo nos convida a ser dom para os irmãos no concreto das situações.

Podemos estar seguros que o Espírito Santo nos ama e aceita assim como somos. Nunca nos pede para ir além das nossas possibilidades. Mas a pessoa não é apenas fidelidade. Tem também a possibilidade de se recusar a ser dom. Neste caso, em vez de se realizar como pessoa e facilitar a realização dos outros, o ser humano torna-se uma força de bloqueio na marcha da humanização.

Quando aceitamos ser dom para os outros estamos a ser fieis a Deus que nos chama a fazer render os nossos talentos. Além disso, estamos a ser fieis àqueles que tendo-nos amado, nos capacitaram para amar. Finalmente, estamos a realizar-nos como pessoas e a possibilitar a realização dos outros.

Portanto, o amor dos outros não nos realiza, mas dá-nos a possibilidade de nos realizarmos, tornando-nos dom para os outros. Isto quer dizer que, em princípio, ao encontrar-nos com o outro temos a possibilidade de ser dom. Mas isto não é uma fatalidade, pois o outro também nos pode impedir a realização desta possibilidade de sermos dom para ele.

Não podemos ignorar a realidade do pecado, o qual actua como um conjunto de forças e atitudes bloqueadoras do amor. Mas podemos ter a certeza de que, sempre que os nossos encontros com os outros são significativos, o Espírito Santo, na nossa consciência, interpela-nos no sentido de sermos dom na medida em que estamos possibilitados.

d)Valores e Estruturação Pessoal

1-A Comunicação dos Valores

Os valores são inscritos na consciência humana como propostas ideais de acção. É mediante o processo educativo que os valores vão sendo comunicados à pessoa, de modo a formar a sua consciência. A pessoa não nasce consciente. Isto quer dizer que não nasce habitada pelos valores.
À medida que os valores vão sendo comunicados à criança, esta começa a sentir o apelo dos valores na sua consciência. Isto não pode acontecer sem um contexto de relações com um mínimo de qualidade humanizante. Quando a criança começa a habitar-se, isto é, a ser consciente, já está habitada por aqueles que lhe foram comunicando os valores.

Mas a pessoa humana não é apenas uma fotocopiadora, isto é, não se limita a receber os dados e a mantê-los como coisas estáticas. É verdade que os primeiros conteúdos da consciência são o que a pessoa recebeu dos outros. Mas os dados recebidos são tijolos para construir o edifício da pessoa a emergir e a estruturar-se na história.

Podemos dizer que os valores são apelos ideais que convidam a pessoa a estruturar-se de acordo com eles. Por se situarem ao nível do ideal, os valores nunca deixam de ser uma interpelação a ir mais longe, pois o real humano nunca atinge de modo pleno a meta do ideal. Por outras palavras, existe uma distância entre o ideal proposto pelos valores e o real da pessoa em construção.

2-Valores e Estruturação Humana

À medida que vão sendo inscritos na consciência, os valores são uma voz que vai interpelando a pessoa a agir de acordo com eles. Como a pessoa é um ser que vive e se realiza em sociedade, os valores interpelam tanto no sentido da humanização da pessoa como no sentido da humanização da sociedade. Como vemos, os valores nunca se esgotam ou deixam de ser úteis, pois o real da pessoa em construção nunca atinge o limiar da realização ideal proposta pelos valores.

Os valores são apelos que se fazem ouvir na consciência da pessoa, de modo especial quando se trata de decidir, optar e agir. À medida que a pessoa responde ao chamamento dos valores estes moldam e configuram a sua personalidade. À medida que a pessoa age em conformidade com o valor “verdade” torna-se verdadeira.

À medida que a pessoa age em harmonia com os apelos da liberdade, torna-se livre. À medida que o ser humano age em conformidade com o valor “Justiça” torna-se uma pessoa justa. As pessoas que tomam a sério os apelos do valor fraternidade, torna-se fraterna. Do mesmo modo, a pessoa que age em harmonia com o valor fidelidade, torna-se realmente fiel.

3-Relações Humanas e Valores

A maneira eficaz de transmitir os valores é a dinâmica das relações. Por outras palavras, a via eficaz para transmitir os valores não é a teoria, mas a experiência relacional. Os valores que fomos recebendo através dos outros constituem a matriz básica de uma realização pessoal. Mas os valores podem ser bem ou mal comunicados.

Imaginemos um casal que está sempre a dizer aos filhos para serem verdadeiros. No entanto, com frequência estes pais pedem aos filhos para mentirem em seu nome, a fim de se verem livres de incómodos ou dificuldades. É evidente que o valor verdade está a ser mal comunicado a consciência destas crianças está a ser mal estruturada. Os filhos aprendem com o que os pais fazem, não com o que eles dizem.

É esta a e razão pela qual há consciências bem formadas e consciências mal formadas. Na prática os grandes valores são universais. Mas podem ser bem ou mal comunicados. Bem comunicados, os valores são o alicerce de uma consciência bem formada. Quando isto acontece, os valores são realmente a orientação segura para a humanização das pessoas e das sociedades.

Por outras palavras, os valores são a rocha firme sobre a qual podemos edificar com segurança a nossa casa, tanto a nível da pessoa, como da família ou da sociedade. Só as pessoas que procuram realizar-se de acordo com os grandes valores atingem verdadeira profundidade humana.

É muito importante que as crianças comecem cedo a aprender que há valores básicos que não podem ser postos em causa. Além disso, devem ser ajudadas pelos adultos a adquirir um leque de valores o mais amplo possível. Os pais ou educadores que não comunicam uma escala sólida de valores á criança não lhe estão a proporcionar um alicerce sólido para se realizarem como pessoas.

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