O Rosto Bíblico de Deus


a)Jesus Confirma a Fidelidade de Deus
1-Jesus Realiza as Antigas Profecias
2-A Profecia de Natã perdurou até Cristo
3-Foi Anunciado Durante Séculos
4-Jesus Supera o Anunciado Pelos Profetas

b)Do Deus da Ira ao Pai Bondoso
1-O dia da Ira e a Face Vingativa de Deus
2-A Transformação Operada por Jesus
3-Influências Apocalípticas na Pregação Apostólica
4-Jesus e a Libertação dos Pecadores
5-A Vontade de Deus é a Nossa Salvação

c)Retrato do Deus da Aliança
1-O Deus Fiel e Verdadeiro
2-No Coração de Deus Cabe Toda a Criação
3-O Início da História da Revelação
4-Moisés e a Fidelidade de Deus
5-Anúncio do Messias e Aliança com David
6-A Nova Aliança
7-Nova Aliança e Fidelidade de Deus




a)Jesus Confirma a Fidelidade de Deus

1-Jesus Realiza as Antigas Profecias

Os escritores do Novo Testamento têm a preocupação de acentuar constantemente que Jesus de Nazaré é o Cristo, isto é, o Messias anunciado pelos antigos profetas. Sem Jesus Cristo, o antigo Testamento ficava um projecto falhado. Com efeito, ao longo do Antigo Testamento, Deus está constantemente a prometer vinda do Messias, o qual viria realizar a salvação, conduzindo a Humanidade à sua plena realização.

O acontecimento de Cristo confirmou a fidelidade de Deus, demonstrando que ele realiza aquilo que promete. Sem o acontecimento de Cristo, o Antigo Testamento ficaria como um projecto inacabado. Na verdade, se Cristo não tivesse vindo, Deus não seria verdadeiro, pois não tinha realizado o que durante séculos anunciou pelos profetas.

A primeira profecia messiânica foi pronunciada pelo profeta Natã cerca de mil anos antes de Cristo. O rei David acabava de conquistar a cidade de Jerusalém e estava a planear construir um templo para Yahvé. O profeta Natã dirige-se ao rei dizendo-lhe que não é esse o plano de Deus. Quando morreres, diz o profeta ao rei David, Deus vai suscitar um filho teu, o qual irá construir um templo para Deus. Deus será um pai para esse teu filho. Através dele a tua casa real permanecerá para sempre (2 Sam 7, 12-16).

2-A Profecia de Natã perdurou até Cristo

Esta profecia marcou toda a tradição bíblica sobre a vinda do Messias. De tal modo as pessoas tomaram esta profecia a sério que o evangelho de São Lucas a coloca na boca do anjo que anuncia o nascimento de Jesus a Maria. Eis as palavras do evangelho de São Lucas: “Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, pois vai herdar o trono de seu pai David. Reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 32-33).

Ao falar da Criação, o Livro do Génesis, diz que a serpente venceu a mulher, enganando-a e levando-a a comer o fruto proibido (Gn 3, 4-6). Logo a seguir, Deus anuncia o castigo que a serpente vai sofrer devido à sua astúcia, dizendo-lhe que ela venceu a mulher, mas o descendente da mulher, vai esmagar-lhe a cabeça e destruir a sua força maléfica: “Então o Senhor Deus disse à serpente: “Por teres feito isto és maldita entre todos os animais domésticos e entre os animais selvagens. Rastejarás sobre o teu ventre, alimentar-te-ás de terra, todos os dias da tua vida. Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no calcanhar” (Gn 3, 14-15).

São Paulo, pensando nesta vitória do descendente da mulher, diz que Cristo nasceu de uma mulher a fim de nos libertar e fazer de nós membros da Família Divina: “Mas, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, a fim de resgatar os que se encontram sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adopção de filhos. E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: “Abba” ó Pai! Deste modo já não és escravo mas filho. E se és filho és também herdeiro pela graça de Deus” (Gal 4, 4-7). O descendente da mulher obteve-nos, pois, não apenas a vitória sobre a serpente, como também a graça de sermos membros da Família divina.


3-Foi Anunciado Durante Séculos

Para São Paulo, Jesus Cristo é o restaurador das distorções operadas por Adão (Rm 5, 17-19). Jesus Cristo é o Novo Adão, a Cabeça da Nova Criação (Rm 5, 17-18). Graças a Jesus Cristo, o Novo Adão, a Humanidade já está reconciliada com Deus (2 Cor 5, 17-19). O Novo Testamento vê em Jesus Cristo o Messias anunciado pelos profetas. Jesus de Nazaré realiza as antigas promessas e, portanto, ele é o coração das Escrituras.

São Mateus leva a genealogia de Jesus até Abraão, a fim de fazer dele o centro e a cúpula do Povo de Deus. Eis como ele inicia a genealogia de Jesus: “Genealogia de Jesus Cristo, Filho de David, Filho de Abraão” (Mt 1,1). São Lucas, por seu lado, leva a genealogia de Jesus até Adão. Com este procedimento, São Lucas quer dizer que, graças ao facto de Jesus formar uma unidade orgânica com a Humanidade inteira, Adão também é incorporado na família de Deus.

Jesus não é filho de Deus por estar unido a Adão, mas Adão é que é filho de Deus por estar unido a Cristo. Eis as Palavras do evangelho de São Lucas: “Quando Jesus começou o seu ministério tinha cerca de trinta anos. Filho de David, Filho de Jacob, Filho de Isaac, Filho de Abraão, Filho de Noé, Filho de Adão, o qual foi filho de Deus (cf. Lc 3, 23-38).

Segundo o livro do Génesis, Abraão é a raiz de uma grande nação através da qual serão abençoadas todas as outras nações da terra (Gn 18, 18). Noutra passagem diz ainda que todas as famílias da terra serão abençoadas na descendência de Abraão (Gn 12, 3). O profeta Isaías diz que o Messias será um rebento de Jessé, modo poético para dizer que será filho de David (Is 9, 7).

O anjo da anunciação, segundo o evangelho de São Lucas, diz que Jesus é o filho de David que reinará eternamente sobre o trono de Jacob (Lc 1, 32-33). O profeta Miqueias, para dizer que o Messias é filho de David, afirma que o Messias nascerá em Belém, pois esta foi terra natal de David: “Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre as famílias de Judá, é de ti que vai surgir para mim, aquele que há-de reger Israel” (Miq 5, 1).

São Mateus e São Lucas ao falarem do Menino Jesus dizem que Jesus nasceu em Belém (Mt 2,1; Lc 2, 3-7). São Mateus sublinha que Jesus nasceu em Belém, a fim de se cumprir a profecia Miqueias: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos (…). Herodes, reunindo os sumo-sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: “Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelos profeta” (Mt 2, 1-5).

O profeta Zacarias, para significar a simplicidade do Messias, diz que ele fará a entrada solene na cidade, não montado num cavalo real, mas montado num jumento. Com este oráculo, Zacarias queria dizer que o Messias não porá a sua confiança na força e agilidade dos cavalos, mas sim no Espírito de Deus (Zac 9, 9).

Foi esta a razão pela qual os evangelhos vão dizer que Jesus fez a sua entrada triunfal em Jerusalém montado num jumento, a fim de realizar a profecia de Zacarias: “No dia seguinte, as multidões que tinham chegado para a Festa, ao ouvirem que Jesus vinha a Jerusalém, pegaram em ramos de palmeiras e saíram-lhe ao encontro, clamando: “Hossana, bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel”. Então, Jesus viu um jumentinho e montou nele, conforme está escrito: “Não temas, Filha de Sião! Vê o teu rei que chega sentado na cria de uma jumenta”. A princípio, os seus discípulos não compreenderam isto. Mas quando se manifestou a glória de Jesus eles lembraram-se de que estas coisas estavam escritas acerca dele” (Jo 12, 12-16).

São João diz ainda que João Baptista, ao vir para o deserto a preparar a vida do Messias, realizou a profecia de Isaías, segundo a qual um mensageiro de Deus viria para o deserto preparar a vinda do Messias. Eis o modo como São João descreve a realização desta profecia do profeta Isaías: “João Baptista respondeu: “Eu sou a voz do que clama no deserto. Endireitai os caminhos do Senhor, como disse o profeta Isaías” (Jo 1, 23).

O profeta Isaías falando dos tempos messiânicos, diz que o nascimento do Messias será o sinal visível da bondade e da presença de Deus no meio do povo: “Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Sobre os seus ombros recairá o ceptro do poder. Será chamado Conselheiro Maravilhoso, Deus Altíssimo, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9, 6).

Os evangelhos dizem que o nascimento de Jesus é a realização, não apenas desta, mas de todas as profecias que anunciaram o Messias. O profeta Isaías diz que o Messias estará cheio da força e da sabedoria do Espírito Santo. Graças à plenitude do Espírito que o habita, ele vai suscitar uma Nova Criação. A terra será, finalmente um lugar de paz e a prosperidade (Is 11, 1-9).

4-Jesus Supera o Anunciado Pelos Profetas

O Novo Testamento tenta demonstrar como em Jesus se realizam plenamente todas as profecias do Antigo Testamento. Isto quer dizer que, do mesmo modo como o Antigo Testamento ficava incompleto sem Jesus Cristo, o Novo sem o Antigo ficava privado base histórica. Seria como uma casa sem alicerce. Não há dúvida de que esta é a razão pela qual os discípulos de Jesus mostram uma tão grande preocupação por fazer coincidir o acontecimento histórico de Jesus com os textos proféticos do Antigo Testamento.

Deus é fiel e verdadeiro, pois realiza sempre o que promete. Além disso, a realidade de Jesus Cristo supera em muito sempre o que os profetas anunciaram e o povo bíblico esperava. Na sua dimensão humana, Jesus é um homem em tudo igual a nós, excepto no pecado. Mas nenhum profeta intuiu nele a dimensão divina mediante a qual ele é o Filho Eterno de Deus Pai.

Por outras palavras, Jesus Cristo é homem como todos os homens que nasceram de Adão. Mas além disso é Deus com o Pai e o Espírito Santo. No seu interior encontram-se unidos de modo orgânico o melhor de Deus e o melhor da Humanidade. O Espírito Santo é a seiva que alimenta esta união misteriosa em que o divino e o humano fazem um sem se misturarem ou fundirem.

O evangelho de São João diz que a união do humano com o divino, em Jesus de Nazaré é algo semelhante à união que existe entre a cepa da videira e os seus ramos. No evangelho de São João, o próprio Jesus diz que esta união se difunde, através dele, para todos nós (Jo 15, 1-7).

Eis as das palavras de Jesus: “Permanecei em mim, que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas apenas permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 4-5).

Eis o mistério sublime que habita no íntimo de Jesus Cristo e que nenhum profeta suspeitou. Foi com Jesus Cristo que início a plenitude dos tempos, isto é, o salto qualitativo da nossa divinização.


b)Do Deus da Ira ao Pai Bondoso

1-O dia da Ira e a Face Vingativa de Deus

Ao aperceber-se de que o pecado contraria o projecto de Deus, os profetas bíblicos começaram produzir alguns textos de tipo apocalíptico, a fim de anunciarem que o plano de Deus é incompatível com o pecado. Por outras palavras, os apocalipses dos profetas pretendiam afirmar que o pecado não tem um lugar definitivo no plano de Deus. Os apocalipses começam a falar de uma intervenção purificadora universal, a qual terá como fim uma correcção das distorções operadas pelo pecado. Nesta intervenção final Deus porá fim à existência do pecado, destruindo todos os pecadores.

A intervenção final de Deus será, pois, um dia de tragédia universal, ao qual os profetas puseram o nome de dia da ira. Nesse dia todos os pecadores seriam mortos. Só o pequeno resto dos justos escapará nesse dia à ira de Deus. Este grupo de eleitos começa a ser chamados o pequeno resto de Deus. Nesse dia não haverá escapatória: “Ai dos que desejam ver o dia do Senhor. Será um dia de trevas e não de luz. É como um homem que foge de um leão e encontra um urso. É como se o homem, ao regressar a casa, apoiasse a mão na parede e fosse mordido por uma serpente. O dia do Senhor será de trevas e não de luz, de escuridão e não de claridade” (Am 5, 18-20).

Isaías vê o dia da ira como o dia do terror: Estremecei porque o dia do Senhor está perto. Virá como um açoite do Deus omnipotente (Is 13, 6). O profeta Joel reforça o discurso dos profetas anteriores dizendo que o dia do Senhor está muito próximo: “Ai aquele dia! O dia do Senhor está muito próximo. Virá como destruição operada pelo devastador. O Sol e a Lua ficarão escuros e as estrelas já não brilharão” (Jl 1, 15-16; cf. 2,1) O dia do Senhor é o dia do julgamento universal: Multidões e mais multidões vão juntar-se no vale do julgamento, pois o dia do Senhor está perto” (Jl 4,14). Será um dia de ira e vingança, diz o profeta Isaías: “A terra embriagar-se-á de sangue e ficará coberta de gorduras de animais, pois é o dia da vingança do Senhor” (Is 34, 8).

Por detrás desta perspectiva aterradora está um cenário de esperança que aguarda a renovação da Humanidade. O Paraíso primordial da harmonia e da paz será restaurado por Deus naquele dia. O Espírito de Deus vai recriar o Homem, dando-lhe um coração novo. Para o pensamento bíblico, o coração é o núcleo mais nobre da interioridade espiritual de pessoa. O coração é o ponto de encontro da pessoa com Deus e o núcleo a partir do qual a pessoa decide a qualidade das relações e do encontro com Deus e os irmãos.

O resto fiel é o grupo de justos com o qual Deus vai renovar a sua aliança, dando origem a uma nova Humanidade. Será algo parecido ao resto que escapou do dilúvio e com o qual Deus restaurou a sua Aliança (Gn 9, 1-13). No coração desta Humanidade recriada, Deus vai infundir uma nova força espiritual, diz o profeta Ezequiel: “Dar-lhes-ei um coração novo e infundirei no seu íntimo um espírito novo. Arrancarei do seu peito o coração de pedra e dar-lhes-ei um coração de carne, a fim de caminharem sobre os meus preceitos e observarem as minhas leis. Então eles serão o meu povo e eu serei o seu Deus” (Ez 11, 19-20).

Naquele dia Deus vai fazer surgir o Homem Novo, o qual é obra do Espírito Santo: “Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um Espírito renovado. Arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós porei o meu Espírito, a fim de seguirdes as minhas leis e praticardes os meus preceitos” (Ez 36, 26-27).

Oseias diz que a restauração do povo acontecerá em três dias, texto que o Novo Testamento vai interpretar como tratando-se de uma profecia sobre a ressurreição de Cristo: “Deus dar-nos-á a vida em dois dias e ao terceiro dia nos levantará” (Os 6, 1-2).

Segundo os textos apocalípticos do dia da ira, a maior parte da Humanidade seria destruída pela ira de Deus. Só o pequeno resto escapará. As pessoas ficarão cheias do Espírito Santo, passando a formar o Reino Santo de Deus, diz o profeta Isaías (Is 7, 3; 10, 20-22). Deus fará, então, uma Aliança definitiva com este resto restaurado, diz o profeta Jeremias: “Dias virão em que firmarei um Nova Aliança com a casa de Israel e a casa de Judá Oráculo do Senhor (…).

Esta será a Aliança que estabelecerei, depois desses dias com a casa de Israel, oráculo do senhor: Imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo (Jer 31, 31-33). De modo gradual e progressivo, o judaísmo posterior aos profetas começa a associar o dia da Ira à vinda do Messias. Quando o Messias vier, ele vai criar a Nova Humanidade, destruindo o pecado e os pecadores.

A própria pregação de João Baptista situava-se nesta linha. Eis o que diz o evangelho de São Lucas: “João dizia às multidões que acorriam para serem baptizadas: Raça de víboras quem vos ensinou a fugir da cólera que está para chegar” (Lc 3, 7). João era um continuador da grande tradição dos profetas de Israel.

No evangelho de São Mateus, João Baptista ameaça os fariseus e os saduceus com o dia da ira que estava para chegar: “Vendo que muitos fariseus e saduceus vinham ao seu baptismo, João dizia-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está para chegar (…). O machado já está posto à raiz das árvores e toda a árvore que não dá fruto vai ser cortada e lançada no fogo (…). O que vai chegar baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo. Ele tem na sua mão a pá de joeirar, limpará a sua eira e recolherá o trigo no celeiro, mas queimará a palha num fogo inextinguível” (Mt 3, 7-12).

2-A Transformação Operada por Jesus

Jesus ao ouvir a pregação de João começou a distanciar-se no que dizia respeito ao dia da ira. Na verdade, Jesus não se sentia chamado a destruir os pecadores, mas a libertá-los das amarras do pecado. De João Baptista Jesus recebeu a ideia de que o Reino estava mesmo a chegar. As tentações significavam precisamente a crise pela qual Jesus passou ao tentar discernir o modo de realizar a sua missão messiânica.

Segundo o evangelho de São Lucas, o Espírito Santo ajudou Jesus a descobrir a sua missão messiânica através de um texto de Isaías (Is 61, 1-3). Após ter descoberto o plano de Deus para si, Jesus comunicou de modo solene a sua descoberta na sinagoga da sua terra (Lc 4, 18-21)

A pregação inicial de Jesus limitava-se a interpelar as pessoas no sentido de se converterem a Deus, pois o seu Reino estava mesmo a chegar. Eis o que nos diz o evangelho de São Marcos: “Depois de João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia e proclamava o Evangelho de Deus, dizendo: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 14-15).

Se Jesus é o Messias, ele é o rei, o Filho prometido a David. Com o acontecimento da morte de Jesus os discípulos pensaram que, afinal, Jesus não era o rei prometido a David. No evangelho de São Lucas aparece muito clara a desilusão dos discípulos de Emaús: “Responderam-lhe: “O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo. Nós esperávamos que fosse ele o libertador de Israel. Entretanto os sumo-sacerdotes e os nossos chefes entregaram-no para ser condenado à morte e crucificado. E já lá vai o terceiro diz desde que se deram estas coisas” (Lc 24, 19-21).


3-Influências Apocalípticas na Pregação Apostólica

Após a experiência do Senhor ressuscitado, os discípulos começaram a pregar a realeza de Cristo, dizendo que é o Messias anunciado. Os judeus mataram-no, mas Deus ressuscitou-o e entronizou-o, fazendo-o sentar à sua direita no Céu (Rm 1, 3-5). Isto quer dizer que o Senhor ressuscitado, agora constituído rei messiânico, vai regressar para restaurar o Reino de Deus.

Esta restauração vai acontecer através de uma segunda vinda, a qual implicará, então, a eliminação total do pecado através de destruição dos pecadores. Para os Apóstolos era normal que isto fosse assim, pois foi isto que os profetas anunciaram (Act 3, 19-21). E é assim que os Apóstolos começam a pregar a segunda vinda de Cristo como o dia da ira.

Sentado no Céu à direita de Deus Pai, Jesus subiu ao trono à maneira do Filho do Homem, tal como o profeta Daniel anunciou (cf. Dan 7, 13-14). A partir de agora, o dia da ira torna-se sinónimo da segunda vinda de Cristo: “Irmãos, quanto aos tempos e aos momentos, não precisais que vos escreva. Vós sabeis perfeitamente que o dia do Senhor chega de noite, como um ladrão. Quando disserem, paz e segurança, então se abaterá repentinamente sobre eles a ruína como as dores de parto sobre a mulher grávida. Nenhum deles escapará. Mas vós, irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão (…). Considerando-se privilegiado por fazer do pequeno resto dos justos, São Paulo diz que Deus não nos destinou para a ira, mas para a posse da salvação, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5, 1-9).

Jesus vai vir como juiz severo e castigador. O dia da sua vinda será um dia de desgraça. Eis as palavras dos Actos dos Apóstolos: “O Sol transformar-se-á em trevas e a Lua em sangue antes de vir o dia do Senhor, grande e glorioso. Todo o que invocar o nome do Senhor (o resto fiel) será salvo” (Act 2, 20-21). Jesus Cristo virá sentado no seu trono, investido do poder de julgar, condenar e destruir os pecadores (Lc 21, 20-30).

A prova de que esse dia está prestes a chegar, é que Deus derramou o seu Espírito (Pentecostes), como tinha prometido pelo profeta Joel: “Mas tudo isto é a realização do que disse o profeta Joel: “Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre toda a criatura” (Act 2, 16-17).Só os que fazem parte do resto fiel escaparão ao dia da ira, diz a Primeira Carta aos Tessalonicenses: “Deus não nos reservou para o dia da ira, mas para alcançarmos a salvação por Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tes 5, 9). Esta pregação dos Apóstolos está fundamentada nos textos apocalípticos dos antigos profetas e não são fruto directo da pregação de Jesus.


4-Jesus e a Libertação dos Pecadores

Na verdade, a pregação de Jesus incidia sobre a vinda do Reino de Deus e não sobre uma segunda vinda para destruir o pecado. Foi a pregação apocalíptica de João que fez Jesus entrar em crise e ir para o deserto aprofundar o plano de Deus sobre a sua missão. O Senhor não entendia a sua missão como uma tarefa destinada matar os pecadores.

O modo de actuar de Jesus demonstra que nunca se atribuiu o papel de executor da ira de Deus. Pelo contrário, Jesus entendia-se como o enviado de Deus para destruir o pecado, a fim de libertar os pecadores. Por isso enfrenta a velha mentalidade do judaísmo que matava os pecadores, julgando prestar assim um serviço à justiça de Deus. Tomou partido pela mulher adúltera, apesar de ser contra o adultério (Jo 8, 3-11). Além disso entra na casa de Zaqueu e toma parte numa refeição ao lado dos pecadores e marginais (Lc 19, 7-8).

Sabemos como os Apóstolos se esforçavam para conciliar a missão de Jesus Cristo com os escritos do Antigo Testamento, de modo especial com os escritos dos profetas. São Paulo entendeu muito bem a missão libertadora de Jesus que veio para salvar os pecadores. Eis o que ele diz na Primeira Carta a Timóteo: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro” (1 Tim 1,15).

Do mesmo modo, para Jesus, a obra de Deus é a salvação dos pecadores: No relato da Anunciação, o anjo disse o seguinte a José: “Ela dará um filho e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele salvará o povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). Estando a falar da sua missão com um grupo de fariseus e saduceus, Jesus declara-lhes: “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores” (Lc 5, 32).

Jesus sabia distinguir muito bem entre pecado e pecador. O pecado é para ser destruído. O pecador é para ser liberto e salvo: “Quem comete o pecado é escravo do pecado” (Jo 8, 34). Eram conhecidas e motivo de críticas as muitas refeições de Jesus com os pecadores: “Estando Jesus à mesa em casa de Mateus, vieram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se à mesa com ele e os seus discípulos. Vendo isto, os discípulos perguntaram aos discípulos: “Porque come o vosso mestre com os publicanos e os pecadores?” (Mt 9, 10-11; cf. Mc 2, 15-16; Lc 5, 30).

A libertação do pecador é, para Jesus um motivo de grande alegria: “ Alegrai-vos, comigo porque encontrei a minha ovelha perdida! Eu vos digo que haverá no Céu mais alegria no Céu por um só pecador que se converta do que por noventa e nove justos que não precisa de conversão” (Lc 15, 6-7). A parábola do Filho Pródigo é a alegoria genial para falar do amor incondicional de Deus para com os pecadores. O pecador encontra sempre o Pai do Céu de braços abertos para o acolher (Lc 15, 11-32).

Eis o que São Paulo diz nos Actos dos Apóstolos: “Sabei que é por este Jesus que a remissão dos pecados vos é anunciada” (Act 13, 38). Isto quer dizer que os textos apocalípticos sobre a destruição dos pecadores por parte de Jesus afastam-se do núcleo da pregação de Jesus sobre o plano salvador de Deus.

Os textos apocalípticos do Novo Testamento que falam de Jesus como o executor do dia da ira têm como fonte os apocalipses dos profetas e a leitura que o judaísmo tardio fez destes textos. O rosto de Deus Pai apresentado por Jesus é sempre o Pai bondoso e nunca o Deus castigador dos apocalipses. Aos ensinar os discípulos a rezar, Jesus ensinou-os a tratar Deus como Pai bondoso sempre disposto a ajudar-nos (Mt 6, 9-13).

5-A Vontade de Deus é a Nossa Salvação

A nossa fé ensina-nos que Deus é o fundamento de toda a bondade. Deus é Bom e boas são as coisas que vêm de Deus. Deus é, na sua essência, pura bondade, pois é uma comunhão infinitamente perfeita. Se a Divindade é amor, então devemos deduzir que tudo o que Deus diz e faz é intrinsecamente bom. Se Deus é infinitamente bom como é possível ter-se falado do Deus severo e castigador durante tantos séculos?

Isto quer dizer que a noção de um Deus sempre disposto a castigar, tal como era apresentado pela teologia medieval não está conforme à verdade de Deus. No fundo esta deformação deveu-se ao facto de os homens projectarem em Deus o pior que havia neles. Acontece, porém, que Deus não é uma realidade feita à imagem e semelhança Homem. Pelo contrário, o Homem é que está a ser criado à imagem e semelhança de Deus.

O pecado, na visão tradicional, era visto como uma desobediência a um Deus arbitrário e caprichoso. O Deus da teologia medieval era um sujeito infinitamente poderoso que mandava porque lhe apetecia que as coisas fossem assim. Na verdade era uma Deus arbitrário e caprichoso. Por ser infinitamente livre, ele não é nunca arbitrário ou caprichoso. Por outras palavras, o que Deus quer para nós coincide rigorosamente com o que é melhor para nós.

É muito perigoso brincar com Deus. Não porque Deus se vingue, pois Deus é amor e só pode o que pode o amor. É perigoso brincar com Deus pois isso é o sinal evidente de que a pessoa entrou no caminho do malogro e do fracasso. Na verdade, brincar com a vontade de Deus é brincar com o que é melhor para nós, pois as duas coisas coincidem rigorosamente.

O amor é a calda que possibilita a humanização do Homem. Por outras palavras, o amor é a temperatura exacta que possibilita a emergência e o crescimento da vida pessoal e espiritual do ser humano. O amor humano não é igual, mas é proporcional ao amor divino. Brincar com o amor, seja o amor humano, seja o divino, é entrar no caminho do malogro e do fracasso.

O pecado é sempre uma oposição ao amor. Podemos dizer que o pecado leva sempre consigo o seu próprio castigo. Por ser amor, Deus nunca condena ninguém. As pessoas que se condenam perdem-se por sua própria decisão. Isto quer dizer que Deus nunca se separa do pecador. Este é que fecha as portas da reciprocidade amorosa com Deus.

O evangelho de São João diz que Deus Pai enviou o seu filho para salvar os pecadores, não para os condenar: “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o munda seja salvo” (Jo 3, 17). Eis as palavras da Primeira Carta a Timóteo: “Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tim 2, 4).


c)Retrato do Deus da Aliança

1-O Deus Fiel e Verdadeiro

Por ter um coração cheio de ternura para com a Humanidade, Deus relaciona-se connosco termos de aliança assente no amor. Deus faz História connosco. Mas a História da relação de Deus com o Homem está cheia de infidelidades. Logo no princípio da criação, Deus fez uma aliança com Adão, constituindo-o chefe e cabeça da criação (Gn 1, 28-30; 2, 15-20).

Mas Adão foi infiel, rompendo com a aliança. Numa atitude orgulhosa, Adão quis ser igual a Deus. Devido à sua infidelidade, Adão separa-se de Deus e o mal começa a espalhar-se pela Humanidade. É muito perigoso brincar com Deus, pois isto significa que a pessoa entrou no caminho do fracasso. É verdade que Deus é amor e por isso não se vinga (1 Jo 4, 7-8). Mas não nos podemos esquecer que a vontade de Deus coincide com o que é melhor para nós. Isto quer dizer que brincar com a vontade de Deus a nosso respeito é brincar com o que é o melhor para nós. Eis a razão pela qual eu afirmei que brincar com Deus significa entrar no caminho do malogro e do fracasso.

Após cada infidelidade humana, o coração amoroso de Deus continua a tentar a restauração de uma relação de aliança com o Homem. Mas a infidelidade do Homem continuava a progredir. O Livro do Génesis diz que quanto mais a Humanidade se tornava infiel em relação a Deus, mais se afunda no abismo do mal. É este o significado do relato do dilúvio. Devido à sua infidelidade o Homem começou a afogar-se, isto é, a afundar-se cada vez mais no fracasso e na tragédia. Por outras palavras, não foi Deus que afogou a Humanidade, mas sim a sua infidelidade à aliança com Deus.

Segundo o Livro do Génesis, Deus salvou a Humanidade através de um medianeiro fiel, isto é, Noé e toda a sua família: “Contigo vou estabelecer a minha aliança. Entrarás na Arca com a tua mulher, os teus filhos e as mulheres dos teus filhos” (Gn 6, 18). Este relato do Livro do Génesis quer dizer que Deus selou outra aliança com a Humanidade.


2-No Coração de Deus Cabe Toda a Criação

A aliança com Noé tinha como finalidade salvar a Humanidade e os seres vivos que Deus tinha confiado a Adão no momento da sua Criação (Gn 1, 26-28). Deus assinou a aliança com Noé, diz o Livro do Génesis, desenhando o arco-íris: “Deus disse: este é o sinal da aliança que coloco entre mim e vós com todos os seres vivos que estão convosco. Colocarei o meu arco nas nuvens. Ele será um sinal da minha aliança com toda a terra” (Gn 9, 12-13).

A aliança de Deus com Noé tem um carácter universal. A bíblia diz que foi assinada por Deus em favor de todos os seres vivos: “Quando o arco-íris estiver nas nuvens eu, ao vê-lo, lembrar-me-ei da minha aliança eterna, aliança com todos os seres vivos que vivem sobre a terra” (Gn 9, 16).
Mas o coração do Homem é fraco e inclinado para o mal. De novo o homem começa a tornar-se infiel, recusando-se a ser colaborador e servo de Deus E eis que a tentação de ser igual a Deus volta a infiltrar-se no coração do Homem. Para levar este propósito em frente o Homem faz o propósito de construir uma torre que chegue ao Céu. Deste modo, o Homem tenta ser Deus por si mesmo. Na verdade estamos talhados para ser divinos.

A plenitude do Homem não é meramente humana, mas humano-divina. Mas isso é um dom de Deus, não uma conquista do Homem. Para ser divinizado, o Homem precisa do dom da Encarnação. Por outras palavras, o Homem não pode ser divino sem que o divino se enxerte no humano pela Encarnação (Jo 1, 12-14). O homem peca quando rejeita a sua condição de criatura e pretende colocar-se no lugar do Criador. É a velha tentação de querer ser igual a Deus (Gn 11, 1-8).


3-O Início da História da Revelação

O Homem, portanto, volta a afastar-se de Deus. Mas o Senhor vai intervir de novo, escolhendo um homem fiel e bom, a fim de salvar a humanidade. Por outras palavras, Deus decide salvar a Humanidade escolhendo como mediação a descendência de Abraão: “Todas as Famílias da Terra serão abençoadas na tua descendência” (Gn 12,3).

O amor de Deus é difusivo. Quando abençoa alguém, ele pensa logo na maneira de fazer que essa bênção se difunda por todos as pessoas que ele ama de modo incondicional. Isto quer dizer que o coração do Deus da aliança tem um lugar para todos os seres humanos. Deus prometeu a Abraão uma terra, a fim de formar um povo que seja, no meio dos outros povos, uma mediação da sua Palavra e do seu Amor (Gn 15, 8).

Por outras palavras, com Abraão, a aliança de Deus com o Homem atinge o limiar da revelação. A História de Deus com o Homem dá, pois um salto de qualidade, tornando-se um processo interactivo humano-divino no qual Deus revela o seu plano salvador em favor da Humanidade.

Eis o que Deus propõe a Abraão: “Vou fazer uma aliança entre mim e ti. Multiplicarei a tua descendência sem medida” (Gn 17, 2). Depois acrescenta: “Serás pai de muitas nações” (Gn 17, 4). E ainda: “Vou estabelecer para sempre a minha aliança entre mim e ti. Será uma aliança eterna, pois eu serei o teu Deus e o Deus dos teus descendentes” (Gn 17, 7).


4-Moisés e a Fidelidade de Deus

E, ao longo dos tempos, Deus foi dando provas da sua fidelidade à aliança que fizera com Abraão: “Eu ouvi os gemidos dos filhos de Israel que os egípcios escravizaram e lembrei-me da minha aliança” (Ex 6, 5). Após a saída do Egipto, Deus de novo renova a sua aliança como o povo de Abraão, agora liberto da escravidão: “Se observardes a minha aliança sereis a minha propriedade especial entre todos os povos” (Ex 19, 5).

Deus renovou a sua aliança com o povo de Israel através de Moisés, entregando-lhe os dez mandamentos escritos em duas tábuas de pedra. Ao construir a tenda da aliança, isto é, o santuário que o povo bíblico levava consigo, as tábuas dos mandamentos ficaram guardadas dentro da chamada Arca da Aliança: “Dentro da arca coloca o documento da aliança que te dei” (Ex 25, 16).

Deus entregou por escrito o documento da aliança, diz o Livro do Génesis, a fim de permanecer como testemunho: “Deus disse ainda a Moisés: escreve estes mandamentos, pois é de acordo com eles que eu faço a aliança contigo e com Israel” (Ex 34, 27).

O livro do Deuteronómio insiste na necessidade de ser fiéis a aliança de Deus, cumprindo os Mandamentos escritos nas tábuas de pedra: “Deus comunicou-vos a sua aliança, diz o Livro do Deuteronómio, a fim de que cumprísseis as dez palavras que Ele escreveu em duas tábuas de pedra” (Dt 4, 13).

O Deus da aliança é fiel e verdadeiro: “Reconhece que Yahvé, teu Deus, é o único Deus, o Deus fiel que mantém a sua aliança e o seu amor por mil gerações em favor dos que o amam e observam os seus mandamentos” (Dt 7, 2). Os Dez Mandamentos, a terra prometida e uma descendência numerosa constituem os elementos básicos da aliança de Deus com o Povo bíblico: “Inclina-te, Senhor, do Céu, a tua morada santa, e abençoa Israel, teu povo e a terra que nos deste, tal como prometestes aos nossos antepassados. Tu juraste dar-lhe uma terra onde corre leite e mel” (Dt 26, 15).


5-Anúncio do Messias e Aliança com David

Com a instituição da monarquia, surge a aliança de Deus com a casa de David. A promessa messiânica fica, pois, ligada à casa de David. Deus fez a sua aliança com David, como ele mesmo confessa no Segundo Livro de Samuel: “A minha casa está firme junto de Deus, disse David, pois a sua aliança para comigo é para sempre e está assente sobre alicerces sólidos” (2 Sam 23, 5).

A aliança a que se refere o texto anterior é a profecia proferida por Natã ao rei David. Segundo a profecia de Natã, Deus ia suscitar um filho a David graças ao qual a monarquia davídica duraria para sempre: “Quando chegares ao fim de teus dias e te fores juntar aos teus antepassados, eu suscitarei, depois de ti, um filho teu. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Se ele cometer algum erro corrigi-lo-ei com vara de homens, mas não lhe retirarei a minha graça como fiz a Saul, a quem expulsei da minha presença. A tua casa e o teu reino serão firmes para sempre” (2 Sam 7, 12-16).

A partir deste momento, os filhos de David, ao subirem ao trono, passam a chamar-se filhos de Deus: “Vou anunciar o decreto do Senhor. Ele disse-me: Tu és meu filho, hoje mesmo te gerei” (Sal 2, 7). Esta profecia está associada à construção de um templo para Deus: “David disse ao profeta Natã: “Como podes ver, eu estou a morar numa casa de cedro, ao passo que a Arca da Aliança de Deus está debaixo de uma tenda” (1 Cron 17, 1).

David tinha planeado construir um templo para introduzir lá a Arca da Aliança. Mas o profeta Natã fez saber ao rei que os planos de Deus são outros: Não será David mas um filho seu quem construirá o templo do Senhor. Graças a esse filho, Deus vai abençoar para sempre a casa de David: “Fiz uma aliança com o meu eleito, jurei a David, meu servo: estabelecerei a tua descendência para sempre e o teu trono há-de manter-se eternamente” (Sal 89, 4-5). Depois acrescenta: “Encontrei a David, meu servo, e ungi-o com óleo santo. A minha mão estará sempre com ele e o meu braço há-de torná-lo forte” (Sal 89, 21-22).

Deus confere credibilidade à sua aliança com David empenhando a sua Palavra: “Ele me invocará, dizendo: Tu és meu pai, és o meu Deus e o rochedo da salvação. Eu farei dele o primogénito, o maior entre os reis da terra. Hei-de assegurar-lhe para sempre o meu favor. A minha aliança com ele há-de manter-se firme. Estabelecerei para sempre a sua descendência e o seu trono terá a duração dos céus” (Sal 89, 27-30).

A Palavra de Deus é fiel e verdadeira. Por isso ele vai realizar o prometido: “Jurei uma vez pela minha santidade. De modo algum enganarei David! A sua descendência permanecerá para sempre e o seu trono será como o sol, na minha presença, isto é, firme para sempre. A Lua é um testemunho fiel no firmamento. Assim será a descendência de David” (Sal 89, 36-38).

Em virtude das infidelidades de Israel os profetas prevêem a vinda de uma tragédia sobre o povo. Eis as palavras do profeta Isaías: “Esta terra está profanada sob os pés dos seus moradores. Transgrediram as leis, violaram os mandamentos e romperam a minha aliança eterna” (Is 24, 5).

Apesar da infidelidade do povo, Deus será sempre fiel, pois o seu amor é incondicional, acrescenta o profeta Isaías: “Mesmo que os montes se retirem e as colinas vacilem, o meu amor nunca se afastará de ti. A minha aliança de paz não vacilará, diz o Senhor que se compadece de ti” (Is 54, 10).

Isto quer dizer que Deus está sempre disposto a renovar a sua aliança. Mas esta renovação pressupõe a fidelidade das duas partes. Por outras palavras, Israel não é capaz de fazer que Deus deixe de o amar, pois o seu amor é incondicional. Mas este povo pode impedir que aconteça a comunhão com Deus. Com efeito, a comunhão assenta sobre a reciprocidade amorosa e não num amor unidireccional: “Dai-me ouvidos. Vinde a mim. Escutai-me e vivereis. Farei convosco uma aliança definitiva. Serei fiel à minha amizade com David” (Is 55, 3).


6-A Nova Aliança

Devido às constantes infidelidades do povo, Deus começa a anunciar, através dos profetas, uma nova aliança. O Espírito de Deus é a garantia da permanência da Nova Aliança. Mesmo as vidas estéreis se tornarão fecundas, diz o profeta Isaías: “Isto diz o Senhor aos eunucos que observam os sábados, que escolhem o que lhe agrada e ficam firmes na aliança: “Dar-lhes-ei, no meu templo e dentro das minhas muralhas, um monumento e um nome mais valioso que os filhos e as filhas” (Is 56, 4-5).

Na economia da Nova Aliança, os estrangeiros terão lugar em Jerusalém e entrarão, cheios de alegria, no templo de Deus. Deus acolherá os seus sacrifícios com agrado, acrescenta Isaías (cf. Is 56, 6-7) A Nova Aliança será um manancial da Palavra de Deus: “Esta é a minha aliança com eles, diz o Senhor: o meu Espírito está sobre ti, e as palavras que coloquei em ti, jamais se afastarão da tua boca e da boca dos teus filhos, desde agora e para sempre” (Is 60, 19-22).

Quando o Senhor estabelecer a Nova Aliança, Jerusalém será totalmente renovada. Já não será iluminada pelo sol durante o dia nem pela lua durante a noite, pois Deus será a sua luz eterna” (Is 60, 19-22). A Nova Aliança já não será estabelecida sobre as tábuas da Lei, as quais desapareceram quando os caldeus invadiram Jerusalém.

O profeta Jeremias, contemporâneo deste facto, diz claramente que a nova aliança não assenta num coração de pedra, alusão às tábuas de pedra, mas num coração de carne. A nova aliança não assenta na letra da Lei, mas no grande dom do Espírito. A Arca da Aliança guardava o coração de pedra. Mas a nova aliança vai assentar num coração novo, não de pedra mas de carne.

A Arca da Aliança não tem cabida na dinâmica da Nova Aliança, diz o profeta Jeremias: “Quando crescerdes e vos multiplicardes no país, oráculo do Senhor, já ninguém mais falará na Arca da Aliança do Senhor. Ninguém mais se lembrará dela, nem sentirão a sua falta, nem voltarão a fazer outra” (Jer 3, 16).

Deus tem em mente um plano para realizar uma Nova Aliança, acrescenta Jeremias: “Dias virão em que farei uma Nova Aliança com Israel e Judá. Não será como a aliança que fiz com seus pais quando os tomei pela mão e os tirei da terra do Egipto. A Nova Aliança é assinada no coração das pessoas e não em tábuas de pedra, diz Jeremias: “A aliança que vou fazer com Israel, oráculo do Senhor, será assim: colocarei as minhas leis no seu peito, gravá-las-ei no seu coração. Eles serão o meu povo e eu serei o seu Deus” (Jer 31, 31-33). E ainda: “Farei com eles uma aliança eterna. Nunca deixarei de lhes fazer bem. Colocarei no seu coração o meu temor, a fim de que não se afastem de mim” (Jer 32, 40).


7-Nova Aliança e Fidelidade de Deus

O Novo Testamento reconhece que, em Jesus Cristo, se realizou a Nova Aliança. Jesus tinha uma consciência muito clara de ser ele o medianeiro da Nova Aliança: “Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança que é derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados”(Mt 26, 28).

São Lucas diz que Zacarias, o pai de João Baptista, reconhece que, em Jesus, Deus realizou a sua misericórdia, tal como tinha prometido aos patriarcas e aos profetas: “Deus realizou a misericórdia que prometera aos nossos pais, recordando a sua santa aliança” (Lc 1, 72).

A Nova Aliança leva consigo o grande dom do perdão total do pecado, diz a Carta aos Romanos: “Essa será a aliança com eles quando eu perdoar os seus pecados” (Rm 11, 27). Ao Apóstolos, diz a Segunda Carta aos Coríntios, foram constituídos ministros de uma Nova Aliança: “Foi Deus quem nos tornou capazes de sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata e o Espírito é que dá vida” (2 Cor 3, 6).

A Carta aos Hebreu diz que Jesus se tornou o medianeiro de uma Nova aliança, pois a antiga tinha limitações e, por isso, não era perfeita: “Jesus tornou-se a garantia de uma aliança melhor” (Heb 7, 22). “Recebeu um sacerdócio superior, pois é mediador de uma aliança melhor. Se a primeira aliança não fosse deficiente não havia lugar para uma Nova Aliança” (Heb 8, 6-7). “Jesus é o mediador de uma Aliança Nova. Ao morrer livrou-nos das faltas cometidas durante a primeira, a fim de os eleitos receberem a herança definitiva que lhes foi prometida” (Heb 9, 15).

A Nova Aliança é fecunda, pois assenta na dinâmica do Espírito Santo, o qual é a fonte divina da fecundidade. A antiga aliança, diz o livro do Levítico, não permitia aos eunucos, mesmo sendo filhos de Aarão, oferecer sacrifícios no altar (Lv 21, 20-21). O profeta Isaías, prevendo a dinâmica da Nova Aliança declara que a fecundidade da Nova Aliança emerge do Espírito Santo e, portanto, é superior à fecundidade biológica: “Que o eunuco não diga: não passo de uma árvore seca” (Is 56, 3).

Para dizer que a Nova Aliança está inaugurada, os Actos dos Apóstolos dizem que o primeiro pagão a ser baptizado, foi um etíope que era eunuco (cf. Act 8, 36). Foi ele o primeiro pagão que, perante o diácono Filipe, confessa a fé em Cristo de é baptizado (cf. Act 8, 37).

A Nova Aliança é a génese da Nova Humanidade reconciliada com Deus: “Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho. Eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que nos reconciliou consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação” (2 Cor 5, 17-18).

Os que fazem parte da Nova Aliança são movidos pelo Espírito Santo. Por isso são membros da Família de Deus: Filhos e herdeiros em relação e Deus Pai; irmãos e co-herdeiros em relação a Deus Filho (Rm 8, 14- 16).

A Nova Aliança é a fase da plenitude dos tempos. O projecto de Deus entrou na fase dos acabamentos. A vida de Deus já circula no coração das pessoas humanas, tornando-as membros da Família Divina. Na sua profundidade pessoal e espiritual os seres humanos já estão divinizados, pois o divino já se enxertou no humano, graças ao mistério da Encarnação.


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