A Originalidade da Oração Cristã

 
I-A ORAÇÃO COMO DIÁLOGO FAMILIAR

É confrangedor verificar como são poucos os cristãos que fazem da oração um encontro dialogado com Deus. Mais triste ainda é saber que Deus está sempre disponível para comunicar connosco e como há tantos cristãos a pensar que só é possível orar em determinados lugares.

Se as pessoas que amamos estão ao nosso lado podemos falar com elas até quando estamos ocupados. Assim devia ser a prática cristã da oração. Deus nunca está longe de nós. A morada de Deus é um campo espiritual contínuo de interacções amorosas. Este campo é a interioridade máxima de todas as coisas.

Como sabemos, a respiração é fundamental para podermos manter a nossa vida biológica. Podemos dizer a mesma coisa da oração em relação à vida espiritual. Por outras palavras, a oração é tão essencial para o crescimento da vida espiritual, como o alimento para a vida corporal. Na Primeira Carta aos Tessalonicenses, São Paulo aconselha-nos a orar sem cessar, dando constantemente graças a Deus (1 Tes 5, 17-18).

A oração não é um modo de mágico de manipular Deus, levando-o a fazer as coisas como nós queremos. Não nos esqueçamos de que Deus é amor (1 Jo 4, 7-8). Isto quer dizer que a vontade de Deus a nosso respeito coincide rigorosamente com o que é melhor para nós. Eis a razão pela qual Jesus, no Pai-Nosso, nos ensinou a pedir ao Pai do Céu que se faça a sua vontade.

Orar assim é o mesmo que pedir a Deus que se faça o que é melhor para nós. Muitas vezes nós insistimos junto de Deus que faça a nossa vontade sem nos apercebermos que a nossa vontade pode estar longe de coincidir com o que é melhor para nós. Eis as palavras que Jesus dirigiu aos discípulos num ensinamento que lhes fez sobre a oração: “Nas vossas orações não façais como os pagãos, pois estes gostam de repetir muitas palavras inúteis, pensando que, por falarem muito, serão melhor atendidos. Não façais como eles porque o vosso Pai do Céu sabe muito bem do que precisais ainda antes de lho pedirdes” (Mt 6, 7-8).

II-ORAÇÃO E COMPROMISSO DE VIDA

No Pai-Nosso, Jesus ensinou os discípulos a pedir o pão de cada dia (Mt 6, 11). Por seu lado, São Paulo insiste em que devemos trabalhar para termos pão para comer (2 Tes 3, 10). Isto quer dizer que Deus está connosco, mas não está em nosso lugar. Por outras palavras, Deus nunca nos substitui. Está connosco, mas não está em nosso lugar.

Orar, portanto, não é um modo mágico de obrigar Deus a agir de acordo com a nossa vontade. Pelo contrário, através da oração, o crente dispõe-se a acolher a luz e a força para podermos discernir e agir de acordo com a vontade de Deus.

Na sua carta, São Tiago convida-nos a pedir a Deus o dom da Sabedoria (Tg 1, 5). A sabedoria, na visão cristã, é a capacidade de saborear o sentido da vida e das coisas com os critérios de Deus. A Sabedoria que vem de Deus é um dom do Espírito Santo que emerge e se fortalece pela Palavra de Deus. A oração feita com estes critérios prepara o nosso coração, no sentido de nos predispor a acolher os dons de Deus e a agir de acordo com a sua vontade.

O evangelho de São Mateus diz que o Pai do Céu nos ama como um Pai que dá coisas boas a seus filhos. São Paulo pediu a Deus que o libertasse de um problema difícil que o estava a atormentar. Segundo o seu modo de falar, ele dizia que o seu problema era como um espinho espetado na carne. Deus respondeu-lhe que preferia dar-lhe a força do Espírito Santo, a fim de o capacitar para vencer essa e muitas outras dificuldades (2 Cor 12, 7-10). Deus deseja dar-nos sempre o que é melhor para nós. Mas isto não significa que se limite aos nossos planos e esquemas, pois nós enganamo-nos e muitas vezes não pedimos o que é melhor para nós.

III-ORAR NO ESPÍRITO SANTO

O evangelho de São João diz-nos que se pedirmos alguma coisa em nome de Jesus isso nos será concedido (Jo 14, 13-14). O nome, na bíblia, significa a missão. O nome de Jesus, significa, pois a sua missão de medianeiro da salvação. Pelo facto de estarmos unidos a Cristo de modo orgânico, recebemos por ele a força do Espírito Santo que nos faz sintonizar com o querer de Deus.

Orar em nome de Jesus é o mesmo que orar no Espírito Santo. A Segunda Carta a Timóteo diz que Jesus é o único medianeiro entre Deus e os homens (1 Tim 2, 5). A Carta aos Hebreus diz que Jesus é o sumo-sacerdote através o qual nós estamos unidos a Deus de modo permanente. Isto quer dizer que o nosso sumo-sacerdote está permanentemente junto de Deus a interceder por nós (Heb 4, 14-16).

Orar em nome de Jesus significa participar na sua oração, pois somos membros do seu corpo (1 Cor 10, 17; 12, 27; 13, 12). Jesus disse que nós somos os ramos da videira e ele é a cepa dessa mesma videira. Só podemos dar frutos de vida eterna se estivermos unidos à cepa. O Espírito Santo é o vínculo orgânico e o princípio animador da comunhão que nos liga familiarmente a Deus.

É ele que em nós clama “Abba”, papá, e faz de nós co-herdeiros com Cristo (Rm 8, 14-17). Orar ao jeito de Jesus é dizer a Deus o que nos vai no coração, seja no sentido de pedir, louvar, falar da Humanidade a sofrer. Eis o que diz São Paulo a este respeito: “Orai com o espírito e com a inteligência. Pensai nas palavras, a fim de entenderdes o que estais a dizer. Quando orardes em comunidade, fazei-o de modo a que as pessoas vos entendam, a fim de que os ouros possam dizer “Ámen” à vossa oração” (1 Cor, 14, 15-16).

Não useis palavras vazias de significado como fazem os pagãos, diz o evangelho de São Mateus (Mt 6, 7). A nossa oração não deve ser como a dos hipócritas que se põe a julgar os outros ou a pensar que são mais que eles. Estes não tomam Deus a sério e por isso não ficam justificados com as rezas que fazem, diz o evangelho de São Marcos (Mc 12, 40).

IV-A ORAÇÃO COMO ALIMENTO DA VIDA CRISTÃ

Sem oração podemos ter conhecimentos teóricos dos conteúdos da Fé, mas nunca podemos ter uma experiência viva de Deus. Uma oração bem fundamentada tem de ter como alicerce o amor. Eis o que diz a primeira Carta de São João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. Aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chega a conhecer Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).

O amor a Deus e aos irmãos é, na verdade, o alicerce sólido para que a nossa oração seja um diálogo amoroso com Deus. O ponto de encontro deste diálogo amoroso é sempre o nosso coração. Não é legítimo separar a nossa oração da nossa vida real.

A primeira carta de São João insiste nesta verdade. Eis o que ele diz numa outra passagem: “A Deus nunca ninguém o viu. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor, em nós, chegou à perfeição. Nós damo-nos conta que permanecemos em Deus e ele em nós, porque nos faz participar do Espírito Santo (…). Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Se alguém disser que ama a Deus mas odiar o seu irmão, esse é um mentiroso. De facto, aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Nós recebemos de Cristo este mandamento: quem ama a Deus ame também o seu irmão” (Jo 4, 12-21).

Quanto mais fizermos de Deus uma questão primeira e tomarmos Deus a sério, mais a nossa oração será uma força transformadora e recriadora em nós e no mundo. A humildade é uma atitude fundamental para que a nossa oração possa sintonizar com o coração de Deus. A humildade é a capacidade de se compreender e saber situar correctamente perante os outros. A humildade tem a ver com a verdade, o grande dom do Espírito Santo como diz Jesus: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele guiar-vos-á para a verdade completa” (Jo 16,13).

Isto quer dizer que orar no Espírito Santo é entrar no caminho que nos conduz à verdade. A verdade é a compreensão e enunciação correcta e adequada da realidade de Deus, do Homem, da História e do universo.


Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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