1) Dimensão Espiritual da Missão de Jesus
Jesus previu o acontecimento da sua morte violenta. A celebração da Ceia Pascal e, em particular, a instituição da Eucaristia, não deixam dúvidas a este respeito. O facto de Jesus ter escolhido o pão e o vinho como elemento central da Eucaristia, demonstra que tinha consciência clara de ser o Messias, o sumo sacerdote, o portador das bençãos prometidas a Abraão. Escolhendo o pão e o vinho, Jesus está a fazer alusão a Melquisedec, rei de Salém, nome antigo de Jerusalém. Este rei era também sumo-sacerdote. Na altura em que abençoou Abraão, como era sumo-sacerdote do Deus Altíssimo, realizou um sacrifício de pão e vinho (Gn 14, 18-20).
Jesus previu o acontecimento da sua morte violenta. A celebração da Ceia Pascal e, em particular, a instituição da Eucaristia, não deixam dúvidas a este respeito. O facto de Jesus ter escolhido o pão e o vinho como elemento central da Eucaristia, demonstra que tinha consciência clara de ser o Messias, o sumo sacerdote, o portador das bençãos prometidas a Abraão. Escolhendo o pão e o vinho, Jesus está a fazer alusão a Melquisedec, rei de Salém, nome antigo de Jerusalém. Este rei era também sumo-sacerdote. Na altura em que abençoou Abraão, como era sumo-sacerdote do Deus Altíssimo, realizou um sacrifício de pão e vinho (Gn 14, 18-20).
O sumo-sacerdote e o rei, na teologia do Antigo Testamento, eram medianeiros entre Deus e o povo. Os descendentes de David, no dia em que subiam ao trono, tornavam-se sumo-sacerdotes segundo a ordem de Melquisedec (Sal 110, 4). Ao escolher o pão e vinho como elementos centrais da Eucaristia, Jesus estava a afirmar a sua condição messiânica. Ele é o filho prometido a David, constituído sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec. A carta aos Hebreus faz uma leitura muito profunda desta dimensão messiânica de Jesus: “Temos um sumo sacerdote que se sentou nos Céus à direita do trono da Majestade. Ele é o ministro do santuário , o verdadeiro templo que é construído pelo Senhor e não pela mão do homem” (Heb 8, 1-2). É este o culto da Nova Aliança: “Ele obteve um ministério tanto mais elevado quanto maior é a Aliança de que é mediador (Heb 8, 6). Continua a Carta: “Ao falar de uma Nova Aliança, Deus declara antiquada a primeira. Ora, o que se torna antiquado e envelhece está prestes a desaparecer” (Heb 8, 13).
Jesus tinha consciência da sua relação especial face à Divindade. A morte é a condição para ser glorificado junto de Deus. É esta a leitura do evangelho de João ao descrever as horas que precederam a morte-ressurreição de Jesus: “Pai, chegou a Hora. Manifesta a glória do teu Filho de modo que o filho manifeste a tua glória, segundo o poder que lhe deste de dar vida eterna a todos os que confiaste” (Jo 17, 1-3). Como messias é o rei e o sumo sacerdote, isto é, medianeiro e portador das bênçãos concedidas a Abraão em favor de todas as famílias da Terra (Gn 12, 3). É o anunciado a David, o rei que, no momento sua entronização, se senta à direita de Deus (Sal 110, 1). Ele é o filho de David constituído filho de Deus no momento da sua entronização(Sal 2, 6-7). Jesus tinha presente todos estes textos bíblicos, os quais lhe conferiam uma sabedoria muito especial para dar sentido à morte difícil que o esperava.
Jesus tinha a certeza de que o Deus que o consagrou com o Espírito Santo para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos cativos e o ano da Graça de Deus (Is 61, 1-3; cf Lc 4, 18-21), o ia glorificar no momento da morte como o seu Messias: “Em seguida tomou o cálice, deu graças e entregou-o aos discípulos dizendo: ’Bebei todos dele, pois este é o meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados. Eu vos digo que não beberei mais deste produto da videira, até ao dia em que beber convosco o vinho novo no Reino de meu Pai” (Mt 16, 27-29). São Paulo demonstra ter compreendido estes textos bíblicos que inspiraram Jesus do mesmo modo que o Senhor quando afirma: “ Ele (Jesus) é o filho de David segundo a carne. Foi constituído pelo Espírito Santo filho de Deus em todo o poder, no momento da sua ressurreição de entre os mortos (Rm 1, 3-5).
Ao aperceber-se da morte que o aguardava, Jesus faz da mesma uma leitura teológica e espiritual. Os textos do servo sofredor terão sido uma fonte inspiradora para ele (Is 52, 13 –53, 12; Sal 21; Is 42, 1-7). Por isso estava seguro de que a sua vida ia ser glorificada e a sua condição messiânica restabelecida após o sofrimento e a morte como garantiam os textos do justo sofredor. Segundo a promessa de Deus o messias seria um filho de David. Um dos primeiros aspectos da sua missão segundo a primeira profecia de Natan, o Messias reinaria para sempre sobre o trono de David (2 Sam 7, 12-16; cf L3 1,32-33). David interpretou esta profecia de Natan como referindo-se a Salomão. Por isso pediu a Salomão que quando subisse ao trono construísse um templo para Deus. Salomão assim fez (1 Rs 8, 15-25).
É evidente que Jesus fez uma leitura espiritual, não política, da sua missão de rei e sumo-sacerdote. Em relação ao templo, Jesus declara aos chefes Judeus que podem destruir o templo de Jerusalém que ele vai reedificá-lo em três dias, referindo-se à sua ressurreição (Jo 2, 19-23). Ele é que é a mediação de encontro com Deus, não o templo de Salomão. Mateus diz que no momento da morte de Jesus o véu do templo rasgou-se de alto a baixo (Mt 27, 51). Por detrás do véu de templo estava o Santo dos Santos, o lugar onde Deus se tornava presente. Aí só podia entrar o sumo sacerdote. O povo não tinha acesso a esse lugar santíssimo. Não podia encontrar-se directamente com Deus.
Esta divisão do templo tinha muito a ver com os relatos do Êxodo, sobre a presença de Deus no monte Sinai. Quando Moisés se aproximou para falar com Deus aconteceu o seguinte: “O Senhor Deus desceu sobre o pico da Montanha do Sinai. Chamou Moisés do cimo da Montanha e este subiu. O Senhor disse a Moisés: ’desce e adverte solenemente o povo para que não se precipite, a fim de ver o Senhor, pois morreriam’ (...). Moisés disse ao Senhor: o povo não pode subir à montanha do Sinai, pois o Senhor advertiu-nos solenemente dizendo: ‘põe limites à montanha e santifica-a’” (Ex 19, 20-23).
Ao dizer que o véu do templo se rasgou de alto a baixo, Mateus está a fazer uma leitura teológica da morte-ressurreição de Jesus: os cultos do templo não têm mais interesse. O povo já tem acesso directo ao Santo dos Santos. Com a morte-ressurreição de Jesus os túmulos começaram a abrir-se e os justos a sair deles (Mt 27, 52-53). A morte foi vencida e a humanidade foi incorporada na Família Divina. Já temos acesso a Deus como filhos em relação ao Pai e irmãos em relação ao Filho. De facto, todos os que receberam o Espírito de Cristo ressuscitado são filhos e herdeiros de Deus Pai e irmãos e co-herdeiros com o filho (Rm 8, 14-16). Já podemos dirigir-nos a Deus dizendo: “Pai nosso que estais no Céu” (Mt 6, 9; Lc 11, 2).
A Carta aos Hebreus diz o seguinte: Como os cultos do templo não agradaram a Deus, Jesus Cristo e disse: eis que venho para fazer vontade do Senhor. Deste modo estabeleceu o novo culto: fazer a vontade de Deus. Procedendo deste modo, Jesus está a realizar a Nova Aliança, tal como foi anunciada por Jeremias: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e meterei lá um coração de carne, infundindo em vós o meu Espírito e não levando mais em consideração os vossos pecados. Por isso já não precisamos de cultos para realizar o perdão dos pecados (Heb 10, 5-17).
A segunda carta aos Coríntios refere-se a esta Nova Aliança de maneira muito bonita: “ Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho. Tudo isto vem de Deus que, em Cristo, nos reconciliou consigo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19). Segundo o evangelho de João, Jesus põe a Samaritana ao corrente do plano de Deus sobre o Templo da Nova Aliança. Chegou o tempo em que os verdadeiros adoradores não adorarão em Jerusalém nem no monte Garizim, mas em Espírito e verdade. Com efeito, Deus é Espírito e é em espírito e verdade que Deus quer ser adorado (Jo 4, 21-23).
A visão de Jesus sobre a sua missão era espiritual e não sócio-política. Era teológica e não ideológica. O que dissemos sobre o templo é igualmente verdade sobre a sua condição de rei messiânico, o filho prometido a David. A passagem de Marcos sobre as pretensões sócio-políticas dos filhos de Zebedeu e o ensinamento de Jesus sobre esta questão não deixa margem a dúvidas. A reacção dos outros dez também não deixa dúvidas sobre os seus projectos sócio políticos. Jesus ia tentando corrigir estas perspectivas. Certa ocasião, segundo Mateus, chamou mesmo Satanás a Pedro (Mt 16, 23).
2) Sentido Teológico da Morte de Jesus
Jesus teve consciência da morte violenta que o esperava. No entanto, não deixou de continuar a sua missão. Interpretou a sua morte como a possibilidade de ser incondicionalmente fiel a Deus. Podemos dizer que, graças a esta fidelidade incondicional, a ruptura da comunhão da Humanidade com Deus foi totalmente restaurada. Assim como pelo primeiro Adão veio a morte, a vida veio pelo segundo (Rm 5, 18-20). Além disso, a morte violenta de Cristo revela o carácter homicida do pecado, o qual mata sempre o algo no irmão.
A morte de Jesus era condição necessária para a Humanidade atingir a plenitude: a sua divinização. Mas isto não quer dizer que tinha de ser aquela morte. Deus não precisa de sangue para perdoar ao Homem. Deus não quer sacrifícios humanos sangrentos. Por isso rejeitou a morte de Isaac: “Mas o mensageiro do Senhor gritou-lhe do Céu: Abraão, Abraão. Ele respondeu: ‘aqui estou’. O mensageiro disse: ‘ não levantes a mão contra o menino e não lhe faças mal algum, pois agora sei que temes a Deus, visto não lhe teres recusado o teu único filho’. Erguendo os olhos, Abraão viu um cordeiro preso pelos chifres a um silvado. Foi buscá-lo e ofereceu-o em holocausto a Deus em lugar do seu próprio filho” (Gn 22, 11-13).
O mistério da Encarnação, só atingiria toda a humanidade quando Cristo entrasse, pela morte, na esfera da plenitude. Pelo acontecimento da morte a pessoa liberta-se das coordenadas do eu exterior ou individual: biológicas, psíquicas, rácicas, culturais, linguísticas e espacio-temporais. Nesse momento entra nas coordenadas da comunhão universal. Foi nesse momento que, através de Jesus, a Humanidade ficou organicamente incorporada na comunhão da Santíssima Trindade. Pelo mistério da Encarnação, o divino enxertou-se no humano, a fim deste ser divinizado. A encarnação fazia parte do projecto de Deus para a Humanidade, houvesse ou não pecado. De facto, a Humanidade não podia ser organicamente incorporada na Divindade sem que o divino se unisse organicamente ao humano. Por outras palavras, sem a dinâmica da Encarnação a Humanidade não podia ser divinizada.
A morte de Jesus era necessária para a Humanidade atingir a sua plenitude. Com efeito foi pela morte que Jesus entrou organicamente na comunhão humana universal, comunicando-lhe o dinamismo humano-divina. Se não tivesse havido pecado a morte de Jesus não teria sido violenta. Seria o parto para nascer a Humanidade divinizada. Eis o sentido da morte de Jesus em relação à salvação humana:
1- Teria sido mediação para a divinização do Homem;
2-Teria sido condição para o humano ser assumido organicamente na comunhão divina da Santíssima Trindade;
3-Devido ao pecado, a morte de Cristo foi Redenção, isto é, reconciliação da Humanidade com a Divindade, graças à total fidelidade de Jesus. Por outras palavras, a fidelidade incondicional de Jesus fez que o pecado do Homem não fosse mais tido em consideração (2 Cor 5, 17-19).
4-Devido ao pecado, a morte de Cristo foi violenta. O homem ofereceu resistência ao projecto salvador de Deus. A Encarnação encontrou resistência da parte do Homem. A morte violenta de Jesus revela o carácter homicida do pecado. Desde os começos da Humanidade que o pecado mostrou o seu carácter homicida: Caim matou Abel (Gn 4, 8). A voz do sangue clamou da Terra e fez-se ouvir por Deus. Por isso Caim foi amaldiçoado. Deus não gosta de ver o sangue humano derramado. Agora a Terra não vai ser generosa para Caim (Gn 4, 10-12).
5-A morte violenta de Jesus é fruto do pecado e não uma decisão de Deus. Esta morte foi um pecado e o pecado não agrada a Deus. O que agradou a Deus foi a fidelidade incondicional de Jesus: ainda que me matem não serei infiel à missão que o Pai me confiou. Graças à fidelidade incondicional de Jesus, a morte é vencida pela ressurreição. O homem é incorporado na comunhão com Deus. Pela infidelidade de Adão entrou a morte no mundo. Pela fidelidade de Cristo, o Novo Adão, foi-nos dada a vida eterna (Rm 17-20).
A Sabedoria deu a Jesus a força e o sentido para viver uma fidelidade total a Deus. Foi esta sabedoria que lhe deu a possibilidade de fazer da sua morte uma leitura teologicamente positiva. Só deste modo a podia ter vivido numa linha de amor total a Deus e à Humanidade. O Espírito Santo foi o grande protagonista que comunicou a Jesus os critério divinos da Sabedoria, capacitando-o para ler os acontecimentos com os olhos de Deus.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias
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