Relações e Estruturação Pessoal: a) A Importância das relações na estruturação da criança


Utilizando a imagem bíblica do barro, diríamos que a argila humana se vai amassando e moldando através das relações. A nível da criança as relações são estruturantes, pois amassam e moldam o barro dando-lhe a configuração com a qual vai ficar para a sua vida. Isto é verdade tanto para  o bem como para o mal.

Assim com as agulhas nas mãos da bordadeira estruturam o fio, construindo autênticas filigranas de rendas maravilhosas, assim as relações humanas estruturam a criança tanto a nível psíquico com espiritual. Quando estas relações estão vivificadas pelo amor capacitam a criança para, ao longo da vida, fazer opções, escolhas, decisões e tomar atitudes que, por vezes, são autênticos milagres de amor.

A nível dos adultos as relações são sobretudo plenificantes, pois optimizam aquilo que a pessoa já é como realidade estruturada. O adulto atinge a plenitude da sua realização pessoal mediante relações com a densidade do amor. Se estas relações forem negativas bloqueiam essa mesma realização ou plenitude. Na verdade, as relações negativas bloqueiam as possibilidades de crescimento humano, pois conduzem a comportamentos destrutivos. Isto é verdade não apenas ao nível psíquico como também espiritual. De facto, o eu pessoal-espiritual também se estrutura. Por isso podemos falar da configuração histórica eu espiritual. Por outras palavras, a nossa identidade pessoal permanecerá eternamente com o jeito de amar que adquiriu na história.

Em relação à criança podemos dizer que ela é sobretudo um barro a ser modelado pelos outros. Esta modelagem acontece sobretudo através das relações. A modelagem fundamental acontece no contexto familiar, escolar, cultural e social. Todos conhecemos a fragilidade deste ser que é a criança. Daqui a necessidade de estabelecermos com ela relações assentes na ternura e amor. É fundamental termos presente que uma criança não é um adulto em miniatura. Há muitas riquezas que emergem da experiência e das opções de amor que a criança ainda não tem mas que terá quando for adulta. Uma criança é uma aposta de vida livre consciente e responsável que falta concretizar. É uma história por contar, um poema que falta escrever e uma estátua ainda não esculpida.

As crianças começam por adquirir o jeito do contexto em que crescem e se desenvolvem: se crescem num contexto de fé, aprendem a ser crentes. As crianças, com efeito, são um barro que faltar moldar. São uma história de amor que ainda não aconteceu e um canção que ainda não foi cantada. O primeira verso desta canção não é da autoria das crianças, mas daqueles que as modelam. Todos começamos por ser o que os outros fizeram de nós. Assim, por exemplo, se o seu meio familiar é indiferente aos valores espirituais, as crianças vão-se tornando indiferentes.

Uma criança, é realmente um romance que ainda não foi escrito, embora o esboço já esteja a ser redigido pelos outros. Se no meio em que vivem as pessoas tomam a vida a sério decidindo, optando e agindo segundo padrões de liberdade, consciência e responsabilidade, as crianças aprendem a realizar-se como pessoas comprometidas consigo, com os outros e com Deus. São uma capacidade de renascer que ainda não foi concretizada.

A criança é uma paixão que ainda não germinou e uma opção de vida que deseja emergir. É um decisão que ainda não foi tomada e uma vocação ainda não plenamente definida.
Se vivem permanentemente em ambientes críticos e intolerantes, as crianças vão-se tornando intolerantes...
Se vivem rodeadas de atitudes hostis, aprendem a ser agressivas...
Se vivem em ambientes vazios de ternura começam a sentir-se inseguras e dominadas pelo medo, tornando-se pouco a pouco pessoas neuróticas...

Uma criança é um dom que ainda não se realizou, um coração ainda não poluído e uma fé que ainda não foi posta à prova. Por isso acreditam cegamente nas afirmações e propostas dos adultos que as modelam. Se as pessoas em vez de as valorizarem actuam com elas como sendo coitadinhas as crianças começam a enredar-se em sentimentos de auto compaixão. As crianças são feixes de possibilidades ainda não realizadas, uma fome enorme de ser e crescer, a fim de atingirem a sua maturidade.

Se são ridiculizadas tornam-se tímidas e deixam de confiar em si. Ninguém é capaz de gostar de si antes de alguém ter gostado o ter valorizado e ter dado provas de gostar dele... Se no seu meio domina a inveja, a criança começa a ser invejosa. Ela é um projecto de liberdade ainda não concretizado e uma consciência ainda não estruturada e responsabilidade ainda não assumida.

Se os pais se dão muito mal, a criança começa a sentir-se culpada. Pensa que as tensões entre os pais acontecem por causa delas.
Se vivem em meios marcados pela mentira aprendem a ser mentirosas...
Se vivem em meios marcados pela tolerância, aprendem a ser compreensivas e a valorizar os outros, apesar de serem diferentes...
Se são estimadas e encorajadas aprendem a ser confiantes...
Se vivem em meios onde são estimadas e apreciadas tonam-se seguras e capazes de reconhecer as suas qualidades e capacidades.
Se sentem aprovação, aprendem a ser elas mesmas sem necessidade de reprimir a emergência da sua realidade profunda.
Se lhe dão ternura começam a ver o mundo como um lugar onde há amor...
Se são aceites nas suas iniciativas, aprendem a programar objectivos para a vida...
Se vivem em contextos onde acontece a partilha aprendem a ser generosas...

A criança é o ponto de partida da pessoa em construção. É uma originalidade a afirmar-se fortemente mas ainda não plenamente revelada.
Se vivem rodeadas por atitudes de honestidade e rectidão, aprendem a agir segundo a verdade e a justiça...
Se vivem em ambientes afectivamente seguros aprender a ter fé em si e nos que as rodeiam...
Se vivem rodeadas por gestos de carinho e amizade começam a ver a vida como uma coisa que vale a pena ser vivida...
Se vivem rodeadas por atitudes de serena repreensão e correcção aprendem que na vida há valores que não podem ser postos em causa...

Educar é uma arte que só pode realizar-se com muito amor. Ajudar uma criança a crescer de maneira feliz é ser benfeitor de toda a humanidade. É também ser mediação do amor de Deus.  Com efeito, o Reino de Deus é a Comunhão universal das pessoas, onde cada qual está presente com a riqueza que conseguiu realizar. A criança é um ser identidade pessoal inacabada. Sem deixar de ser quem é irá sendo gradual e progressivamente diferente do que agora é. A criança é um ser que, apesar de estar constantemente a imitar os outros, não será cópia de ninguém, pois irá sendo cada vez mais única, original e irrepetível

A pessoa está talhada para o encontro; só pode realizar-se em relações com os demais. De facto, não somos ilhas. Ninguém se pode realizar sozinho, embora os outros não possam substituir-nos na nossa realização pessoal. Os que caminham ao nosso lado são mediações fundamentais par nos podermos realizar. A qualidade das nossas relações com os outros está condicionada pela qualidade das relações que os outros tiveram connosco na primeira etapa da nossa vida. As relações são fundamentais para a realização da pessoa. O bem-amado está capacitado para amar bem, pois sente-se intimamente equilibrado. Isto quer dizer que o bem-amado está mais possibilitado para se realizar como pessoa do que o mal-amado.

A pessoa comunica-se na medida em que se possui, e nessa medida, deixa o outro comunicar-se. Nesta interacção vai-se estruturando de modo social e, no sentido mais profundo, vai emergindo o seu eu pessoal e espiritual capaz de reciprocidade e comunhão amorosa.
    
A criança precisa tanto da ternura para se estruturar afectivamente como do pão para viver e crescer. Daí a sua arte para cativar os adultos e obter essa ternura fundamental para um desenvolvimento psicológico equilibrado. É através das relações com os outros que a pessoa vai sendo capaz de se possuir, de se amar e conhecer em profundidade. Ninguém consegue gostar de si antes de alguém o ter valorizado e apreciado. É este o mistério da reciprocidade.

Esta fome de realização em sociedade leva as pessoas a criar associações ou grupos, espaços humanos fundamentais para a pessoa se conhecer, realizar e possuir. À medida em que amadurece socialmente, a pessoa começa a ser capaz de sair de si para ir ao encontro do outro. Para lá de si, descobre o outro com as suas diferenças e qualidades. Deste modo cresce em si o sentido da solidariedade, do trabalho em equipa, do companheirismo, da generosidade e gratuidade ou sentido do dom para os demais.

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