Olá! Como certamente saberão, um dos ministérios a que o pe. Santos mais se dedicou foi ao do acompanhamento de psicoterapia: o acolhimento da pessoa com uma história marcada, para a sua libertação. Ao longo dos seus livros e textos surgem-nos o testemunho de histórias que o pe. Santos acompanhou, naturalmente com nomes fictícios. Um abraço!
1) O Falso Amor
A Mónica foi vítima de um falso amor. Há relações que enredam as pessoas numa teia que enreda e bloqueia a sua humanização. Sabemos que a lei da humanização é: emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão humana universal. As possibilidades de humanização da Mónica estavam bloqueadas. Deixou-se amarrar por uma relação que a não deixou crescer como pessoa. Está dominada por um irmão, solteirão, que a castrou psiquicamente, desfazendo todas as tentativas de casamento que se lhe apresentavam.
O irmão funcionava como a escala de valores para ela. Só ele sabia o que era bom para ela. O que lhe convinha ou não era sempre o irmão que decidia. Para melhor a controlar até lhe construiu uma boa casa que era como que uma gaiola dourada. Como tinha uma visão distorcida sobre a vida humana, o irmão da Mónica considerava-se o grande amigo e benfeitor da sua irmã.
Hoje, apesar da sua idade avançada, a Mónica não é capaz de decidir nada sem consultar o irmão. Estabeleceu-se uma relação sado-masoquista que faz dela uma pessoa substituída. Isto significa que está incapacitada de se realizar de maneira livre e responsável. O seu mundo interior não tem profundidade.
A Mónica não teve oportunidades para escolher, decidir, optar e orientar a vida segundo aquilo que considerasse como o melhor para si. O irmão, sempre atento às tentativas de voo, surgia muito solícito dizendo-lhe que não tinha que se preocupar. Na verdade não a deixava voar. Ele tratava de tudo. A ela bastava-lhe seguir as instruções que ele dava. Dizia muitas vezes à sua irmã que ela era feliz, pois tinha a vida facilitada. Deste modo não cometia erros.
A Mónica ficou reduzida à condição de pessoa substituída. Foi-lhe roubado o direito e a oportunidade de crescer como pessoa livre, consciente e responsável. Não acertou nem errou. Mas também não crescer como pessoa. A Mónica limitou-se a fazer o que o irmão, sempre atento e solícito lhe indicava. Uma pessoa que se deixa anular e manipular por outra nunca chega a humanizar-se profundamente. Este homem chamou amor a uma máscara que encobria uma das formas mais subtis de opressão. Iludindo a verdade, fazia questão de realçar que actuava assim para bem da irmã. No entanto mutilou e bloqueou profundamente a irmã, impedindo-a de se realizar segundo as suas possibilidades e talentos. A pessoa não é igual aos talentos que tem, mas sim aos que realiza. Ninguém é a medida do outro. O maior pecado deste homem foi pretender ser a medida da sua irmã.
A Humanidade está a edificar-se como processo histórico. Emerge de modo único, original e irrepetível em cada pessoa. O dever ético fundamental da pessoa humana é deixar emergir a pessoa do outro com a sua originalidade, unicidade e irrepetibilidade. É este o primeiro e fundamental dever do amor ao irmão. Amar é facilitar a emergência dos talentos que existem no irmão. Toda a pessoa normal é capaz de ir descobrindo o que é melhor para si. Na relação da Mónica com o irmão instalou-se um falso amor. Sob uma aparência de amor vivia-se uma relação doentia de dominador e dominada.
É verdade que ninguém se pode realizar sozinho. Mas também é certo que ninguém pode realizar a pessoa do outro. As pessoas que substituem os outros estão a impedi-los de se realizar. Não amam de verdade. Quem impede o outro de se realizar também não se realiza. Por isso não atingem um grau profundo de humanização.
O pecado é sempre um dizer não ao amor. É uma recusa a acolher amorosamente a novidade do outro. O egoísmo só se vê a si. O pecado que leva à perdição é a oposição sistemática e incondicional às propostas do amor tal como ele nos é proposto pela nossa consciência e, no caso do cristão, também pela revelação e os sinais dos tempos. A perdição ou estado de inferno é sempre resultado do agir humano, nunca uma decisão de Deus. Por outras palavras, toda a pessoa humana tem a possibilidade de se perder. Mas isto será sempre fruto do querer humano, nunca uma decisão divina.
Face ao pecado as pessoas situam-se quer como vítimas quer como culpadas. A vítima sofre as consequências do pecado sem dele ter culpa. Culpada é a pessoa que se recusa a crescer em humanidade através do amor. O amor é a força criadora da pessoa. É a seiva que alimenta o dinamismo relacional humano, o qual faz da Humanidade uma realidade orgânica. A salvação ou perdição da pessoa é decidida pelas atitudes que esta toma face ao amor.
2) O Caso da Mãe Possessiva
O Tiago era um adolescente precoce. A mãe investiu nele toda a sua afectividade, superprotegendo-o e exercendo sobre ele um controle asfixiante... Se o Tiago tenta libertar-se desta influência exagerada, a mãe faz chantagem: torna-se uma mulher inconsolável... Para melhor controlar e possuir o Tiago, a sua mãe vai destruindo as amizades do filho... A mãe do Tiago quere-o apenas para si...
Grande parte dos comportamentos desta mulher possessiva são inconscientes. Por isso rejeita os reparos do filho quando se refere a este problema. Pouco a pouco a angústia começa apoderar-se do Tiago e a roubar-lhe a alegria de viver. Junto dos colegas sente-se inferior. Procura compensar-se desta inferioridade sendo o melhor nos estudos...
O Tiago é brilhante nos raciocínios e fluente na comunicação. Mas a tendência para se isolar tem aumentado cada vez mais. A mãe, por seu lado, quando mais o vê sem amigos mais tenta compensá-lo com mimos... O Tiago não vive uma adolescência normal... Não gosta de si nem dos outros. Superou em conhecimentos os colegas. Foi este o modo de compensar-se dos sentimentos de inferioridade. Como não entendem o que se passa com o Tiago, os colegas Interpretam-no mal. Tem a mania que é bom, dizem!
Devido aos seus sentimentos de inferioridade, o Tiago tem medo de ser posto a ridículo pelos colegas. Por esta razão se isola. Os colegas interpretam este afastamento como resultado da sua mania de pretender ser superior... A nível da escola, o Tiago é considerado um marrão. O drama do Tiago aconteceu de modo gradual e progressivo. Quando se deu conta já estava enredado neste drama. Como assuas relações, normalmente terminam em desencontros, o Tiago tem medo dos encontros. É cada vez mais um jovem só.
3)O Pai Ausente
O Nuno tem dezoito anos... A sua dor radica no facto de não conhecer o pai. Apenas o conhece através de algumas fotografias. O pai abandonou-os, a ele e à mãe, quando o Nuno tinha cerca de dois anos: emigrou e nunca mais voltou. A mãe é uma mulher frustrada no casamento... Vinga-se da traição do marido dizendo muito mal dele para o filho. Isto gera um sentimento de revolta no interior do Nuno, pois ele desejava ter pelo menos uma imagem de um pai bom, a fim de ter um padrão de referência...
Há momentos em que o Nuno tem desejos muito fortes de encontrar o pai. Estes impulsos brotam de um sentimento de vazio que o habita com muita frequência. No seu íntimo, o Nuno vive como se lhe faltasse algo de fundamental. Sente, por vezes, um desejo enorme de abraçar o pai. A mãe através de conceitos religiosos distorcidos não foi capaz de comunicar-lhe um sentido válido para a vida. Apenas incutiu nele sentimentos de culpa.
O Nuno sente-se interiormente revoltado quando a mãe fala mal do pai. É como se esta estivesse a destruir algo de si mesmo ou a roubar-lhe uma dimensão fundamental de si mesmo. Por isso se sente uma pessoa sem apoios sólidos. Os filhos amam as mães através dos pais e estes através das mães. É importante não destruir este triângulo edipiano, fonte de equilíbrio e maturidade.
À medida em que o psiquismo se estrutura, situa a pessoa no seu íntimo como um face a face: masculinidade feminilidade. É aqui que radica essa diferenciação que capacita a pessoa para relações qualitativamente distintas segundo se trate de relações com pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente. As relações humanas são sempre sexuadas, o que não quer dizer sexuais...
Por vezes, o Nuno sente um desejo de abraçar o pai que apenas conhece através de retratos antigos. Imagina o pai a repreendê-lo. Sente que isto era muito importante para si, a fim de poder opor-se a alguém e saber o que quer e as possibilidades que tem. Estruturamo-nos numa dinâmica de reciprocidade relacional. O Nuno compreende muito bem que a afectividade tem duas faces: masculina e feminina. Se a mãe lhe falasse bem do pai, o Nuno podia idealizá-lo, interiorizando a figura de um pai ideal.
As mães não devem roubar os pais aos filhos. Mesmo que seja o pai imaginário. Hoje o Nuno não tem ideais nem projectos de vida. A sua vida não tem sabor. Apesar de, materialmente, não lhe faltar nada, sente-se insatisfeito e infeliz. Quem não sente vocação para o dom não devia gerar filhos. Não é de indivíduos humanos que a humanidade está carenciada, mas de homens e mulheres bem amados e, portanto, capacitados para gostarem de si e dos outros, condições para uma realização humana satisfatória.
Não basta procriar para se ser pai humano. A paternidade humana exige dom e muito amor. A paternidade humana exige muitas mortes, a fim de dar vida amorizada. A noção de Deus Pai é vazia para o Nuno. Falta-lhe uma experiência e um ideal que confira conteúdo a esta noção espiritual. A paternidade humana é mediação para a acontecer a paternidade divina e também para esta se revelar.
4) O Pai Chantagista
O pai da Margarida era verdadeiramente chantagista. As suas chantagens destruíram a alegria de viver da sua filha. Quando discutia com a esposa, o pai da Margarida ameaçava suicidar-se. Se discutia com a filha dizia que se ia matar. A criança é vulnerável às chantagens, pois não tem critérios para se valorizar as coisas e, deste modo, poder defender-se.
A Margarida vivia o seu dia a dia aterrorizada com a ideia de perder o pai. Passava os dias inactiva com medo de desgostar o pai. Por esta mesma razão evitava brincar com as outras crianças. Quando fazia algo de incorrecto, a angústia apoderava-se dela, ao ponto de fazer temperaturas altas.
A Margarida, hoje, é uma mulher. O pai morreu recentemente no hospital. Este acontecimento é uma fonte de tormentos, pois o pai tinha-lhe dito que não queria morrer no hospital. Quando a Margarida levou o pai para o hospital, pensou apenas no facto de este ser melhor atendido. Enquanto o pai viveu, a Margarida não foi feliz. Hoje é uma mulher atormentada com sentimentos de culpa.
A chantagem é uma forma de explorar e manipular as pessoas... Durante a vida do pai, a Margarida não viveu nem se realizou como pessoa: Não casou com o rapaz de quem gostou com medo de que o pai se matasse; Não tirou o curso de que gostava porque o pai não gostava desse curso; Não foi promovida no emprego, pois tinha de sair da terra em que vivia com o pai e isto iria desgostar profundamente o pai; não realizou algumas modificações profundas na sua casa porque o pai não gostava dessa ideia.
O pai da Margarida morreu. Mas morreu demasiado tarde para que a Margarida se realizasse como pessoa. Hoje, a Margarida vive só, na sua casa e sem alegria. Ninguém é obrigado a renunciar à sua realização profissional pela simples razão de que alguém viva usando a arma da chantagem. A Margarida passou a vida a pedir a Deus que lhe mande sofrimentos mas que impedisse o pai de se matar. Quando sofria ficava aliviada e tranquila, pois isso significava que o pai não se iria suicidar.
Os pai que o sabem ser são arquitectos da maravilha da humanização. São verdadeiros benfeitores da Humanidade. São a raiz de pessoas livres e criadoras. São mediação da paternidade e da maternidade divina. Os primeiros arquitectos do Homem em construção são realmente os pais. Depois são os filhos com o que receberam de bom dos pais. Eis a grandeza da paternidade humana!
5) O Manuel dos olhos tortos
Era considerado o coitadinho da família. Na escola todos o consideravam o menos dotado. Tudo isto porque, como sofria de dislexia, dava mais erros que os outros. Como era estrábico, chamavam-lhe o Manuel dos olhos tortos. Em casa, os pais tratavam-no com compaixão e não lhe permitiam as mesmas liberdades de que usufruíam os seus irmãos.
Todos pensavam que o Manuel não chegaria a ser uma pessoa realizada na vida. O Manuel desde pequeno que se perguntava a razão pela qual não prestava. A criança acredita cegamente nos seus pais. Quando estes lhe dizem que não presta, ela considera-se como alguém que não presta. Só que o Manuel não entendia a razão pela qual os seus irmãos prestavam e ele não.
Desde muito cedo, disfarçadamente começou a prestar atenção às conversas dos adultos tentando, deste modo, descobria a razão pela qual os seus irmãos prestam e ele não. Apesar da dislexia, o Manuel conseguiu fazer um curso superior. No entanto nunca teve confiança em si. Como os outros sempre o desvalorizaram, o Manuel não era capaz de se valorizar. Com efeito, ninguém é capaz de gostar de si antes de alguém o ter valorizado. A nossa auto-estima acontece na medida em que os outros nos valorizaram e apreciaram.
Pouco a pouco, o Manuel foi inventando comportamentos e recursos para se defender e proteger, mas sempre considerando-se como alguém inferior aos outros. Antes de agir estuda minuciosamente todas as possibilidades de não falhar. Isto desgasta-o e bloqueia enormemente as suas possibilidades de render. Não falha, mas também não cria, pois é incapaz de aventurar ou correr um risco, por mínimo que seja.
As suas limitações tornaram-no notado e foram causa de humilhações. Hoje, o Manuel, sente horror a assumir qualquer comportamento que dê nas vistas. Isto fá-lo anular-se constantemente. Arranja sempre maneira de agir de modo a não ser notado. Somos seres estruturados em reciprocidade relacional. O juízo que os outros fazem Acerca de nós condiciona e molda o juízo que fazemos a nosso respeito. Amamo-nos segundo fomos amados e estimados pelos outros.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias
O texto completo está publicado como Relações e Estruturação Pessoal em O Homem no Projecto de Deus
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