I. A Arte de Amar
Apesar de não serem coisas más, o ter (dinheiro), o poder, e o prazer não são a fonte da felicidade. De facto são estes os três princípios dinamizadores da vida animal. Nos animais este princípio funciona sob o domínio da selva: o mais forte demarca o seu território e expulsa todos os rivais. É a afirmação do seu ter: este território é meu. Afirma igualmente o seu poder impedindo que os seus rivais tenham convívio sexual com as fêmeas que ele controla no seu território.
Na lei da selva, o animal afirma o seu poder defendendo o seu harém e mantendo-o só para si. Do mesmo modo utiliza a fêmeas do seu território bem como as fontes de alimentação como fonte de prazer apenas para si. Por outras palavras, a lei da selva é violenta. Assenta sobre a dinâmica permanente do egoísmo. Tem apenas uma excepção que é a doação aos filhos. A ternura da corte nem chega a ser uma excepção, pois a sua finalidade é obter o prazer sem qualquer preocupação pela felicidade da fêmea. Há muitos casos onde a fêmea chega a ficar muito maltratada.
O ser humano, pelo contrário, está chamado a humanizar a vida mediante o amor. O amor é uma dinâmica que tem como origem a pessoa e como meta a reciprocidade da comunhão. Na lei da selva domina o mais forte, maltratando ou matando o que se impõe ao seu domínio.
A lei do amor representa um salto de qualidade, pois o ser humano, mediante o amor, é convidado a pôr o ter ao serviço da comunhão amorosa, bem como a utilizar o poder ao serviço da fraternidade e o prazer ao serviço do amor. O evangelho afirma de modo muito claro que a vocação fundamental do Homem consiste no seu chamamento a realizar-se mediante o amor.
Como vemos, o ter, o poder e o prazer são profundamente ambíguos. Não são realidades essencialmente más, pois são dinamismos fundamentais da vida que podem moldados e postos ao serviço da comunhão amorosa.
Jesus Cristo afirmou de modo muito claro que a fonte da realização humana e da felicidade é o amor, o qual não é nunca ambíguo. Amar não é uma questão de meras intenções. Pressupõe sempre a decisão de agir em benefício do outro. O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Conduz à eleição do outro como alvo de bem-querer. Implica pedir perdão quando magoamos e perdoar quando somos magoados.
O amor implica estar presente nas horas difíceis, sobretudo quando o outro é incompreendido e humilhado. Assenta na cooperação fraterna e não na concorrência ou na competição que pretende constantemente suplantar o outro. Amar é ajudar o outro a gostar de si, valorizando as suas realizações e empenhamentos. É ajudar o outro a superar a solidão, bem como a suportar os fardos pesados com que a vida, por vezes, nos carrega. É também facilitar o amadurecimento do outro, dando-lhe oportunidades para se realizar como pessoa livre, consciente e responsável.
A pessoa que ama deixa desabrochar o melhor das possibilidades do outro. Um ovo de galinha fecundado está cheio de possíveis está cheio de possíveis, os quais ainda não são reais. Para que essas possibilidades dêem pintainho temos de sujeitar o ovo a uma temperatura de trinta e seis graus que é a temperatura da galinha choca ou da chocadeira. Se estrelamos esse ovo estamos a impedir que esses possíveis se realizam.
Assim também acontece com a pessoa humana. Cada ser humano está cheio de possíveis. Na verdade cada ser humano está cheio de possibilidades para se realizar como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa. Mas para realizar esses possíveis, a pessoa precisa de se relacionar amorosamente com os outros.
De facto, precisamos dos outros para que o melhor dos nossos possíveis possam emergir. Quando nos recusamos a amar os irmãos estamos a estrelar o ovo dos seus possíveis, impedindo que a sua interioridade espiritual possa emergir e robustecer-se. O nosso amor possibilita a realização e felicidade do outro. O amor do outro possibilita a nossa realização e felicidade. A pessoa que ama está a dar e facilitar ao outro a descoberta de sentidos e razões para viver de modo empenhado e feliz.
Amar é também saber calar quando se está magoado, esperando o dia seguinte para dialogar serenamente. É acreditar na rectidão de intenções do outro enquanto não se provar o contrário. Amar é não ter a pretensão de ser a única pessoa com opiniões válidas. É também caminhar para a convergência, mediante o diálogo e não para a oposição que gera violência e mal-estar.
Amar e dispormo-nos a confrontar as nossas opiniões com as do outro, apesar e sabermos que ele vê as coisas de modo diferente. Amar é ser capaz de escolher como tema de conversa e passatempo assuntos do interesse do outro. É também estar atento e saber calar-se quando compreende que a conversa está a cansar o outro.
Amar é cultivar a arte de descobrir as qualidades do outro, recusando-se a girar obsessivamente em volta dos seus defeitos. A disponibilidade para acolher e escutar é mais importante do que dar presentes para nos vermos livres da presença do outro.
Amar é esforçar-se por aceitar as diferenças, sabendo que o outro nunca pode ser uma cópia sua. A melhor maneira de mutilarmos uma pessoa é pretendermos fazer dela uma cópia de nós mesmos. Quando uma pessoa pretende que o outro seja uma cópia de si, está a amar-se a si e não ao outro. É grande prova de amor e maturidade deixar que o outro cresça na sua originalidade, ajudando-o a descobrir as suas qualidades pessoais.
Ama mais quem dá o primeiro passo no sentido da reconciliação. Foi assim que Deus agiu para connosco em Jesus Cristo. Dar ao outro uma nova oportunidade é a expressão da verdadeira gratuidade amorosa.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias
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