O Casal como Alicerce da Família


I. A Arte de Amar
II. Interrogações para testar o Amor Matrimonial
III. Crises de Crescimento Matrimonial


I. A Arte de Amar

Apesar de não serem coisas más, o ter (dinheiro), o poder, e o prazer não são a fonte da felicidade. De facto são estes os três princípios dinamizadores da vida animal. Nos animais este princípio funciona sob o domínio da selva: o mais forte demarca o seu território e expulsa todos os rivais. É a afirmação do seu ter: este território é meu. Afirma igualmente o seu poder impedindo que os seus rivais tenham convívio sexual com as fêmeas que ele controla no seu território.

Na lei da selva, o animal afirma o seu poder defendendo o seu harém e mantendo-o só para si. Do mesmo modo utiliza a fêmeas do seu território bem como as fontes de alimentação como fonte de prazer apenas para si. Por outras palavras, a lei da selva é violenta. Assenta sobre a dinâmica permanente do egoísmo. Tem apenas uma excepção que é a doação aos filhos. A ternura da corte nem chega a ser uma excepção, pois a sua finalidade é obter o prazer sem qualquer preocupação pela felicidade da fêmea. Há muitos casos onde a fêmea chega a ficar muito maltratada.

O ser humano, pelo contrário, está chamado a humanizar a vida mediante o amor. O amor é uma dinâmica que tem como origem a pessoa e como meta a reciprocidade da comunhão. Na lei da selva domina o mais forte, maltratando ou matando o que se impõe ao seu domínio.

A lei do amor representa um salto de qualidade, pois o ser humano, mediante o amor, é convidado a pôr o ter ao serviço da comunhão amorosa, bem como a utilizar o poder ao serviço da fraternidade e o prazer ao serviço do amor. O evangelho afirma de modo muito claro que a vocação fundamental do Homem consiste no seu chamamento a realizar-se mediante o amor.

Como vemos, o ter, o poder e o prazer são profundamente ambíguos. Não são realidades essencialmente más, pois são dinamismos fundamentais da vida que podem moldados e postos ao serviço da comunhão amorosa.

Jesus Cristo afirmou de modo muito claro que a fonte da realização humana e da felicidade é o amor, o qual não é nunca ambíguo. Amar não é uma questão de meras intenções. Pressupõe sempre a decisão de agir em benefício do outro. O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Conduz à eleição do outro como alvo de bem-querer. Implica pedir perdão quando magoamos e perdoar quando somos magoados.

O amor implica estar presente nas horas difíceis, sobretudo quando o outro é incompreendido e humilhado. Assenta na cooperação fraterna e não na concorrência ou na competição que pretende constantemente suplantar o outro. Amar é ajudar o outro a gostar de si, valorizando as suas realizações e empenhamentos. É ajudar o outro a superar a solidão, bem como a suportar os fardos pesados com que a vida, por vezes, nos carrega. É também facilitar o amadurecimento do outro, dando-lhe oportunidades para se realizar como pessoa livre, consciente e responsável.

A pessoa que ama deixa desabrochar o melhor das possibilidades do outro. Um ovo de galinha fecundado está cheio de possíveis está cheio de possíveis, os quais ainda não são reais. Para que essas possibilidades dêem pintainho temos de sujeitar o ovo a uma temperatura de trinta e seis graus que é a temperatura da galinha choca ou da chocadeira. Se estrelamos esse ovo estamos a impedir que esses possíveis se realizam.

Assim também acontece com a pessoa humana. Cada ser humano está cheio de possíveis. Na verdade cada ser humano está cheio de possibilidades para se realizar como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.  Mas para realizar esses possíveis, a pessoa precisa de se relacionar amorosamente com os outros.

De facto, precisamos dos outros para que o melhor dos nossos possíveis possam emergir. Quando nos recusamos a amar os irmãos estamos a estrelar o ovo dos seus possíveis, impedindo que a sua interioridade espiritual possa emergir e robustecer-se. O nosso amor possibilita a realização e felicidade do outro. O amor do outro possibilita a nossa realização e felicidade. A pessoa que ama está a dar e facilitar ao outro a descoberta de sentidos e razões para viver de modo empenhado e feliz.

Amar é também saber calar quando se está magoado, esperando o dia seguinte para dialogar serenamente. É acreditar na rectidão de intenções do outro enquanto não se provar o contrário. Amar é não ter a pretensão de ser a única pessoa com opiniões válidas. É também caminhar para a convergência, mediante o diálogo e não para a oposição que gera violência e mal-estar. 

Amar e dispormo-nos a confrontar as nossas opiniões com as do outro, apesar e sabermos que ele vê as coisas de modo diferente. Amar é ser capaz de escolher como tema de conversa e passatempo assuntos do interesse do outro. É também estar atento e saber calar-se quando compreende que a conversa está a cansar o outro.

Amar é cultivar a arte de descobrir as qualidades do outro, recusando-se a girar obsessivamente em volta dos seus defeitos. A disponibilidade para acolher e escutar é mais importante do que dar presentes para nos vermos livres da presença do outro.

Amar é esforçar-se por aceitar as diferenças, sabendo que o outro nunca pode ser uma cópia sua. A melhor maneira de mutilarmos uma pessoa é pretendermos fazer dela uma cópia de nós mesmos. Quando uma pessoa pretende que o outro seja uma cópia de si, está a amar-se a si e não ao outro. É grande prova de amor e maturidade deixar que o outro cresça na sua originalidade, ajudando-o a descobrir as suas qualidades pessoais.

Ama mais quem dá o primeiro passo no sentido da reconciliação.  Foi assim que Deus agiu para connosco em Jesus Cristo. Dar ao outro uma nova oportunidade é a expressão da verdadeira gratuidade amorosa.

II. Interrogações Para Testar o Amor Matrimonial

*Tenho consciência de que a aliança que nos une é sagrada, pois é querida e abençoada por Deus? 
*Tenho presente que, para conseguir esta meta, é fundamental ser amável?
*Penso a sério na importância fundamental do perdão e da reconciliação, sabendo que não há casais perfeitos?

*Procuro honrar o companheiro/a que Deus me deu, concedendo-lhe muitas vezes a primazia?
*Procuro Tomar atitudes e gestos adequados para fazer crescer a ternura e a comunhão entre nós?
*Procuro ser verdadeiro e fiel nas pequenas coisas, a fim de edificar a grande fidelidade da aliança matrimonial?
*Nos momentos de crise procuro recorrer a Deus, sabendo que ele está tão interessado no sucesso do nosso casamento como nós?

*Tenho consciência de que a oração em casal optimiza a vida e a ternura matrimonial?
*Tenho presente de que o meu azedume e a minha agressividade fazem desabrochar o pior que há no outro?
*Tenho presente que a amabilidade e a doçura fazem emergir o que de melhor existe no coração do meu companheiro/a?
*Tenho consciência de que a pessoa frequentemente atacada se torna um ser magoado, acabando por se pôr à defesa, tornando-se um pessoa azeda e agressiva?
*Recordo com frequência o mandamento de Jesus que nos manda fazer aos outros aquilo que gostarias que eles nos façam (Mt 7, 12)?
*Tenho consciência de que, para destruir a nossa aliança de amor, basta girar cada vez mais à volta de mim mesmo, esquecendo-me do meu companheiro/a?
*Tenho consciência de que todo o esforço feito no sentido de alimentar o diálogo terá uma enorme recompensa?

*Estou minimamente informado sobre questões que são muito importantes para o meu companheiro/a?
*Respeito os interesses do meu companheiro/a, mesmo quando se trata de coisas que não me dizem nada?
*Dou espaço ao meu companheiro/a para poder fazer as suas leituras pessoais ou frequentar a net?
*Quando estou mais tempo com o meu companheiro/a sinto-me calmo e sereno ou estou nervoso?
*Continuo indiferente apesar de haver muito tempo que não fazemos uma paragem para estar juntos, ou sinto desejo de arranjar tempo para nos encontrarmos?
*Quando falamos, a conversa decorre de modo fácil e com espontaneidade, ou parece que as palavras são arrancadas a saca-rolhas?

*Sinto-me confortável quando o meu companheiro/a começa a falar de assuntos mais pessoais e considerados sensíveis (dinheiro, vida íntima, etc.)?
*Adiro com gosto à ideia de um fim-de-semana em conjunto ou tento sempre adiar?
*Quando vejo o meu companheiro preocupado e ansioso procuro ajudar ou coloco-me à margem fazendo de conta que não entendo?
*Quando o meu companheiro/a fala dos seus sentimentos e modos de ver escuto-o/a mesmo que sobre essas coisas eu sinta de modo diferente?
*Procuro analisar as minhas reacções em relação ao meu companheiro/a, sobretudo quando estas foram indelicadas ou agressivas?
*Falamos à vontade sobre as nossas amizades ou é difícil para mim aceitar que o meu companheiro/a tenha amizades no local de trabalho ou no lugar onde pratica desporto, por exemplo?

*Procuramos elaborar, decidir e programar projectos de vida em conjunto?
*Costumo estar atento e ser fiel aos projectos ou programas que elaboramos ou demito-me com facilidade, levando a outra parte a desanimar?
*Procuro ajudar o meu companheiro/a, a fim de que ele se sinta mais amado e apoiado?
*Nos momentos de invoco o socorro de Deus, sabendo que o Espírito Santo está tão interessado no sucesso do nosso casamento como nós?
*Tenho consciência de que a minha vocação para o matrimónio implica dar o melhor de mim para que a minha família seja um lar de pessoas bem amadas?

*Tenho consciência das minhas tendências negativas, a maioria das quais são comuns a todas as pessoas, tais como:
*Tendência a auto enganar-nos.
*Tendência à preguiça e à falta de generosidade no sentido de cooperar nas lides domésticas?
*Tendências a olhar demasiado para mim, levando-me muitas vezes a girar à volta dos meus interesses.
*Tendência para desanimar e me demitir face às mais pequenas adversidades.
*Tendência a acreditar que já sei tudo.
*Tendência a querer mudar a vida dos outros, mas sem fazer qualquer esforço sério no sentido de mudar a minha própria vida?


III. Crises de Crescimento Matrimonial
 
Não há crescimento sem crises. O importante é solucioná-las e ultrapassá-las bem. A situação de crise é sempre um momento de confusão e obscuridade. É importante, nestes momentos difíceis, falar com uma pessoa honesta e matura pode ser uma excelente ajuda. Procurar analisar a situação de modo objectivo, isto é, ver as coisas como se de outra pessoa se tratasse é também um bom caminho.

O casal que está a passar por uma crise deve saber que essa crise, se for bem solucionada, vai conduzir a novos limiares de maturidade e crescimento dos esposos, bem como a uma vivência mais feliz da comunhão matrimonial. É importante procurar saídas na linha de uma fidelidade aos talentos pessoais e à continuidade na construção da sua história de amor fecundo.
 
O casal em crise já não cabe no estado anterior de crescimento, mas também ainda não se encontrou na nova etapa que se está abrir na caminhada da sua aliança de amor. É esta a causa da perturbação que acompanha a crise. A pessoa sente-se no vazio. Parece que nada tem interesse nem sabor.
A crise pode ser só de um dos esposos e ter uma base orgânica, psíquica, espiritual ou moral. Nestes casos a crise tem a ver com a génese da pessoa em si mesma. Neste caso, o outro cônjuge deve estar atento, e ser tolerante e solícito, a fim de ajudar o seu companheiro/a a vencer o problema. Mas pode também ser de tipo matrimonial ou mesmo familiar. Nestes casos o diálogo e a revisão de vida são fundamentais.

A superação correcta da crise é um autêntico parto que possibilita um novo nascimento. Lembremo-nos de que cada ser humano é uma pessoa em construção, tanto a nível pessoal como matrimonial, familiar ou social.

Nos períodos de crise, o casal pode abordar alguém experiente e conhecedor, a fim de encontrar o melhor caminho para continuar a construir a sua aliança de amor. Se os dois estiverem na disposição de continuarem a caminhar em aliança de amor matrimonial, podem estar seguros de que encontraram a rocha firme sobre a qual edificar um futuro com garantia de sucesso.

É uma atitude sensata procurar uma pessoa sábia para nos aconselhar e podermos encontrar a luz adequada para decidirmos de modo acertado. Mas não devemos esperar que sejam os outros a solucionar as nossas crises. Os demais apenas podem ser uma mediação para nos ajudarem a ver o caminho pelo qual temos de continuar a nossa história de realização pessoal e matrimonial.

Quando os esposos descobrem o sentido da crise e a maneira de a ultrapassar, descobriram a chave certa para entrar no novo limiar da sua caminhada de realização matrimonial. As crises, quer pessoais, quer matrimoniais, devem ser tomadas a sério. Uma crise mal solucionada pode provocar derrocadas fatais tanto para a vida da pessoa como para a vida do casal. Não nos esqueçamos que a maturidade é o caminho seguro para a felicidade.  Mas tenhamos presente que a emergência da maturidade é fruto de muitos partos.

Uma vez solucionada a crise, as pessoas entram num novo limiar de maturidade e realização. Sem deixar de ser o mesmo, o casal passa a ser de modo novo. Na verdade o ser humano faz-se, fazendo. Edifica-se, edificando. A nossa identidade pessoal é histórica, isto é, incorpora uma série enorme de renascimentos que se vão sucedendo ao longo da vida. Após o novo nascimento, isto é, depois da crise bem solucionada, as coisas tornam-se claras. As questões que bloqueavam e metiam medo ao casal aparecem como coisas sem importância.

Quanto mais profunda for a realização de uma pessoa ou o crescimento de um casal, mais radicais e profundos são as dúvidas e questões que surgem no momento da crise. Mas também mais profundos são os saltos qualitativos. Para o casal avançado na caminhada de uma aliança de amor, as pequenas coisas já foram respondidas há muito tempo. As que agora vão surgindo são profundas, pois os degraus que é preciso subir levam a patamares nunca antes experimentados. Por outras palavras, quando mais profundos forem os saltos qualitativos do matrimonial mais dolorosos são os partos.

Nestes momentos é importante que os esposos não se esqueçam do diálogo intenso com Deus. O impulso que leva os esposos a saltar o obstáculo da crise provém do Espírito Santo. São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5). Podemos dizer que ele é a ternura de Deus que, com seu jeito maternal, dinamiza as relações de ternura e comunhão amorosa dos esposos.

É o Espírito Santo que confere densidade espiritual aos vínculos amorosos dos casais. O evangelho de São João diz que o que nasce da nasce da carne é carne e o que nasce do Espírito Santo é espírito (Jo 3, 6). O casal cristão deve fazer do Espírito Santo um guia e um conselheiro especial para entender bem a dinâmica do seu amor e da sua comunhão orgânica e fecunda.

Felizes das pessoas e dos casais que tomam a sério as suas crises. Não só atingem uma grande maturidade como se tornam excelentes conselheiros para ajudar os outros a renascer e a superar as respectivas crises.

Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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