a) A Experiência Dolorosa do Divórcio
À luz da Fé Cristã, o matrimónio é um sacramento, isto é, visibiliza, explicita e corporiza uma realidade transcendente. Para São Paulo o matrimónio é um mistério que explicita a união orgânica, dinâmica e fecunda de Cristo com a Igreja (Ef 5, 32). É também uma expressão e um sinal do mistério da realidade de Deus. Na verdade, Deus é uma família de três pessoas.
É esta a razão pela qual o Novo Testamento propõe aos esposos uma aliança de amor até que a morte os separe (1 Cor 7, 39; cf. Mt 5, 32; 19, 10; 1 Cor 7, 9). Para o Novo Testamento, o matrimónio é uma união orgânica, isto é, interactiva, dinâmica e fecunda. Eis a maneira como São Mateus o descreve esta união: “Por esta razão o homem deixará pai e mãe e unindo-se à sua esposa formarão os dois uma só carne. Portanto, já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 5-6).
As propostas do Novo Testamento sobre a indissolubilidade matrimonial não são entendidas como um peso que só serve para dificultar a vida dos cônjuges. Pelo contrário, ao propor a indissolubilidade, o Novo Testamento está a indicar às pessoas o caminho para atingir a plenitude do amor. A indissolubilidade é o caminho para uma fecundidade plena, a via segura para a felicidade do casal e dos seus filhos. Os esposos que tomam a sério a sua aliança matrimonial podem ter a certeza de que Deus está tão empenhado como eles próprios no sucesso do seu projecto de amor.
As pessoas humanas foram criadas à imagem e semelhança de Deus. Eis a razão pela qual estão vocacionadas para a fidelidade amorosa. Como se compreende muito bem, o equilíbrio e a felicidade dos filhos não é alheia a esta proposta do Evangelho.
Esta maneira de compreender a dinâmica do amor, não deve fazer de nós juízes em relação a muitos casamentos falhados de que tenhamos conhecimento. Como sabemos, o mal amado ama com tropeções, bloqueios e cabeçadas. Ora, nós nunca conhecemos plenamente a história de uma pessoa para a poder julgar.
Para que o matrimónio se torne um sucesso de fidelidade e crescimento no amor é importante que os esposos procurem realizar uma série de gestos e atitudes. Eis alguns exemplos:
*Confiança Mútua.
*Uma autêntica devoção um ao outro.
*Integridade e honestidade.
*Ter grande consideração pelo outro.
*Respeito mútuo.
*Tomarem-se a sério um ao outro.
*Aprender a ser rápido em escutar e lento em falar.
*Agradecer frequentemente a Deus o dom do seu companheiro/a.
*Cultivar a estabilidade emocional.
*Estar atentos, a fim de resolver rapidamente as tensões e crises que vão surgindo ao longo do percurso.
*Escuta da Palavra de Deus e do Espírito Santo, o qual está tão empenhado no sucesso de uma aliança matrimonial como os próprios esposos.
*Estarem conscientes de que o sucesso do seu matrimónio é um grande meio de santificação, pois trata-se da vivência de um sacramento.
Ao lermos São Paulo, pode dar-nos a impressão de que ele não valorizava muito o matrimónio como um dos principais caminhos de santificação. Mas a verdade é outra: São Paulo estava convencido de que o fim da história humana estava para acontecer muito em breve. Ele esperava ainda estar vivo quando o Senhor Jesus viesse para pôr fim à história humana.
Eis as suas palavras a este respeito: “Vou revelar-vos um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados. Naquele instante, num abrir e fechar de olhos, quando se fizer ouvir o som da trombeta final, pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós, os vivos, seremos transformados” (1 Cor 15, 51-52).
Eis a razão pela qual ele não valoriza muito o matrimónio. De facto, se o fim da História está a chegar já não vale a pena casar. Já não há tempo para criar os filhos nem para chegar muito longe no crescimento amoroso. Eu penso, diz ele, que seria melhor cada qual permanecer no estado em que foi chamado ao Evangelho.
No entanto, acrescenta, não fiquem a pensar que é pecado casar (1 Cor 7, 28). Além disso, diz o Apóstolo, se o celibato é difícil para vós, então casai-vos. É melhor casar-se do que abrasar-se (1 Cor 7,9). A primeira carta a Timóteo chama a atenção e previne os cristãos, a de não se deixarem influenciar por alguns que vão aparecer proibindo o casamento e o consumo de certos alimentos. Estes não vivem a verdade de Deus, acrescenta São Paulo, pois o Senhor santificou todas as realidades (1 Tm 4, 3-4). São Paulo estava a prevenir os cristãos para não aderirem à moral pagã dos estóicos. A visão negativa que a Igreja adoptou face à sexualidade deve-se à influência desta moral estóica, a qual nada tem a ver com a visão bíblica.
Podemos dizer que uma família feliz e realizada é o melhor sinal para explicitar a realidade do Céu, isto é, da Família Universal de Deus. Ao mesmo também podemos acrescentar que não há melhor sinal para exprimir a realidade do inferno do que uma família onde o amor morreu.
Os esposos vivem totalmente isolados. De tal modo vivem separados e cada qual fechado em si que já não podem olhar-se nos olhos. O facto de dormirem na mesma cama é um tormento, pois já morreu a ternura, a seiva que faz crescer a comunhão amorosa. Se comunicam algo, logo vem a agressividade, a injúria e a desconsideração.
Perante esta vivência dolorosa, os filhos, apesar do divórcio dos pais ser muito penoso para eles, reconhecem que é preferível a separação. Podíamos dizer que, em muitos casos, o divórcio é um mal menor, isto é, seria pior ainda continuarem juntos. Dizer mal menor significa que o divórcio, em si, não é um bem e muito menos quando há filhos. Mas a situação de inferno é ainda pior.
Todos os estudos e investigações confirmam que os filhos que vivem numa família harmoniosa com os dois pais são mais felizes e conseguem uma realização mais satisfatória. Não pensemos que o divórcio resolve todos os problemas. Pelo contrário, cria problemas novos, sobretudo quando os filhos são ainda crianças ou adolescentes.
Há muitos cônjuges cristãos, esposa ou marido, que se desgastam, interrogando-se sobre se devem ou não separar-se. Esta questão diz respeito às duas partes. Uma parte não pode decidir tudo. Eis algumas interrogações que talvez possam ajudar a ultrapassar essas dúvidas e ansiedade desgastante:
*Até que ponto agiu de modo a melhorar a sua vida matrimonial?
*Sente que não esteve na origem da degradação das relações conjugais?
*Tem um desejo sincero de mudar esta situação, dando origem a uma nova história viva de amor com o seu companheiro/a?
*Fez tudo para que o casal dialogasse com alguém com competência para ajudar?
*Escutou atentamente as sugestões tomando-as a sério, no sentido de agir segundo os conselhos que vos foram dados?
*Já se interrogou sobre se realmente deseja fugir do companheiro/a ou se anda a fugir de si mesmo? De facto há pessoas frustradas que não conseguem realizar-se de modo satisfatório e que passam a vida a fugir de si. Se sente que a causa principal está neste frustração pessoal, antes de tomar um decisão tão séria como esta procure ajuda junto de um psicólogo ou um conselheiro matrimonial.
*Sente que fez tudo o que estava ao seu alcance para que o seu matrimónio atingisse a meta que desejava?
*Já tirou o tempo suficiente para meditar sobre a situação do seu casamento e analisar as razões da sua decisão?
Em relação aos filhos é importante agir de modo a traumatizá-los o menos possível. Eis algumas sugestões para a actuação dos pais junto das crianças:
*Se possível, comuniquem em conjunto às crianças a vossa decisão de se divorciarem.
*Respondam com honestidade às perguntas dos filhos. Omitam apenas as questões mais delicadas e íntimas, na medida em que as crianças não ponham essas questões.
*Sublinhem com muita clareza de que eles (os filhos), não são os culpados desta decisão dolorosa.
*Assegurem-lhes que os dois gostam deles e que vão continuar a cuidar deles.
*O casal deve elaborar um plano que dê aos filhos a possibilidade de continuarem a encontrar-se e conviver com os dois pais.
*Não discutam a questão da posse das crianças na frente delas. Elas só devem saber disto depois de a solução ter sido dialogada, amadurecida e decidida pelo casal.
*Evite pôr os filhos contra o seu companheiro/a.
*Não comunique aos filhos apreciações negativas em relação à outra parte, a fim de não mutilar a afectividade dos seus filhos, pois eles precisam tanto do amor paternal como do amor maternal para se estruturarem de modo equilibrado.
*Não se esqueça de que as crianças precisam de tempo para assumir a perda do agregado familiar, tal como você precisa de paciência para os ajudar a integrar e gerir esta experiência.
*Lembre-se de que as crianças não têm culpa de que os seus pais se estejam a divorciar.
*Recorde-se de que os filhos têm uma forte sensação de incapacidade, face a uma situação que eles não podem inverter.
*Para bem dos filhos, o pai e a mãe devem continuar a estar muito envolvidos na vida das crianças.
*Devem ter consciência de que a vida dos filhos vai mudar bastante com o acontecimento do divórcio.
*Tomando consciência das consequências negativas desta mudança, melhor pode agir no sentido de as minorar.
*Quando os pais se sintam em desacordo sobre as questões da sua separação, não pretendam que os filhos se ponham do lado de um ou outro.
*Quando sentirem que os filhos estão deprimidos ou em stress, procurem dispensar-lhes tempo e escutá-los.
*Os pais digam aos filhos adolescentes que o seu divórcio não é um segredo e, portanto, eles podem, se assim quiserem, desabafar sobre isto com os seus amigos. Isto aliviar-lhes-à o stress e a ansiedade
Podemos resumir tudo isto nas seguintes palavras: não é possível consumar o divórcio sem que isso traga perturbações significativas para os esposos e sobretudo para os filhos. Os esposos que se vão divorciar devem fazer tudo para diminuir o sofrimento dos filhos, pois estes não têm culpa do que está a acontecer.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias
Sem comentários:
Enviar um comentário