a) A Experiência Dolorosa do Divórcio
b) Maus-tratos e Marginalidade Infantil
c) Relações Familiares Não Satisfatórias
d) Alterações e Problemas dos Adolescentes
e) Deus e o Homem como Mistério de Relações
b) Maus-tratos e Marginalidade Infantil
c) Relações Familiares Não Satisfatórias
d) Alterações e Problemas dos Adolescentes
e) Deus e o Homem como Mistério de Relações
a) A Experiência Dolorosa do Divórcio
À luz da Fé Cristã, o matrimónio é um sacramento, isto é, visibiliza, explicita e corporiza uma realidade transcendente. Para São Paulo o matrimónio é um mistério que explicita a união orgânica, dinâmica e fecunda de Cristo com a Igreja (Ef 5, 32). É também uma expressão e um sinal do mistério da realidade de Deus. Na verdade, Deus é uma família de três pessoas.
É esta a razão pela qual o Novo Testamento propõe aos esposos uma aliança de amor até que a morte os separe (1 Cor 7, 39; cf. Mt 5, 32; 19, 10; 1 Cor 7, 9). Para o Novo Testamento, o matrimónio é uma união orgânica, isto é, interactiva, dinâmica e fecunda. Eis a maneira como São Mateus o descreve esta união: “Por esta razão o homem deixará pai e mãe e unindo-se à sua esposa formarão os dois uma só carne. Portanto, já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 5-6).
As propostas do Novo Testamento sobre a indissolubilidade matrimonial não são entendidas como um peso que só serve para dificultar a vida dos cônjuges. Pelo contrário, ao propor a indissolubilidade, o Novo Testamento está a indicar às pessoas o caminho para atingir a plenitude do amor. A indissolubilidade é o caminho para uma fecundidade plena, a via segura para a felicidade do casal e dos seus filhos. Os esposos que tomam a sério a sua aliança matrimonial podem ter a certeza de que Deus está tão empenhado como eles próprios no sucesso do seu projecto de amor.
As pessoas humanas foram criadas à imagem e semelhança de Deus. Eis a razão pela qual estão vocacionadas para a fidelidade amorosa. Como se compreende muito bem, o equilíbrio e a felicidade dos filhos não é alheia a esta proposta do Evangelho.
Esta maneira de compreender a dinâmica do amor, não deve fazer de nós juízes em relação a muitos casamentos falhados de que tenhamos conhecimento. Como sabemos, o mal amado ama com tropeções, bloqueios e cabeçadas. Ora, nós nunca conhecemos plenamente a história de uma pessoa para a poder julgar.
Para que o matrimónio se torne um sucesso de fidelidade e crescimento no amor é importante que os esposos procurem realizar uma série de gestos e atitudes. Eis alguns exemplos:
*Confiança Mútua.
*Uma autêntica devoção um ao outro.
*Integridade e honestidade.
*Ter grande consideração pelo outro.
*Respeito mútuo.
*Tomarem-se a sério um ao outro.
*Aprender a ser rápido em escutar e lento em falar.
*Agradecer frequentemente a Deus o dom do seu companheiro/a.
*Cultivar a estabilidade emocional.
*Estar atentos, a fim de resolver rapidamente as tensões e crises que vão surgindo ao longo do percurso.
*Escuta da Palavra de Deus e do Espírito Santo, o qual está tão empenhado no sucesso de uma aliança matrimonial como os próprios esposos.
*Estarem conscientes de que o sucesso do seu matrimónio é um grande meio de santificação, pois trata-se da vivência de um sacramento.
Ao lermos São Paulo, pode dar-nos a impressão de que ele não valorizava muito o matrimónio como um dos principais caminhos de santificação. Mas a verdade é outra: São Paulo estava convencido de que o fim da história humana estava para acontecer muito em breve. Ele esperava ainda estar vivo quando o Senhor Jesus viesse para pôr fim à história humana.
Eis as suas palavras a este respeito: “Vou revelar-vos um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados. Naquele instante, num abrir e fechar de olhos, quando se fizer ouvir o som da trombeta final, pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós, os vivos, seremos transformados” (1 Cor 15, 51-52).
Eis a razão pela qual ele não valoriza muito o matrimónio. De facto, se o fim da História está a chegar já não vale a pena casar. Já não há tempo para criar os filhos nem para chegar muito longe no crescimento amoroso. Eu penso, diz ele, que seria melhor cada qual permanecer no estado em que foi chamado ao Evangelho.
No entanto, acrescenta, não fiquem a pensar que é pecado casar (1 Cor 7, 28). Além disso, diz o Apóstolo, se o celibato é difícil para vós, então casai-vos. É melhor casar-se do que abrasar-se (1 Cor 7,9). A primeira carta a Timóteo chama a atenção e previne os cristãos, a de não se deixarem influenciar por alguns que vão aparecer proibindo o casamento e o consumo de certos alimentos. Estes não vivem a verdade de Deus, acrescenta São Paulo, pois o Senhor santificou todas as realidades (1 Tm 4, 3-4). São Paulo estava a prevenir os cristãos para não aderirem à moral pagã dos estóicos. A visão negativa que a Igreja adoptou face à sexualidade deve-se à influência desta moral estóica, a qual nada tem a ver com a visão bíblica.
Podemos dizer que uma família feliz e realizada é o melhor sinal para explicitar a realidade do Céu, isto é, da Família Universal de Deus. Ao mesmo também podemos acrescentar que não há melhor sinal para exprimir a realidade do inferno do que uma família onde o amor morreu.
Os esposos vivem totalmente isolados. De tal modo vivem separados e cada qual fechado em si que já não podem olhar-se nos olhos. O facto de dormirem na mesma cama é um tormento, pois já morreu a ternura, a seiva que faz crescer a comunhão amorosa. Se comunicam algo, logo vem a agressividade, a injúria e a desconsideração.
Perante esta vivência dolorosa, os filhos, apesar do divórcio dos pais ser muito penoso para eles, reconhecem que é preferível a separação. Podíamos dizer que, em muitos casos, o divórcio é um mal menor, isto é, seria pior ainda continuarem juntos. Dizer mal menor significa que o divórcio, em si, não é um bem e muito menos quando há filhos. Mas a situação de inferno é ainda pior.
Todos os estudos e investigações confirmam que os filhos que vivem numa família harmoniosa com os dois pais são mais felizes e conseguem uma realização mais satisfatória. Não pensemos que o divórcio resolve todos os problemas. Pelo contrário, cria problemas novos, sobretudo quando os filhos são ainda crianças ou adolescentes.
Há muitos cônjuges cristãos, esposa ou marido, que se desgastam, interrogando-se sobre se devem ou não separar-se. Esta questão diz respeito às duas partes. Uma parte não pode decidir tudo. Eis algumas interrogações que talvez possam ajudar a ultrapassar essas dúvidas e ansiedade desgastante:
*Até que ponto agiu de modo a melhorar a sua vida matrimonial?
*Sente que não esteve na origem da degradação das relações conjugais?
*Tem um desejo sincero de mudar esta situação, dando origem a uma nova história viva de amor com o seu companheiro/a?
*Fez tudo para que o casal dialogasse com alguém com competência para ajudar?
*Escutou atentamente as sugestões tomando-as a sério, no sentido de agir segundo os conselhos que vos foram dados?
*Já se interrogou sobre se realmente deseja fugir do companheiro/a ou se anda a fugir de si mesmo? De facto há pessoas frustradas que não conseguem realizar-se de modo satisfatório e que passam a vida a fugir de si. Se sente que a causa principal está neste frustração pessoal, antes de tomar um decisão tão séria como esta procure ajuda junto de um psicólogo ou um conselheiro matrimonial.
*Sente que fez tudo o que estava ao seu alcance para que o seu matrimónio atingisse a meta que desejava?
*Já tirou o tempo suficiente para meditar sobre a situação do seu casamento e analisar as razões da sua decisão?
Em relação aos filhos é importante agir de modo a traumatizá-los o menos possível. Eis algumas sugestões para a actuação dos pais junto das crianças:
*Se possível, comuniquem em conjunto às crianças a vossa decisão de se divorciarem.
*Respondam com honestidade às perguntas dos filhos. Omitam apenas as questões mais delicadas e íntimas, na medida em que as crianças não ponham essas questões.
*Sublinhem com muita clareza de que eles (os filhos), não são os culpados desta decisão dolorosa.
*Assegurem-lhes que os dois gostam deles e que vão continuar a cuidar deles.
*O casal deve elaborar um plano que dê aos filhos a possibilidade de continuarem a encontrar-se e conviver com os dois pais.
*Não discutam a questão da posse das crianças na frente delas. Elas só devem saber disto depois de a solução ter sido dialogada, amadurecida e decidida pelo casal.
*Evite pôr os filhos contra o seu companheiro/a.
*Não comunique aos filhos apreciações negativas em relação à outra parte, a fim de não mutilar a afectividade dos seus filhos, pois eles precisam tanto do amor paternal como do amor maternal para se estruturarem de modo equilibrado.
*Não se esqueça de que as crianças precisam de tempo para assumir a perda do agregado familiar, tal como você precisa de paciência para os ajudar a integrar e gerir esta experiência.
*Lembre-se de que as crianças não têm culpa de que os seus pais se estejam a divorciar.
*Recorde-se de que os filhos têm uma forte sensação de incapacidade, face a uma situação que eles não podem inverter.
*Para bem dos filhos, o pai e a mãe devem continuar a estar muito envolvidos na vida das crianças.
*Devem ter consciência de que a vida dos filhos vai mudar bastante com o acontecimento do divórcio.
*Tomando consciência das consequências negativas desta mudança, melhor pode agir no sentido de as minorar.
*Quando os pais se sintam em desacordo sobre as questões da sua separação, não pretendam que os filhos se ponham do lado de um ou outro.
*Quando sentirem que os filhos estão deprimidos ou em stress, procurem dispensar-lhes tempo e escutá-los.
*Os pais digam aos filhos adolescentes que o seu divórcio não é um segredo e, portanto, eles podem, se assim quiserem, desabafar sobre isto com os seus amigos. Isto aliviar-lhes-à o stress e a ansiedade
Podemos resumir tudo isto nas seguintes palavras: não é possível consumar o divórcio sem que isso traga perturbações significativas para os esposos e sobretudo para os filhos. Os esposos que se vão divorciar devem fazer tudo para diminuir o sofrimento dos filhos, pois estes não têm culpa do que está a acontecer.
b) Maus-tratos e Marginalidade Infantil
É alarmante o número de casos de crianças maltratadas em todo o mundo. Estes casos são melhor registados e estudados nos países desenvolvidos. O Centro Nacional Sobre o Abuso e Negligência de Crianças dos Estados Unidos registou 970.000 casos de crimes violentos cometidos contra criança só no ano de 1996. Cerca de cinco mil crianças ou adolescentes morrem cada ano em virtude de maus-tratos ou abusos levados a cabo por pais ou vigilantes sobre crianças.
Um estudo realizado na Escócia demonstrou que no ano 2.000 cerca de 100.000 crianças escocesas foram maltratadas ou vítimas de abusos nas famílias. O mesmo estudo declara que 80 crianças escocesas, em cada dia, se tornam pessoas sem abrigo. A violência em casa, as drogas, a prepotência e a falta de estima familiar são as principais causas geradoras da infelicidade das crianças. Em cada ano 123.000 crianças e adolescentes são presos por crimes violentos nos Estados Unidos. Em 1998 morreram em média 16 crianças ou jovens por dia, atingidas com armas de fogo.
Estudos efectuados sobre violadores, e outros criminosos graves revelam que, na sua maioria, estas pessoas foram vítimas de violações, abusos sexuais e espancamentos quando eram crianças. Um estudo levado a cabo com 26 homicidas numa cadeia dos Estados Unidos demonstrou que todos eles foram maltratados quando eram crianças. É até possível que muitos deles tenham sofrido lesões cerebrais significativas. Se os abusos graves causam comportamentos anti-sociais tão graves, podemos deduzir que mesmo os maus-tratos menos graves afectarão a vida das crianças e o seu comportamento mais tarde.
Diversos estudos sobre crianças vítimas de maus-tratos encontram frequentemente uma relação entre maus-tratos e um baixo QI, juntamente com comportamentos delinquentes na fase da adolescência, criminalidade na fase de adulto, bem como conflitos e abusos a nível do matrimónio. Mas temos de reconhecer que, no meio destes casos há muitas excepções, isto é, pessoas que conseguiram estruturar-se de modo mais ou menos equilibrado.
Muitos casos de crianças que foram vítimas de abusos sexuais ou maus-tratos infantis mostram, sobretudo, problemas graves a nível comportamental, perturbações psíquicas que necessitam de atendimento psiquiátrico na adolescência. Na fase adulta estas pessoas tornam-se dependentes de drogas ou álcool.
É urgente trabalhar para melhorar a saúde mental das nossas sociedades, motivando os pais no sentido de mudar o castigo corporal por outra forma de disciplina. Com efeito, parece ser cada vez maior a relação entre adultos depressivos e maus-tratos ou espancamentos sofridos quando estes adultos eram crianças.
A depressão, nestes casos, não é mais que uma consequência da raiva sentida pela criança devido aos maus-tratos. Como eram impotentes para projectar essa agressividade e raiva contra os autores dos maus-tratos, orientaram inconscientemente toda essa agressividade contra si. O inconsciente funcionou como o repositório do desejo de vingança provocado pelos maus-tratos que os adultos provocaram à criança. A antiga raiva, portanto, ficou arquivada na estrutura psíquica do inconsciente, mas o adulto, agora, orienta-a contra si ou contra terceiros, por vezes contra crianças agindo de forma brutal sem ter motivos aparentes para isso.
É justamente esta falta de motivos evidentes que leva muitos adultos a orientar a raiva inconsciente contra si mesmos. Quando uma pessoa age de forma grave contra outrem sem haver motivos para tal significa que esta pessoa sofre de um grau elevado de perversidade e desequilíbrio comportamental. Quando esta agressividade não é orientada contra outros, a pessoa maltrata-se a si própria. No primeiro caso temos doentes do foro social e jurídico. No segundo, doentes do foro psíquico.
A Universidade de Hampshire realizou um inquérito com 3.000 mães que batiam nas crianças. O inquérito demorou quatro anos a ser realizado (1986-1990) e concluiu o seguinte: as crianças entre os três e os cinco anos que sofriam espancamentos frequentes, passados dois ou três anos exibiam níveis mais elevados de comportamento anti-social como, por exemplo, bater nas outras crianças, ou desafiar os pais, ignorando as suas normas.
É curioso notar que o comportamento que os pais queriam impor aos filhos pelo espancamento, acabava por piorar devido ao mesmo espancamento. Estas crianças espancadas, quatro anos mais tarde, deram provas de ter um QI mais baixo que o comum das crianças da sua idade.
Pelo contrário, quando os pais que em vez de bater procuram explicar as razões e a necessidade de agir em conformidade com a disciplina imposta, facilitam o desenvolvimento do QI e, ao mesmo tempo, disciplinam a criança. Hoje sabe-se que as relações verbais, isto é, o diálogo entre os pais e a criança desenvolvem nela uma grande capacidade de conhecimento e raciocínio. Tenhamos presente que as crianças têm necessidade de ser disciplinadas, mas não espancadas.
c) Relações Familiares Não Satisfatórias
A criança experimenta abandono quando os pais a deixam muito tempo só ou demoram muito a satisfazer as suas necessidades. Esta criança começa deixa de ver os pais como uma ajuda e um apoio eficazes. Em resultado disto sentem-se sós e começam a fechar-se sobre si.
Eis algumas características desenvolvidas pelas crianças que experimentam o abandono:
*Começam a dar a impressão de ser muito independentes, como se não contassem com os pais. No fundo estão a viver a solidão derivada do facto de não verem nos pais um apoio que as atende de modo satisfatório.
*Pede menos vezes ajuda do que a criança que está habituada a ser ajudada de modo rápido e eficaz.
*Experimenta certa dificuldade em brincar com as outras crianças da sua idade.
*É mais agressiva do que o comum das crianças eficazmente atendidas pelos pais.
*Tem mais tendência para bater, empurrar, arranhar e morder os seus companheiros.
*Não grita quando os pais a deixam no jardim infantil e também não exulta de alegria quando estes a vêm buscar.
*Elas percebem que os pais estão ali para a levar. O desinteresse manifestado deriva do facto de os pais não serem um sinal de esperança de que as suas necessidades vão ser eficazmente satisfeitas.
*As crianças com experiência de abandono também não constroem normalmente uma relação de ligação muito forte com as educadoras que cuidam delas.
*Na verdade, o padrão ou o molde fundamental que configura as relações de uma pessoa com as outras é aquele que é modelado em criança na relação com os pais.
Eis alguns dos comportamentos típicos que moldam a experiência de abandono na criança:
*Os pais respondem às necessidades das crianças, mas demoram muito. Como sabemos, a criança não tem capacidade para adiar a satisfação das suas necessidades. Para ela sentir necessidade de uma coisa é igual a uma necessidade que deve ser imediatamente satisfeita. Eis a razão pela qual a demora gera nela desespero e frustração, deixando-a cada vez mais descompensada. Tudo isto faz com que ela deixe de ver nos pais um símbolo de satisfação adequada e, portanto, de alegria.
*Quando a criança está excitada por um motivo qualquer, os pais deixam-na sozinha. Por vezes ouvem-se expressões destas: chora para aí até te fartares.
*Como sente que os pais não respondem de modo satisfatório, a criança aprende a não contar com eles e a arranjar os seus mecanismos de defesa.
Por vezes estes mecanismos são dolorosos para a criança, pois significam que não vale a pena esperar coisas boas dos pais. As crianças que sofrem a experiência de abandono começam a perder o interesse de brincar e não se concentram para ouvir histórias. Estas duas coisas são normalmente as mais importantes para uma criança.
Normalmente as crianças que não tiveram ternura suficiente vão ter piores resultados escolares. Em casos muito graves ganham menos defesas que as outras crianças. É como se a natureza dissesse: não me interessa viver, portanto, não vale a pena lutar.
Os pais podem ter razões pessoais para o seu modo de actuar. Podem até pensar que é assim que se deve proceder, a fim de os filhos não crescerem demasiado caprichosos e mimados. Também podem pensar que é bom adiar a satisfação das suas necessidades, a fim de os filhos aprenderem a bastar-se. Mas é importante saber que esta aprendizagem deve ser feita mais tarde e de modo gradual.
Os educadores devem estar atentos aos comportamentos das crianças que têm a seu cuidado e avisarem os pais de quaisquer sintomas negativos. De facto, ao fazerem o confronto entre os comportamentos das crianças, os educadores podem aperceber-se de coisas que escapam aos pais. Deste modo, os pais podem corrigir, dentro do possível, o modo como se têm vindo a relacionar com os filhos.
Naturalmente que não estou a falar de ambientes familiares onde acontece o espancamento desumano. Neste caso, as crianças, ao verem o fim do dia aproximarem-se começam a sentir o coração oprimido e a alegria a desaparecer totalmente. Para as crianças maltratadas, o pôr-do-sol é um símbolo de angústia e sofrimento, pois é sinal de que os pais estão prestes a voltar para casa.
Quando os pais dão demasiadas provas de insegurança no seu modo de agir e se relacionar com os filhos, geram nestes instabilidade e sentimentos de indefinição. As crianças que se encontram numa situação destas têm a sensação de que as suas necessidades umas vezes são satisfeitas outras vezes não. Em relação aos valores, estas crianças sentem-se inseguras, pois não têm modelos firmes e definidos para imitar. Não nos esqueçamos de que a imitação é um dos principais factores da estruturação psíquica da criança.
Eis alguns traços das crianças que vivem em ambientes inseguros onde não há modelos de comportamento firmes e bem definidos:
*Sentem-se normalmente inseguras e por isso tendem a ser demasiado dependentes.
*Os seus comportamentos são mais infantis do que os comportamentos das outras crianças da sua idade e tendem a ser super emotivas.
*Gritam com muita frequência e facilmente ficam frustradas.
*Procuram constantemente ser o centro das atenções.
*Se vêem que as pessoas não lhes prestam atenção começam a perturbar o ambiente.
Eis alguns comportamentos típicos dos pais que geram insegurança e dependência doentia nas crianças:
*Quando a criança chora, os pais umas vezes atendem outras não.
*Quando a criança tem fome a criança deve ser alimentada, mas é quase certo que estes pais vão tentar alimentá-la quando ela não tem fome.
*Quando está assustada, muitas vezes os pais ignoram-na, outras vezes enchem-na de mimos e atitudes protectoras.
*Quando a criança está excitada com qualquer coisa, os pais não a compreendem a sua excitação ou então respondem com gestos e modos inadequados.
*Quando a criança precisa de respostas claras e seguras, os pais divagam e põem-se a filosofar em vez de dar respostas concisas e claras.
Como vemos, a criança é um barro extremamente sensível. Os primeiros modeladores deste barro são os pais. São eles os forjadores fundamentais que vão configurar os modos desta criança se realizar ou não como pessoa equilibrada e feliz.
d) Alterações e Problemas dos Adolescentes
A situação dos adolescentes e jovens nas nossas sociedades alterou-se profundamente: a entrada na vida activa foi-se atrasando progressivamente. A alteração do estilo familiar também se alterou grandemente. Nas famílias patriarcais em que viviam várias gerações em conjunto desapareceu. Este tipo de família era importante, pois as gerações serviam de suporte e modelo uma às outras.
A fase da adolescência é extremamente importante para a construção da personalidade. Mas, ao mesmo tempo, é um período de grande fragilidade. O adolescente só sente verdadeiramente forte no seu grupo de amigos. As nossas sociedades não oferecem as melhores condições de realização aos adolescentes como, por exemplo, etapas mais significativas de passagem da criança à adolescência e da adolescência à juventude. As sociedades tradicionais ofereciam muito mais seguranças neste aspecto.
Esta indefinição social junto aos atrasos na vida activa, os adolescentes e os jovens sentem-se profundamente inseguros. Por isso estão a aumentar assustadoramente os sofrimentos psíquicos tais como: depressões, tentativas de suicídio, violências, uso de substâncias psicoactivas como drogas pesadas e evasões no mundo da Internet.
É urgente criar um apoio ao nível de assistência social e psíquica para ajudar os adolescentes, a fim de os ajudar no tratamento e, sobretudo, na prevenção de muitos problemas de grande gravidade que os afectam. Era importante desenvolver uma melhor informação das condições fundamentais para a saúde psíquica dos adolescentes. Esta informação podia e devia ser feita nas escolas, dando a palavra aos próprios adolescentes.
É importante que a nível de Estado haja um maior apoio aos pais, a fim de lhes facilitar a sua actividade nada fácil nas nossas sociedades. Este apoio podia ser fornecido nos centros de saúde, como um serviço nacional de prevenção e profilaxia da saúde mental dos adolescentes. O conhecimento é uma arma importante para a pessoa se poder defender. É este o modo de desenvolver uma cultura da responsabilidade, o meio mais eficaz de prevenção da saúde psíquica. Os pais vivem angustiados pela ignorância dos problemas e perigos que pode as pode ameaçar o equilíbrio e o futuro dos seus filhos.
Os pais devem estar atentos ao que se vai passando, embora sem intervenções inoportunas ou inadequadas. De facto, são os pais que testemunham as mudanças que se operam nos adolescentes. Por isso são os melhor situados para tirar ilações.
Ao tentarem assemelhar-se aos adultos, os adolescentes acabam por correr muitos riscos. Os adultos devem estar atentos a isto, ajudando os adolescentes a tomar consciência das motivações destes comportamentos. Sem esta tomada de consciência os adolescentes podem correr riscos cujos perigos são diversos. Caso não se sintam preparados, os pais devem pedir opinião sobre o modo como actuar nestas situações.
É importante criar uma colaboração cada vez mais estreita em o mundo escolar e o meio familiar. Pais e professores podem colaborar e recorrer a pessoas especializadas, a fim de ajudar os adolescentes em dificuldade. Era de grande importância haver nas escolas psicólogos activos e eficazes. Os pais e professores poderiam recorrer ao seu conselho e conduzir para ele os adolescentes com dificuldades. Do mesmo modo, o Estado prestaria um grande serviço às famílias e aos adolescentes oferendo técnicos de aconselhamento familiar ao nível dos centros regionais de saúde, por exemplo.
Também seria bom se existisse uma rede de conselheiros familiares ao nível dos centros regionais de saúde, a quem os pais poderiam recorrer para pedir conselho ou conduzir os seus filhos. Na situação actual, a intervenção dos psicólogos e psiquiatras vem tarde. As pessoas só recorrem a eles após uma longa trajectória de sofrimentos e degradação psíquica. As famílias e os professores recorrem a eles apenas para intervenções de último recurso. Se recorressem aos seus serviços como apoio e ajuda preventiva, certamente se evitariam muitas tentativas de suicídio, acidentes ou refúgio em substâncias psicoactivas.
Grande parte do sofrimento dos adolescentes podia evitar-se caso se conhecessem melhor as suas causas e origens. Mas isto só é possível se houver gente especializada ao serviço das famílias. Sem este serviço, os sofrimentos psíquicos dos adolescentes e jovens irão aumentar em grande escala. É importante existira colaboração entre pais, escola e os diversos técnicos dos serviços de saúde. Uma instância, isolada, não pode resolver adequadamente este problema. A competência, a este nível, pressupõe diálogo e confronto das diversas partes interessadas.
e) Deus e o Homem como Mistério de Relações
Quando comunicamos significativamente com outras pessoas, estamos a estruturar-nos como pessoas. Pouco a pouco, e sem nós darmos por isso, as relações vão criando uma reciprocidade entre nós e os outros. O modo como vemos o outro começa a ser também o modo como ele nos vê a nós. Por outras palavras, do mesmo modo como o outro nos trata nós começamos pouco a pouco a tratá-lo também.
As pessoas, tanto as humanas como as divinas ou quaisquer outras que possam existir estão talhados para a reciprocidade. Isto que dizer que as pessoas se conhecem e possuem na medida em que interagem com as outras. Na relação com as outras pessoas encontramos a nossa pessoa e as outras, na relação connosco, encontram-se e possuem-se.
Mas a dinâmica das relações humanas vai ainda mais longe. Na verdade, nós não só nos encontramos nas relações com os outros, senão que também nos estruturamos psiquicamente. Além disso é ainda através das relações que a nossa realidade espiritual emerge e se robustece. Por outras palavras, as relações humanas são, de facto, a dinâmica que faz emergir e crescer a pessoa na sua identidade fundamental.
Por estar talhada para a reciprocidade e a comunhão, a pessoa não consegue emergir, encontrar-se e possuir-se senão através da pessoa dos outros. É este o mistério do Homem, a emergir e a encontrar a sua plenitude através da dinâmica das relações.
Na verdade, o Homem é realmente um ser criado à imagem e semelhança de Deus. Assim, a primeira pessoa da Santíssima Trindade é Pai, não por ter procriado, mas porque em dinâmica de relações estabelece uma relação paternal com a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Do mesmo modo, a segunda pessoa é Filho, não por ter sido dado à luz, mas porque acolhe em relações o amor do Pai e estabelece uma relação filial como resposta.
Isto quer dizer que é nas relações que a pessoa encontra e possui a sua identidade. Mas as relações só têm este poder de fazer emergir e configurar a identidade pessoal se tiverem a densidade do amor. A densidade do amor de uma pessoa revela-se nas suas relações com os outros. Como sabemos, as pessoas não são evidentes na sua realidade mais profunda, mas revelam-se através das relações.
Quando as relações humanas são fundamentadas no egoísmo, as pessoas encontram-se como seres separados, e competitivos, enroscando-se cada qual para seu lado. A pessoa que se decide de modo incondicional pela vivência de relações fundamentadas no egoísmo estrutura-se de modo gradual, progressivo e irreversível em estado de inferno.
De facto, o inferno é o estado de uma pessoa que decidiu opor-se sistematicamente às relações de amor. Na situação de inferno a pessoa não tem ninguém que lhe diga: “Gosto de ti. Sem ti eu era mais pobre. Dá-me a tua mão e vamos fazer uma festa”. Nas relações de amor, pelo contrário, temos duas pessoas que procuram olhar para além da sua condição de ser único, original e irrepetível para descobrir a unidade orgânica e dinâmica que constitui a base dos seu ser.
Na verdade, cada pessoa é uma concretização da única Humanidade que existe. A Humanidade não existe em abstracto. Não cai das nuvens. Pelo contrário, a única Humanidade que existe emerge no concreto de cada pessoa de modo único, original, irrepetível e capaz de reciprocidade amorosa. Devido a esta capacidade de amar e comungar, a pessoa, na medida em que emerge, converge para a comunhão Universal.
É este o mistério da pessoa que apenas se pode encontrar e possuir na comunhão com os outros. Temos medo de nos perder na dinâmica da comunhão orgânica. Pensamos que, deste modo perdemos a nossa grandeza e glória, acabando por nos enroscarmos na nossa pequenez de ser isolado. Este isolamento impede-nos de nos possuirmos e encontrarmos na nossa riqueza mais profunda.
Nada mais errado, pois a pessoa só é verdadeiramente grande na comunhão. Por outras palavras, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. Se nos pomos a olhar só para nós perdemos o horizonte da nossa verdadeira grandeza, a qual só pode saborear-se na comunhão. É assim a nossa realidade como também a realidade de Deus. A comunhão optimiza a nossa realidade pessoal. Por outras palavras, a comunhão não anula a identidade pessoal, mas optimiza-a e potencia-a.
Aquilo que uma pessoa é atinge a sua plenitude ao realizar aquilo para que ela é. Como sabemos, a pessoa está talhada para o amor. Deus é amor e a pessoa realiza-se na medida em que se constrói à imagem e semelhança de Deus. Deus é Amor infinitamente perfeito e a pessoas humanas são seres em processo de amorização. Por outras palavras, tornamo-nos imagens perfeitas de Deus na medida em que vamos morrendo ao egoísmo e vamos emergindo em dinâmica de amor.
O amor é uma orientação dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Na plenitude da Comunhão do Reino de Deus, as pessoas humanas relacionam-se em amor na medida em que viveram relações de amor enquanto estavam em construção sobre a terra. Na medida em que a pessoa se dá em dinâmica de amor está a construir a sua identidade pessoal, a qual é definitiva e eterna. Por outras palavras, na festa do Reino de Deus todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que tenha treinado agora na terra.
Não há amor sem relações. Quando dizemos que Deus é amor estamos a dizer que Deus é relações de amor e comunhão com uma densidade infinitamente perfeita. O amor é a qualidade máxima das relações interpessoais e comunitárias. É o amor que confere qualidade humanizante às relações humanas. Por outras palavras, as relações fundamentadas no egoísmo são relações desumanizantes.
Deus não nos criou feitos ou acabados. Criou-nos em processo de humanização. O Espírito Santo é a ternura maternal de Deus que, no nosso íntimo, nos inspira e interpela no sentido de nos humanizarmos, a fim de sermos divinizados. É este o sopro divino que, no princípio, Deus insuflou nas nossas narinas como diz a Bíblia (Gn 2, 7).
É esta a intervenção especial de Deus na nossa criação. Foi o Espírito Santo que iniciou na Histórica da Humanidade o impulso da amorização. O Livro do Génesis diz isto com a imagem do sopro primordial de Deus no barro amassado. São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo ilumina-nos e convida-nos a decidir e agir segundo os apelos do amor.
O amor engloba dois movimentos distintos e complementares: Dom e Acolhimento. Mediante o dom de si, a pessoa existe para o outro (princípio Ágape). No acolhimento, a pessoa existe através do outro (princípio Eucarístico). É este o jeito de Deus Pai e Deus Filho se relacionarem. É esta a dinâmica do amor na plenitude do dom e do acolhimento.
Mediante a atitude de doação, a pessoa encanta-se com a outra pelo facto de ela ser diferente. Valoriza essa diferença e entra em comunhão com ela. Na atitude de acolhimento agradecido, a pessoa dispõe-se atingir a plenitude através do outro.
Como vemos, na reciprocidade amorosa as diferenças não são anuladas. Pelo contrário, são optimizadas e plenamente valorizadas. A verdadeira comunhão é sempre uma comunhão de diferenças. Se assim não fosse não podíamos falar de comunhão, mas antes de fusão. Mediante a atitude de doação, a pessoa age de modo a proporcionar a plenitude do outro, dando-se. Mediante a atitude de acolhimento e gratidão, a pessoa encontra a sua felicidade em acolher o dom da outra, aceitando viver por ela na medida em que se sente aceite tal como é.
Calmeiro Matias
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