Família e Relações Traumatizantes (III)




d) Alterações e Problemas dos Adolescentes


A situação dos adolescentes e jovens nas nossas sociedades alterou-se profundamente: a entrada na vida activa foi-se atrasando progressivamente. A alteração do estilo familiar também se alterou grandemente. Nas famílias patriarcais em que viviam várias gerações em conjunto desapareceu. Este tipo de família era importante, pois as gerações serviam de suporte e modelo uma às outras.

A fase da adolescência é extremamente importante para a construção da personalidade. Mas, ao mesmo tempo, é um período de grande fragilidade. O adolescente só sente verdadeiramente forte no seu grupo de amigos. As nossas sociedades não oferecem as melhores condições de realização aos adolescentes como, por exemplo, etapas mais significativas de passagem da criança à adolescência e da adolescência à juventude. As sociedades tradicionais ofereciam muito mais seguranças neste aspecto.

Esta indefinição social junto aos atrasos na vida activa, os adolescentes e os jovens sentem-se profundamente inseguros. Por isso estão a aumentar assustadoramente os sofrimentos psíquicos tais como: depressões, tentativas de suicídio, violências, uso de substâncias psicoactivas como drogas pesadas e evasões no mundo da Internet.

É urgente criar um apoio ao nível de assistência social e psíquica para ajudar os adolescentes, a fim de os ajudar no tratamento e, sobretudo, na prevenção de muitos problemas de grande gravidade que os afectam. Era importante desenvolver uma melhor informação das condições fundamentais para a saúde psíquica dos adolescentes. Esta informação podia e devia ser feita nas escolas, dando a palavra aos próprios adolescentes.

É importante que a nível de Estado haja um maior apoio aos pais, a fim de lhes facilitar a sua actividade nada fácil nas nossas sociedades. Este apoio podia ser fornecido nos centros de saúde, como um serviço nacional de prevenção e profilaxia da saúde mental dos adolescentes. O conhecimento é uma arma importante para a pessoa se poder defender. É este o modo de desenvolver uma cultura da responsabilidade, o meio mais eficaz de prevenção da saúde psíquica. Os pais vivem angustiados pela ignorância dos problemas e perigos que pode as pode ameaçar o equilíbrio e o futuro dos seus filhos.

Os pais devem estar atentos ao que se vai passando, embora sem intervenções inoportunas ou inadequadas. De facto, são os pais que testemunham as mudanças que se operam nos adolescentes. Por isso são os melhor situados para tirar ilações.

Ao tentarem assemelhar-se aos adultos, os adolescentes acabam por correr muitos riscos. Os adultos devem estar atentos a isto, ajudando os adolescentes a tomar consciência das motivações destes comportamentos. Sem esta tomada de consciência os adolescentes podem correr riscos cujos perigos são diversos. Caso não se sintam preparados, os pais devem pedir opinião sobre o modo como actuar nestas situações.

É importante criar uma colaboração cada vez mais estreita em o mundo escolar e o meio familiar. Pais e professores podem colaborar e recorrer a pessoas especializadas, a fim de ajudar os adolescentes em dificuldade. Era de grande importância haver nas escolas psicólogos activos e eficazes. Os pais e professores poderiam recorrer ao seu conselho e conduzir para ele os adolescentes com dificuldades. Do mesmo modo, o Estado prestaria um grande serviço às famílias e aos adolescentes oferendo técnicos de aconselhamento familiar ao nível dos centros regionais de saúde, por exemplo.

Também seria bom se existisse uma rede de conselheiros familiares ao nível dos centros regionais de saúde, a quem os pais poderiam recorrer para pedir conselho ou conduzir os seus filhos. Na situação actual, a intervenção dos psicólogos e psiquiatras vem tarde. As pessoas só recorrem a eles após uma longa trajectória de sofrimentos e degradação psíquica. As famílias e os professores recorrem a eles apenas para intervenções de último recurso. Se recorressem aos seus serviços como apoio e ajuda preventiva, certamente se evitariam muitas tentativas de suicídio, acidentes ou refúgio em substâncias psicoactivas.

Grande parte do sofrimento dos adolescentes podia evitar-se caso se conhecessem melhor as suas causas e origens. Mas isto só é possível se houver gente especializada ao serviço das famílias. Sem este serviço, os sofrimentos psíquicos dos adolescentes e jovens irão aumentar em grande escala. É importante existira colaboração entre pais, escola e os diversos técnicos dos serviços de saúde. Uma instância, isolada, não pode resolver adequadamente este problema. A competência, a este nível, pressupõe diálogo e confronto das diversas partes interessadas.


e) Deus e o Homem como Mistério de Relações

Quando comunicamos significativamente com outras pessoas, estamos a estruturar-nos como pessoas. Pouco a pouco, e sem nós darmos por isso, as relações vão criando uma reciprocidade entre nós e os outros. O modo como vemos o outro começa a ser também o modo como ele nos vê a nós. Por outras palavras, do mesmo modo como o outro nos trata nós começamos pouco a pouco a tratá-lo também.

As pessoas, tanto as humanas como as divinas ou quaisquer outras que possam existir estão talhados para a reciprocidade. Isto que dizer que as pessoas se conhecem e possuem na medida em que interagem com as outras. Na relação com as outras pessoas encontramos a nossa pessoa e as outras, na relação connosco, encontram-se e possuem-se.

Mas a dinâmica das relações humanas vai ainda mais longe. Na verdade, nós não só nos encontramos nas relações com os outros, senão que também nos estruturamos psiquicamente. Além disso é ainda através das relações que a nossa realidade espiritual emerge e se robustece. Por outras palavras, as relações humanas são, de facto, a dinâmica que faz emergir e crescer a pessoa na sua identidade fundamental.

Por estar talhada para a reciprocidade e a comunhão, a pessoa não consegue emergir, encontrar-se e possuir-se senão através da pessoa dos outros. É este o mistério do Homem, a emergir e a encontrar a sua plenitude através da dinâmica das relações.

Na verdade, o Homem é realmente um ser criado à imagem e semelhança de Deus. Assim, a primeira pessoa da Santíssima Trindade é Pai, não por ter procriado, mas porque em dinâmica de relações estabelece uma relação paternal com a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Do mesmo modo, a segunda pessoa é Filho, não por ter sido dado à luz, mas porque acolhe em relações o amor do Pai e estabelece uma relação filial como resposta.

Isto quer dizer que é nas relações que a pessoa encontra e possui a sua identidade. Mas as relações só têm este poder de fazer emergir e configurar a identidade pessoal se tiverem a densidade do amor. A densidade do amor de uma pessoa revela-se nas suas relações com os outros. Como sabemos, as pessoas não são evidentes na sua realidade mais profunda, mas revelam-se através das relações.

Quando as relações humanas são fundamentadas no egoísmo, as pessoas encontram-se como seres separados, e competitivos, enroscando-se cada qual para seu lado. A pessoa que se decide de modo incondicional pela vivência de relações fundamentadas no egoísmo estrutura-se de modo gradual, progressivo e irreversível em estado de inferno.

De facto, o inferno é o estado de uma pessoa que decidiu opor-se sistematicamente às relações de amor. Na situação de inferno a pessoa não tem ninguém que lhe diga: “Gosto de ti. Sem ti eu era mais pobre. Dá-me a tua mão e vamos fazer uma festa”. Nas relações de amor, pelo contrário, temos duas pessoas que procuram olhar para além da sua condição de ser único, original e irrepetível para descobrir a unidade orgânica e dinâmica que constitui a base dos seu ser.

Na verdade, cada pessoa é uma concretização da única Humanidade que existe. A Humanidade não existe em abstracto. Não cai das nuvens. Pelo contrário, a única Humanidade que existe emerge no concreto de cada pessoa de modo único, original, irrepetível e capaz de reciprocidade amorosa. Devido a esta capacidade de amar e comungar, a pessoa, na medida em que emerge, converge para a comunhão Universal.

É este o mistério da pessoa que apenas se pode encontrar e possuir na comunhão com os outros. Temos medo de nos perder na dinâmica da comunhão orgânica. Pensamos que, deste modo perdemos a nossa grandeza e glória, acabando por nos enroscarmos na nossa pequenez de ser isolado. Este isolamento impede-nos de nos possuirmos e encontrarmos na nossa riqueza mais profunda.

Nada mais errado, pois a pessoa só é verdadeiramente grande na comunhão. Por outras palavras, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. Se nos pomos a olhar só para nós perdemos o horizonte da nossa verdadeira grandeza, a qual só pode saborear-se na comunhão. É assim a nossa realidade como também a realidade de Deus. A comunhão optimiza a nossa realidade pessoal. Por outras palavras, a comunhão não anula a identidade pessoal, mas optimiza-a e potencia-a.

Aquilo que uma pessoa é atinge a sua plenitude ao realizar aquilo para que ela é. Como sabemos, a pessoa está talhada para o amor. Deus é amor e a pessoa realiza-se na medida em que se constrói à imagem e semelhança de Deus. Deus é Amor infinitamente perfeito e a pessoas humanas são seres em processo de amorização. Por outras palavras, tornamo-nos imagens perfeitas de Deus na medida em que vamos morrendo ao egoísmo e vamos emergindo em dinâmica de amor.

O amor é uma orientação dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Na plenitude da Comunhão do Reino de Deus, as pessoas humanas relacionam-se em amor na medida em que viveram relações de amor enquanto estavam em construção sobre a terra. Na medida em que a pessoa se dá em dinâmica de amor está a construir a sua identidade pessoal, a qual é definitiva e eterna. Por outras palavras, na festa do Reino de Deus todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que tenha treinado agora na terra.

Não há amor sem relações. Quando dizemos que Deus é amor estamos a dizer que Deus é relações de amor e comunhão com uma densidade infinitamente perfeita. O amor é a qualidade máxima das relações interpessoais e comunitárias. É o amor que confere qualidade humanizante às relações humanas. Por outras palavras, as relações fundamentadas no egoísmo são relações desumanizantes.

Deus não nos criou feitos ou acabados. Criou-nos em processo de humanização. O Espírito Santo é a ternura maternal de Deus que, no nosso íntimo, nos inspira e interpela no sentido de nos humanizarmos, a fim de sermos divinizados. É este o sopro divino que, no princípio, Deus insuflou nas nossas narinas como diz a Bíblia (Gn 2, 7).

É esta a intervenção especial de Deus na nossa criação. Foi o Espírito Santo que iniciou na Histórica da Humanidade o impulso da amorização. O Livro do Génesis diz isto com a imagem do sopro primordial de Deus no barro amassado. São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo ilumina-nos e convida-nos a decidir e agir segundo os apelos do amor.

O amor engloba dois movimentos distintos e complementares: Dom e Acolhimento. Mediante o dom de si, a pessoa existe para o outro (princípio Ágape). No acolhimento, a pessoa existe através do outro (princípio Eucarístico). É este o jeito de Deus Pai e Deus Filho se relacionarem. É esta a dinâmica do amor na plenitude do dom e do acolhimento.

Mediante a atitude de doação, a pessoa encanta-se com a outra pelo facto de ela ser diferente. Valoriza essa diferença e entra em comunhão com ela. Na atitude de acolhimento agradecido, a pessoa dispõe-se atingir a plenitude através do outro.

Como vemos, na reciprocidade amorosa as diferenças não são anuladas. Pelo contrário, são optimizadas e plenamente valorizadas. A verdadeira comunhão é sempre uma comunhão de diferenças. Se assim não fosse não podíamos falar de comunhão, mas antes de fusão. Mediante a atitude de doação, a pessoa age de modo a proporcionar a plenitude do outro, dando-se. Mediante a atitude de acolhimento e gratidão, a pessoa encontra a sua felicidade em acolher o dom da outra, aceitando viver por ela na medida em que se sente aceite tal como é.

Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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