O Pai-Nosso como Síntese do Evangelho



1-O Pai-Nosso e Nova Aliança
2-Pai-Nosso Que Estais no Céu
3-Santificado Seja o Vosso nome
4-Venha a Nós o Vosso Reino
5-Que a Vossa Vontade se Faça
6-O Pão Nosso de Cada Dia Nos Dai Hoje
7-Perdoai-nos as Nossas Ofensas
8-Não Nos Deixeis Cair em Tentação
9-Mas Livrai-nos do Mal


1-O Pai-Nosso e Nova Aliança

Jesus não ensinou o Pai Nosso aos discípulos como uma fórmula para estes repetirem de cor e de modo completo. Ao ensinar o Pai-Nosso aos discípulos, Jesus apenas quis transmitir-lhes um conjunto de ensinamentos, a fim de eles aprenderem a falar com Deus com critérios de Nova Aliança.

Se Jesus quisesse ensinar uma fórmula para os discípulos repetirem de cor e de modo literal, estes tê-la-iam conservado tal qual Jesus a ensinou. Mas não foi isto que aconteceu, pois o Pai-Nosso de Lucas e o de Mateus, têm fórmulas diferentes, embora os seus conteúdos teológicos sejam idênticos (Lc 11, 2-4; Mt 6, 9, 13).

Ao apresentar o Pai-Nosso como critério para orar ao jeito da Nova Aliança, Jesus distanciou-se profundamente dos outros grupos judaicos. O termo “Abba”, Pai ou papá, é original de Jesus. Nenhum judeu seu contemporâneo ousava utilizar este termo nas suas orações. Para a mentalidade judaica do tempo de Jesus, dirigir-se a Deus chamando-o de meu Pai era um comportamento sacrílego, pois não mantinha a distância que deve existir entre o Homem e Deus.

Ao ensinar os discípulos a orar ao seu jeito, Jesus quis demarcar-se dos diversos grupos religiosos existentes, os quais afirmavam a sua identidade cultivando um jeito próprio de orar, a fim de se diferenciarem dos outros grupos. Tanto os fariseus como os saduceus, os essénios ou os discípulos de João Baptista, os mestres ensinavam aos discípulos um modo de orar que fosse diferente, a fim de afirmarem a sua identidade.

O evangelho de São Mateus diz que Jesus, ao ensinar o Pai-Nosso aos discípulos, esta a marcar a diferença dele e dos seus discípulos face aos diferentes grupos existentes, bem como face aos pagãos (Mt 6, 5-8). Ao ensinar o Pai-Nosso aos discípulos, Jesus apenas quis ensinar os discípulos falarem com Deus Pai como um filho fala com um Pai muito querido. Mais tarde, o Espírito Santo ensinará os discípulos a dialogar com Jesus ressuscitado, falando com ele como um irmão dialoga com outro irmão: “O que pedirdes em meu nome eu o farei de modo que, no Filho, se revele a glória do Pai. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome eu a farei” (Jo 14, 13-14).

Com a apresentação do Pai-Nosso, Jesus está a ensinar aos discípulos a dialogar com Deus ao jeito de um diálogo familiar. No Pai-Nosso, Jesus ensina aos discípulos que o conteúdo da sua oração deve ser tudo aquilo que possa interessar a Deus e ao Homem. Estão presentes a vinda do Reino, o amor de Deus por nós, a nossa fragilidade e a necessidade de sermos ajudados para não cairmos na tentação.

Ao ensinar o Pai-Nosso aos discípulos, Jesus quis ensiná-los a falar com Deus tal como ele falava com o seu Pai querido. Por outras palavras, o Pai-Nosso reúne um conjunto de critérios capazes de fazer que a oração dos discípulos se processe em forma de uma oração com sabor a Nova Aliança.

São Paulo diz que todos os que se deixam conduzir pelo Espírito Santo são filhos e herdeiros em relação a Deus Pai e co-herdeiros em relação ao Filho de Deus (Rm 8, 14-17; cf. Gal 4, 4-7). Por outras palavras, ao ensinar o Pai-Nosso aos discípulos, Jesus quis que eles se sentissem membros da Família de Deus.

É como membros da Família que nós devemos dialogar com Deus. É o próprio Espírito Santo que nos convida a orar, introduzindo-nos no próprio diálogo de Deus com seu Filho. Eis alguns aspectos teológicos importantes que a oração do Pai-Nosso nos transmite:

2-Pai-Nosso que Estais no Céu.

O Céu não é um lugar. As coordenadas de Deus são a interioridade máxima do Universo, a universalidade e a omnipresença. Por outras palavras, Deus é mais interior a nós que nós mesmos. Nunca comunica connosco a partir do exterior. Na verdade, o ponto de encontro com Deus é o coração, isto é, o ponto mais nobre da nossa interioridade espiritual. A Divindade é uma comunhão orgânica de três pessoas infinitamente perfeitas.

O Céu, portanto, não é um lugar, mas uma comunhão amorosa. O Céu é a único ponto de encontro que existe desde sempre. Na verdade, ainda o Cosmos não era e já existia o Céu: A reciprocidade amorosa de três pessoas infinitamente perfeitas. Podemos dizer que Deus é uma emergência permanente de três pessoas de perfeição infinita em total convergência de comunhão amorosa.

A bíblia diz que Deus é amor (1 Jo 4, 7). Por outras palavras, Deus pode tudo o que o amor pode realizar, pois Deus é amor omnipotente. No entanto, Deus não pode negar-se a si mesmo e, portanto, não pode nada contra o amor.

Por ser amor, Deus está a exprimir-se sempre de maneira nova. Nunca se repete. Além disso, o amor é essencialmente inventivo e criador. Eis a razão pela qual Deus, ainda antes de ter iniciado a génese criadora do Universo, já era um Deus Criador. O Amor, de facto é criador e inesgotável, pois tem a capacidade de se auto alimentar e, portanto, de nunca se esgotar. Por outras palavras, o amor é sempre novo, pois manifesta-se em atitudes que não se repetem.

Antes do início da marcha criadora, o Céu era uma comunhão amorosa de Três pessoas. Actualmente é uma comunhão de três pessoas divinas, milhões de pessoas humanas e outras que possam existir.

3- Santificado Seja o Vosso Nome 

O nome, na cultura bíblica, significa a pessoa e sua missão. O nome de Deus, portanto, significa a própria realidade divina e o seu modo de agir. Não podemos saber o nome de Deus, pois o Homem não pode esgotar a compreensão do seu ser e agir. Por seu lado, a pessoa humana também tem um nome, pois é um ser chamado.

Na verdade, a pessoa humana encontra-se na vida com um conjunto de talentos, os quais constituem o leque das suas possibilidades de realização. Por outras palavras, a pessoa humana nasce como um ser inacabado, mas vocacionado para se realizar e atingir a sua meta em Deus.

A vocação fundamental da pessoa humana é um apelo a realizar-se de acordo com os talentos que recebe dos outros. Cada pessoa deve responder a este chamamento, procurando ser fiel aos dons que recebeu. As pessoas divinas, pelo contrário, não resultam de um processo histórico como as pessoas humanas.

Eis a razão pela qual não podemos nomear Deus, pois não nos é possível abarcar a sua plenitude. Eis as palavras os Livro do Êxodo: “Deus disse a Moisés: Eu sou aquele que sou” (Ex 3, 14). Moisés entendeu estas palavras como sendo o modo de Deus dizer que o seu jeito de ser é estar sempre a ser sem nunca se repetir.

Portanto, santificar o nome de Deus é reconhecer a sua presença salvadora na marcha da Criação. Deus faz história connosco e acompanha-nos para todo o lado, vamos nós para onde formos. Santificar o nome de Deus é saber que ele não é uma realidade que eu possa manipular através de palavras misteriosas.

4- Venha a Nós o Vosso Reino

Esta foi a grande aspiração do povo Hebreu durante cerca de mil anos. Tudo começou quando o profeta Natã anunciou a David que o Senhor Deus lhe ia suscitar um filho, o qual construiria um templo para Deus e reinaria com grande poder e majestade. Deus prometeu a David adoptar este seu filho como filho de Deus, fazendo que o seu reino permaneça para sempre (2 Sam 7, 12-16).

Durante séculos o povo bíblico suspirou pela vinda do filho de David aguardando a restauração do Reino de David com todo o seu esplendor. Segundo o sonho do profeta Isaías, os povos da terra viriam a Jerusalém procurando a Sabedoria de Deus, trazendo as suas riquezas, fazendo de Jerusalém a capital mais rica do mundo (Is 60, 1-11).

Esta expectativa permaneceu até à vinda de Jesus. Eis as palavras que o anjo comunica a Maria no momento em que lhe comunica que ela vai ser a mãe do Messias: “Disse-lhe o anjo: “Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu Pai David. Reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim” (Lc 1, 30-33).

Era assim que os Apóstolos imaginavam a missão messiânica de Jesus. Jesus não via as coisas deste modo. O Espírito Santo tinha-o feito compreender que a sua missão se orientava num outro sentido bem diferente: Eis o modo como o evangelho de Lucas descreve a descoberta de Jesus:

“Jesus veio a Nazaré onde se tinha criado. Segundo o seu costume entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o deparou com a passagem em que está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista. Enviou-me para libertar os oprimidos e a proclamar um ano favorável do Senhor (…). Começou, então, a dizer-lhes: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4, 18-21).

Ao contrário de Jesus, os Apóstolos esperavam que ele viesse restaurar o reino de David e fazer de Jerusalém a capital mais rica do mundo. Eis a razão pela qual Jesus chama Satanás a Pedro, pois este não entende as coisas segundo Deus, mas sim segundo os critérios dos homens (Mt 16, 23).

Era normal que, perante uma compreensão destas eles aspirassem aos lugares mais importantes na corte messiânica. E foi assim que Tiago e João seu irmão se dirigiram a Jesus pedindo-lhe que lhes cedesse os dois lugares mais importante na corte. Os outros dez, ao verem este comportamento começaram a protestar.

Jesus aproveitou a oportunidade para lhes explicar a sua missão não se encaixava na visão messiânica tradicional, segundo a qual a o Messias seria um rei poderoso. Pelo contrário, diz-lhes Jesus, ele veio para servir e dar a vida pela salvação do mundo (cf. Mc 10, 35-45).

O evangelho de São Lucas tem um texto muito sugestivo sobre o lugar de destaque que os Apóstolos terão no banquete do Reino de Deus. Mas é evidente que estas palavras, na boca de Jesus, não se referiam a um poder de domínio terreno: “Vós permanecestes sempre a meu lado nas minhas provações. Por isso disponho do Reino em vosso favor, como meu Pai dispõe dele em meu favor, a fim de que comais e bebais à minha mesa no meu reino. E haveis de sentar-vos em doze tronos para julgardes as doze tribos de Israel (Lc 22, 28-30).

Após a Ressurreição de Jesus, o Espírito Santo foi conduzindo os discípulos no sentido de estes compreenderem o alcance da missão messiânica de Jesus. Nos finais do século primeiro, o Evangelho de São João já tem uma visão totalmente distinta: “Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazer rei, retirou-se de novo sozinho para o monte” (Jo 6, 15). Mais à frente acrescenta: “ Pilatos perguntou a Jesus:’ tu és rei dos judeus?’ (...). Jesus respondeu, o meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que eu não fosse entregue às autoridades judaicas. Portanto, o meu reino não é de aqui. Disse-lhes Pilatos: ’logo, tu és rei? Respondeu-lhe Jesus: ‘é como dizes: eu sou rei’ Para isto nasci e vim ao mundo: dar testemunho da verdade” (Jo 18, 33-37).

Estas palavras do evangelho de São João já não têm qualquer conotação de poder terreno. As primeiras gerações cristãs, no entanto, esperavam uma segunda vinda de Jesus para julgar os vivos e os mortos e restaurar o Reino de David (Act 3, 19-21; Lc 22, 28-30). Está nesta mesma linha a visão milenarista do Apocalipse (Apc 20, 4-6). Estamos no terceiro milénio. Isto significa que temos muitos séculos de reflexão sobre o mistério do Reino e o projecto salvador de Deus.

Para os cristãos do terceiro milénio, o Reino de Deus é a comunhão humano-divina da Família de Deus. Por outras palavras, o Reino de Deus, para nós, significa a assunção e incorporação da Humanidade na comunhão orgânica da Santíssima Trindade. Esta assunção e incorporação acontece pelo facto de estarmos organicamente unidos a Jesus ressuscitado.

No evangelho de São João, Jesus afirma que ele e o Pai fazem um (Jo 10, 30). Por outro lado, Jesus faz com a Humanidade uma união orgânica, pois ele é a cepa da videira da qual nós somos os ramos (Jo15, 1-7). A união orgânica que nos une a Jesus Cristo é idêntica, diz o evangelho de São João, à união que existe entre Cristo e o Pai. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, do mesmo modo quem me come viverá por mim” (Jo 6, 56-57).

A carne e o sangue de Cristo ressuscitado é o Espírito Santo, o princípio vital que alimenta a união orgânica que une o Filho Eterno de Deus e Jesus de Nazaré, o Filho de Maria. É a Água viva que Jesus nos dá, a qual faz jorrar uma nascente de vida eterna nos nosso coração, comunicando-nos a vida humano-divina de Jesus Cristo (Jo 7, 37-39; 4, 14; 6, 62-63).

O Espírito Santo é o princípio animador da comunhão universal do Reino que faz de Cristo um com o Pai e de nós um com Cristo, consumando assim a união humano-divina do Reino de Deus (Jo 17, 21-23). Todos os que são animados pelo Espírito Santo, diz São Paulo, são filho e herdeiros de Deus Pai e irmãos e co-herdeiros do Filho de Deus (Rm 8, 14-17).

Podemos dizer que o Reino de Deus é a plenitude da Vida Eterna com o nosso Deus, como diz o Apocalipse: “Vi, então, um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. Vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova Jerusalém, preparada, qual noiva adornada para o seu esposo. E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: “Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com os homens, e estes serão o seu povo. Deus será o seu Deus e estará com eles enxugando todas as lágrimas dos seus olhos. Então não haverá mais morte, nem luto, nem pranto nem dor, pois as primeiras coisas passaram. O que estava sentado no trono disse: eu renovo todas as coisas” (Jo 21, 1-5).

O Reino de Deus é a Festa da comunhão universal. Todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito com que tenha treinado enquanto viveu na História. Todos reinam e comungam com Deus formando um povo de reis, sacerdotes e profetas, como diz a Primeira Carta de São Pedro: “Vós porém, sois povo eleito, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável” (1 Pd 2, 9).

5-Que a Vossa Vontade se Faça

A vontade de Deus a nosso respeito é a nossa salvação, diz a Carta aos Hebreus (Heb 10, 9-10). O universo não é uma pessoa, mas o Homem emergiu nesta terra pequenina como um ser que faz parte da cúpula personalizada do Universo. Isto torna-se mais fácil de entender se tivermos presente que a génese do Universo é obra de Deus.

Deus é três pessoas em comunhão amorosa. Podemos dizer que o Universo traz consigo as impressões digitais do seu Criador. Na verdade, ainda antes de existir o Universo já existia o Amor, dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão familiar de três pessoas.

Por outras palavras, Deus imprimiu na marcha da Criação possíveis de vida pessoal e espiritual que se concretizaram na terra e, possivelmente, em muitos outros quadrantes do Universo. O Cosmos físico é como que a casca deste ovo imenso, destinado a terminar num montão de matéria esmagada depois de ter feito germinar os possíveis de vida pessoal espiritual que leva no seu ventre.

O fim do Universo por esmagamento da matéria é uma afirmação ligada a muitos cientistas. Para a nossa fé este aspecto é secundário. O importante é sabermos que está a emergir vida pessoal-espiritual no Universo, a qual está a caminhar para a comunhão com o seu Criador.

Na verdade, a nossa fé garante-nos de que não estamos a caminhar para o vazio do nada, pois já fazemos parte da cúpula personalizada do Universo cujo coração é a Santíssima Trindade. A Divindade é comunhão de pessoas. A Humanidade está a construir-se para ser, também, uma comunhão de pessoas.

No coração do Universo está o Céu. De facto, Deus é a interioridade máxima de toda a realidade. Graças ao mistério da Encarnação, o divino enxertou-se no humano, a fim de a Humanidade ser assumida na comunhão com a Divindade. É este o plano de Deus para nós. É esta a vontade divina a respeito da Humanidade. Jesus anunciou esta realidade chamando-lhe o Reino de Deus no qual todos nós dançaremos o ritmo do amor com o jeito que tivermos treinado enquanto estamos em realização histórica.

A vontade de Deus, portanto, é que aconteça o seu Reino, essa comunhão humano-divina da qual Jesus ressuscitado é o medianeiro. Por ser um dom, o projecto salvador de Deus implica a oferta gratuita da salvação, a qual deve ser aceite por nós com gratidão. Para nos motivar a aceitar e a viver já este plano de amor, diz a Carta aos Efésios, Deus tomou a iniciativa de nos revelar o seu plano de Salvação. (Ef 3, 3-13).

Fazer a vontade de Deus é, pois, acolher o dom da salvação e viver em dinâmica de amor eucarístico, isto é, em atitude de acção graças pelas maravilhas que realizou em nosso favor. A vontade de Deus a nosso respeito é, como acabamos de ver, a salvação da Humanidade.

Eis as palavras de Jesus no evangelho de São João: “Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. A sua vontade é esta: que eu não perca nenhum daqueles que me deu, mas o ressuscite no último dia. Portanto, a vontade do meu Pai é esta: que todo aquele que vê o filho e crê nele tenha a vida eterna. E eu ressuscitá-lo-ei no último dia” (Jo 6, 38-40).

6- O Pão Nosso de Cada Dia nos Dai Hoje

O Novo Testamento insiste muitas vezes em que a finalidade da vida não é amontoar riquezas. Não é bom para o ser humano andar obcecado com o que devemos comer ou vestir (Mt 6, 31; Lc 12, 29). Quando isto acontece, é sinal que a justiça, a solidariedade e a fraternidade estão doentes.

Jesus não defende a carência como ideal ou como caminho de felicidade. A proposta de Jesus, pelo contrário, vai no sentido de que aconteça a abundância para todos. Segundo os ensinamentos de Jesus, a solidariedade e a partilha é o caminho certo para se chegar à meta da solidariedade para todos. Por outras palavras, Jesus ensinou que a dinâmica da partilha é o caminho da abundância para todos.

A pessoa não precisa apenas do pão material. Necessita também, dizia Jesus, da Palavra de Deus, a qual é a fonte de sabedoria que conduz à comunhão e à fraternidade universal (Mt 4, 3-4; Lc 4, 4). O milagre da multiplicação dos pães ensina-nos que, no gesto da partilha, o pão chega para todos e ainda sobra (Mt 14, 15-20; Mc 6, 31-34; Lc 9, 10-17; Jo 6, 1-13). Eis a razão pela qual Jesus se recusou a transformar as pedras em pão. Fazer isto seria negar a verdade da providência de Deus e da abundância que brota da partilha.

A Terra é um excelente sinal da generosidade e providência divinas: dá frutos suficientes para todos. Mas para isso é preciso que o Homem aprenda a partilhar e a viver a fraternidade. No entanto, para atingir esta meta o Homem precisa de viver segundo a Palavra de Deus (Mt 4, 3-4; Lc 4, 4).

É verdade que o Pai-Nosso é um ensinamento teológico e não um manual de política social ou económica. Mas não há dúvida de na medida em que as pessoas abram o coração para Deus, a Humanidade começará a entrar na dinâmica da fraternidade e comunhão.

Na leitura teológica que São João faz da multiplicação dos pães, a partilha conduz os seres humanos ao essencial que é a abundância, a comunhão fraterna, a qual culmina na comunhão com Deus: “Vós procurais-me, não por teres entendido os sinais de Deus, mas porque comestes dos pães e vos saciastes. Ponde o vosso empenho, não no alimento que perece, mas no que perdura para a vida eterna. É este o alimento que o Filho do Homem vos dará (...). Não foi Moisés que vos deu o pão do céu. O meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do céu, aquele que desce do céu e dá a vida ao mundo (...). Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome. Quem crê em mim jamais terá sede (Jo 6, 26-35). A plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão. Reduzida a si, a pessoa está em estado de malogro ou perdição.

7- Perdoai-nos as Nossas Ofensas

Esta afirmação não significa que Deus só nos perdoa na medida em que perdoamos. Se assim fosse nunca estaríamos plenamente perdoados. Esta afirmação do Pai-Nosso significa é algo de muito profundo, isto é, o mistério da reciprocidade. Deus é amor e, portanto, perdão incondicional. Mas o Homem só é capaz de se apropriar deste dom incondicional na medida em que ele mesmo caminha no sentido da reconciliação e do perdão.

Por outras palavras, ninguém chega de modo isolado à comunhão com Deus. É na medida em que fazemos uma comunhão orgânica com Cristo que damos fruto e atingimos a meta da comunhão com o Pai: “Porque se perdoardes aos vossos irmãos as suas ofensas, também o vosso pai celeste vos perdoará. Se, porém, não perdoardes aos vossos irmãos as suas ofensas, também o vosso Pai do Céu vos não perdoará as vossas ofensas” (Mt 6, 14-15).

Isto quer dizer que o nosso coração é capaz de comungar com Deus na medida em que comunga com os irmãos. Na medida em que procurarmos viver a dinâmica da reconciliação com os irmãos, o perdão de Deus é pleno e incondicional: Eis as palavras da Segunda Carta aos Coríntios: “Se alguém está em Cristo é uma nova criação, pois o que era velho passou. E tudo isto nos vem de Deus que nos reconciliou consigo em Cristo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19).   Quando estávamos mortos pelos nossos pecados, diz São Paulo, Deus vivificou-nos em Cristo, perdoando-nos e reconciliando-nos consigo (Col 2, 13).

Quando os cristãos celebram o dom do perdão de Deus no sacramento da reconciliação, o Espírito Santo vai-os modelando interiormente, ao ponto de lhes dar um jeito de actuar semelhante ao de Jesus. Com este jeito novo de actuar, os cristãos tornam-se agentes e mediadores de reconciliação dos seres humanos entre si e destes com Deus (2 Cor 5, 21).

8- Não nos Deixeis Cair em Tentação.

A tentação é uma insinuação subtil que acontece na nossa mente, querendo-nos fazer crer que o mal é bem e o bem é mal. A tentação não é pecado, mas a possibilidade de pecar. Jesus foi tentado e, no entanto, não pecou. A tentação insinua-se, pretendendo-nos fazer enveredar por caminhos opostos aos do amor. A pessoa humana é um ser frágil. A tentação pode facilmente conseguir a vitória. Eis a razão pela qual Jesus, na oração do Pai-nosso, nos ensinou a pedir a Deus que não nos deixe cair na tentação.

Pedir a Deus que não nos deixe cair na tentação é o mesmo que pedir ao Espírito Santo que não nos deixe ficar enredados nos meandros subtis da tentação. Na verdade, a vitória sobre a tentação foi-nos oferecida por Jesus Cristo ressuscitado, mediante o dom do Espírito Santo. No entanto, o Espírito Santo não se nos impõe. Por outras palavras, o Espírito Santo não nos substitui: interpela, ilumina, chama e convida no íntimo da nossa consciência.

A tentação é, no fundo, uma solicitação do homem velho que oferece resistência ao amor, pois o pecado é sempre uma resistência ao amor. Podíamos dizer que a tentação não é pecado, mas a possibilidade do pecado em acção. Se não estivéssemos enfraquecidos pelas forças negativas que herdámos dos outros, a tentação era apenas uma possibilidade remota de o pecado acontecer. Mas os condicionamentos que herdámos devido às recusas de amor dos outros para connosco, condicionaram as nossas possibilidades de fazer o bem. Na verdade, os outros não só nos possibilitaram, mas também nos condicionam.

Devido a esta nossa situação de seres fragilizados precisamos de recorrer a Deus. Não se trata de pedir ao Senhor para nos substituir. De facto, a oração não é nunca uma maneira mágica de manipular Deus. Pedindo a Deus que não nos deixe cair na tentação estamos a abrir o nosso coração à presença do Espírito Santo que nos fortalece e configura com Cristo.

São Paulo deu provas de entender muito bem a dinâmica do Espírito Santo em nós quando disse que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Como sabemos, é o Espírito Santo quem faz ecoar no nosso coração a Palavra de Deus. Isto quer dizer que é ele quem nos capacita para valorizarmos as coisas e os acontecimentos segundo os critérios de Deus e não segundo as insinuações da tentação.

9- Mas Livrai-nos do Mal.

Mal é tudo o que impede O Homem de emergir na sua riqueza de pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa. Por outras palavras, mal é tudo o que impede ou bloqueia a humanização do Homem. A lei da humanização é a seguinte: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal.” Por emergência pessoal devemos entender crescimento da pessoa na sua densidade pessoal-espiritual e na sua capacidade e interagir amorosamente.

Como sabemos, o divino enxertou-se no humano através do mistério da Encarnação. Este enxerto deu-nos a possibilidade de sermos organicamente incorporados na comunhão familiar de Deus: filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação ao Filho Eterno de Deus. Isto quer dizer que será eternamente mais divino quem mais se humanizar agora.

Eis a razão pela qual o mal é tudo o que impede a humanização do Homem, bloqueando ou condicionando as suas possibilidades de comungar eternamente na Família de Deus. O mal moral, isto é, o pecado, é a recusa da pessoa a ser mais humana através do amor. Recusar a sua humanização é recusar-se a ser mais pessoa e, portanto, empobrecer as suas possibilidades de comunhão com as demais pessoas humanas e as divinas. O mal moral ou o pecado tem consequências eternas, pois limita a nossa participação na festa do Reino de Deus.

Isto faz-nos compreender a importância da vivermos o tempo que nos é dado na vida presente para edificarmos a vida eterna. Por outras palavras, é agora o tempo de nos humanizarmos, pois seremos incorporados para sempre na família de Deus na medida em que fomos capazes de construir família com os demais seres humanos. Pedir a Deus que nos livre do mal é predispor-se a acolher e a escutar a presença do Espírito Santo em nós, a fim de realizarmos o melhor das nossas possibilidades de humanização.




Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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