Construir-se em Comunhão com Deus e os Outros

Paris, França (National Geographic)


a)      Estar atentos aos Sinais de Deus
b)      Tomar Consciência dos Próprios Talentos
c)      A Autoconfiança
d)     Agir com Determinação e Capacidade de Diálogo
e)      Fracassos e Felicidade
f)       O Amor Como Caminho de Plenitude


a) Estar Atentos aos sinais de Deus

A Atenção aos momentos oportunos é um dom do Espírito Santo. Desta atenção depende o sucesso ou o fracasso de uma vida. A teologia chama a esta capacidade de intuir os momentos oportunos para agir de atenção aos sinais dos tempos: “Felizes os servos que o Senhor, ao chegar, encontrar vigilantes” (Mt 12, 37); “Estai atentos e vigiai, pois não sabeis quando será o momento (...). Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o senhor da casa voltará: à tarde, à meia noite, ao canto do galo, ou de manhã, para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo. E o que digo a vós digo a todos: vigiai” (Mc 13, 33-37).

O aproveitamento de uma oportunidade que Deus nos concede pode mudar a vida ou bloquear o feixe das nossas possibilidades ou talentos. É um erro desprezar as pequenas oportunidades, pensando que só devemos ligar às grandes. Cruzar os braços à espera de grandes oportunidades pode significar o malogro da vida. Muitas vezes as grandes oportunidades surgem apenas após uma cadeia de fidelidades a pequenas oportunidades.

A pessoa que procura dar o melhor nas situações comuns acaba por encontrar sempre oportunidades de excepção. É sinal de sabedoria saber dar o melhor de si com os meios que temos e as circunstâncias em que nos encontramos. Não anulemos projectos de vida só porque não aparecem situações extraordinárias.

É importante ter a coragem de correr riscos. Muitas vezes as melhores oportunidades aparecem entretecidas com a possibilidade de alguns riscos. Há muitas pessoas que perderam o comboio da vida devido ao facto de terem medo de correr riscos. É importante olhar a vida com fé, estando atentos à hora de Deus. É importante ter presente que não podemos construir uma vida de sucesso humano e espiritual sem correr riscos.

Muitas pessoas passaram a vida à espera de oportunidades em que não seja preciso correr riscos. Devemos acreditar que a força de vencer obstáculos e contornar riscos circula é o dinamismo amoroso e criador de Deus que circula no mais íntimo de nós.

O cristão que toma a sério a presença dinamizadora de Deus no seu íntimo torna-se capaz de encontrar nas dificuldades uma possibilidade para dar passos no processo da sua realização pessoal e na comunhão com Deus e os irmãos. É importante que a pessoa se lance com a certeza de que é capaz de realizar os impossíveis, pois a presença amorosa e criadora de Deus, a circular no seu íntimo faz que muitos impossíveis para a pessoa se tornem possíveis.

Não devemos comportar-nos de modo passivo, à espera que as oportunidades caiam do céu. Deus está connosco, mas não nos substitui. O Senhor convida-nos a descobrir as possibilidades ocultas no concreto das situações e a ter a certeza de que, com a ajuda da força de Deus que circula em nós somos capazes de fazer o impossível: “Se tiverdes fé e, sem duvidardes disserdes a este monte: 'ergue-te e lança-te ao mar’, isso acontecerá e tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o recebereis” (Mt21, 21-22).

A sabedoria que nos vem da Palavra de Deus ensina-nos a criar oportunidades. O fracasso nunca nos deve desanimar. O recomeço após um fracasso pode ser a grande oportunidade que Deus nos dá. Os fracassos dependem de nós ou dos que se recusaram a colaborar connosco. Nunca dependem da presença de Deus em nós. Eis a razão pela qual devemos recomeçar, acreditando firmemente na presença de Deus em nós. Devemos ter presente que uma vida de sucesso leva pelo meio muitos fracassos.


b) Tomar Consciência dos Próprios Talentos

O leque dos talentos ou possibilidades varia de pessoa para pessoa. Não somos peças de cerâmica feitas em série. Õ facto de não termos os mesmos talentos dos outros não significa que sejamos inferiores. Ser diferente não significa ser inferior.

É importante que a pessoa tome consciência do melhor dos seus talentos, a fim de os pôr a render. Só fazendo render o melhor dos nossos talentos podemos atingir a nossa realização. Tomando consciência dos nossos talentos aproveitaremos melhor as oportunidades de os realizar. Com efeito, a pessoa faz-se fazendo. A sabedoria de Deus, a vida teologal, conduz-nos para o amor: “A Sabedoria foi justificada pelas suas obras” (Mt 11, 19).

A nossa vida está cheia de oportunidades, seja qual o leque dos nossos talentos. É preciso estar atentos e contar com a força amorosa e criadora de Deus que circula em nós. Este dinamismo é a fonte que nos capacita para fazermos coisas que, de outro modo, eram totalmente impossíveis: “Acreditai que eu estou no Pai e o Pai em mim. Crede-o ao menos por causa das obras que faço. Em verdade vos digo: quem crê em mim fará as obras que eu faço e fará outras ainda maiores, pois em vou para o Pai” (Jo 14, 11-12).

Se não tomarmos a vida a sério, a nossa mente fica ocupada com coisas secundárias, levando-nos a perder o sentido profundo da vida. As pessoas a quem isto acontece acabam por perder o combóio da realização pessoal: Jesus passou a vida fazendo o bem e curando a todos, pois o Espírito de Deus estava com Ele” (Act 10, 38).

Os nossos talentos vêm-nos de Deus através dos outros. Realizá-los é o modo de nos tornarmos sensatos e ser fiéis aos dons de Deus: “Todo o que ouve as minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem sensato que construiu a sua casa sobre rocha (...). Todo o que ouve as minhas palavras e não as põe em prática pode ser comparado a um insensato que construiu a sua casa sobre areia” (Mt 7, 24-26).

Deus e os que foram mediação dos talentos de Deus para nós esperam da nossa parte uma resposta. Os dons de Deus são-nos sempre comunicados em forma de possibilidades que nós estamos chamados a realizar. Doutro modo não eram dons, mas imposições: “Nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mt 7, 21). O chamamento a realizar os possíveis que recebemos de Deus e dos outros é a raiz da responsabilidade humana.

A fidelidade aos talentos não implica sucessos contínuos. Uma vida de sucesso acontece como resultado de a pessoa ter tentado sempre, apesar dos fracassos. O leque dos talentos é dinâmico. É importante perguntarmo-nos de vez em quando: “Estou atento às oportunidades de realização pessoal que a vida e outros me vão proporcionando?”. A persistência, aliada à fé na presença e força de Deus em nós, confere à pessoa a base segura do êxito.

Há pessoas que se lamentam de conseguirem ter sucesso na vida, dizendo que não têm sorte como outras pessoas que conhecem. A sorte que invejam, no entanto, não é fruto do mero acaso. É resultado da perspicácia de estar atento à hora de Deus. É fundamental estarmos atentos aos momentos certos para decidir, programar e agir. Também é muito importante sabermos que o fundamental não é obra nossa, mas de Deus. Devemos fortalecer a nossa confiança, dizendo-nos que somos capazes de realizar o impossível porque Deus está connosco.

Se a nossa esperança de chegarmos a ser pessoas realizadas e livres assentasse no dinheiro, por exemplo, mesmo depois de termos conseguido muito, ainda não éramos livres. Não basta fazermos coisas. É fundamental agirmos com sabedoria e método. A sabedoria é a capacidade de saborearmos o sentido, e o alcance do que fazemos. A pessoa não se realiza se não programar, decidir e agir. Não somos iguais ao que dizemos, mas sim ao que fazemos. Os talentos são apenas possíveis. É preciso que estes se realizem, isto é, deixem de ser realidade virtual para se converterem em realização pessoal. Só nós podemos tornar realidade os nossos próprios talentos. Ninguém o pode fazer por nós.

Nunca devemos sonhar o futuro com os modelos do passado. Em termos de realização humana, o futuro é o que nos falta para atingirmos a nossa plenitude. Esta realidade é sempre nova e não mera repetição do passado. É importante não passarmos a vida a adiar. Não percamos as oportunidades que o dia de hoje nos oferece. Amanhã seremos o que tivermos feito hoje.

É mais cómodo descansar no passado do que construir o futuro. Mas a vida não se compadece com os que desistem de ser fermento de futuro. Não percamos as oportunidades que o dia de hoje nos oferece. Há muitas pessoas que, por terem lido um bom livro, a sua vida transformou-se profundamente. O dia de ontem pertence à história. O meu dia de amanhã será fruto do que eu tenha feito no dia de hoje. Se facilitarmos a circulação do dinamismo amoroso e criador de Deus em nós, não temos razões para temermos o futuro. Com efeito, o futuro não é algo totalmente novo e estranho onde temos de entrar. Pelo contrário, é algo que projectamos através do tipo de opções, escolhas e projectos que realizamos hoje: “Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo colheremos os frutos. Por conseguinte, enquanto temos fé pratiquemos o bem para com todos, sobretudo com os irmãos na fé” (Ga 6, 9-10).

O mundo está a mudar profundamente devido às novas ideias que têm surgido e que se vão realizando, tanto a nível da ciência e da técnica, como a nível da arte e da cultura. É importante que os cristãos acompanhem e iluminem com a Sabedoria que vem da Palavra de Deus, isto é, a vida teologal. Esta Sabedoria capacita-nos para iluminarmos os acontecimentos com a luz da fé e a transformá-los com a força do amor ao jeito de Deus, isto é, a caridade.


c) A Autoconfiança

É importante eliminar os pensamentos e sentimentos negativos, a fim de nos construirmos de maneira positiva. Com efeito, tornamo-nos em grande parte naquilo que pensamos. A falta de confiança em si leva as pessoas a ter medo das novidades e dos desafios. Nunca chegamos além do que pensamos e esperamos.

A autoconfiança é um pouco o índice que nos indica o ponto onde podemos chegar. Se o horizonte da nossa confiança incluir a presença do dinamismo de Deus no nosso interior, certamente que a nossa esperança apontará para horizontes bastantes mais vastos. Mas não devemos concluir que uma vida de sucesso se constrói apenas com feitos grandiosos. Muitas vidas de sucesso construíram-se, sobretudo, com realizações a que poderíamos chamar discretas e modestas.

A confiança que temos em nós faz germinar confiança nos outros, gerando uma dinâmica positiva que conduz a realizações mais ricas de conteúdos e perfeição. A pessoa confiante consegue ainda antes de ter começado. A confiança conduz ao sucesso e este fortalece a confiança.

Sem autoconfiança até as mais pequenas realizações se tornam um tormento e fonte de um cansaço desproporcionado. A confiança e a motivação optimizam o nosso leque de possibilidades. Uma pessoa sem motivações fortes e com um baixo índice de autoconfiança está condenada à mediocridade. A autoconfiança abre-nos para o dinamismo amoroso e criador de Deus no nosso íntimo, levando a pessoa a dar frutos que ninguém podia imaginar: “Se trabalhamos e lutamos, é porque colocamos a nossa esperança no Deus Vivo, Salvador de todos os homens” (1 Tim 4, 10).

A autoconfiança predispõe a pessoa para programar, decidir e executar projectos e tarefas, a fim de atingir os seus objectivos de realização pessoal. A pessoa confiante não se deixa esmagar pelas preocupações. Acredita seriamente no dinamismo de Deus que actua no seu íntimo.

A pessoa confiante limpa a mente de preocupações e o coração de ressentimentos, ansiedades, invejas ou remorsos, substituindo-os por pensamentos e sentimentos de confiança em Deus. Acredita nas suas capacidades, pois sabe que tudo pode graças à acção de Deus em si.


d) Agir com Determinação e Capacidade de Diálogo

Uma pessoa determinada, em geral, obtém o que deseja. A determinação só é eficaz quando está associada a uma projecto de vida. Há muitas pessoas que, no início tinham um leque muito limitado de possibilidades ou talentos. Mas devido à sua determinação chegaram muito longe. Como sabemos, o leque dos talentos é dinâmico. A fidelidade às possibilidades de hoje ampliam as possibilidades de amanhã. Uma pessoa profundamente confiante na força de Deus que circula no seu íntimo tem a certeza de que muitas das coisas antes impossíveis se tornam possíveis. A determinação é fundamental para que isto possa acontecer.

É fundamental planearmos os nossos objectivos e acreditarmos que, mesmo os mais elevados podem ser conseguidos graças à força de Deus e à nossa determinação. Este é o caminho para atingirmos a maturidade pessoal e conseguirmos metas ou objectivos cada vez mais elevados. A pessoa determinada sabe que não pode desperdiçar o tempo, pois o tempo perdido nunca mais é recuperado.

O tempo é a possibilidade que Deus nos dá para realizarmos o melhor dos nossos talentos. A nossa plenitude depende da nossa realização no tempo. Os nossos talentos são apenas possibilidades. Estas não se tornarão realidade enquanto a pessoa os não fizer acontecer. O ovo de galinha fecundado não é o pintainho. No entanto está cheio de possibilidades que o ovo não fecundado não possui. Se iniciarmos a génese dos possíveis presentes no ovo fecundado teremos, no prazo de três semanas, um pintainho. Pelo contrário, ainda que mantenhamos o ovo não fecundado durante dez anos na chocadeira não dará pintainho.

É importante tomarmos consciência dos nossos talentos reais e começarmos a realizá-los. Ninguém me pode substituir na realização desta tarefa. É certo que o pensamento precede a acção. Mas também é verdade que o pensamento que não conduz à acção e à vida é estéril. A determinação implica a capacidade de fazer projectos e correr riscos.

Quando é a Palavra de Deus a inspirar os nossos projectos e realizações, a nossa vida atinge uma densidade humana mais profunda, pois está de acordo com a verdade do Homem e a verdade de Deus. Só garantias de sucesso eterno o que realizamos de acordo com a verdade de Deus e a verdade do Homem. Quando fracassamos num projecto devemos ter a determinação de fazer uma revisão da nossa vida e programar de novo. Felizes dos que contam com os outros para crescer com eles.

Os outros só estarão dispostos a caminhar connosco se estivermos dispostos a caminharmos com eles, não como quem sabe tudo, mas como quem deseja descobrir em comunhão com os demais. Não conseguiremos criar comunhão se não nos alegrarmos com o sucesso dos que vivem ao nosso lado. O Evangelho diz-nos que o melhor sinal de que queremos crescer com os outros é a determinação de nos pormos ao seu serviço (Mc 10, 35-40).

É importante estimular os outros no sentido de voar cada vez mais alto. A pessoa que se limita a fazer o que faz a multidão nunca irá além de mediocridade. Aqueles aos quais se juntou nunca o quererão imitar. A pessoa que se fundiu na multidão nunca será seguida pela mesma multidão. A pessoa que quer caminhar com outros deve ter a coragem de confiar neles. A pessoa autoritária gosta de se impor pelo medo. Esta pessoa nunca será amada pelos outros. A pessoa amadurecida, pelo contrário, impõe-se pela confiança.

A pessoa pretensiosa pretende conhecer tudo. Nunca terá muita gente a querer descobrir e conhecer a seu lado. A pessoa fraterna gosta de colocar interrogações e escutar as respostas dos outros. Uma pessoa determinada não significa uma pessoa pretensiosa. A determinação é uma qualidade, mas a pretensão é um defeito. A pessoa pretensiosa centra-se em si. A pessoa fraterna centra-se no grupo com o qual quer crescer.

A pessoa a liderar uma caminhada de grupo deve ter presente que os melhores líderes passam quase desapercebidos. No entanto, conseguem conduzir as pessoas no sentido que desejam e sentem ser o melhor para o grupo. Liderar é uma tarefa e não um título. A pessoa que lidera tem olhar muitas vezes para o que não gosta dever e escutar o que não gosta de ouvir. Mas isto não o desencoraja de prosseguir com determinação o objectivo programado.

O bom líder consegue manter o facho da fé e da esperança aceso, apesar das dificuldades. A pessoa autoritária não é um bom líder, pois faz do poder sobre os outros o objectivo da sua acção. O líder criterioso apoia-se na bondade e no respeito pelos outros. A pessoa autoritária procura agitar a bandeira do medo. O verdadeiro líder, pelo contrário, procura suacitar entusiasmo e gosto pela acção.

A pessoa autoritária está sempre a dizer “EU”, o líder autêntico prefere dizer sempre “NÓS”. A pessoa autoritária gosta de dizer “VÃO”. O bom líder prefere dizer “VAMOS”. O autêntico líder é forte, mas nunca é grosseiro ou rude. É amável, mas não frágil, pois é uma pessoa determinada. O grande segredo da boa liderança está no diálogo e na arte de influenciar as pessoas pela via da motivação. O bom líder consegue conduzir as pessoas para realizar mais, com mais qualidade e menos desgaste.


e) Fracassos e Felicidade

A realização pessoal é um processo histórico. Exige decisões, opções e compromissos. Pressupõe fazer projectos de vida e procurar atingir metas e objectivos. É sinal de maturidade ter presente que, no caminho de uma realização pessoal há fracassos. Perante os fracassos, a pessoa amadurecida sabe que existem outras oportunidades.

A grandeza da pessoa não consiste em não falhar, mas em saber levantar-se após cada fracasso. Após um fracasso existem sempre outras oportunidades. Se não aceitássemos a possibilidade de um fracasso não podíamos pôr-nos outros objectivos mais altos, pois existia a possibilidade de fracassar. Também não seríamos capazes de correr riscos.

Muitas as nossas indecisões e adiamentos assentam no medo do fracasso. É importante tomarmos consciência deste facto para nos decidirmos a agir de modo mais determinado. É bom repetirmo-nos com frequência esta ideia: “depois de um fracasso surge uma via alternativa”.

É para conseguirmos sucesso é fundamental contarmos com a presença eficaz de Deus na nossa vida. Podemos dizer como São Paulo: “Estou agradecido àquele que me dá força, pondo-me ao seu serviço” (1 Tim 1, 12). E ainda: “Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças” (1 Cor 10, 13).

O fracasso total é recusar-se a recomeçar depois de um fracasso. As pessoas persistentes acabam sempre por descobrir a vida do sucesso, apesar dos fracassos que possam surgir pelo caminho. O maior obstáculo para vencermos os fracassos é a tentação de colocarmos as causas fora de nós, culpando os outros e armando-nos em vítima. Nestes casos a tendência é recusarmo-nos a recomeçar.

Procedendo deste modo, a pessoa não é capaz de contornar ou superar sadiamente os obstáculos que estão ligados fracassos. Não podemos esquecer que nascemos para renascer (Jo 3, 1-6). A vida coloca-nos em cada dia que começa face ao leque dos nossos talentos. Não devemos perder o sentido da oportunidade, tentando descobrir o que nos é possível realizar hoje no contexto em que nos encontrarmos.

Programar e decidir projectos de vida é correr o rico de voltarmos a fracassar. Mas é a única maneira de podermos desenvolver a pessoa que temos a missão de construir. Uma vida com sucesso é igual a muitos objectivos e projectos de vida que se foram concretizando. Em termos morais diríamos que fracassar não é pecado. Pecado seria recusar-se a recomeçar. A pessoa amadurecida tenta sempre recomeçar após um fracasso. Este recomeço tem sempre a vantagem de começar com mais vantagem e reflexão.

A felicidade acompanha o processo da realização e amadurecimento pessoal. A felicidade não se obtém pelo maior ou menos número de coisas que possamos possuir. Temos a experiência de que hoje possuímos uma coisa e amanhã já estamos desejando outra. Um fracasso, desde que estejamos predispostos para recomeçar não é obstáculo para atingirmos o melhor das nossas aspirações. Uma vida feliz também incorpora fracassos no seu entretecido.

A felicidade é um estado de espírito que assenta no ser e não no ter. O Evangelho é muito claro neste ponto: “Felizes os pobres de Espírito porque deles é o Reino dos Céus. Felizes os mansos, os aflitos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz, os perseguidos por causa de justiça, os que sofrem injúrias” (cf. Mt 5, 3-12).

Na medida em que libertamos a mente de pensamentos de medo, de ansiedade ou ressentimento e o coração de projectos de vingança, exploração dos outros ou de ódio, o dinamismo amoroso e criador de Deus circulam em nós. Esta certeza da presença de Deus a possibilitar-nos a realização do melhor das nossas aspirações.

A pessoa que tenta reter a felicidade ou a alegria só para si começa a impedir a circulação do dinamismo amoroso de Deus. Como sabemos, o amor é difusivo. A felicidade não é uma fatalidade nem acontece por acaso. É sempre o resultado de um jeito de viver e comungar. Não vem de fora mas emerge no mais íntimo de nós. Embora a sua fonte seja a presença de Deus em nós, não acontece sem termos parte na sua edificação.

A felicidade resulta da arte de sabermos construir a vida segundo o melhor das nossas possibilidades e em comunhão com Deus e as pessoas humanas. Depende da qualidade da nossa vida, como esta depende da qualidade dos nossos pensamentos, emoções e atitudes. A pessoa feliz tende sempre a fazer feliz os outros, pois não é possível ser-se feliz sem amar os demais. Quanto mais uma pessoa partilha a alegria e a felicidade que a habitam mais esta cresce dentro de si.


f) O Amor Como Caminho de Plenitude

Não permitamos que o outro fique mais pobre por nos ter encontrado. Procuremos ser como Jesus que nunca deixou uma pessoa mais pobre ou machucada depois de se ter encontrado com ela.

O amor é a porta de entrada para a felicidade. Amar é tornarmo-nos próximos daqueles que se cruzam connosco na vida. É aceitar o outro tal como é, apesar de ser diferente. É também facilitar a sua realização pessoal, apesar de passar por caminhos dos quais não gosto muito. Amar é não pretendermos que o outro seja uma fotocópia de nós mesmos. Quando decidimos fazer do outro nosso próximo, mesmo que esteja longe ele vai perceber a diferença.

O amor é criador de comunhão. Na comunhão as diferenças são aceites. O amor gera laços de união orgânica. À medida que cresce, cria vínculos cada vez mais fortes e indestrutíveis. Na dança da comunhão universal, cada pessoa dançará o ritmo do amor com o jeito que tiver adquirido no tempo presente.

O amor tem a capacidade de fazer que uma pessoa seja capaz de pôr o outro em primeiro lugar, começando por o servir: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos” (Jo 15, 13). O amor consegue fazer que uma pessoa esteja mais em função dos outros do que de si mesma. Deus é Amor. Isto quer dizer que só o amor nos põe em perfeita sintonia com Céus: “Se alguém me ama, guardará a minha Palavra, meu Pai amá-lo-à, viremos a ele e estabeleceremos nele morada”(Jo 14, 23).

O amor é capaz de nos levar a aceitar o outro apesar dos seus defeitos. Amar não é apenas uma questão de sentimentos. Pelo contrário, é uma realidade que vivemos mediante decisões, escolhas e atitudes concretas. A caridade é o amor optimizado pela acção do Espírito Santo em nós: “A esperança não desilude, pois o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”( Rm 5,5). O Espírito Santo não só veicula o amor do Pai e do Filho para nós, como também nos leva a amar os irmãos com o jeito de Deus.

A linguagem teológica utiliza o termo caridade para significar o nível teologal do amor. Falando do amor a este nível, São Paulo diz o seguinte: “O amor é paciente e amável. Não é invejoso nem cai na gabarolice. Não é orgulhoso. Não é grosseiro ou inconveniente. Não gira à volta de si, mas abre-se aos outros. Não se irrita. Não guarda ressentimentos. Não se alegra com o mal, mas alegra-se com a verdade. O amor é solidário e confia sempre. Persevera e espera sempre no bem e nunca falha (1 Cor 13, 4-8).

A caridade é o amor com a densidade da Palavra de Deus e o dinamismo do Espírito Santo. A criança ama os pais porque os necessita. A pessoa adulta no amor quer os outros porque os ama. A melhor prova de se amar uma pessoa é facilitar a emergência da sua riqueza interior e a realização dos seus talentos.

O amor é o dinamismo mais nobre do Universo. Entre as diversas energias cósmicas, o amor é a mais poderosa, pois é a energia do próprio criador. Deus é, na sua essência, relações de amor, uma Comunhão Trinitária. O amor nunca morre. Por vezes é coração sem palavras. Mas nunca é palavras sem coração. É capacidade e disponibilidade para escutar, mais que ânsia de dizer muitas palavras.

As vivências amorosas mais profundas levam sempre consigo experiências de libertação e realização pessoal mútua. O amor nunca mutila nem bloqueia os outros. No coração das vivências profundas de amor, as pessoas podem consciencializar melhor a presença amorosa de Deus no seu interior. Com efeito, Deus é o princípio animador e a fonte do amor em nós: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. O que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).

Assim como o sangue circula no íntimo do nosso corpo, o dinamismo amoroso e criador de Deus circula no íntimo da nossa interioridade pessoal. Esta força de Deus activa o melhor das nossas energias, capacitando-nos para realizações que, à primeira vista, pareciam impossíveis: “Não tenhas medo, pois estou contigo. Não desfaleças, pois eu sou o teu Deus e vou fortalecer-te e ajudar-te. Eu seguro-te com a minha mão direita” (Is 41, 10). Não somos seres abandonados na imensidão de um Universo frio e impessoal. Pelo contrário, Deus criou-nos à sua imagem e fez de nós membros da sua família (Rm 8, 14-16).

O amor humano tem como fonte e plenitude o próprio amor de Deus. O nosso amor para com os irmãos confere-nos o ritmo e a densidade com que havemos de comungar com Deus e os irmãos na comunhão universal do Reino de Deus: “Para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. Que também eles estejam assim em nós e o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, a fim de que eles sejam um, como nós somos um. Eu neles e tu em mim, a fim de eles poderem chegar à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim” (Jo 17, 21-23).

Através do amor aos irmãos vamos criando união orgânica humana, a qual vai ser divinizada ao sermos assumidos na comunhão universal do Reino dos Céus. O sangue de Deus, o Espírito Santo, circula no íntimo da nossa vida de relações fraternas, optimizando o nosso amor e criando elos de ligação à Comunhão Divina da Santíssima Trindade.


Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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