Comunidade e Maturidade Cristã



a) A Comunidade Como Realidade Orgânica
b) Atitudes Importantes para Gerar Vida Fraterna
c) Comunidade e Relações Interpessoais
d) A Comunidade Como Espaço para a Liberdade
e) Comunidade e Responsabilidade
f) Parábola Sobre Uma Comunidade Feliz


a) A Comunidade Como Realidade Orgânica

À luz do Novo Testamento, a comunidade é uma realidade orgânica e dinâmica. Eis a razão pela qual São Paulo lhe chama o Corpo de Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27). O evangelho de São João diz esta mesma verdade afirmando que os membros da comunidade são os ramos da videira cuja cepa é Jesus Cristo. O sangue que alimenta e fortalece o Corpo de Cristo é, naturalmente o Espírito Santo. Ele é também a seiva que vitaliza e fortalece os circuitos vitais entre a cepa e os ramos da videira. O evangelho de São João diz que o Espírito Santo é a Água Viva que faz jorrar no nosso íntimo rios de Vida Eterna (Jo 7, 37-39; 4, 14).

São Paulo diz que fomos baptizados num mesmo Espírito, a fim de formarmos um só Corpo: “Pois, como o Corpo é um só e tem muitos membros e estes membros, apesar de serem muitos, apesar de serem muitos, constituem um só Corpo, assim também Cristo. De facto, todos nós fomos baptizados num só Espírito, a fim de formarmos um só corpo, pois tanto os judeus como os gregos, os escravos ou livres todos bebemos de um só Espírito, a fim de formarmos um só corpo” (1 Cor 12, 12-13).

Isto que dizer que quando estamos a trabalhar para edificar a comunidade, estamos a edificar o Corpo de Cristo. Os membros da comunidade são todos inspirados pela Palavra de Deus e pela acção do Espírito Santo. Todos são coordenados pelos ministérios que articulam a união e interacção dos crentes, a fim de formarem o corpo de Cristo.

Temos de reconhecer que o melhor espaço para os crentes crescerem na Fé são as pequenas comunidades. Quanto mais os crentes crescem na Fé, mais aptos estão para realizar uma profunda acção evangelizadora. Por serem todos membros do Corpo de Cristo, os crentes têm todos a mesma dignidade fundamental, pois todos são filhos de Deus.

A diversidade de funções não altera esta igualdade fundamental dos crentes. Todos são chamados a exercer funções e ministérios na comunidade. Não há verdadeira comunidade se não houver um projecto comum com etapas, metas e objectivos. Os membros da comunidade devem ter a preocupação de desenvolver algumas qualidades importantes para agirem de modo positivo na edificação da comunidade.

Eis algumas das qualidades que os membros da comunidade devem desenvolver:
*Generosidade
*Entrega
*Entusiasmo
*Espírito de diálogo
*Capacidade de escuta
*Caridade
*Sentido de Responsabilidade
*Iniciativa
*Docilidade à acção do Espírito Santo.

No mundo actual é importante criar pequenas comunidades, a fim de as pessoas não se perderem numa massa despersonalizante. Não há comunidade autêntica sem uma amizade leal e verdadeira entre as pessoas que constituem essa mesma comunidade. A comunidade não deve ser muito grande, a fim de todos poderem intervir nos momentos de decisão programação e distribuição de tarefas. O que é decidido e programado em comunidade deve ser respeitado.

Quando as decisões e a programação já não funcionam bem, é altura de se fazer uma revisão e uma nova programação. Não nos podemos esquecer de que a comunidade é um organismo vivo e, como tal, em processo de crescimento. Pretender amarrar a comunidade a decisões e programações estáticas e imutáveis significa bloquear a dinâmica do Espírito na Comunidade.

São Paulo é muito claro neste ponto quando afirma: “Não é que sejamos capazes de algo por nós mesmos. É de Deus que nos vem a capacidade. Na verdade, é ele que nos torna aptos para sermos ministros de uma Nova aliança, não da letra, mas do Espírito Santo. De facto, a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Cor 3, 5-6).

Talvez fazendo-nos algumas perguntas, possamos tomar consciência de alguns aspectos que podemos melhorar em relação à nossa colaboração na edificação da comunidade:
1-Dou-me conta de que eu, como os demais seres humanos, tenho tendência a auto enganar-me e a iludir-me?
2- Tenho consciência de que as motivações reais de muitos dos meus comportamentos e atitudes resultam de motivações inconsciente que não são aquelas que muitas vezes eu pretendo dar para mim mesmo ou para os outros?

3- Dou-me conta de que muitas das minhas desculpas e demissões são fruto da minha preguiça e falta de amor à causa da evangelização?
4- Apercebo-me de que a minha falta de flexibilidade e esforço para entender as razões do outro dificulta a vida dos meus irmãos e limita as minhas possibilidades de realização pessoal?
5- Dou-me conta de que muitas vezes não estou a fazer de Deus a questão primeira da minha vida?

6- Não será que a minha falta de generosidade e espírito de sacrifício me levam a desanimar com grande facilidade, acabando por me demitir face às mais pequenas adversidades? Estou atento para vencer a tentação de pensar que já sei tudo?
7- Sou daqueles que estão sempre dispostos a mudar a vida dos outros, mas não fazem não fazem nada para mudar a própria vida?
8- Quais foram os momentos mais importantes da minha caminhada de crente?
9- Tenho consciência de que os momentos em que fui mais feliz foram aqueles em que fui generoso?

10- Sinto que amo Deus e o tomo a sério are ao ponto de estar disposto a correr riscos como Jesus Cristo e os profetas correram?
11- Como reajo face às mudanças na Congregação e na Igreja?
12- Que valores me motivam mais nesta fase da minha vida e na desejo de me realizar como crente?
13 Quais os crente que recordo com gratidão por terem sido uma mediação especial do amor de Deus para mim?
14- Sinto que outras pessoas, da comunidade ou não, me vão recordar com gratidão porque ficaram mais felizes por se terem cruzado comigo na vida?
15- Quais os talentos que posso aportar á comunidade?
16- Sinto-me comprometido com os outros e tenho consciência de que, para realizar como pessoa tenho de ser um membro corresponsável da comunidade?


b) Atitudes Importantes para Gerar Vida Fraterna

Como sabemos, ninguém se realiza sozinho. Todos sabemos que as pessoas, para viverem felizes, precisam de se sentir aceites e amadas assim como são. Precisamos da estima os outros para nos estimarmos e gostarmos de nós mesmos. Como sabemos, a plenitude da pessoa não está em si mas na comunhão com os demais. Estamos perante o mistério da reciprocidade e da comunhão.

Como sabemos, a pessoa, reduzida a si, está em estado de perdição. O estado de inferno não é mais que a ausência total e definitiva da comunhão. A pessoa apenas pode emergir e estruturar-se de modo equilibrado em contexto de relações de fraternidade e amor. Quando começamos a ser conscientes, já estamos habitados pelos outros: critérios para optar, modos de ver e decidir, escala de valores que os outros inscreveram em nós.

Começamos por ser um leque de possibilidades ou talentos recebidos dos demais. Na medida em que somos fiéis aos talentos recebidos realizamo-nos e possibilitamos a realização daqueles que se cruzam connosco na vida. A comunidade fraterna é um espaço privilegiado para o amadurecimento humano. Como estamos a ver, as pessoas não são ilhas, excepto as que optam pelo estado do malogro e do fracasso. Como sabemos, Deus não condena ninguém. Mas a possibilidade da perdição existe. A pessoa que se perde, perde-se por sua própria decisão, não por decisão de Deus.

Uma verdade que nos pode motivar no sentido de nos empenharmos na tarefa da nossa humanização é esta: será eternamente mais divino quem mais se humanizar agora. Humanizamo-nos emergindo e crescendo como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de comunhão. Emergir como pessoa é crescer em densidade espiritual e capacidade de interagir amorosamente com os outros.

A comunidade cristã pode e deve ser um espaço privilegiado para a realização pessoal. Tal como acontece com a família de sangue, a comunidade cristã, se for vivida como família de Deus assente, não nos laços do sangue, mas nos laços do Espírito Santo, é um dos principais alfobres de crescimento e maturidade humana. Isto quer dizer que os critérios para o crescimento das relações e da vida comunitária é o da família de Deus.

Não é possível haver crescimento comunitário sem reuniões comunitárias onde aconteça a decisão comunitária, a programação comunitária e distribuição de tarefas que cada qual deve assumir e realizar de modo responsável. A experiência da vida partilhada é fundamental para a pessoa se sentir equilibrada e feliz.

Eis alguns passos importantes para a edificação da comunidade fraterna:
1- Tentar compreender o outro na sua realidade e diferença.
2- É fundamental tentarmos facilitar a realização do outro, aceitando-o nas suas diferenças.
3- Temos de que a pessoa tem muita dificuldade em se realizar se habitualmente se sente rejeitada e sente que os demais pretendem abafar a sua originalidade.
4- Realizar-se é emergir como originalidade pessoal.

5- A pessoa não consegue ser generosa se não se sente estimada e valorizada pelos outros.
6- Exercitar-se no sentido de aprender a confiar nos outros e agir no sentido de merecer a sua confiança.
7- Procurar ouvir com empatia quando os outros exprimem os seus sentimentos ou ideias.
8- Guardar segredo sobre as comunicações dos outros membros da comunidade, a fim de merecer que os outros lhe comuniquem o melhor de si.
9- Não julgar facilmente os outros. Não sabemos as intenções dos demais.

10- Estar atento ao que os outros fazem e valorizar as suas realizações.
11- Prestar atenção às crises de crescimento dos membros da comunidade e às crises de crescimento da mesma comunidade. Na verdade devemos ter presente que não há crescimento sem crises.
12- Procurar ter atitudes geradoras de confiança, e preferir sempre palavras geradoras de esperança.

13- Esforçar-se por comunicar numa linha de verdade e autenticidade.
14- Cultivar o sentido de pertença em relação à comunidade.
15- Tentar conhecer as qualidades dos outros e as próprias.
16- Estar consciente de que o bem que os outros fazem, não deixa de ser bem pelo facto de não ter sido feito por mim ou por não estar de acordo com o meu modo de agir.
17- Estar disposto a falar, quando sinto que isso é útil e escutar os outros nos momentos de elaboração, decisão e programação dos projectos comunitários.

18- Compreender e aceitar a história pessoal das outras pessoas, a fim de ser capaz de as aceitar e melhor as compreender.
19- Tomar consciência de que os outros são um dom de Deus para mim.
20- São os irmãos que Deus me dá, a fim de construirmos a família de Deus, mesmo que não assente nos laços do sangue.
21- Identificar-se com o projecto comum, uma vez que ele resulta da discussão, elaboração e participação de todos.

22- Mostrar-se aberto a novas formas de caminhar em comunidade desde que os objectivos sejam claros e tenham sido decididos e elaborados por todos.
23- Compreender que o empenhamento na edificação da comunidade é um elemento constitutivo da actividade evangelizadora.
24- Reconhecer que ninguém é bom em tudo. É fundamental que todos facilitem a emergência de carismas diversos e aceitar os dons e ministérios dos outros membros da comunidade.

Não devemos esquecer que cada pessoa é única, original e irrepetível. A comunidade é uma realidade orgânica e dinâmica. A comunidade cristã é um espaço privilegiado para as pessoas viverem o baptismo no Espírito. Quando isto acontece, as qualidades da pessoa são consagradas pelo Espírito, tornando-se carismas, isto é, dons em benefício da comunidade. São Paulo afirma o valor teológico da comunidade, dizendo que esta é o Corpo de Cristo (1Cor, 17, 12-22; 12, 13). O Evangelho de João diz que a unidade da comunidade com Cristo é de tipo orgânico, semelhante à unidade da cepa da videira com os ramos (Jo 15, 1-7).

Ser corpo de Cristo significa ser mediação de encontro com Cristo. Cristo Ressuscitado já não tem um corpo físico para que o mundo se possa encontrar com ele. Isto só pode acontecer através dos crentes que são membros do corpo de Cristo. Por outras palavras, o mundo só pode conhecer Cristo através da comunidade. Como espaço privilegiado para a Palavra e a acção do Espírito Santo, a comunidade é um alfobre de vida teologal que é a sabedoria que vem do Alto e se exprime em atitudes de Fé, Esperança e Caridade. A vida teologal é a realidade que constitui a originalidade cristã, capacitando-nos para sermos sal, luz e fermento no meio do mundo (cf. Mt 5, 13ss.).

Como a comunidade é uma realidade orgânica é fundamental haver órgãos para que a organicidade funcione de modo cooperante. É esta a missão dos ministérios na comunidade. Eis o que diz São Paulo a este respeito: “Há diversidade de dons mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. A manifestação do Espírito é dada a cada um para proveito comum” (1Cor 12, 4-8).

Cristo Ressuscitado é a Cabeça da comunidade, pois esta é o seu Corpo. A presença do Senhor ressuscitado na comunidade é expressa de modo “sacramental” pelos que exercem o serviço da autoridade; estes não actuam em nome próprio, mas como mediações do Espírito Santo para a edificação da comunidade. O seu serviço torna-se, assim, sinal da presença do Senhor na comunidade.

O Espírito Santo é o grande dinamizador desta organicidade comunitária: “Há um só corpo e um só Espírito (...). Há um único Senhor, uma única Fé, um único baptismo. Há um só Deus e Pai de todos que está acima de todos, actua por meio de todos e Se encontra em todos” (Ef 4, 4-6). riqueza da comunidade é, portanto, humano e divina. É importante olhar a comunidade cristã à luz da Fé. Como Corpo de Cristo, a comunidade deve agir organicamente. Para isso deve existir um objectivo comum discutido, decidido e participado por todos.

É fundamental que na comunidade não haja pessoas marginalizadas. Todos devem tomar parte naquilo que a todos diz respeito. Nos diálogos comunitários, na partilha da Palavra e na oração todos devem ser tomados a sério, pois todos são mediações da Palavra e do Espírito Santo. Todos devem estar prontos para falar e para escutar os irmãos. Quem se recusa a escutar os outros com respeito não merece ser escutado. O coordenador deve estar atento para que todos possam falar, impedindo que uns poucos possam monopolizar o diálogo e a palavra. Na medida em que se torna um facilitador da palavra, o coordenador torna-se mediação do Espírito Santo.

Não nos esqueçamos que o Espírito Santo actua de modo privilegiado nos momentos fortes da vida comunitária. É bom saber que o Espírito Santo não prepara pessoas isoladas, mas precisa da mediação da comunidade. É importante termos presente o facto de que não existem comunidades feitas. A edificação da comunidade é um processo e uma tarefa. Para isso é importante que haja na comunidade revisões de vida onde se reveja o programado, a fim de o alterar se a comunidade verificar que este não funciona. Só deste modo de a comunidade pode sentir-se segura de estar a ser fiel ao Espírito Santo e estar a edificar-se como corpo de Cristo.


c) Comunidade e Relações Interpessoais

Sempre que nos relacionamos significativamente com os outros estamos a estruturar-nos como pessoas. Mas além de serem um factor de estruturação pessoal as relações interpessoais são também criadoras de reciprocidade e comunhão fraterna. Através de relações construtivas e sem nos apercebermos disso, começamos a ver pouco a pouco o outro do mesmo modo como ele nos vê a nós. Por outras palavras, o modo como o outro nos trata começa a ser pouco a pouco o modo como o passamos a tratar a ele.

Por outras palavras, as pessoas estão talhadas para a reciprocidade e a comunhão. Por isso se conhecem na medida em que interagem com umas com as outras. Nas nossas relações com os outros encontramos a nossa pessoa na medida em que encontramos a pessoa do outro. É o mistério da reciprocidade.

Mas a dinâmica das relações humanas vai ainda mais longe. Como vimos, é mediante as relações que nos estruturamos psiquicamente mas é também verdade que, através das relações, a nossa realidade espiritual emerge e se vai robustecendo. Por outras palavras, as relações são a uma dinâmica interactiva que faz emergir e crescer a pessoa na sua identidade espiritual básica. Isto quer dizer que a pessoa, por estar talhada para a reciprocidade e a comunhão, não pode emergir e possuir-se senão através das relações com os outros.

É este o mistério do Homem a emergir e a encontrar a sua plenitude através do encontro com os outros. Mas as relações só têm este poder de fazer emergir e configurar a identidade pessoal se tiverem a densidade do amor. A densidade do amor de uma pessoa revela-se nas suas relações com os outros. Como sabemos, as pessoas não são evidentes na sua realidade mais profunda, mas revelam-se através das relações. Quando as relações humanas são fundamentadas no egoísmo, as pessoas encontram-se como seres separados, e competitivos, enroscando-se cada qual para seu lado. A pessoa que se decide de modo incondicional pela vivência de relações fundamentadas no egoísmo estrutura-se de modo gradual, progressivo e irreversível em estado de inferno.

De facto, o inferno é o estado de uma pessoa que decidiu opor-se sistematicamente às relações de amor. Na situação de inferno a pessoa não tem ninguém que lhe diga: “Gosto de ti. Sem ti eu era mais pobre. Dá-me a tua mão e vamos fazer uma festa”. Nas relações de amor, pelo contrário, temos duas pessoas que procuram olhar para além da sua condição de ser único, original e irrepetível para descobrir a unidade orgânica e dinâmica que constitui a base dos seu ser.

Na verdade, cada pessoa é uma concretização da única Humanidade que existe. A Humanidade não existe em abstracto. Não cai das nuvens. Pelo contrário, a única Humanidade que existe emerge no concreto de cada pessoa de modo único, original, irrepetível e capaz de reciprocidade amorosa.

Devido a esta capacidade de amar e comungar, a pessoa, na medida em que emerge, converge para a comunhão Universal. É este o mistério da pessoa que apenas se pode encontrar e possuir na comunhão com os outros. Temos medo de nos perder na dinâmica da comunhão orgânica. Pensamos que, deste modo perdemos a nossa grandeza e glória, acabando por nos enroscarmos na nossa pequenez de ser isolado. Este isolamento impede-nos de nos possuirmos e encontrarmos na nossa riqueza mais profunda. Nada mais errado, pois a pessoa só é verdadeiramente grande na comunhão.

Por outras palavras, a plenitude da pessoa não está em si, mas na reciprocidade da comunhão. O ser humano não é capaz de ser bom antes de alguém ter sido bom para ele. A pessoa muito marcada pela maldade dos outros torna-se azeda e agressiva. Normalmente está sempre numa atitude de defesa. Por outras palavras, a bondade precisa de uma calda de amor para emergir e se fortalecer. Na verdade, o amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão.

Um dos principais frutos da humanização da pessoa humana é a bondade. Quando dizemos que determinada pessoa é muito humana, no fundo estamos a dizer que é uma pessoa muito boa. Humanização, realização pessoal e bondade são aspectos interrelacionados e acontecem como processo histórico. Somos seres em construção histórica. Eis a razão pela qual um ser humano, para se dizer, tem de contar uma história. Quando nos queremos comunicar em profundidade sentimos necessidade de contar a nossa história. Por estar em realização histórica, a pessoa humana estrutura-se de modo gradual e progressivo.

A força que estrutura e faz avançar a realização pessoal é o amor. Só o amor possibilita uma boa estruturação pessoal. É esta a razão pela qual o mal amado emerge como pessoa complicada, mal estruturada e condicionada nas suas possibilidades de realização. Nascemos com um leque de talentos que são a condição básica da nossa realização pessoal. Ninguém é herói por ter recebido muitos talentos. Também não somos culpados se o feixe das capacidades que recebemos é limitado. A heroicidade, portanto, está na fidelidade aos talentos que recebemos. A bondade cresce na medida em que o ser humano se realiza numa linha de fidelidade aos talentos que recebeu.

Com a emergência do Homem a vida deu o salto para o espiritual, o qual é interior, definitivo e eterno. Com o aparecimento da vida pessoal-espiritual surgiu na marcha da evolução a capacidade de amar. Como vemos, a vida espiritual e eterna emerge no interior do provisório e do mortal. O nosso ser pessoal-espiritual brota gradual e progressivamente dentro do nosso ser exterior como o pintainho dentro do ovo. Por outras palavras, no interior do nosso ser individual emerge o nosso ser pessoal-espiritual.

Com o aparecimento da vida pessoal-espiritual sobre a terra surge a vida que vence o vazio da morte. Com a vida pessoal a Criação torna-se proporcional ao Criador. Na verdade, a divindade é pessoas em relações e a humanidade também. Eis a razão pela qual, com o aparecimento da Humanidade surge a possibilidade da Encarnação, isto é, da interacção orgânica e dinâmica entre as pessoas divinas e as humanas.

É verdade que as pessoas humanas não iguais às pessoas humanas, mas são proporcionais. Por outras palavras, é possível acontecer interacção e comunhão orgânica entre a Humanidade e Divindade. Deus talhou a humanidade para a bondade, condição para acontecer comunhão com a Divindade. Ao amar os outros, o ser humano emerge como pessoa e possibilita a realização pessoal dos outros.

Como vemos, os seres humanos que gastam a vida pelas causas do amor merecem uma estátua, isto é, um reconhecimento por parte da Humanidade. Foram capazes de se estruturar como pessoas e ajudaram os outros neste parto difícil da emergência pessoal-espiritual. Como sabemos, ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado.

Podemos dizer com toda a verdade que a pessoa, ao amar os outros, está a ser fiel ao amor com que foi amada. A lei do amor é esta: O amor dos outros capacita-nos para amar. Os seres humanos mal amados ficam a amar mal, isto é, com bloqueios, condicionamentos e tropeções. Neste caso, a pessoa é vítima, não culpada. O Amor dos outros faz-nos sentir aceites, valorizados e tomados a sério.

Quando sentimos que os outros nos valorizam gostamos de partilhar o que fazemos e sentimo-nos capazes de ir mais longe. O amor dos outros optimiza as nossas capacidades para assumirmos papéis e tarefas no interior da vida familiar e na sociedade. E Deus, sem nos substituir, torna-se presente! De facto, no coração do amor humano acontece sempre o Espírito Santo, a ternura maternal de Deus que nos introduz no próprio diálogo amoroso da Santíssima Trindade (Ga 4, 4-7; Rm 8, 14-17).

O amor e a comunhão humana, portanto, são optimizados e ponto de encontro com o amor e a comunhão com Deus. Emergir como pessoa é adquirir a matéria-prima que Deus acolhe e assume na própria comunhão divina. É esta a dinâmica da divinização. Na verdade, a plenitude da Comunhão Humana acontece mediante a incorporação na Comunhão Divina.

A interioridade pessoal emerge em cada ser humano de modo único e irrepetível, enriquecendo deste modo o património humano com uma novidade. Isto quer dizer que uma pessoa nunca está a mais, pois ninguém é a cópia de alguém na dinâmica da comunhão universal. Além disso, sempre que nos recusamos a amar uma pessoa estamos a impedi-la de desabrochar numa novidade que nunca mais poderá acontecer. O pecado é sempre uma oposição ao amor. Procedendo deste modo, a pessoa está a bloquear a sua humanização e a humanização dos outros.

A vocação fundamental de cada ser humano consiste em responder às propostas que o amor nos faz no concreto do nosso dia a dia. Como vemos, pecamos contra a Humanidade sempre livre e responsavelmente bloqueamos a sua emergência em nós e naqueles que se cruzam na nossa vida. A nossa consciência é o altifalante através do qual o Espírito Santo nos convida a amar os irmãos no concreto dos acontecimentos do dia a dia.

Por outras palavras, o amor é o único caminho para provocarmos o nascimento da Humanidade em nós e nos que se cruzam connosco na vida. Amar é sempre decidir pelo nosso bem e pelo bem do outro. O amor depende da decisão de cada pessoa, pois ele é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. Quando elegemos o outro como nosso próximo, o amor acontece e realiza-se através de opções, escolhas, decisões com o jeito do bem-querer.

Amar implica também acolher os gestos de fraternidade dos outros. O amor é a opção certa para edificarmos em nós e nos outros o projecto da Comunhão Orgânica Universal. A alegria é o primeiro fruto da fidelidade às propostas do amor. Emerge no coração dos que se abrem aos outros como fruto do Espírito Santo que está em nós e connosco, mas nunca em nosso lugar (Ga 5, 22). A alegria não emerge nunca no coração das pessoas que se fecham ao amor.

O ser humano que vai dando o melhor de si no sentido do amor, sente-se contente de ser quem é. No coração das pessoas que procuram exercer a bondade não tem lugar essa tristeza que aperta o coração quando o bem acontece aos outros. A inveja é tanto mais forte quanto mais a vida de uma pessoa foi marcada pelas recusas de amor dos outros. A alegria é, pois, o fruto da presença do Espírito Santo no coração da pessoa que procura ser fiel aos talentos que recebeu de Deus através dos outros. As pessoas que se humanizaram mediante a vivência do amor são peritas na arte de imprimir o sentido e o sabor da festa no tecido das relações humanas.


d) A Comunidade Como Espaço para a Liberdade

Quando Deus pensou em criar o Homem, estava a pensar numa obra-prima. Uma das características fundamentais da pessoa é o facto de ter a possibilidade de se tornar livre. É importante não confundir liberdade com livre arbítrio. O livre arbítrio não é a liberdade, mas é a possibilidade de a pessoa se tornar livre. Na verdade, o livre arbítrio é a capacidade psíquica de a pessoa optar pelo bem ou pelo mal.

O ser humano torna-se livre na medida em que opta pelo bem. De facto, o ser humano não nasce feito. Faz-se, fazendo. Realiza-se, realizando. Constrói-se, construindo. Por outras palavras, Deus não criou o Homem feito, a fim deste poder ter parte na sua própria realização pessoal. Este facto é condição para que o ser humano possa chegar a ser livre. A pessoa humana não nasce livre, mas sim com a possibilidade de se tornar livre. Essa possibilidade, como vimos acima, é o livre arbítrio. A pessoa humana não pode chegar a ser livre sem exercitar o livre arbítrio. Mas não basta exercitar o livre arbítrio para que a pessoa se torne livre. É preciso optar no sentido do amor.

O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. A liberdade, portanto, é uma conquista do Homem em construção. Podemos dizer que a liberdade resulta de uma vida comprometida. Por outras palavras, a liberdade é um estado adquirido que resulta de uma vida vivida como processo de libertação. À medida em que vai emergindo, a liberdade capacita a pessoa para se relacionar amorosamente com os outros e interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos.

Agora já podemos compreender como a liberdade é sempre um bem. O mesmo não poderíamos dizer do livre arbítrio, pois este é, como vimos, a capacidade psíquica de optar pelo bem ou pelo mal. Deus é infinitamente livre, mas não livre arbítrio, pois não pode optar pelo mal. Além disso, as pessoas divinas são infinitamente livre e não uma liberdade em construção. Muitas vezes, quando ouvimos as pessoas falar da liberdade, estas estão simplesmente a falar do livre arbítrio.
Como vemos, a pessoa humana, como ser em construção emerge e cresce como ser pessoal optando na linha do amor. À medida em que cresce como pessoa, o ser humano emerge como interioridade espiritual livre, consciente, responsável, única, original, irrepetível e capaz de comunhão amorosa. Agora podemos compreender melhor a lei da humanização que podemos definir do seguinte modo: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a Comunhão Universal”.

Em perspectivas cristãs, esta Comunhão Universal é o Reino de Deus. Na verdade, o ser humano é uma pessoa em construção em todos os aspectos do seu ser. É este o sentido profundo das palavras de Jesus no evangelho de São João quando afirma: “O que comete o pecado é escravo” (Jo 8, 34).

À luz das Escrituras, o Espírito Santo é o grande protagonista deste processo da libertação humana. Logo no princípio da Criação, quando o hálito de Deus, isto é, o Espírito Santo, entrou para o interior do Homem primordial, este tornou-se um ser vivo (Gn 2, 7). O livro do Génesis quer dizer que esta é a intervenção de Deus na criação do Homem, a qual não aconteceu com nenhum animal. Esta intervenção especial de Deus significa que o Espírito Santo está sempre presente no nosso íntimo, embora nunca nos substitua.

Como ternura maternal de Deus, o Espírito Santo interpela, ilumina e convida no sentido de optarmos e agirmos na linha do amor. Embora não nos substitua, o Espírito Santo optimiza as nossas capacidades de agir segundo os apelos do amor. Deste modo, o Espírito Santo se torna em nós e connosco, o grande protagonista da nossa libertação ou crescimento em liberdade.

São estas as palavras de Jesus ao afirmar que ele foi consagrado pelo Espírito Santo para ser o nosso libertador. Eis as palavras de Jesus no evangelho de São Lucas: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres e a libertação aos cativos” (Lc 4, 18). São Paulo diz que Cristo nos libertou para sermos realmente livres (Gal 5, 1).

A pessoa humana não nasce livre, mas o Espírito Santo, no nosso íntimo, torna-se o grande protagonista do nosso processo de libertação, isto é, do crescimento da nossa liberdade. As condições sociais, políticas, económicas ou culturais podem facilitar ou dificultar o processo do crescimento da liberdade humana, mas não são capazes de destruir o que o ser humano já é como pessoa livre. Por outras palavras, não é pelo facto de uma pessoa estar na cadeia que deixa de ser livre. Uma pessoa nestas condições está limitada nas possibilidades de exercitar o seu livre arbítrio, mas o seu nível de liberdade realizada não fica destruído por este facto.

A Bíblia diz que Deus é Amor (1 Jo 4, 7-8). Isto quer dizer que Deus é uma dinâmica perfeita de bem-querer que tem como origem cada uma das pessoas divinas e como meta a comunhão trinitária. Se Deus é amor infinito, então Deus é Liberdade Infinita, pois, como vimos mais acima, a liberdade é a capacidade de se relacionar amorosamente com as outras pessoas e interagir criativamente com as coisas e os acontecimentos.


e) Comunidade e Responsabilidade

Crescer como pessoa responsável é uma tarefa que ninguém pode realizar por nós. Mas também é verdade que ninguém é capaz de se tornar verdadeiramente responsável sem se relacionar com as outras pessoas, pois somos seres que se realizam em relações com os outros. Eis alguns passos importantes para ajudar a pessoa a crescer como ser responsável, consciente e livre:

*Quando nos comprometemos a fazer uma coisa, devemos executá-la. Na verdade, se desiludimos as pessoas, elas deixam de acreditar em nós. Pelo contrário, quando levamos avante os nossos projectos e cumprimos com os nossos compromissos, as pessoas começam a levar-nos a sério.

*É fundamental que nos responsabilizemos pelos nossos actos sem cair na tentação de nos desculpar, deitando as culpas em cima dos outros. Quando assumimos a responsabilidade das nossas atitudes e acções estamos a dizer mais ou menos isto aos outros: Eu quero ser o autor da minha própria realização. Eu sei que não me posso realizar sozinho, mas também sei que jamais seria uma pessoa livre e responsável se me demitisse da minha realização pessoal ou tentasse delegar essa tarefa noutras pessoas. Por outras palavras, cada um de nós está chamado a tomar conta da sua vida e do seu crescimento pessoal.

*Devemos assumir com plena consciência o cumprimento dos nossos deveres e realizando atentamente as nossas tarefas.
*É importante não ficarmos à espera que sejam os outros a lembrar-nos a hora ou o cumprimento dos nossos deveres.
*Sejamos responsáveis pelos nossos compromissos, a fim de nos tornarmos dignos de confiança.
*Quando alguém depositar confiança em nós e nos comunicar um segredo, saibamos guardá-lo só para nós, a fim de não nos tornarmos traidores em relação aos nossos amigos. A pessoa que trai a confiança que alguém depositou em si, não é digna da confiança de ninguém.

*Não sejamos precipitados e evitemos agir de modo irreflectido. Habituemo-nos a usar a cabeça antes de agir, a fim de actuarmos de modo consciente e responsável. Quando medimos as consequências dos nossos actos estamos a capacitar-nos para decidir optar de modo muito mais acertado. Além disso, o nosso modo de agir será muito mais responsável. Uma pessoa irreflectida e precipitada pode comprometer o sucesso da sua vida num momento. Com efeito, só na medida em que as suas decisões sejam previamente pensadas e amadurecidas, o ser humano crescerá como pessoa responsável.

*Não deixemos de realizar os nossos projectos e cumpramos fielmente os nossos compromissos.
*Quando tivermos um trabalho para fazer, procuremos realizá-lo a tempo e horas, a fim de nos auto controlarmos e merecermos a confiança das outras pessoas. As pessoas que procuram agir de acordo com estes princípios crescem verdadeiramente como seres responsáveis. Uma pessoa responsável adquire normalmente uma grande credibilidade junto das outras pessoas. Na verdade, as pessoas que habitualmente realizam os trabalhos que tinham para realizar dão provas de saberem gerir a sua vida e isto desperta admiração nas outras pessoas.

A liberdade e a responsabilidade de uma pessoa crescem sempre que esta cumpre os seus deveres e compromissos. Podemos dizer que a responsabilidade é a capacidade que a pessoa tem de responder de modo fiel e adequado aos deveres, compromissos e talentos que possui. Como capacidade humana, a responsabilidade é algo que cresce através do exercício. Por outras palavras, quanto mais uma pessoa procura agir de modo responsável mais cresce em responsabilidade. Como sabemos, ninguém nasce responsável. Mas vamo-nos tornando responsáveis de modo gradual e progressivo.

Deus convida-nos a ser responsáveis, pois é este o caminho para chegarmos à comunhão ele e os irmãos na Comunhão do Reino. Deus toma-nos muito a sério e pede-nos para agirmos de acordo com as possibilidades que temos. É esta a maneira de nos tornarmos verdadeiramente responsáveis.

Uma pessoa encontra-se na vida com um leque de possibilidades que constitui os seus talentos. O leque de talentos de cada pessoa é único, original e irrepetível. Ser sensato e responsável, portanto, é dar o melhor de si de acordo com os talentos que tem, tal como Jesus ensinou (cf. Mt 25, 14-30). Como capacidade de responder de modo de modo fiel e adequado aos deveres, compromissos e talentos recebidos, a responsabilidade cresce em conjunto com a consciência e a liberdade.

É como ser consciente que a pessoa descobre o leque das suas possibilidades de realização, tanto de tipo pessoal como social. Como ser livre, a pessoa decide agir de modo fiel e adequado aos seus talentos. A liberdade, como vimos, é a capacidade de se relacionar amorosamente com os outros e de interagir de modo criativo com as coisas e os acontecimentos.

Pelo facto de estar intimamente relacionada com a consciência e a liberdade, a responsabilidade não é uma capacidade estática oposta à novidade da vida. Pelo contrário, confere à pessoa o sentido adequado para agir, tanto na linha do amor aos irmãos, como nas interacções criativas em relação às coisas e aos acontecimentos.


f) Parábola Sobre Uma Comunidade Feliz

Era uma comunidade cristã amadurecida... Os seus membros tomavam Deus e os irmãos a sério. Conviver nesta comunidade significava ter a sorte de encontrar pessoas livres, conscientes e responsáveis. Tinham uma forte consciência da sua pertença comunitária. Por isso cultivavam a fraternidade entre si. Todos sabiam que o fundamental é eleger o outro como alvo de bem-querer.

Entendiam muito bem que o amor é o caminho do amadurecimento e felicidade humana. Ninguém ignorava que o amor não se confunde com paixão ou simples emoção. Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer, aceitá-lo e valorizá-lo, apesar de ser diferente de mim ou do que eu gostaria que fosse. Além disso, o amor implica agir de modo a facilitar a realização e felicidade do outro.

Naquela comunidade, as pessoas sentem-se responsáveis pelas próprias tarefas, procurando agir de modo a edificar a comunidade. Todos são iguais, apesar da diversidade de carismas, ministérios e capacidades. Todos se sentem estimados e valorizados naquilo que fazem. Por isso não há pessoas desenquadradas ou marginalizadas. Este facto faz que cada qual procure render o melhor dos seus talentos. Naquela comunidade não há parasitismo, mediocridade ou fraude.

As pessoas sorriem alegres, pois têm sentidos para viver. Como todos são tomados a sério, O contributo de cada um é estimado por todos. Naquela comunidade não há cobardes nem heróis. Aquelas pessoas sabem que recebemos os talentos uns dos outros. O nosso mérito está apenas em fazê-los render. Todos têm tarefas para realizar, mesmo os menos dotados ou possibilitados.

As pessoas tomam todas parte no que a todos diz respeito. Ninguém se sente excluído. As pessoas compreendem que a meta da comunidade é chegar à plena comunhão. Graças ao sentido que aquelas pessoas têm do amor, encontram condições para optar e decidir de acordo com a sua realização e o bem comum da comunidade. Ninguém imagina o bem pessoal como inimigo da comunidade ou vice-versa.

Além do trabalho há espaços de convívio e descanso, a fim de que não falte qualidade às suas vidas. Todos sabem cantar e partilhar a alegria. Aprender, naquela comunidade, não é tarefa aborrecida, pois ninguém pretende ensinar coisas inúteis para a fraternidade e a realização pessoal. As pessoas sentem-se livres para pensar e falar. Todos estão suficientemente amadurecidos para amar.

Há lugar para a originalidade de cada um, pois todos sabem que as pessoas são únicas, originais e irrepetíveis. Todos se olham nos olhos. No seu olhar e no modo de sorrir há transparência e sabor a verdade e lealdade. Quando olham para o jeito de ser e viver naquela comunidade as pessoas percebem que é disto que todos temos fome.

As atitudes das pessoas entre si coincidem com as aspirações mais profundas e autênticas do coração humano. O gesto mais espontâneo entre as pessoas da comunidade é estender a mão e dizer bom dia ou boa noite. Esta comunidade é fruto de muitas decisões, escolhas, opções e compromissos de vida.

Nas celebrações da Fé, a comunidade sente-se o sujeito celebrante. Sabe que a presidência tem um sentido sacramental, pois exprime a presidência de Cristo. Mas na partilha da Palavra todos se sentem livres e motivados para intervir, pois sabem que são mediação do Espírito para os irmãos. Procuram orar segundo o Espírito Santo, a fim de não caírem em meras repetições ou atribuir um efeito mágico a rezas sem conteúdos de vida ou horizontes de Fé teologal.

Apesar de possuírem um elevado nível de maturidade humana e cristã, as pessoas têm consciência de estar em realização. Aquela comunidade é um espaço privilegiado para a acção do Espírito Santo. Em termos cristãos, a comunidade é um espaço de fraternidade e comunhão. As pessoas sentem que os outros são um dom de Deus para si e procuram ser dom para os outros. Não são família segundo os laços do sangue, mas procuram construir a família de Deus, a qual assenta nos laços do Espírito santo.

Uma comunidade cristã, dinamizada pelo amor fraterno e o Espírito Santo, é um espaço privilegiado para fazer a experiência de Cristo Ressuscitado no seu meio. Depois, torna-se sinal da presença de Deus para o mundo. É isto que significa ser corpo de Cristo, isto é, mediação de encontro das pessoas com Cristo Ressuscitado. As relações, na vida da comunidade, são interpessoais e de amizade.

Existe um objectivo comum para o qual todos procuram convergir. Ninguém se sente mais que os outros, pois são todos membros do corpo de Cristo (1 Cor 12, 13; 10, 17; 12, 27). Todos têm a mesma dignidade fundamental: pessoas humanas, filhos de Deus e irmãos uns dos outros. As diferenças são apenas de tipo funcional, não essencial. De facto, os membros do corpo têm todos a mesma densidade e nível ontológico ou espiritual. É o mesmo princípio de organicidade que circula e alimenta a vida em todos. Cristo é a cepa e todos são ramos alimentados pela única seiva que vem da cepa (Jo 15, 1-7).

O projecto de vida é elaborado e decidido por todos. Não é cristã a comunidade onde as pessoas não são tomadas a sério. A presidência, Na comunidade, tem densidade sacramental: Exprime e significa a presidência de Cristo que é a cabeça do corpo. Na comunidade amadurecida não há homens faz tudo, os quais são um veneno para a vida comunitária. É melhor todos a fazer pouco, que poucos a fazer tudo.

Uma comunidade amadurecida é um espaço privilegiado para a vivência do Baptismo no Espírito que é a dimensão pentecostal da vida cristã. Nesta comunidade o Espírito diz a Palavra no coração das pessoas pela mediação dos irmãos, das escrituras e dos sinais dos tempos. As pessoas que têm a sorte de viver em comunidades amadurecidas crescem enormemente na vida teologal de Fé, Esperança e Caridade, que é o amor ao jeito de Deus.

Cada membro da comunidade sente-se livre para dizer o que pensa; mas, ao mesmo tempo, sente o dever de dar a palavra ao irmão e escutá-lo, pois ninguém é dono da verdade. Uma comunidade amadurecida gera cristãos adultos, isto é, pessoas amadurecidas na vida teologal e, portanto, capazes de ser sal, luz e fermento no mundo. Cristo precisa de cristãos amadurecidos, a fim de transformar o mundo e conduzir a Humanidade para o Reino de Deus.

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