Da Imposição das Mãos ao Crisma





a) O Espírito e a Lei nos Actos dos Apóstolos

b) Da Imposição das Mãos à Confirmação
1- Ungidos Pelo Espírito Para a Evangelização
2- O Nascimento do Crisma

c) Confirmação e Baptismo no Espírito



a) O Espírito e a Lei nos Actos dos Apóstolos

São Paulo foi o autor do Novo Testamento que mais sentiu a tensão entre a Novidade da Nova aliança e a letra do Antigo Testamento. Foi a experiência desta tensão que o levou a escrever: “É Deus quem nos torna aptos para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata, enquanto o Espírito dá vida” (2 Cor 3, 6).

Os Actos dos Apóstolos procuram testemunhar o nascimento da Igreja nascente. O seu autor, São Lucas, apesar de suavizar os conflitos, não conseguiu ocultar a tensão entre a acção renovadora do Espírito Santo e a resistência provocada pela visão conservadora dos discípulos de Jerusalém.

A questão de fundo dos Actos dos Apóstolos é a incorporação dos pagãos na Igreja. São Lucas recebeu de São Paulo, o seu mestre, o zelo e a paixão pela evangelização dos pagãos. Na visão dos actos dos Apóstolos este é o plano de Deus desde toda a eternidade. Partilhava com o seu mestre a opinião de que os pagãos deviam ser evangelizados e baptizados em pé de igualdade com os judeus.

Tal como São Paulo, São Lucas era um helenista, isto é, um judeu que vivia fora da Palestina. São Lucas, ao escrever, tem sempre em mira os pagãos convertidos ao cristianismo. Eis a razão pela qual ele pretende apresentar a Igreja como uma realidade harmoniosa e planeada por Deus desde toda a eternidade.

Lucas conceba a Igreja como o Novo Povo de Deus, o qual está na continuidade do primeiro povo de Deus. É esta a razão pela qual é tão importante para ele que tudo parta de Jerusalém. Jerusalém, a capital do povo Bíblico, deve ser o ponto de partida para a evangelização do mundo. Por isso a comunidade de Jerusalém exerce o papel de Igreja mãe. É em Jerusalém que acontece o Pentecostes, o grande dom do Espírito Santo (Act 1, 12). A dinâmica missionária devia arrancar de Jerusalém. Outro aspecto fundamental é a ideia de que os Doze são o alicerce do novo Povo de Deus (Act 1, 15-26). Tudo está harmoniosamente planeado por Deus. A Cidade Santa e os Doze são o alicerce da Igreja.

No capítulo sexto dos Actos, São Lucas fala de um conflito aparentemente secundário. Segundo ele, tratou-se de um conflito na comunidade de Jerusalém devido a um desentendimento entre os cristãos de origem grega e os cristãos de origem hebraica. Os cristãos de origem judaica cuidavam das suas viúvas e descuidam as viúvas dos gregos (Act 6, 1).

Com a sua preocupação de apresentar a Igreja como uma realidade harmoniosa, São Lucas disfarça a questão central do conflito existente na comunidade de Jerusalém. Na realidade o conflito assenta numa questão que foi causa de graves tensões na Igreja nascente: a pregação, o baptismo e a incorporação dos pagãos na Igreja. São Lucas tenta dizer que se trata apenas de um mal-estar nascido do facto de os cristãos judeus desprezarem as viúvas de origem pagã.

Para fazer frente a este conflito, os Doze tomam a iniciativa de eleger os diáconos (Act 6, 2). Os nomes dos diáconos são todos de origem, não judaica. Com este procedimento, São Lucas pretende dizer que os cristãos de origem pagã são reconhecidos e confirmados pelos Doze. Este aspecto era fundamental para a visão de São Lucas. Para confirmarmos isto, basta ver a importância que ele dá ao relato do martírio de Estêvão, o diácono helenista escolhido para a evangelização dos pagãos. Ao descrever o martírio do Apóstolo de São Tiago, o irmão de São João, reduz tudo num simples versículo (Act 12, 2). A morte do diácono Estêvão, pelo contrário, ocupa sessenta e sete versículos (Act 6, 8-7, 60).

São Lucas distingue os helenistas (cristãos judeus de cultura grega) dos gregos (cristãos de origem pagã). Os chamados diáconos não são mais que apóstolos de origem helenista, eleitos para a evangelização dos pagãos. E é assim que o diácono Filipe, conduzido pelo Espírito Santo, sai de Jerusalém para iniciar a evangelização da Samaria. A iniciativa não partiu dos Doze (Act 8, 29). Daqui, a necessidade de a sua obra ser confirmada.

O relato da subida de Pedro e João à Samaria tem exactamente este sentido: “Quando os Apóstolos tiveram conhecimento de que a Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Estes foram até lá e oraram pelos Samaritanos para que estes recebessem o Espírito Santo que ainda não descera sobre nenhum deles. Tinham apenas recebido o baptismo em nome do Senhor Jesus. Pedro e João iam impondo as mãos sobre os samaritanos, os quais iam recebendo o Espírito Santo” (Act 8, 14-17).

Se tomássemos o texto à letra, ficaríamos com a impressão de que o Espírito Santo é uma coisa que um homem pode dar de modo mágico ou automático. Como sabemos, o Espírito Santo é uma pessoa. Com a ressurreição de Cristo, foi-nos dada a possibilidade de interagirmos com o Espírito Santo de maneira totalmente nova.

No relato da pregação de Pedro em casa de Cornélio acontece exactamente o contrário. Os pagãos recebem o Espírito Santo ao ouvirem a Palavra, ainda antes de serem baptizados. Como vemos, o baptismo no Espírito, no caso dos adultos, acontece antes da celebração litúrgica do baptismo e sem qualquer imposição das mãos (Act 10, 44-45). Segundo o relato da Evangelização da Samaria, os Samaritanos já tinham acolhido a Palavra de Deus (Act 8, 14b). A diferença está em que, no caso da Samaria, não era Pedro o pregador.

O relato da evangelização da família de Cornélio dá-nos a impressão de que Pedro foi o grande evangelizador dos pagãos. De facto não foi assim. São Lucas, com este texto, pretende dizer apenas que está legitimada a pregação dos pagãos, pois Pedro já o fez por mandato do Espírito Santo (Act 10, 9-20).

Com isto, Lucas quer apenas significar que a evangelização dos pagãos é algo confirmado por Jerusalém. Lucas utiliza uma simbologia semelhante quando fala da missão de São Paulo. Este, embora fosse um teólogo fariseu, não fazia parte dos Doze. Eis a razão pela qual a sua missão devia ser confirmada. São Lucas não está preocupado com o rigor dos factos históricos, pois apenas lhe interessa fundamentar a verdade teológica segundo a evangelização dos pagãos é uma acção fundamental da Igreja primitiva.

Por isso São Lucas tenta harmonizar as coisas dizendo que tanto a Igreja judaica como a Igreja de origem pagã são obra do Espírito Santo. É este o significado da confirmação, por parte dos Doze, da evangelização dos pagãos. Segundo os Actos dos apóstolos, o primeiro pagão a ser incorporado na Igreja foi evangelizado pelo diácono Filipe, sob a condução do Espírito Santo. Trata-se do baptismo do eunuco da rainha Candace (Act 8, 26-40).

Segundo a lei mosaica, um eunuco não podia fazer parte do povo de Deus (Dt 23, 2; Esd 56, 3-7; Neem 13, 1-3). Ao elaborar este relato, São Lucas afirma claramente que o novo Povo de Deus não assenta nas prescrições do judaísmo, segundo o qual os eunucos não podiam fazer parte da assembleia do povo de Deus. Esta iniciativa pertence a Deus, pois não nasceu dos Doze mas dos missionários helenistas.

Lucas tenta harmonizar constantemente a acção evangelizadora dos cristãos da Palestina representados por Pedro e os cristãos de origem helenista representados por Paulo. Pedro pretende conduzir os pagãos para as práticas judaicas e Paulo, muito mais aberto e culto opõe-se a tal pretensão, pois ele acha que os pagãos devem ser evangelizados e baptizados em pé de igualdade com os judeus. Daqui, a sua iniciativa de evangelizar e baptizar os pagãos em pé de igualdade com os judeus.

Esta perspectiva está bem patente quando São Lucas fala da missão de São Paulo. No fundo, os Actos dos Apóstolos são uma de que a missão de São Paulo é a grande obra do Espírito Santo na difusão do Evangelho entre os pagãos. No entanto, tudo isto é feito de maneira harmónica, a fim de não chocar os helenistas e os gregos. Não deixa de chamar a atenção o facto de o livro dos Actos relatar por três vezes a conversão de Paulo (Act 9, 1-19a; 22, 1-21; 26, 9-20). No total, dedica cinquenta e um versículos a este grande acontecimento do Espírito Santo, o que indica a importância que São Lucas atribui a este acontecimento.

São Lucas começa por apresentar o Apóstolo como o grande perseguidor da fé. Quando ainda era adolescente, Paulo, ainda chamado Saulo, colabora no martírio de Estêvão: “Saulo aprovava também essa morte” (Act 8, 1) Depois entra na casa dos cristãos para os maltratar e levar para a prisão (Act 8, 3). Com estes reparos São Lucas tenta acentuar a força miraculosa do Espírito Santo no acontecimento da conversão de Paulo. Agora, uma vez convertido, deve ser confirmado, a fim de ser aceite e reconhecido como o grande escolhido de Deus para a obra do Evangelho. Para isso, Paulo deve entrar na cidade e dirigir-se à comunidade onde lhe será dito o que deve fazer (Act 9, 6).

Estes relatos contrastam com a descrição que o próprio Paulo diz acerca da sua conversão e da sua dedicação à missão. Segundo o relato de Paulo, a sua prática missionária não procedem de qualquer homem, mas sim de uma inspiração do Espírito Santo (Gal 1, 11-12). Está de acordo com Lucas quando fala do seu zelo pelo judaísmo, a ponto de ser perseguidor da Igreja (Gal 1, 13).

Deus, no entanto, chamou-o para anunciar o Evangelho entre os gentios. Quando sentiu o chamamento de Deus, São Paulo não consultou qualquer homem. Também não foi a Jerusalém para consultar os que tinham sido Apóstolos antes dele. Pelo contrário retirou-se para a Arábia, a fim de fazer uma longa meditação. Depois voltou a Damasco, a cidade onde se tinha dado a sua conversão (Gal 1, 16-17).

Passados três anos de missão, São Paulo foi, então, a Jerusalém, a fim de visitar São Pedro, acabando por ficar quinze dias com ele (Gal 1, 18). Não viu mais nenhum Apóstolo, a não ser Tiago, o irmão de Jesus (Gal 1, 19). Tiago, o irmão de Jesus, não fazia parte dos Doze, mas São Paulo chama-o Apóstolo. Para ele, apóstolo é todo o missionário itinerante. Dá-se este título a si mesmo, apesar de São Lucas nunca o chamar assim, pois ele não pertencia aos Doze. Na realidade, os diáconos helenistas eram todos Apóstolos, isto é, missionários itinerantes e fundadores de comunidades. Lucas, no entanto, só atribui este título aos Doze. Paulo, pelo contrário, reconhece muitos outros Apóstolos além dos Doze (cf. 1Cor 15, 5).

Como vimos, segundo os Actos dos Apóstolos, Paulo deve ir confirmado antes de partir para a missão. Para os helenistas a Igreja seria obra de Deus devia funcionar de maneira harmoniosa e sem tensões. A Igreja está inserida no plano geral de Deus sobre a História da Humanidade. Daqui, a necessidade de que tudo funcione harmonicamente. Para os gregos, o mundo é um cosmos ordenado, isto é, um Universo bem ordenado e com um fim bem definido. Por outras palavras, Deus é a fonte da harmonia cósmica e histórica.

O mundo judaico não tinha esta visão das coisas. A acção de Deus passa por todos os acontecimentos onde há tensões, tragédias e guerras. Os acontecimentos são utilizados por Deus em função de um objectivo e, portanto, nunca alteram nem anulam os planos de Deus. É devido às preocupações com a mentalidade grega que os Actos dos Apóstolos legitimam a obra de São Paulo dizendo que São Pedro foi o primeiro a pregar e fazer conversões entre os pagãos (Act 10, 1-18).

Só depois Paulo e os chamados diáconos passaram a pregar o Evangelho aos pagãos (Act 11, 20). Uma vez legitimada a sua missão, começa a surgir uma enorme multidão de pagãos convertidos (Act 11, 22). A notícia do sucesso dos novos apóstolos chega a Jerusalém onde a mentalidade era contrária ao anúncio do evangelho aos pagãos. Foi então que os Doze decidem enviar Barnabé a Antioquia (Act 11, 22). No capítulo 15, a questão fica solucionada apenas no capítulo quinze dos Actos dos Apóstolos quando Paulo e Barnabé decidem vir a Jerusalém.

A razão que motivou a ida de São Paulo a Jerusalém era realmente séria: Paulo denuncia o facto de alguns enviados de Jerusalém irem atrás dele e dos outros apóstolos helenistas, a fim de espiarem o trabalho deles. Estes cristãos não passam de uns falsos irmãos, como ele lhes chama (Ga 2, 4) não é um acto de boa fé e confirmação, mas antes um acto de espionagem.

De facto, os cristãos de Jerusalém diziam que os pagãos não podiam ser plenamente cristãos se não praticassem antes as normas prescritas pela Lei de Moisés (Act 15, 1). Paulo e Barnabé enfrentam-nos e vão a Jerusalém para pôr as coisas a claro (Act 15, 2). Os Apóstolos e os presbíteros da comunidade examinaram a questão (Act 15, 6). Agora São Paulo fica confirmado através de um discurso de São Pedro nitidamente forjado por São Lucas.

Nesse discurso, São Pedro afirma que Deus não faz acepção de pessoas (Act 15, 8-10). Além disso diz que a Lei é um jugo insuportável (Act 15, 10). O Homem é salvo pela graça, não pelas obras da Lei (Act 15, 11). É evidente que esta é a linguagem de São Paulo, não a de São Pedro. Isto torna-se ainda mais claro quando aparece o próprio São Pedro a declarar que Deus o escolheu para evangelizar os pagãos (Act 15, 1).

Não é difícil ver como São Lucas tenta confirmar São Paulo pondo as suas palavras na boca de São Pedro. Procedendo deste modo, São Lucas declara que a obra de São Paulo está legitimada e confirmada pela comunidade de Jerusalém e por São Pedro. A descrição de São Paulo sobre a sua ida com Barnabé a Jerusalém é diferente do relato dos Actos dos Apóstolos. Passados catorze anos de missão, diz ele, fui a Jerusalém, a fim de não estar a correr em vão (Gal 2, 1-2). Isto porque os falsos irmãos, vindos de Jerusalém, iam atrás dele contrariando a sua obra evangelizadora (Gal 2, 4). Foi então que Pedro, Tiago e João, considerados como as colunas da comunidade de Jerusalém, dão as mãos a Paulo em sinal de comunhão.

Nesse momento reconhecem, diz São Paulo, que São Pedro foi escolhido para os judeus e São Paulo para os pagãos (Gal 2, 9-10). Como vemos, São Paulo diz o contrário dos Actos dos Apóstolos. São Pedro resolve partir para Antioquia, a fim de confirmar publicamente a obra de Paulo (Gal 2, 11a).

São Paulo descreve um incidente que revela bem a fragilidade e ambiguidade da personalidade de São Pedro. Primeiro, começou por comer e celebrar a Eucaristia com os cristãos de origem pagã. Mas, quando apareceram alguns defensores da visão rígida de Jerusalém São Pedro começou a afastar-se da mesa e da Eucaristia dos pagãos cristãos.

O grupo conservador de Jerusalém estava ligado a Tiago, o irmão do Senhor, o qual era o chefe da comunidade de Jerusalém. A situação complicou-se quando Barnabé se juntou a São Pedro, entrando neste jogo duplo (Gal 2, 12-13). É então que são Paulo os enfrenta os enviados de Tiago com dureza (Gal 2, 14).

São Lucas, referindo-se a este acontecimento, relata-o de modo diferente, a fim de não chocar os cristãos de origem pagã. Os Actos dos Apóstolos dizem simplesmente que Paulo e Barnabé programaram uma viagem pelas cidades onde existiam comunidades. Barnabé queria levar consigo João Marcos, a fim de colaborar na obra do Evangelho. São Paulo opôs-se, pois não achava João Marcos capaz de realizar esta missão. Após uma discussão acesa, Paulo e Barnabé separaram-se. Barnabé foi para Chipre e Paulo foi visitar outras comunidades acompanhado por Silas (Act 15, 35-41).

São Lucas omite totalmente o incidente com São Pedro. Do mesmo modo, são omitidas as razões profundas da separação de Paulo e Barnabé. Nos últimos treze capítulos dos Actos, São Pedro e Barnabé desaparecem. A missão evangelizadora de São Paulo, pelo contrário, é o tema dominante.

A acção evangelizadora de São Paulo é obra do Espírito Santo. É a comunidade de Antioquia, não a de Jerusalém, que impõe as mãos a Paulo e o envia para a missão entre os pagãos (Act 13, 2-3). A imposição das mãos efectuada pelos cristãos de origem pagã vale tanto como a dos cristãos de Jerusalém.

Lucas diz e defende esta perspectiva. Mas fá-lo de maneira conciliadora. A sua preocupação é sobretudo de tipo teológico. Ele entende que o Espírito Santo não é fonte de divisão, mas de união. Ele sabe como a evangelização dos missionários helenistas foi fundamental para o nascimento e implantação da Igreja. Mas os Doze são, na visão de São Lucas, são a ponte de ligação entre o povo bíblico e os pagãos. No contexto dos Actos dos Apóstolos, a imposição das mãos tem o mesmo sentido que em Paulo o dar as mãos em sinal de confirmação e comunhão de fé.


b) Da Imposição da Mãos à Confirmação

1- Ungidos Pelo Espírito para a Obra do Evangelho

Para o pensamento de São Lucas a Igreja nasce do Povo bíblico, mas transcende-o. É esta a razão pela qual, na sua visão, a evangelização do mundo devia partir de Jerusalém, a cidade onde acontece o Pentecostes. O Espírito Santo é a unção messiânica. O Pentecostes significa a comunicação da força messiânica agora comunicada aos discípulos de Jesus ressuscitado (Lc 4, 18-21). O Espírito não é uma coisa que se comunica magicamente. Foi esta a interpretação de Simão Mago, pelo que foi castigado (Act 8, 18-24).

A questão surgiu a propósito do ministro do baptismo. O Novo Testamento apenas reconhece o sacerdócio de Cristo ressuscitado, o portador do Espírito Santo. Cristo é o medianeiro do encontro do homem com Deus no Espírito Santo. É esta a reflexa teológica da carta aos Hebreus. O ministério eclesial, na perspectiva do Novo Testamento, não é sacerdotal. Cristo é o nosso Sumo-sacerdote permanentemente em funções junto de Deus Pai.

Os cristãos, graças ao baptismo no Espírito, participam da unção messiânica de Cristo. Por isso, são um povo sacerdotal. Participam do sacerdócio real de Cristo (1Pd 2, 9a). A sua missão sacerdotal, na linguagem de São Paulo, é ser corpo de Cristo: “Foi num só Espírito que todos fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo. Judeus ou gregos, escravos ou livres, bebemos de um só Espírito” (1Cor 12, 13).

O evangelho de São João também do Espírito como uma realidade que devemos beber para ter a Vida Eterna. O Espírito, diz ele, é uma Água Viva que Jesus tem para nos dar (Jo 7, 37-39; 4, 14). A unção sacerdotal dos membros do Novo Povo de Deus, diz a Primeira Carta de São Pedro, capacita-nos para testemunharmos a bondade de Deus que nos chamou das trevas para a Sua luz admirável (1Pd 2, 9b). A comunidade cristã é toda ela sacerdotal. O culto da Nova Aliança não é um conjunto de ritos estereotipados, mas sim um culto em Espírito e verdade.

É o culto em Espírito e Verdade de que fala o evangelho de São João (Jo 4, 23). A maneira de realizar este culto em Espírito e Verdade é orar no Espírito Santo e ser mediação da acção reveladora do Espírito Santo no mundo. É este o culto que Deus quer, acrescenta o evangelho de São João (Jo 4, 24). O Novo culto, diz a Carta aos Hebreus, consiste em realizar a vontade de Deus (Heb 10, 5-10).

Com a sacerdotisação do ministério este começa a interpor-se entre Deus e os membros da comunidade. Se tivermos presente a visão do Novo Testamento verificamos que se trata de um desvio. Segundo o Novo Testamento todos os crentes têm acesso a Deus graças ao nosso Sumo-sacerdote, isto é, Cristo ressuscitado, o qual é o único medianeiro entre Deus e o Homem (1Tm 2, 5). É por ele que Deus quer realizar o seu plano que consiste em fazer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade (1Tm 2, 4).

Eis a razão pela qual, no momento da morte e ressurreição de Cristo o véu do templo se rasgou de alto a baixo (Lc 23, 45; Mt 27, 51; Mc 15, 38;). O véu do templo era um cortinado que separava o povo e o Santo dos Santos, isto é, Deus. No Santo dos Santos só entravam os sacerdotes que serviam de medianeiros entre Deus e o Povo. Com a morte e ressurreição de Jesus o véu do Templo rasgou-se e o Povo passa a ter acesso directo a Deus através de Cristo.

2- O Nascimento do Crisma

As origens do sacramento da confirmação remontam ao século IV. O ministério já era visto como uma função sacerdotal. O ministro do baptismo é o presbítero ou o Bispo. Isto faz que se comece a levantar a questão do ministro do baptismo em casos de urgência, como, por exemplo, em perigo de morte. Ponhamos, por exemplo, o caso de um catecúmeno sair de viagem e cair gravemente enfermo. Neste caso, o catecúmeno poderá ser baptizado por um cristão que não seja diácono, presbítero nem bispo?

Esta questão surgiu concretamente no Concílio de Elvira, em princípios do século IV. O Concílio afirma que, neste caso, qualquer crente pode baptizar o catecúmeno. No entanto, se o catecúmeno não morrer, deve ser conduzido mais tarde ao bispo, o qual lhe imporá as mãos, a fim de o baptismo atingir a sua plena realização. No fundo o Concílio queria afirmar que o bispo confirma o baptismo realizado fora de um contexto litúrgico adequado [Concílio de Elvira, c. 38].

Como os ministros do baptismo ser o presbítero ou o bispo, o Concílio levanta a questão do baptismo realizado pelo diácono, na ausência de um bispo ou do presbítero. Também neste caso, os recém baptizados devem ser conduzidos ao bispo, o qual os abençoará. Também aqui se pretende apenas afirmar que o bispo confirma os baptismos realizados pelo diácono [Ibid. c 77]. Se o ministro fosse o presbítero, já não seria preciso levar os recém baptizados ao bispo.

Estas distinções revelam claramente como no século IV o ministério começa a hierarquizar-se. O Papa Inocêncio I acrescenta que o presbítero só pode fazer a unção final do baptismo com óleo benzido pelo bispo. Se o óleo não tiver sido benzido, os recém baptizados devem ir ao bispo para serem abençoados por este. Segundo Inocêncio I, só os bispos podem comunicar o Espírito Santo porque são sumos-sacerdotes. Eis a razão pela qual os baptismos realizados por outros ministros devem ser abençoados pelo bispo. Este deve impor as mãos aos recém baptizados, a fim de lhes comunicar o Espírito Santo.

O Papa apoia-se no texto dos Actos dos Apóstolos que fala da ida Pedro e João à Samaria, a fim impor as mãos aos baptizados pelos missionários helenistas, os quais não faziam parte do grupo dos Doze (Act 8, 14-17). Inocêncio I diz que os bispos são os sucessores dos Doze [cf. Denz. 98]. A partir deste período, o rito da imposição das mãos ou da unção com o óleo do Crisma começa a separar-se do baptismo. Este fenómeno aconteceu apenas na Igreja ocidental. Ainda hoje, a Igreja oriental não celebra um sacramento do crisma separado do baptismo.

No século XII, Inocêncio III declara a confirmação como um novo sacramento. O argumento, agora é o de que só os bispos são sumos-sacerdotes. Só eles têm o poder de dar o Espírito Santo. Segundo o Novo Testamento, só Cristo é o Sumo-sacerdote que dá o Espírito Santo. A confirmação torna-se assim o sacramento que dá o Espírito Santo. Fica-se com a impressão de que o baptismo deu uma porção de Espírito Santo e a confirmação ou crisma dá o resto. Na celebração do baptismo, diz Inocêncio III, o presbítero pode realizar outras unções, mas a unção do crisma é acção exclusiva do bispo [Denz. 419].

c) Confirmação e Baptismo no Espírito

Os sacramentos são celebrações comunitárias da fé. Celebram o projecto salvador de Deus a acontecer na diversidade de etapas, opções e compromissos de vida. A Igreja pode criar celebrações novas e anular outras que deixaram de ser mediação, para exprimir o projecto salvador de Deus. O sacramento da confirmação é um produto medieval. Isto não significa que seja ilegítimo. Vale na medida em que é um espaço celebrativo da salvação de Deus a acontecer na vida do homem.

Isto mesmo vale para os demais sacramentos. O baptismo e a Eucaristia são celebrações sacramentais das comunidades neo-testamentárias. Neste sentido, são um dado primordial da fé. As comunidades neo-testamentárias celebram o baptismo no Espíritos que constitui a comunidade em corpo de Cristo (1Cor 12, 13).

O mesmo argumento serve para a Eucaristia. Como todos comemos do mesmo pão, todos formamos um só corpo (1Cor 10, 16-17). Isto revela que as celebrações da fé, para o Novo Testamento, eram espaços fundamentais para a edificação e missão da Igreja. O corpo de Cristo é a mediação através da qual o Senhor se comunica ao mundo.

As celebrações sacramentais são mediações da acção revelacional do Espírito para a comunidade. Esta, por seu lado, é mediação da acção revelacional do Espírito para o mundo. As celebrações sacramentais orientam-se no sentido da edificação da comunidade. São eficazes, na medida em que significam [cf. Rey-Mermet, Croire, vol. II, Droguet et Ardant, 1977, p. 92].

A eficácia dos sacramentos é real na medida em que são mediação da acção revelacional do Espírito Santo. A linguagem da confirmação é, exactamente, a mesma do baptismo. O povo da Nova Aliança edifica-se em dinâmica pentecostal. A Igreja é sal, fermento e luz na medida em que é organismo vivo dinamizado pelo Espírito Santo.

Isto é proclamado pelo sacramento do baptismo. A confirmação confirma, exactamente, esta verdade. Por se ter constituído noutro sacramento, a confirmação é ainda linguagem da opção renovada do crente. Pelo baptismo, entrou na comunidade. Esta é o espaço onde acontece o baptismo no Espírito. Pelo baptismo no Espírito, o crente vai crescendo na vida teologal. Deste modo vai sendo capacitado para a missão. Isto implica serviço e consagração à acção revelacional do Espírito Santo.

Agora, na confirmação, o crente é interpelado no sentido de fazer render o melhor dos seus possíveis pela causa do Evangelho. É um espaço privilegiado para renovar o seu compromisso pela causa do Reino. Toma consciência de que a sua missão é ser testemunha do projecto salvador de Deus, juntamente com o Espírito Santo (Act 5, 32).

A confirmação, na medida em que é uma reafirmação do baptismo no Espírito, é uma celebração confirmadora. Entrei na comunidade pelo baptismo. Aí, fui saboreando o dom de Deus no Espírito Santo. Sinto que este é o grande dom de Deus. Quero continuar a saboreá-lo e anunciá-lo aos homens. É evidente que isto só pode ser verdade se o crente tem uma experiência agápico-eucaristica da fé. Também só pode ser verdade se a celebração do sacramento da confirmação se realizar como celebração que incorpora a vida dos rentes e a sua vida de serviço evangélico.

Se a celebração da confirmação for reduzida a uma unção com carácter mecânico-mágico, não significa nada disto. Não passa de uma linguagem obscura e mágica. Neste caso, não é mediação de qualquer realidade significativa em relação ao baptismo no Espírito. Por isso, há tantos confirmados e baptizados que são como se não o fossem.

Paulo diz que ninguém é capaz de dizer que Jesus é o Senhor a não ser pela acção revelacional do Espírito Santo. Como o termo Senhor (Kyrios), Paulo quer dizer Messias ressuscitado e entronizado à direita de Deus (cf. Rm 1, 3-5). Paulo pretende afirmar que ninguém pode testemunhar a ressurreição de Cristo a não ser pelo Espírito Santo.

Com efeito, a experiência pascal foi uma vivência no Espírito Santo. Aconteceu na fé e na experiência do Espírito Santo. Não aconteceu na evidência. O Espírito Santo foi o único que este presente à ressurreição de Jesus. Por isso, só Ele pode testemunhar esta realidade. No entanto, o Espírito Santo precisa de mediações para testemunhar esta Boa Nova aos homens.

Os crentes, animados pelo Espírito, são as testemunhas da ressurreição de Cristo. No entanto, não pode realizar esta missão se não fizerem a experiência do baptismo no Espírito. A confirmação é linguagem de que a experiência do Espírito Santo é algo de profundamente significativo para a vida dos homens. Por isso, o crente opta por continuar a ser testemunha de Cristo ressuscitado. Confirma, deste modo, a sua experiência no Espírito. O sacramento do baptismo proclama, essencialmente, a edificação da Igreja como acontecimento pentecostal. A confirmação proclama, sobretudo, a missão de testemunho a que o Espírito conduz a Igreja. É a dinâmica pentecostal da Igreja “ad intra” e “ad extra”.

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