Dimensões Básicas da Vida Cristã




a) Viver a Lei da Nova Aliança
b) A Imitação de Jesus Cristo
c) Seguir os Apelos da Nova Criação
d) Viver a Epopeia da Humanização
e) Evangelização e Experiência de Deus


a)Viver a Lei da Nova Aliança

Jesus sabia muito bem que o ser humano só pode realizar-se e ser feliz mediante o amor. Foi esta a razão pela qual ele fez do amor o seu mandamento. Os judeus tinham uma multidão de mandamentos, normas e preceitos, ao ponto de até os sacerdotes e os doutores da Lei se sentirem confusos diante de tantos preceitos e leis.

Foi assim que Jesus resolveu resumir as leis e preceitos do judaísmo a um mandamento único. Eis o que Jesus diz no evangelho de São João: “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 12-13).

São Paulo entendeu perfeitamente que Jesus anulou os preceitos e leis da religião judaica, pondo no lugar destes o mandamento do amor. Eis o que ele diz na carta aos Romanos: “Amar o próximo como a si mesmo resume e cumpre toda a Lei de Moisés” (Rm 13, 8). São Paulo diz ainda que o amor é o pleno cumprimento da Lei (Rm 13, 10). Inspirado nos ensinamentos de Jesus sobre o amor, São Paulo compôs um hino sobre o amor que é das coisas mais belas que já disseram sobre o amor.

1-Eis algumas afirmações de São Paulo neste seu hino sobre o amor: “Ainda que eu fale as línguas dos anjos e dos homens, se não tiver amor não passo de um bronze que soa e faz barulho. Mesmo que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência; Ainda que tenha uma fé grande ao ponto de deslocar montanhas, se não tiver amor, nada sou. Mesmo que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita. O amor é paciente e prestável. O amor não é invejoso. Não é arrogante nem orgulhoso. O amor nada faz de inconveniente nem gira sempre à volta do seu interesse. Também não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. O amor desculpa tudo e acredita sempre. Espera tudo e tudo suporta. O amor jamais passará” (1 Cor 13, 1-8).

Jesus pede-nos para estarmos atentos aos seus ensinamentos, a fim de o nosso amor atingir a densidade de amor caridade, isto é, amor ao jeito de Deus. O Amor substitui os Preceitos. Eis a proposta que Jesus fez aos seus discípulos: “Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. Eu, porém, digo-vos: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. Fazendo assim, acrescenta Jesus, tornar-vos-eis filhos do vosso pai que está nos Céus, o qual faz com que o sol se levante todos os dias sobre bons e maus e faz cair a chuva sobre justos e pecadores (…). Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai do Celeste é perfeito” (Mt 5, 43-48).

O jeito de Jesus amar era em tudo semelhante à maneira de amar de Deus Pai. De tal modo amava ao jeito de Deus Pai que um dia Jesus afirmou: “Há tanto tempo que estou convosco e ainda não me conheceis, Filipe? Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). Como havia uma união total entre ele e Deus Pai, Jesus afirmou um dia: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).

Amar ao jeito de Deus significa amar a todos sem distinção. Eis a razão pela qual este modo de amar nos torna cada vez mais semelhantes a ele. Por outras palavras, o amor caridade faz de nós reveladores do próprio rosto de Deus. Por ter sido criado à imagem de Deus, a pessoa humana tem esta capacidade maravilhosa de amar, isto é querer bem aos outros e ajudá-los a ser felizes. Mas os cristãos, graças à Palavra de Deus e à acção do Espírito Santo são capacitados para amar com amor caridade, isto é, ao jeito de Deus. Amando assim, os cristãos tornam-se um sinal de Deus para o mundo. Jesus ensinou os cristãos a amar ao jeito de Deus, a fim de se tornarem no mundo um sal que dá sabedoria à vida e uma luz que confere sentidos para viver.

Olhando para o vosso novo modo de amar e estar na vida, diz Jesus, os homens darão glória ao vosso Pai que está nos Céus (Mt 5, 13- 17). Os Cristãos, estão chamados a ser o Sacramento do Amor de Deus. Jesus disse que o amor e o bem que fazemos ao próximo é sentido por Jesus como tendo sido feito à sua pessoa (Mt 25,31-46). Podemos dizer que o amor com que amamos os irmãos modela o nosso coração para amarmos e comungar com Deus. A Lei e os profetas, disse Jesus, resumem-se neste princípio único: “Fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem a nós” (Mt 7, 12). Como vemos, aprofundar o mistério do amor significa aprofundar o mistério de Deus e do Homem.

Não nos podemos esquecer que Deus é uma comunidade de três pessoas que se amam de modo infinitamente perfeito. É por esta razão que a Bíblia diz que Deus é Amor (Jo 4,7). Como foram criados à imagem de Deus, os seres humanos estão talhados para o amor. Eis a razão pela qual as pessoas só podem encontrar a sua plenitude na comunhão amorosa. Quando amamos o irmão, este sente que uma porta se abriu para si. Sente que não está sozinho. Nasce nele uma nova força, pois começa a sentir que tem alguém com quem pode contar. Quando se sente amado, o ser humano sente-se mais forte e cresce nele a confiança. Muitos dos seus problemas começam a encontrar solução. Na verdade, o amor é profundamente libertador, pois possibilita a realização da pessoa.

Quando o nosso amor se torna universal, começamos a eleger os outros como irmãos para lá da língua, da raça, da cultura e da nacionalidade. Quando isto acontece, o nosso coração adquire uma qualidade nova que nos capacita para participarmos de modo mais perfeito na comunhão universal do Reino de Deus. Jesus pede-nos para amar com este sentido de universalidade, a fim de todos caberem nas nossas atitudes de bem-querer. Eis alguns dos ensinamentos que Jesus nos faz no evangelho de São Mateus: “Se amais apenas os que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também fazem o mesmo. Se saudais apenas os da vossa raça e língua que fazeis de extraordinário? Não fazem assim também os pagãos? Sede perfeitos no vosso modo de amar, tal como o vosso Pai do Céu é perfeito” (Mt 5, 46-48).

O amor caridade é sempre um jeito de amar numa abertura universal. Torna-nos semelhantes a Deus, pois é este o jeito de Deus amar. Na verdade Deus ama as pessoas de todas as raças, línguas, povos e nacionalidades. Quem não ama os irmãos, diz a primeira Carta de São João, não é capaz de conhecer a Deus, pois Deus é Amor. Eis algumas palavras desta carta: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus. Aquele que não ama não chega a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (Jo 4, 7-8).

O amor conduz sempre a gestos e atitudes concretas para com os irmãos. Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer, aceitando-o assim como é e agindo de modo a facilitar a sua realização e felicidade. Podemos dizer que a nossa identidade pessoal é o nosso modo de amar. Na comunhão universal do Reino de Deus dançaremos eternamente o ritmo do amor com o jeito que tivermos treinado, agora, aqui na terna!

Jesus foi totalmente fiel ao amor a Deus aos irmãos. Procedendo assim, disse ele, cumpriu de maneira perfeita os ensinamentos de todos os profetas e as orientações todas da Lei de Moisés (Mt 5, 17). Pela maneira com viveu e falou do amor, vê-se que Jesus entendia perfeitamente o mistério de Deus e o mistério do Homem.


b) A Imitação de Jesus Cristo

Imitar Jesus Cristo é uma opção de vida que exige um grande dinamismo. Supõe identificar-se com os critérios de Jesus e entrar no jeito de viver de Jesus, mas como pessoas do nosso tempo. Só conseguiremos ser verdadeiros imitadores de Jesus de Nazaré se formos pessoas livres e criativas. Além disso exige uma grande atenção à Palavra de Deus e ao Espírito Santo que nos interpela no mais íntimo do nosso coração.

Como vemos, imitar Jesus Cristo não é uma questão teórica de adesão a doutrinas ou sistemas morais. Pelo contrário, implica uma opção de vida nova, pois não podemos ser fieis às interpelação do Espírito Santo se não estivermos disponíveis para acolher a novidade de Deus com as mudanças que isso implica. Se nos deixarmos conduzir pelo Espírito de Cristo, começamos a tomar uma série de atitudes que, sem serem uma cópia das de Jesus enquanto ao modo, são idênticas quanto à dinâmica do amor libertador.

A imitação de Cristo conduz-nos a uma grande maturidade cristã, a qual implica uma profunda experiência de Deus. Imitar Jesus é caminhar no sentido de uma experiência de tipo familiar, tanto em relação a Deus como em relação ao Homem. O caminho da imitação de Cristo conduz-nos ao encontro de um homem cujo coração é o ponto de encontro da Humanidade com a Divindade.

A imitação de Cristo conduz-nos a uma enorme capacidade de correr riscos. Esta capacidade é um dom que o Espírito Santo concede apenas às pessoas com capacidade de sonhar um mundo novo e melhor. Acontece apenas às pessoas que estão dispostas a mudar, tal como aconteceu com Zaqueu (Lc 19, 1-10).

Eis alguns pilares importantes para levarmos por diante a imitação de Cristo:
1-Tomar Deus e o Homem a sério (Lc 7, 29-35).
2) Cultivar uma atenção muito especial em relação aos outros (Jo 2, 1-10).
3) Defesa incondicional da dignidade da pessoa humana, a qual é a menina dos olhos de Deus. O amor de Deus pelas pessoas é tão grande que nem o pecado do Homem o consegue como Jesus diz nos evangelhos (cf. Lc 7, 36-50).
4) Tomar a sério e empenhar-se com a causa do projecto de Deus que é a humanização do homem e a sua incorporação na Família Divina.
5) Fazer do amor a única razão válida tanto para viver como para morrer: “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 12-14). O amor ao jeito de Jesus implica a eleição dos outros como próximo, como fez o Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). Só o amor confere validade à vida, bem como aos cultos, sacrifícios e orações (1 Cor 13, 1-13). Quanto mais imitamos Jesus Cristo a nossa vida se vai configurando com a vida de Jesus, pois a pessoa faz-se fazendo. A imitação de Cristo leva-nos a completar em nós a paixão de Cristo, isto é, a apaixonar-nos pelas mesmas causas pelas quais Jesus se apaixonou.


c) Seguir os Apelos da Nova Criação

“Se alguém este em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho. Tudo isto nos vem de Deus que nos reconciliou em Cristo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17). A bíblia proporciona-nos uma espiritualidade rica, profunda e bem alicerçada nos elementos essenciais da fé.

A espiritualidade do Povo de Deus manifesta-se no modo como reza ou celebra os mistérios da fé e no modo como a fé marca a vida dos crentes. Por outras palavras, a espiritualidade bíblica não é uma ideologia, mas um modo de viver e se relacionar com Deus e os irmãos. Através do seu jeito de viver o crente revela o rosto do Deus em que acredita, seja o Deus vingativo, justiceiro e legalista dos fariseus ou o Deus faminto de cultos e sacrifícios dos sacerdotes. O Deus que Jesus Cristo nos revelou é o Criador de todas as coisas.

Como criou por amor, o Deus de Jesus Cristo ama a Criação como a menina dos olhos. É um Deus que quer fazer uma Aliança Familiar com o Homem. Para isso, a ternura maternal de Deus, isto é, o Espírito Santo, introduz-nos na Família Divina como filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação ao Filho de Deus (Rm 8, 14, 17).

E foi assim que o Filho Unigénito de Deus encarnou, a fim de se tornar nosso irmão. Deste modo, diz São Paulo, o Filho único de Deus tornou-se o primogénito de muitos irmãos (Rm 8, 29). Outro aspecto importante da espiritualidade da Aliança é a fé num Deus que é único. O Deus da Aliança é único. Não por ser uma unicidade pessoal, mas uma unicidade de natureza e essência são as relações de comunhão amorosa.

Na verdade, o Deus da Fé cristã não é uma pessoa, mas uma comunhão familiar de três pessoas. O Deus da aliança toma-nos a sério, pois é fiel e verdadeiro. O Deus da Aliança elege-nos por sua livre iniciativa. O Deus da Aliança não se impõe. Na verdade o amor propõe-se, mas nunca se impõe.

Além disso, ao fazer Aliança connosco já está a pensar na multidão dos seres humanos a quem deseja acolher amorosamente na sua família. Jesus Cristo, ao ressuscitar, passou a fazer uma união connosco, a qual é alimentada pelo mesmo Espírito Santo que anima a união orgânica que une a sua humanidade com a Divindade. São Paulo exprime este mistério de modo muito bonito, dizendo que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Ao longo da história de Israel, nós verificamos que o povo bíblico foi muitas vezes infiel ao Povo de Deus. Por isso o Senhor Deus pensou numa Nova Aliança que durasse para sempre. Uma aliança Eterna não pode assentar em simples meros preceitos, normas e leis. Através dos profetas Jeremias e Ezequiel Deus fala de uma Nova Aliança que vai realizar com o povo de Israel.

Esta Aliança, para ser definitiva, isto é, eterna, tem de assentar, não em normas e preceitos, mas na força do Espírito Santo (Jer 31, 31-33; Ez 36, 26-27). O Novo Testamento é a proclamação da Nova e eterna aliança realizada em Cristo. Na verdade, o melhor de Deus encontra-se como o melhor do Homem no coração de Jesus Cristo. Em Jesus ressuscitado, diz a segunda Carta aos Coríntios, tudo se fez novo. O velho passou. A Nova Aliança assenta numa Nova Criação reconciliada com Deus (2 Cor 5, 17-19). Ao selar a Nova Aliança em Cristo ressuscitado, Deus oferece ao Homem o dom do perdão e da reconciliação definitiva.

O Povo de Israel não se apercebeu deste salto de qualidade que implica a passagem da Antiga para a Nova Aliança. São Paulo diz que os judeus ainda continuam a ler as Escrituras com um véu sobre o rosto, o qual não lhes permite ver o alcance da Nova Aliança. Depois acrescenta que esse véu só cairá quando se converterem (2 Cor 3, 15-16). Com efeito, acrescenta ele, esse véu só pode ser removido em por Cristo ressuscitado (2 Cor 3, 14).

Jesus Cristo é o único medianeiro capaz de garantir a permanência da Nova Aliança (Heb 7, 22; 2 Cor 3, 6; Lc 22, 20; Mt 26, 28; Mc 14, 24). Graças à sua fidelidade incondicional, Deus encontrou uma razão suficiente para perdoar as nossas infidelidades. É por esta razão, acrescenta a Carta aos Hebreus que já não precisamos de andar a oferecer sacrifícios pelo perdão do pecado (Hb 10, 5-17).

Citando Isaías, São Paulo insiste em que Cristo é o prometido. Foi nele e por ele que Deus realizou de modo pleno as promessas feitas aos patriarcas e anunciadas pelos profetas: ”Esta é a Aliança que eu farei com eles quando lhes tiver tirado os seus pecados” (Rm 11, 27). Os cristãos são membros de um corpo cuja cabeça é Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27). Os cristãos estão chamados a missão de Jesus Cristo, tornando-nos ministros da Nova Aliança, isto é, servidores da reconciliação de Deus com a Humanidade e, deste modo, servidores da reconciliação de Deus com os homens (2 Cor 5, 20-21). Nós somos, diz São Paulo, corpo de Cristo (1Cor 10, 17; 12, 27).

Como sabemos o corpo é uma mediação fundamental de encontro. De facto, é através dos crentes que os seres humanos podem conhecer Cristo e o plano salvador de Deus para eles. Os profetas anunciaram que a Nova Aliança não assenta em leis, ou preceitos, mas numa mudança de coração, graças à acção do Espírito Santo no nosso íntimo (Ez 36, 26-27; Jer 31, 31-33). Os profetas que se referiram à Nova Aliança viam os tempos messiânicos como o período de uma grande actividade do Espírito de Deus. Jovens e idosos, diz o profeta Joel, exultarão de alegria sob a acção do Espírito Santo (Jl 2, 28).

A vivência da Nova Aliança implica, pois, uma espiritualidade renovada, assente numa grande fidelidade ao Espírito Santo e não à letra. A segunda Carta aos Coríntios, referindo a esta mudança operada pelo Espírito Santo, diz que a letra mata, mas o Espírito Santo comunica vida (2 Cor 3, 6). A espiritualidade da Nova Aliança é uma espiritualidade de Louvor. O Povo de Deus reconhece que Deus é a fonte de tudo o que nos acontece de bom. Os salmos bíblicos de louvor e gratidão são um verdadeiro monumento da gratidão do povo bíblico à bondade e ao amor de Deus por nós.

Uns louvam a Deus pelos benefícios concedidos ao povo como tal (Sal 129). Outros agradecem favores concedidos a uma pessoa em particular (Sal 9). Há também os salmos que louvam a Deus pelas maravilhas da natureza nas quais estão impressas as impressões digitais do Criador (Sal 104). Os salmos são um testemunho magnífico do que é uma espiritualidade de louvor. A fé do povo bíblico, ao olhar os acontecimentos, a vida e a Criação, tem sempre como pano de fundo a presença bondosa de Deus (Sal 35, 18; 69, 31; 109, 30; 89, 2). São Lucas descreve as manifestações de gratidão de Jesus em forma de exultações no Espírito Santo (Lc 10, 21-22).

d) Viver a Epopeia da Humanização

1- O Sentido da Humanização

Podemos dizer que o Homem faz parte do melhor que a Criação já produziu. A Humanidade concretiza-se em pessoas, isto é, em seres com uma interioridade espiritual. É verdade que o ser humano não é Deus, mas devido ao facto de ser pessoa é proporcional à própria Divindade. Com efeito, a Divindade é pessoas em comunhão e a Humanidade também. Eis a razão pela qual o Homem é o sonho e a paixão de Deus. Está em processo de realização histórica. Por isso, para se dizer, precisa de contar uma história.

A vida humana já tem sabor a eternidade, pois devido à sua densidade espiritual deu o salto para a imortalidade. Como realidade em construção na História, o Homem está a emergir em cada ser humano de forma única, original e irrepetível. Mas a Humanidade não se esgota nas pessoas actualmente em construção na História. Na verdade, a multidão dos seres humanos que nos precederam nesta aventura da humanização já está incorporada na comunhão Universal da Família de Deus.

Com a Encarnação do Filho Eterno de Deus, a Humanidade deu um salto de qualidade e entrou na plenitude dos tempos. Com o termo plenitude dos tempos, São Paulo quer significar e a fase dos acabamentos, isto é, o processo da divinização do Homem. Foi no interior espiritual de Jesus de Nazaré que o divino se enxertou no humano, formando uma união orgânica e dinâmica de grandeza humano-divina. Nesta interacção humano-divina nem o humano é anulado pelo divino, nem o divino é diminuído pelo humano.

Com Jesus Cristo, portanto, começou a marcha da divinização do Homem mediante a inserção dos seres humanos na Família de Deus. Eis a maneira Como São Paulo exprime esta dinâmica da divinização do Homem: “De facto, todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus. Vós não recebestes um espírito de escravidão para andardes com medo. Pelo contrário, recebestes um Espírito de adopção que faz de vós filhos adoptivos de Deus e vos leva a clamar “Abba”, isto é, Pai! É o próprio Espírito Santo que no nosso íntimo dá testemunho de que somos realmente filhos de Deus. Ora, se somos filho de Deus somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8, 14-17).

A partir de Jesus Cristo, portanto, a divinização do Homem está em marcha. Podemos dizer que será eternamente mais divino quem mais se humanizar na História. Por outras palavras, comungará mais com Deus quem mais crescer na capacidade de comungar com os irmãos.


2- Da Origem à Plenitude

Como sabemos, o Reino de Deus é a Festa Universal da Família de Deus. Nesta Festa todos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que tiver treinado agora na História. É exactamente isto que significa dizer que a pessoa é um ser em construção histórica. Por outras palavras, o ser humano faz-se, fazendo. Realiza-se, realizando. Ninguém o pode substituir nesta tarefa da sua realização. No entanto, a pessoa humana só pode realizar-se em relações com as outras, pois não somos ilhas. Podemos dizer que começamos por ser aquilo que os outros fizeram de nós. Mas o mais importante e decisivo é o modo como nos realizamos a partir do que recebemos dos demais.

Ao falar da Encarnação, o evangelho de São João diz que o Filho de Deus, ao encarnar, nos deu o poder de nos tornarmos nos filhos de Deus. Eis as suas palavras: “Mas a quantos o receberam, aos que nele crêem deu-lhe o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue, nem dos impulsos da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. E o Verbo de Deus encarnou e veio habitar no nosso meio. E nós vimos a sua glória, essa glória que ele possui como filho unigénito do Pai cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 12-14).

Na sua configuração espiritual, o ser humano é uma pessoa semelhante às pessoas divinas. Como cada ser humano é único, podemos dizer que a pessoa é um ser alicerçado na sua unicidade, mas talhado para a reciprocidade da comunhão amorosa. Isto quer dizer que a plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão amorosa. Eis a razão pela qual a Divindade, apesar de ser três pessoas, é apenas uma plenitude divina. Por outras palavras, o Uno, em Deus, é a comunhão trinitária. O plural, são as pessoas. Tal como acontece com a Divindade, também a Humanidade forma uma unidade orgânica e dinâmica, onde cada pessoa encontra a sua plenitude.


3- Cristo Como Fonte da Plenitude

Por ser um homem plenamente realizado, Jesus de Nazaré faz um todo com a Humanidade. Pelo facto de formar uma interacção humano-divina, Jesus é a fonte a partir da qual emana a Água Viva, isto é, o Espírito Santo que diviniza a diviniza toda a Humanidade. Como vimos acima, foi no coração de Jesus que aconteceu o enxerto do divino no humano, a fim de este ser divinizado. De facto, a Encarnação é a cúpula da criação do Homem.

No princípio, Deus iniciou a génese histórica do Homem através dessa intervenção especial em que Deus insufla o sopro do Espírito Santo no coração do Homem (Gn 2, 7). Utilizando o cenário simbólico apresentado pelo Livro do Génesis, podíamos dizer que Deus amassou o barro e talhou-o, dando-lhe uma configuração humana. Esta imagem significa que a marcha evolutiva caminhou no sentido da complexidade cerebral específica do ser humano.

Quando a marcha evolutiva entrou no limiar da hominização, Deus interveio, comunicando ao Homem a dinâmica do Espírito Santo, dando início ao processo histórica da Humanização. A Hominização é a estrutura natural do Homem. A Humanização é o processo histórico da personalização e espiritualização do mesmo Homem. Deus não realizou qualquer outra intervenção especial no que se refere à criação dos outros animais.

Utilizando a imagem bíblica do relato da criação, podíamos dizer que Deus, ao introduzir o hálito da vida espiritual no coração da pessoa humana, fez que esta se tornasse barro com coração. Barro com coração é a pessoa humana capaz de eleger os outros como alvo de bem-querer e de realizar com eles alianças de amor. Barro com coração é o ser humano dotado de livre arbítrio, isto é, com a capacidade psíquica de optar pelo bem e pelo mal. Barro com coração é o ser humano chamado a construi-se como pessoa a partir dos talentos que recebeu dos outros. Barro com coração é o ser humano chamado a optar pelo bem, rejeitando o mal, tornando-se assim um ser com uma vida ética.


4-O Impulso Primordial da Humanização

No interior de cada ser humano, o Espírito Santo dá o impulso primordial à marcha da humaniza e depois acompanha esta marcha no concreto das situações onde se jogam as questões importantes para a humanização. E é assim que o Espírito Santo se torna o arquitecto da humanização do Homem, inspirando e insinuando, mas sem jamais substituir a pessoa.

É o Espírito Santo que faz emergir no coração do Homem a Sabedoria que o ajuda a saborear o sentido da Vida, da História e do Universo com os critérios do próprio Deus. Podemos dizer que a História do Homem está marcada pelo amor e a presença de Deus, nosso Criador e Salvador. O Deus bíblico é, de facto, o Emanuel, pois está connosco desde os primórdios da História Humana. Ao nascer da aurora, Deus foi amassando o barro que constitui a base orgânica e psíquica do nosso ser. Ao chegar o meio-dia, concedeu-nos o dom da salvação em Cristo. Após o meio-dia, somos convidados a aceitar o dom da salvação vivendo como membros da Família de Deus: Filho de Deus Pai, irmãos do filho de Deus e dos demais seres humanos.

Os cristãos estão chamados a celebrar este plano amoroso de Deus, a fim de melhor o saborearem e poderem anunciar a todos os homens. Podemos dizer com toda a verdade que Deus no amou antes de nos criar. A paixão que Jesus Cristo sentia pela libertação e salvação dos seres humanos é a expressão do amor incondicional de Deus pelo Homem.

Na verdade, Deus não esteve à esperou que fossemos bons para gostar de nós. Mesmo após a rotura do pecado, Deus continuou a amar-nos incondicionalmente. Jesus ensinou-nos esta verdade com a parábola do Filho Pródigo; todos os dias Deus, como um Pai bondoso, subia ao alto da colina, na esperança de ver o filho regressar.

Ao ressuscitar, Jesus Cristo deu-nos a Água Viva que faz jorrar em nós um manancial de Vida Eterna, incorporando-nos na Família de Deus. Ao nascer do dia, Deus Pai sonhou o Homem à sua imagem e semelhança. Quando chegou o meio-dia, Deus Filho, mediante a Encarnação, levou este sonho à plenitude, enxertando o divino no humano e assumindo o humano na plenitude da comunhão divina.

E foi assim que a Humanidade passou a ser uma Nova Criação reconciliada com Deus, como diz São Paulo: “Se alguém está em Cristo é uma Nova Criação. Passou o que era velho e eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que, em Cristo, nos reconciliou consigo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19).

5- Humanizar-se Para Ser Divino

Podemos dizer que, em Jesus Cristo, os anseios mais profundos do coração humano encontraram a sua resposta! Na verdade, a fome de plenitude que grita no mais íntimo do nosso ser encontrou a sua resposta plena. É por esta razão que o Espírito Santo, no íntimo do nosso ser não cessa de nos convidara crescer, dando-nos a garantia de que não estamos a caminhar para o vazio da morte.

O facto de não nascermos acabados faz parte do projecto amoroso de Deus. Na verdade nós temos que tomar parte na nossa realização, a fim de nos realizarmos como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de amar. Precisamos de tomar parte na nossa própria realização, a fim de podermos tomar parte na reciprocidade da Comunhão do Reino de Deus.

Por outras palavras, Deus criou-nos para que nos criemos, a fim de emergirmos como pessoas livres, conscientes e responsáveis. A História é o útero em cujo seio está a emergir o Homem a caminhar para Deus. Hoje estamos nós a construir esta Humanidade a talhada para Deus. Muitos outros edificaram antes de nós. E se não destruirmos a nossa Terra bonita e fecunda, outros virão enriquecer o património universal da Família de Deus.

A humanização é a grande tarefa do ser humano a caminhar para a plenitude da comunhão com Deus e os irmãos. A lei da humanização é: Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal. Realizar-se é fazer emergir o que ainda existe em nós como possibilidade de ser. Quanto mais a pessoa emerge, maior é a sua capacidade de interagir amorosamente com Deus e os irmãos. É este o caminho que conduz à Família Universal de Deus onde os laços do sangue, da raça, da língua, da nacionalidade, do espaço e do tempo são superados.


e) Evangelização e Experiência de Deus

Cristo não é uma ideologia, nem um sistema filosófico. Também não um tratado de teologia. O Senhor Jesus ressuscitado é uma pessoa viva, alguém que está sempre presente no mais íntimo da nossa interioridade. Ele é a Fonte da Água viva que jorra Vida eterna no nosso íntimo (Jo 4, 14; 7, 3-39). Ele é a cepa da videira da qual nós somos os ramos. É dele que recebemos a seiva da Vida Eterna, isto é, o Espírito Santo.

Jesus Cristo é o centro da mensagem do cristão que procura evangelizar. Ao ressuscitar, Jesus tornou-se a fonte da Água viva que faz emergir no nosso íntimo uma nascente de Vida Eterna (Jo 4, 14; 7, 37-39). A Água Viva que ele nos dá é o Espírito Santo, o amor de Deus derramado nos nossos corações, como diz São Paulo (Rm 5, 5).

Por outras palavras, Jesus Cristo é o medianeiro da nossa divinização. É um homem com o qual nos podemos relacionar com uma confiança total. É por ele que nós temos acesso ao Pai, pois ele é o “Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por ele” (Jo 14, 6). A oração feita ao jeito de Jesus é um lugar teologal, isto é, um espaço privilegiado de encontro com Deus no Espírito Santo. Não devemos confundir oração cristã com rezas ou multiplicação de palavras. Jesus disse que este modo de proceder não está falseado nos seus fundamentos (Mt 6, 7-8). Orar à maneira de Jesus é entrar em diálogo familiar com Deus.

A Oração à maneira de Jesus faz-nos sintonizar com o coração de Deus e com o essencial da vida humana. Jesus tomava a oração muito a sério. Por isso fazia experiências muito profundas de Deus. De tal modo esta sintonia de Jesus com o Pai era forte que os seus ouvintes, quando o ouvia falar de Deus, tinham a sensação de Jesus acabara de ele.

Do mesmo modo, Jesus tinha uma experiência muito profunda da realidade humana. Amava profundamente as pessoas que se cruzavam com Ele. Jesus tinha uma visão muito positiva da pessoa humana. A pessoa humana para Jesus era um lugar teológico, isto é, uma mediação para nos encontrarmos com Deus.

Na verdade, como dizia São Paulo, as pessoas são templos de Deus: “Não sabeis, escreveu ele na Primeira Carta aos Coríntios, que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3, 16). Se as pessoas são templos de Deus, então são mediação de encontro com Deus. Jesus sabia isto através de uma experiência privilegiada. Por isso ele pode dizer: “Eu e o Pai somos Um” (Jo 10, 30).

O grande fundamento teológico para o evangelizador fundamentar o amor fraterno é precisamente este princípio de que o amor de Deus e o amor aos irmãos caminham juntos. Eis o que diz a Primeira Carta de São João: “Se alguém disser que ama a Deus e odiar o seu irmão é mentiroso. Com efeito, ninguém pode amar a Deus que não vê, se não ama ao irmão que vê (1 Jo 4, 20).

Jesus não tinha uma filosofia sobre Deus. Quando falava do Pai apenas exteriorizava a Sua experiência de diálogo e comunhão com o Pai. Jesus descobria uma presença especial de Deus nos pobres, nos marginais, na Natureza e na vida das pessoas. A originalidade da oração de Jesus partia do seu grito de amor quando dizia: “Abba”, isto é, papá. Quanto mais orarmos no Espírito Santo, mais sintonizamos com a experiência que Jesus tinha de Deus e, portanto, mais eficaz será a nossa acção evangelizadora. Eis a razão pela qual o próprio Jesus nos ensinou a dirigirmo-nos a Deus, chamando-o de Abba, ó Pai (Mt 6, 9).

Os evangelhos testemunham que Jesus rezava com muita frequência (cf. Lc 11, 2-5). Nesses momentos, o Espírito introduzia Jesus no diálogo que Deus Pai mantém com o seu Filho Unigénito desde toda a eternidade. Podemos dizer que era sobretudo nesses momentos que Jesus compreendia o alcance e o sentido da vontade do Pai que ele amava de modo incondicional.
Eis algumas das suas afirmações de Jesus que são a expressão desta experiência de Deus: “Nem todo aquele que me diz: “Senhor, Senhor” entrará no reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mt 7, 21). “Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 35; Mt 12, 50). Ao ensinar os discípulos a orar, entre outras coisas disse-lhes: “Pai, seja feita a tua vontade, assim na Terra como no Céu” (Mt 6, 10).

Nós sabemos que Jesus era um homem em tudo igual a nós, excepto no pecado. O evangelho de São João diz que Jesus tinha a plenitude do Espírito Santo e por isso anunciava a Palavra de Deus com toda a fidelidade. A fidelidade de Jesus à vontade do Pai nascia dessa experiência profunda que ele fazia de Deus nos momentos de oração. O evangelho de São João diz que Jesus tinha a plenitude do Espírito, pois Deus não lhe deu o Espírito por medida (Jo, 3, 34). Era o Espírito Santo que o fazia denunciar as opressões e maldades humanas, bem como falar de Deus como alguém como quem tinha acabado de falar. O cristão será tanto melhor evangelizador quanto mais se aproximar do jeito com que Jesus tomava Deus e o Homem a sério.

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