Juizo Final e Reino de Deus no Apocalipse




1- O Messias entronizado
2- A vinda de Jesus como rei universal
3- Os Eleitos Estão Junto ao Trono de Cristo
4- O Dia da Ira
5- O Milenarismo
6- A Nova Jerusalém



1- O Messias entronizado

O autor do Apocalipse não é o mesmo que escreveu o evangelho de São João. O autor do Livro do Apocalipse tem uma visão apocalíptica e milenarista que de modo algum existe no evangelho de São João. A visão da segunda vinda de Cristo descrita no Livro do Apocalipse nada tem a ver com a visão do juízo e da justiça realizada pelo Espírito Tanto de que fala o evangelho de São João.

O Apocalipse é uma síntese genial dos apocalipses do Antigo e do Novo Testamento. O autor parece ter tido a preocupação de fazer uma colectânea completa de todos os apocalipses bíblicos. É por esta razão que o livro não traz grandes novidades em relação aos diversos apocalipses do Antigo e do Novo Testamento. A grande novidade reside no facto de se situar numa fase tardia e fazer a interpretação de alguns acontecimentos eclesiais como prenúncios da iminente vinda do Filho do Homem.

O Livro do Apocalipse tem essencialmente uma intenção consoladora, convidando os crentes perseguidos a ser corajosos e perseverantes, pois o Senhor vai chegar muito em breve. O dia do Filho do Homem é o dia da ira anunciado pelos profetas como o dia da tragédia universal. Só o resto fiel, isto é, o conjunto dos eleitos escapará à destruição definitiva. As condições essenciais para a vinda do Senhor estão criadas, pois o sangue dos mártires clama por vingança urgente.

Embora não pertença ao mesmo autor do quarto evangelho, o Livro do Apocalipse já tem uma visão preexistente do Filho de Deus. Por outras palavras, Jesus Cristo é o Verbo Incarnado, o cordeiro, o princípio e o fim. Estes elementos confirmam que o Livro do Apocalipse é tardio, mesmo posterior ao quarto evangelho.

O autor interliga os dados apocalípticos do Antigo e do Novo Testamento. Podemos dizer que o Livro do Apocalipse é um apocalipse de apocalipses. O autor faz convergir todo o seu trabalho para o reino messiânico. Como o autor tem uma teologia milenarista, orienta os acontecimentos para o Reino Messiânico que durará, mil anos sobre a terra e culminará com a vitória do bem e a condenação definitiva sobre o mal. Só o resto fiel escapará à tragédia da destruição final, como disseram os profetas (cf. Is 10, 21; 8, 11-13; Am 3, 12; 9, 8-10; Jer 23, 3-6; Miq 2, 12-13; Zac 3, 8; Rm 9, 19; 9, 27-29).

A salvação de Deus não é apenas para o resto dos justos que ainda vivam, aquando da vinda do Filho do homem. O resto, para o Livro do Apocalipse, é constituído pelos justos pertencentes ao povo bíblico. Este é simbolizado nos cento e quarenta e quatro mil, um múltiplo das Doze Tribos. Os cento e quarenta e quatro mil justos significam um modo de dizer que o resto fiel é constituído hebreus pertencentes às doze tribos de Israel. O resto fiel é a mediação da salvação da grande multidão dos pagãos salvos.

Os Doze Apóstolos eram um símbolo escolhido por Cristo para afirmar que ele vinha reunir os justos de Israel e com eles salvar a Humanidade. Por outras palavras, o resto fiel de Israel é mediação da salvação universal sonhada por Deus para toda a Humanidade. O Messias é o Filho do Homem, isto é, o rei entronizado no Céu ao qual foi concedido uma soberania Universal, como diz o profeta Daniel (Dan 7, 12s). Jesus Cristo foi constituído como rei Messiânico entronizado ao subir para junto de Deus. Foi este Jesus que, através de uma revelação (Apocalipse), mostrou a João que o dia do juízo está próximo (Apc 1, 1).

João escreve esta revelação para animar e consolar os justos que estão em sofrimento: Estes justos formam um povo eleito no qual todos são sacerdotes e reis (Apc 1, 5-6; cf. 2Ped 2, 9; Ex 19, 6). O dia do Senhor está iminente (Apc 1, 3). O Messias vai chegar sobre as nuvens do céu. Todos os povos O verão, incluindo aqueles que o trespassaram (Apc 1, 7; cf. Mt 24, 30; Zac 12, 10).

Jesus, entronizado no Céu como Filho do Homem, conheceu a morte, mas agora vive por todos os séculos. Tem domínio sobre a morte e o “Sheol”, isto é, a morada dos mortos (Apc 1, 18). O Senhor quer consolar todos os que sofrem pelo nome de Jesus. Por isso lhes dirige esta palavra, dando-lhes a garantia de que ele vai chegar em breve (Apc 2, 3). Os que decaíram no fervor devem reanimá-lo, pois o dia está próximo (Apc 2, 4-5). Os que são perseguidos pelos judeus animem-se. Deus vai julgar esses falsos hebreus que formam a Sinagoga de Satanás (Apc 2, 9).

Paulo argumenta que os verdadeiros judeus, filhos de Abraão, não são os que circuncidam o prepúcio. Judeu diz ele, é aquele que o é no interior. A verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o Espírito e não segundo a letra. O seu louvor não vem dos homens, mas de Deus (Rm 2, 29).

O autor do Apocalipse garante a todo aquele que vencer no meio das presentes tribulações que o Messias lhe dará o fruto da Árvore da Vida, quando o Paraíso for reaberto (Apc 2, 7). Uma vez restabelecido, o Paraíso terrestre será o reino terrestre do Messias, o qual durará mil anos. O que come do fruto da Árvore da Vida não experimentará a segunda morte (Apc 2, 11). Este comerá o verdadeiro maná e será marcado com um nome novo para habitar na cidade celeste de Deus: a nova Jerusalém (Apc 2, 17).

Mas isto só é concedido aos que se afastam da heresia (Apc 2, 14-15). Os cristãos de Tiatira estão fora do caminho da salvação, pois praticam ritos pagãos, entre os quais a prostituição sagrada, convivendo com uma falsa profetisa (Apc 2, 20). Estes cristãos, se não se converterem, sofrerão a ira. Só o que vencer no meio das tribulações tomará parte no poder real do Messias. Os que permanecerem fiéis exercerão o poder sobre todas as nações (Apc 2, 26).

Como rei messiânico, Jesus exercerá as funções de juiz supremo, pois tem a chave de David (Apc 3, 7). Os vencedores são as colunas do templo de Deus e as pedras vivas da nova cidade de Jerusalém (Apc 3, 12; cf. 1Ped 2, 5). Assim como Jesus, vencendo, se sentou no trono do pai, os que vencerem sentar-se-ão no trono de Jesus (Apc 3, 21).


2- A vinda de Jesus como rei universal

A morada de Deus é a Nova Jerusalém. Como Senhor Universal, Deus está sentado num trono adornado com pedras preciosas. A glória de Deus resplandece por toda a cidade (Apc 4, 2). O Messias também está entronizado e tem nas mãos o livro com as indicações do juízo (Apc 5, 1). O livro do juízo está selado. Ninguém é capaz de o abrir a não ser o Leão de Judá, o descendente de David (Apc 5, 2-5).

Ele é o juiz dos vivos e dos mortos. Foi Ele quem resgatou para Deus homens de todas as tribos, línguas, povos e nações. Foi Ele quem fez deles reis e sacerdotes para Deus (Apc 5, 9-10). Ele é o cordeiro que foi imolado, mas agora está entronizado. Foi-lhe dado todo o poder, honra e glória, tal como aconteceu ao Filho do Homem na profecia de Daniel (Apc 5, 12; cf. Dan 7, 12s).

A vinda do Messias será precedida de uma série de flagelos e sofrimentos terríveis: a guerra, a fome e a peste (Apc 6, 4-8). Os mártires que derramaram o sangue pela causa de Deus clamam por vingança (Apc 6, 10). O Messias pede-lhes para aguardarem apenas mais um pouco. Está mesmo a chegar. Este pouco que ainda falta destina-se a que o número dos eleitos se complete (Apc 6, 11). Os sinais precursores, como o escurecimento do Sol, a transformação da Lua em sangue e a queda das estrelas sobre a terra, estão próximos. Estes sinais anunciam o dia da ira do Cordeiro do qual ninguém escapará (Apc 6, 15-17).

Tal como aconteceu com os hebreus no Egipto, os servos de Deus devem ser assinalados a fim de serem poupados (Apc 7, 3). Os assinalados são cento e quarenta e quatro mil, doze mil de cada tribo de Israel (Apc 7, 4-8). Surge depois uma multidão incontável de pagãos que aderiram à fé por intermédio deste resto fiel (Apc 7, 9). Naturalmente que os cento e quarenta e quatro mil são os discípulos judeus e todos os justos do antigo povo bíblico.

A nova Jerusalém tem doze pórticos assinalados com os nomes das doze tribos de Israel (Apc 21, 12). Está assente sobre doze colunas assinaladas com os nomes dos doze apóstolos (Apc 21, 14). Toda esta simbologia em volta do número doze já nos ajuda a compreender o que Cristo quis significar com a escolha dos doze apóstolos. Símbolo da messianidade de Jesus, o Filho de David cujo reino assentava sobre as doze tribos. Os doze patriarcas, tal como os doze apóstolos, formam os vinte e quatro anciãos que estão junto ao trono de Deus. Todos eles estão sentados em tronos, vestidos de roupas brancas e com coroas de oiro na cabeça (Apc 4, 4). Os vinte e quatro anciãos proclamam o Senhorio universal de Deus (Apc 4, 10).

Junto ao trono de Deus estão ainda quatro seres cheios de olhos por diante e por trás. Trata-se de uma alegoria para designar os quatro evangelistas. A multiplicidade dos seus olhos representam o dom da revelação que os capacitou para ver e escrever o plano salvador de Deus. Com os seus escritos abriram os olhos da fé aos homens de todas as raças, línguas, povos e nações. Em uníssono com os vinte e quatro anciãos, os quatro viventes proclamam incessantemente a santidade de Deus (Apc 4, 6-7).

Inspirando-se em Zacarias, o Livro do Apocalipse fala ainda de duas oliveiras (cf. Zac 4, 11-14) que estão mais próximas do trono de Deus. Na simbologia do Apocalipse trata-se nitidamente do Apóstolo São João, o discípulo amado e de São Pedro. Segundo a teologia da escola joanina, João é o único a quem Jesus revela o nome do traidor (Jo 13, 25). Quando ouvem as mulheres dizer que o túmulo está vazio, correm os dois em direcção ao túmulo. João, como é mais jovem chega primeiro, mas espera por Pedro. Pedro entrou e nada acontece. Apenas vê as ligaduras no chão (Jo 20, 6-7). O discípulo entra e dá-se o milagre da experiência pascal: a fé (Jo 20, 8). Foi João que entendeu as Escrituras segundo as quais o Cristo devia ressuscitar (Jo 20, 9). No evangelho de João, o discípulo amado foi o primeiro a reconhecer o Senhor ressuscitado (Jo 21, 7).

As duas oliveiras estão, tal como na profecia de Zacarias, junto do altar de Deus (Apc 11, 4). O Quarto Evangelho, as três cartas de João e o Apocalipse pertencem às comunidades evangelizadas pelo Apóstolo João, chamado nestas comunidades o discípulo amado. Nos escritos joaninos, o discípulo amado aparece sempre ao lado de Pedro.

São Paulo diz que João, o seu irmão Tiago e Pedro formavam a cabeça da Igreja primitiva: Eis o que ele diz na Carta aos Gálatas: “Tiago, Cefas e João, são considerados as colunas” (Gal 2, 9b). Com a morte de Tiago (Act 12, 2), ficaram Pedro e João como colunas. Os dois têm a mesma autoridade. Ambos têm o poder de Elias (cf. 1Rs 18, 42-45). Podem fechar e abrir as comportas do céu, fazendo cair a chuva ou retendo-a (Apc 11, 6a). Ambos têm o poder de Moisés (cf. Ex 7, 10), pois podem converter a água em sangue e ferir a terra com toda a espécie de flagelos (Apc 11, 6b).

Depois de testemunharem a fé, surgirá a besta, isto é, o imperador que, na altura já perseguia os cristãos. A besta vai chegar do abismo, a morada de Satanás e martirizará os crentes (Apc 11, 7). Pedro e João são também comparados a Elias e Moisés. Segundo os evangelhos sinópticos, Jesus estava rodeado de Moisés e Elias quando se transfigurou no Monte Tabor (Mc 9, 4; Mt 17, 3; Lc 9, 30). João e Pedro devem ser corajosos no testemunho de Jesus até que a besta os mate (Apc 11, 7). O martírio de Pedro e João será motivo de alegria para muitos, pois deste modo vêem-se livres da sua mensagem incómoda (Apc 11, 8-10).

No entanto, estes vão ressuscitar depois de três dias e meio. Com este pormenor, o autor do Apocalipse quer dizer que ninguém ressuscitou antes de Jesus. Depois de terem sido ressuscitados, serão levados ao céu numa nuvem à vista dos seus inimigos (Apc 11, 11-12). Uma vez no Céu, vão tomar parte no julgamento de Jerusalém, o qual aconteceu pelos anos setenta e foi o prenúncio do juízo que se avizinha (Apc 11, 13). A seguir, ouve-se a proclamação da realeza do Messias a quem foi entregue o império do mundo. Reinará eternamente (Apc 11, 5). Começa então o dia da ira de Yahvé. Os profetas, os santos e os servos de Deus vão ser vingados. Os que corromperam a terra vão ser exterminados (Apc 11, 18).


3- Os Eleitos Estão Junto ao Trono de Cristo

A Jerusalém celeste é a cidade santa, a capital do Reino de Deus. É comparada a uma mulher vestida de Sol com a Lua debaixo dos pés. Está coroada de doze estrelas, símbolo do novo povo de Deus (Apc 12, 1). É semelhante à esposa ataviada para receber o seu esposo (Apc 21, 1-2). Está grávida. Contém no seu seio o Messias que ela vai dar à luz (Apc 12, 2).

Em oposição à Jerusalém celeste representada pela mulher vestida de sol, aparece a Jerusalém terrestre. Esta é a grande prostituta, destinada à perdição. É a Babilónia pecadora. Trata-se de uma referência negativa em relação à cidade de Jerusalém e do povo judeu que matou o Messias.
Esta prostituta está sentada sobre sete colinas (Apc 17, 9). Vai ser flagelada e sofrimentos os tormentos da destruição. Os eleitos deverão sair do meio dela para não sofrerem os seus flagelos (Apc 18, 4). O autor do Apocalipse tem como pano de fundo das suas descrições a tragédia sofrida por Jerusalém e os relatos dos sinópticos que se referem a estes factos. Lembremo-nos do relato de São Mateus, onde Jesus manda os justos fugir da Jerusalém pecadora:”Os que se encontrarem na Judeia fujam para os montes” (Mt 24, 16).

Mas o grande inimigo de Cristo é o dragão, isto é, a serpente que programou a ruína da Eva. Como diz o Livro do Génesis, o dragão lutará contra o descendente da mulher, isto é, o Messias (Gn 3, 15). O Messias foi entronizado no céu; à maneira do Filho do Homem. O imperador romano a quem o Livro do Apocalipse apelida de besta, foi entronizado na terra pelo dragão. Agora, o dragão está diante da mulher vestida de Sol, esperando que esta dê à luz, a fim de lhe devorar o filho. A besta e os sete reis combaterão contra o filho da mulher, mas este vai vencê-los porque é o rei dos reis e senhor dos senhores (Apc 17, 11-14).

Esta encenação fabulosa é feita, tendo como pano de fundo as imagens literárias inspiradas nos textos apocalípticos do Antigo e do Novo Testamento. O estilo apocalíptico não se preocupa com a lógica das imagens e da sua sucessão. A atenção do autor do Livro do Apocalipse está concentrada nos efeitos obtidos junto dos leitores. O Messias entronizado para o Livro do Apocalipse é o descendente de David. Vai governar com um ceptro de ferro, como dizia o Salmo dois a propósito do Filho de David (Apc 12, 5; cf. Sal 2, 9). Como está cheio da força de Deus, o Messias vai esmagar a cabeça do dragão, o seu grande inimigo (Apc 19, 11-20).

O dragão conferiu poder à besta (imperador), a fim de estar forte e fazer guerra aos discípulos do Messias. Chega mesmo a vencê-los durante algum tempo (Apc 13, 7). De facto, Satanás deu-lhe poder para fazer prodígios e seduzir muitos. É por esta que muitas pessoas adoram a besta, após a sua entronização pelo dragão (Apc 13, 14-15). O cordeiro cheio da força do Espírito vai destronar e matar tanto a besta como o dragão. Depois de ter vencido o dragão e a besta, o Messias formará o Reino de Deus com gente escolhida de todos os povos, línguas, raças e nações (Apc 5, 9). Os eleitos formarão o Reino de Deus, o qual é constituído como um povo de sacerdotes e reis que reinarão sobre a terra (Apc 5, 10). Os eleitos habitarão para sempre com o Messias, pois são as testemunhas de que o Cordeiro venceu e foi entronizado como Messias (Apc 5, 32).

Os eleitos, juntamente com Cristo, vão proceder ao julgamento. O julgamento é encenado em forma de uma grande liturgia. Os eleitos são apenas os que foram assinalados com o selo da salvação. Só estes escaparão à ira e à destruição decretada pelo juízo. Podemos dizer que os assinalados são os baptizados.

Eis a ordem de chegada para o grande acontecimento do juízo: Primeiro, os cento e quarenta e quatro mil, que são o resto do Povo bíblico. Estes pertencem ao povo de Israel (Apc 7, 3-8). São Paulo diz que, graças a este resto de Yahvé, Israel não se tornou como Sodoma e Gomorra, sofrendo a destruição total (Rm 9, 29). Após a entrada do resto fiel, vem a grande multidão dos salvos (Apc 7, 9). Todos, em coro, cantam a bondade de Deus e as maravilhas da Sua salvação (Apc 7, 10). Estes formam o povo dos eleitos para a festa do Reino de Deus onde não haverá fome, nem sede, nem calor, nem dor (Apc 7, 14-17).

Depois segue-se um momento solene: todos adoram em silêncio o Senhor. O incenso e os perfumes sobem para o trono de Deus. Terminado este momento de profunda adoração, começa o dia trágico da ira de Deus.


4- O Dia da Ira

O dia da Ira começa com flagelos terríveis: saraiva, fogo e mistura de sangue são lançados sobre a terra. Uma terceira parte da terra é destruída pelo fogo (Apc 8, 7). Um terço do mar converte-se em sangue (Apc 8, 8ss). Depois vem o juízo (Apc 9, 7-21). O autor reúne uma série de imagens apocalípticas do Antigo e Novo Testamentos para encenar o juízo e a vingança de Deus: Repetem-se as pragas do Egipto, a destruição de Sodoma, os castigos infligidos por Deus aos hebreus no deserto, os possessos do Demónio.

Tudo isto serve de encenação para o juízo e vingança de Deus. É o dia da grande batalha de Yahvé (Apc 16, 14b). Este dia vai chegar como um ladrão (Apc 16, 15). Os pecadores vão beber a taça da ira de Deus, como disse Isaías (Apc 16, 19b; cf. Is 30, 25; 51, 22). Assim como os hebreus, uma vez libertos da escravatura, cantavam a glória de Deus (Ex 15), do mesmo modo, os salvos, contam a salvação e a bondade de Deus (Apc 15, 2-4).

Joel dizia que Deus viria no dia do juízo recolher a Sua seara (Jl 3, 13). O Livro do Apocalipse diz que o Messias tem a foice para ceifar a Sua seara (Apc 14, 14b). A capital dos judeus já não é a Jerusalém de Deus. Pelo contrário, ao rejeitar e matar o eleito de Deus, tornou-se a Sodoma escatológica e o Egipto do Faraó (Apc 11, 8).

O Faraó não se converteu. Nem mesmo as pragas o fizeram mudar de atitude (Ex 9, 34-35). Do mesmo modo, os perseguidores dos cristãos, sobretudo os judeus, não se converteram após a destruição de Jerusalém. Vão ser exterminados no dia da ira (Apc 9, 20-21). Deus vai agir pelo fogo tal como fez em Sodoma (Apc 8, 8). O Sol e a Lua obscurecer-se-ão. As estrelas cairão sobre a terra para a destruir (Apc 8, 10; cf. Miq 3, 6; Am 8, 9; Is 24, 23; 66, 16; Dan 8, 10). O orgulho de Jerusalém vai ser destruído. Julgava-se a rainha, a amada de Deus, mas agora vai ser flagelada (Apc 18, 4-19).

Os Apóstolos, os profetas e todos os santos se podem alegrar. Com a sua vida de prostituição a velha Jerusalém contaminou muitos reis da terra (Apc 18, 9). Matou profetas, apóstolos e santos. Agora Deus vai vingá-los (Apc 18, 20). No interior desta Babilónia pecadora vão deixar de se ouvir cânticos e instrumentos musicais (Apc 18, 22). O autor aplica a Jerusalém o que Isaías e Ezequiel aplicaram à cidade de Babilónia (cf. Is 24, 8; Ez 26, 13). O Verbo de Deus, montado sobre um cavalo branco, vai surgir como rei dos reis e Senhor dos senhores (Apc 19, 16b). Vai prender a besta e os falsos profetas que a apoiam. Vai destruí-los pelo fogo. Os seus adoradores serão dizimados à espada (Apc 19, 20-21).


5- O Milenarismo

Entronizado no céu como Messias, Jesus vai voltar de novo, a fim de instaurar sobre a terra o reino messiânico. Na simbologia do Livro do Apocalipse o reino messiânico sobre a terra é a restauração do paraíso terrestre destruído pela inveja de Satanás (Gn 3, 1-5). O novo paraíso terrestre durará mil anos, tempo este em que Satanás estará acorrentado. Os maus estarão todos mortos, devido à destruição da vida sobre a terra. Esta destruição foi uma purificação cujo elemento purificador foi o fogo.

Os apocalipses do novo Testamento concebem a segunda vinda em termos de restauração do reino de David sobre a terra. O Apocalipse acrescenta-lhe a novidade e o entender como a restauração do Paraíso, fechado devido às ciladas do antigo dragão que desorientou Eva. Durante os mil em que dura o reino messiânico, Satanás está amarrado, a fim de não voltar a fazer o que fez com Eva. Passados os mil anos, Satanás será solto por algum tempo (Apc 20, 2), a fim de ser julgado. Só os justos tomarão parte neste reino messiânico. Todos reinarão com Cristo durante os mil anos (Apc 20, 4). Entretanto os discípulos, sentados em tronos, recebem o poder de julgar (Apc 20, 4).

Entretanto, os maus que foram destruídos pelos flagelos nos dias purificadores que precederam a vinda de Cristo, permanecerão na morte durante estes mil anos. Não participam da primeira ressurreição que se destina apenas aos justos que tinham morrido (Apc 20, 5). O milenarismo é uma elaboração feita a partir de uma leitura deturpada de textos do Novo Testamento. Em primeiro lugar faz uma interpretação incorrecta da passagem da Segunda Carta de Pedro, segundo a qual um dia para Deus é como mil anos (2Ped 3, 8). Pedro está a citar o Salmo 89, 4 onde se fala da eternidade de Deus e da brevidade da vida humana.

Citando o salmo, o autor da Segunda Carta de Pedro pretende animar os cristãos dizendo-lhes que, se a vinda de Cristo está a tardar mais do que se imaginava isso deve-se à misericórdia de Deus que quer dar mais tempo aos pecadores, a fim de se arrependerem (2Ped 3, 9). Em seguida, a Carta diz que o dia do Senhor vai chegar como um ladrão, acentuando que o Senhor virá de surpresa (2Ped 3, 10).

Pegando neste texto da Segunda Carta de São Pedro o Apocalipse interpreta a expressão de um dia igual a mil anos, como uma afirmação sobre o reino messiânico, o qual durará mil anos. O profeta Isaías dizia que Deus iria criar novos céus e uma nova terra (Is 65, 17). O reino messiânico significa os novos céus e a nova terra.

Os justos, no reino messiânico, são os convidados das bodas do cordeiro (Apc 19, 6-9). Os adornos da esposa do cordeiro são as virtudes dos santos (Apc 19, 8). Todos os habitantes do reino messiânico estão marcados pela testemunha de Jesus, isto é, o Espírito Santo (Apc 19, 10; cf. Act 5, 32).

O Apocalipse fala de uma segunda morte. Trata-se de uma referência à condenação. A segunda morte não terá qualquer poder sobre os justos. Passados os mil anos, os justos julgarão os pecadores juntamente com Cristo. “Chegou o momento de começar o julgamento pela casa de Deus. Refere-se aos sofrimentos dos mártires e às perseguições dos crentes. Se o julgamento começa por nós, qual será a sorte dos que não obedecem ao Evangelho? E se o justo a custo se salva (dificuldade das perseguições), que será do ímpio e do pecador? Os que sofrem segundo a vontade de Deus confiem as suas vidas ao criador fiel, praticando o bem” (1Ped 4, 17-19).

Segundo o Apocalipse, os justos que participam do reino messiânico são numerosos como as areias do mar (Apc 20, 9a). Realiza-se assim a Aliança que Deus fizera com Abraão: “Abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu e a areia das praias do mar. Todas as nações na terra serão abençoadas na tua descendência” (Gn 22, 17-18).

Após os mil anos do Reino messiânico, o Demónio é solto e dar-se-á a segunda ressurreição. Trata-se da ressurreição dos que vão ser condenados, pois os justos já tinham ressuscitado no dia da vinda de Cristo. Após a segunda ressurreição cai fogo do céu e devora os pecadores (Apc 20, 9b). Satanás é lançado no fogo de enxofre onde será atormentado em conjunto com a besta e o falso profeta (Apc 20, 10). A multidão dos pecadores cujos nomes não estavam escritos no Livro da Vida são julgados e lançados neste fogo que constitui a segunda morte (Apc 20, 11-15). Inspirando-se nesta encenação trágica, a Idade Média vai elaborar as terríveis imagens do Inferno que chegaram até nós. É a partir desta teologia trágica que a Idade Média vai elaborar o terrível canto litúrgico do “Dies irae”.


6- A Nova Jerusalém

Segundo o esquema milenarista do Apocalipse, a ressurreição dos maus dá-se apenas no final do reino milenário do Messias. A ressurreição dos maus coincide com a libertação momentânea de Satanás. Em seguida dá-se a batalha final entre os bons e os maus, cujos vencedores é Jesus Cristo e os eleitos. Satanás, a besta e os maus são finalmente condenados e laçados ao lago do enxofre ardente.

O reino messiânico da terra termina com esta luta. Surge então a Nova Jerusalém, isto é, a família de Deus que é um povo de reis e sacerdotes. A nova Jerusalém é elevada ao céu onde permanecerá eternamente. Surge assim um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra desapareceram. O mar já não existe (Apc 21, 1). A nova Jerusalém não foi edificada pelos homens, mas pelo Espírito de Deus. Desceu do céu. É bela. Parece uma esposa adornada e preparada para receber o seu esposo (Apc 21, 2).

A Nova Jerusalém é o Reino dos Céus. Deus habitará com os seres humanos que formam o seu Povo. Estes serão os filhos de Deus com os quais o Senhor Deus habitará para sempre (Apc 21, 3). A partir de agora não haverá mais dor, nem sofrimento, nem pranto, pois Deus enxuga as lágrimas dos olhos dos Seus filhos. Está inaugurado o Mundo Novo. As primeiras coisas passaram (Apc 21, 4).
A todos os que reinam consigo dá a beber a água viva, isto é o Espírito Santo (Apc 21, 6). O evangelho de São João diz que esta Agua Viva seria dada por Jesus no momento da sua ressurreição (Jo 7, 37-39). Para o Apocalipse a glorificação de Jesus acontece ao assumir a realeza universal. O Cristo do Apocalipse é realmente o “Pantocrator”, isto é, o Rei do Universo. O Alicerce da Nova Jerusalém é o resto fiel dos justos do Antigo e do Novo Testamento. A cidade tem doze portas. Em cada porta está escrito o nome de uma das doze tribos de Israel (Apc 21, 12).

As muralhas da cidade estão assentes sobre doze colunas. Cada uma destas colunas está marcada com o nome de um dos doze Apóstolos (Apc 21, 14). A teologia do Apocalipse é marcadamente judaica. Está na linha da teologia do evangelho de São João segundo a qual a salvação vem dos judeus (Jo 4, 22). A teologia do Apocalipse tem subjacente a profecia de Natã a David (2 Sam 7, 12-16). Segundo Natã, o descendente de David devia construir um templo para Deus (2Sam 7, 13).

Segundo o apocalipse, Jesus supera inteiramente o templo dos judeus. Já o evangelho de São João acentuava que o templo, o culto e os adoradores que Deus quer, situam-se no nível pneumático. O lugar não o elemento decisivo (Jo 4, 21). É em Espírito e verdade que Deus que ser adorado pelos seus adoradores (Jo 4, 23-24). O novo culto supõe um novo templo. Segundo a teologia joanina, o novo templo é Cristo ressuscitado.

Eis as palavras de Jesus no evangelho de São João: “Jesus respondeu: destruí este santuário e eu reedificá-lo-ei em três dias (...). Jesus falava do santuário do Seu Corpo. Por isso, quando ressuscitou dos mortos, os discípulos recordaram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra que Jesus dissera” (Jo 2, 19-22).

A nova Jerusalém tem as medidas do novo templo anunciado pelo Apocalipse de Ezequiel (Ez 41, 21; 42, 16; 45, 2; 48, 16). A nova Jerusalém é a cidade dos ressuscitados, tal como o profeta Ezequiel tinha visto nos seus sonhos (Apc 21, 16). É este o templo para onde acorrem as riquezas fabulosas segundo a visão do profeta Zacarias a respeito da Jerusalém messiânica (Apc 21, 18-21; cf. Zac 2, 4-8).

O templo do Senhor é a comunhão dos seus eleitos. Deus habita no coração dos eleitos. A nova Jerusalém não tem templo algum, pois Deus habita no meio dos seus eleitos que formam o templo de Deus e do Cordeiro (Apc 21, 22). Todos têm acesso ao Senhor e comungam directamente com Ele. A Primeira Carta de São Pedro diz que os crentes são as pedras vivas do templo do Senhor (1Ped 2, 5).

Do mesmo modo, São Paulo diz que a comunidade cristã é o templo do Senhor: “Nós somos o templo do Deus vivo, diz o próprio Deus: Habitarei e andarei entre eles. Serei o seu Deus e eles serão o Meu povo (...). Serei para vós um Pai e vós sereis para mim filhos e filhas» (2Cor 6, 16-18). Os crentes são o templo de Deus porque Cristo lhes comunicou o Espírito Santo. É por esta razão que os crentes já não se pertencem a si (1Cor 6, 19).

Por outras palavras, a Nova Jerusalém é a comunhão dos salvos com Deus no Espírito Santo. Já não existe o Sol nem a Lua na Nova Jerusalém. Na morada dos eleitos, isto é, na Nova Jerusalém, a iluminação é a glória de Deus. Tudo se fez novo. Na Nova Jerusalém já não há noite. Deus está permanentemente no meio dos seus eleitos. Por isso o dia é permanentemente dia (Apc 21, 25). Apenas os que estão inscritos no Livro da Vida que o Cordeiro possui, têm morada na Nova Jerusalém (Apc 21, 27).

O Pai e o Cordeiro são a nascente do rio da vida, isto é, o Espírito Santo. Este rio é resplandecente como o cristal (Apc 22, 1). Os seus habitantes reinarão pelos séculos dos séculos (Apc 22, 5). Ninguém é mais que os outros. Todos são irmãos, quer se trate dos anjos, dos santos ou dos profetas (Apc 22, 9). O que tiver sede venha e beba gratuitamente a água da vida (Apc 22, 17; cf. Jo 7, 37).

Os crentes devem consolar-se e animar-se uns aos outros, diz o Livro do apocalipse, pois estas coisas estão próximas. Animados pelo Espírito Santo, os eleitos gritam: “Ámen! Vem, Senhor Jesus” (Apc 22, 20b). Trata-se de uma fórmula litúrgica usada pelas comunidades primitivas que revela bem a expectativa da Segunda vinda de Cristo nestas comunidades.

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