Os Apóstolos e a Segunda Vinda de Cristo




a) Fim do Mundo e Juízo Final em São Paulo
1- O Final da História em São Paulo
2- Em Cristo, Deus Suscitou Uma Nova Criação
3- São Paulo e o Juízo Final
4- Reinado Messiânico e Resto Fiel
5- A Vinda do Senhor

b) O Apóstolos e a Segunda Vinda de Cristo
1- Visão Apocalíptica dos Profetas
2- Deus Planeia a Renovação do Homem
3- Jesus e o Reino de David
4- A vinda triunfal do rei messiânico
5- A vinda de Jesus como rei messiânico
6- A Segunda vinda de Cristo no Evangelho de João

c) A Nova Jerusalém no Livro do Apocalipse
1- A Criação de um Mundo Novo
2- A Realeza Universal de Cristo
3- A Morada de Deus Com os Eleitos

d) A Nossa Identidade no Reino de Deus
1- Os Ressuscitados Como Seres Espirituais
2- A Emergência do Homem Espiritual
3- Unidos Organicamente a Cristo
4- Espírito Santo e Vida Eterna


a) Fim do Mundo e Juízo Final em São Paulo

1- O Final da História em São Paulo

Falar de São Paulo é falar do maior teólogo da primeira geração cristã. Por ser um teólogo judeu convertido à Fé Cristã, São Paulo encontrava-se numa situação privilegiada para compreender o plano salvador de Deus realizado em Cristo. Com Jesus Cristo, Diz São Paulo, chegou a plenitude dos tempos, isto é, a História entrou na fase dos acabamentos (1Cor 10-11). Com a ressurreição de Jesus Cristo, a Humanidade recebe o dom do Espírito Santo que a incorpora na Família de Deus (Rm 8, 14-16; Gal 4, 4-7).

O fim da História humana vai acontecer com a segunda vinda de Cristo constituído rei e Cabeça da Nova Humanidade (Col 1, 15-20; Flp 2, 6-11). Com a sua ressurreição, Jesus foi constituído rei e investido como Senhor de toda a Criação (Rm 1, 3-5). No dia em que o Senhor aparecer (parusia), os mortos ressuscitarão e os vivos serão arrebatados nos ares e, num abrir e fechar de olhos, ficarão plenamente espiritualizados.

São Paulo estava convencido de que a segunda vinda de Jesus Cristo ia acontecer muito em breve. Estava absolutamente convencido de que graças à ressurreição de Jesus Cristo, a morte tinha sido vencida para toda a Humanidade (1 Cor 15, 26). Como teólogo judeu, São Paulo tinha uma visão orgânica da Humanidade: Os seres humanos fazem uma união orgânica e dinâmica como os ramos de uma árvore gigante com o seu tronco. Se Cristo ressuscitou, então também nós somos ressuscitados e glorificados com ele.

2- Em Cristo, Deus Suscitou Uma Nova Criação

Isto significa que o futuro da Humanidade está cheio de sentido (Col 1, 27; 1 Cor 15, 12-24). A ressurreição de Jesus Cristo não é uma transformação meramente individual. O Senhor Jesus Cristo é um homem em tudo igual a nós, excepto no pecado. É esta a razão pela qual ele faz com todos nós uma união orgânica com a Humanidade. Para São Paulo, a relação que existe entre a ressurreição de Cristo e a nossa põe-se de modo muito claro: Se nós não ressuscitamos, então também Cristo não ressuscitou. Por outras palavras, se Cristo não ressuscitou, então também nós não ressuscitamos e a salvação humana ainda não aconteceu (1 Cor 15, 12-13).

Com a ressurreição de Jesus Cristo, a dinâmica da salvação está a actuar na Humanidade pelo poder do Espírito Santo. O Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). O acontecimento da ressurreição de Cristo inaugura de modo definitivo, o futuro da Humanidade. A dinâmica da salvação já está a activa no coração dos que se abrem a Cristo (Rm 3, 26; 11, 5; Ef 2, 8).

Cristo é o Novo Adão que tem a missão de anular as forças do pecado e da morte que o primeiro Adão introduziu no tecido da Humanidade (1 Cor 15, 51-52). Assim como a morte veio para todos por intermédio de Adão, do mesmo modo, a vitória sobre a morte vem por Jesus Cristo, o Novo Adão (1 Cor 15, 54-56). Quando Jesus Cristo aparecer como rei glorioso, então também nós seremos glorificados com ele (Col 3, 4). O nosso ser presente será transformado e ficará como Cristo glorioso (Flp 3, 21).


3- São Paulo e o Juízo Final

Os discípulos de Jesus estavam convencidos de que ele era o Filho de David prometido, isto é, o rei messiânico que em breve iria subir ao trono. Isto nada tem de extraordinário, pois era esta a compreensão judaica da sua época. Como podemos verificar no evangelho de São Lucas foi nestes termos que o anjo anunciou a Maria o nascimento do seu Filho (cf. Lc 1, 32-33). Convencidos de que Jesus em breve se sentaria no trono real, os Apóstolos Tiago e João pedem a Jesus para lhes conceder o privilégio de ocuparem os primeiros lugares ao lado do rei. Os outros dez Apóstolos, ao ouvirem as pretensões de Tiago e João, protestam, pois também eles tinham pretensões no sentido de ocuparem esses lugares.

Pouco a pouco, Jesus tenta mudar esta mentalidade dos discípulos (Mc 10, 35s). Apesar dos seus esforços para mudar a visão dos discípulos, mas conseguiu muito pouco (Mt 16, 23). Esta tarefa ficaria para o Espírito Santo realizar após a Páscoa (Act 3, 19-21; 2, 32-36). Após a experiência pascal, a compreensão dos discípulos acerca da realeza de Jesus começa a transformar-se. Uma vez que ele morreu sem subir ao trono, os apóstolos começam a recorrer à profecia do Filho do Homem de Daniel e dizem que Jesus foi entronizado no Céu, após a sua ressurreição (Rm 1, 3-5). Na verdade, argumentam eles, Deus já tinha anunciado através do profeta Daniel que as coisas aconteceriam assim (Dan 7, 13-14). Uma vez entronizado no Céu, Jesus vai voltar com todo o poder, a fim de estabelecer com o resto o Reino de Deus e executar a purificação do dia da ira (Act 3, 19-21).

Os discípulos vão, pois, anunciar a segunda vinda de Cristo dentro do cenário que os profetas tinham elaborado para o dia da ira. São Paulo anuncia aos cristãos que eles formam o resto fiel que escapará ao dia ira nos dias da vinda de Jesus Cristo: “Jesus ressuscitou dos mortos e livrou-nos da ira futura” (1 Tes 1, 10). Quando o Senhor vier, os que permaneceram fieis vão ao encontro do Senhor nos ares, ficando para sempre com Ele (1 Tes 4, 14-17). Procuremos estar preparados, pois o dia do Senhor virá como um ladrão, surpreendendo os desprevenidos (1 Tes 5, 2).

Os fiéis devem alegrar-se com a proximidade do dia do Senhor, pois isto quer dizer que está perto a sua libertação. Devemos estar conscientes, diz São Paulo, que Deus não os reservou para a ira, mas para a salvação em Jesus Cristo (1 Tes 5, 9). O Senhor vai vir entre chamas de fogo, a fim de fazer justiça e punir todos os que se opõem ao Evangelho (2 Tes 2, 6-8). Os eleitos que constituem o resto fiel aparecerão junto do Senhor revestidos de glória (Flp3, 1-4). Os judeus, ao rejeitarem o Evangelho, estão a aumentar os motivos do seu castigo no dia da ira (Rm 2, 5-6).


4- Reinado Messiânico e Resto Fiel

É enorme a influência dos textos apocalípticos dos profetas nos textos do Novo Testamento. Os textos apocalípticos do Antigo Testamento são o material com que os autores do Novo Testamento elaboram o cenário da Segunda vinda Cristo. Para São Paulo, a Vinda de Cristo como rei messiânico significa o fim do mundo velho. “Se alguém está em Cristo, diz ele, é um Nova Criação. Passou o que era velho” (2 Cor 5, 17).

Na sua maneira de entender, a parusia, a vinda de Cristo, vai dar-se muito em breve. Se Cristo já ressuscitou, não há razão para permanecermos no mundo velho. O Espírito Santo é a força transformadora de Cristo ressuscitado. Este Espírito já nos foi derramado sobre a Humanidade. Como força criadora do Mundo Novo, o Espírito Santo já presente e activo nas comunidades cristãs espelhadas pelo mundo. São Paulo diz que o dia do Senhor virá como um ladrão pela calada da noite (1 Tes 5, 2). O dia do Senhor será um dia de tragédia e destruição para os que se opõe ao Evangelho e ao plano salvador de Deus. Mas para os eleitos esse será um dia de glória e alegria, pois é o dia da salvação e da libertação para o resto fiel.

A primeira carta aos Tessalonicenses é o documento do Novo Testamento que melhor testemunha a tensão escatológica da primeira geração cristã (cf. 1, 3; 4, 13-18; 5, 1-11 4, 13-18; 5, 1-11; 5, 23-24). Para os que vivem para o Senhor esse dia será em que farão a experiência da misericórdia do Senhor e da sua glorificação. Mas para os inimigos de Cristo esse será o dia da ira e da destruição. Nesse dia acontecerão as tragédias e os castigos anunciados pelos apocalipses dos profetas (cf. Am 5, 18-20; Jl 2, 1;3, 14;Ez 30, 20-21; Mal 3, 19-23).

Para São Paulo, os cristãos formam o resto fiel de que falaram os profetas, os quais escaparão ao dia da ira: “Deus não nos reservou para a ira mas para a salvação que nos vem de Nosso Senhor Jesus Cristo (1 Tes 5, 9). O resto fiel é preservado da maldade do mundo, a fim de participar no Reino da glória de Deus (1 Tes 2, 12). Os cristãos falecidos vão ressuscitar no dia da vinda do Senhor, a fim de participarem na festa da salvação (1 Tes 4, 15-17). Deus é fiel e por isso fortalece, a fim de aparecermos irrepreensíveis no dia da vinda de Cristo (1 Cor 1, 8; 1 Tes 3, 13; 5, 23-24).


5- A Vinda do Senhor

Os que se obstinam na prática do mal estão a acumular razões de condenação para o dia da ira de Deus (Rm 5, 9). Para os eleitos, o dia do Senhor é motivo de alegria e exultação, pois eles formam o grupo dos eleitos que foram marcados com o Espírito Santo que é o selo da salvação de Deus (Ef 4, 30). Nós não andamos nas trevas de modo a ser surpreendidos no dia do Senhor (1 Tes 5, 4). Devemos vigiar e estar atentos, pois este dia está próximo (Flp 4, 5;Rm 13, 11).

Na verdade, nós já chegámos a estes tempos que são os últimos (1 Cor 10, 11). Esse será o dia da vingança em que o Senhor vai chegar com todo o seu poder, acompanhado dos seus anjos (2 Tes 1, 5-10). Os eleitos devem permanecer tranquilos, pois para eles não há condenação. Na verdade, ninguém nos poderá separar do amor de Cristo (Rm 8, 35-39). O resto dos eleitos será reunido dos quatro cantos da terra, a fim de formar o Reino Messiânico, diz o evangelho de São Marcos. A estes a ira não os atingirá (Mc 13, 26).

Os judeus que troçam do anúncio da Segunda vinda diz a Segunda Carta de São Pedro, fazem parte do grupo dos ímpios reservados para o dia da ira (2 Pd 1, 16-17). Estes serão punidos com o fogo, o flagelo que atingiu os habitantes de Sodoma (2 Pd 2, 7-8). Se Deus tem atrasado um pouco esse dia, é para possibilitar a salvação do maior número possível (2 Pd 3,3).

São Paulo pensava que o Reino de Cristo, na Terra, duraria apenas o tempo suficiente para Cristo dominar os poderes maléficos que vagueiam pelos ares. Depois, o Senhor ressuscitado entregará o Reino ao Pai, afim de Deus ser tudo em todos (1 Cor 15, 24-28). São Paulo não é milenarista como o autor do Apocalipse, para quem o reino messiânico, sobre a terra, durará mil anos. O evangelho de São João tem uma visão profundamente diferente da visão do Apocalipse e mesmo da de São Paulo. Eis o que Jesus diz neste evangelho: “Eu não vim para julgar o mundo, mas para o salvar” (Jo 12, 47).


b) Os Apóstolos e a Segunda Vinda de Cristo

1- Visão Apocalíptica dos Profetas

Os apocalipses dos profetas pretendiam afirmar que o pecado não tem um lugar definitivo no plano de Deus. E foi assim que, pouco a pouco começou a surgir o pensamento apocalíptico, para dizer que Deus vai realizar uma intervenção purificadora universal. Através desta intervenção final Deus vai pôr fim ao pecado e aos seus efeitos negativos na História e na vida das pessoas. Para pôr fim ao pecado Deus vai destruir sua fonte, isto é, os pecadores.

A intervenção purificadora de Deus, portanto, acontecerá através de uma tragédia universal. Esta destruição purificadora acontecerá num dia terrível e trágico para os pecadores, ao qual os profetas começam a chamar o dia da ira de Deus. Os pecadores serão todos mortos. Da Humanidade escapará apenas o pequeno resto de Deus.

Nesse dia não haverá escapatória, diz o profeta Amós: “Ai dos que desejam ver o dia do Senhor. Será um dia de trevas e não de luz. É como um homem que foge de um leão e encontra um urso. É como se o homem, ao regressar a casa, apoiasse a mão na parede e fosse mordido por uma serpente. O dia do Senhor será de trevas e não de luz, de escuridão e não de claridade” (Am 5, 18-20).

Isaías vê o dia da ira como o dia do terror: Estremecei porque o dia do Senhor está perto. Virá como um açoite do Deus omnipotente (Is 13, 6). O profeta Joel reforça o discurso dos profetas anteriores dizendo que o dia do Senhor está muito próximo: “Ai aquele dia! O dia do Senhor está muito próximo. Virá como destruição operada pelo devastador. O Sol e a Lua ficarão escuros e as estrelas já não brilharão” (Jl 1, 15-16; cf. 2,1)

O dia do Senhor é o dia do julgamento universal: Multidões e mais multidões vão juntar-se no vale do julgamento, pois o dia do Senhor está perto” (Jl 4,14). Será um dia de ira e vingança, diz o profeta Isaías: “A terra embriagar-se-á de sangue e ficará coberta de gorduras de animais, pois é o dia da vingança do Senhor” (Is 34, 8).

Pouco a pouco começou-se a pensar que as tragédias apocalípticas dos profetas se iriam realizar com a vinda do Messias, associando assim um raio de esperança ao dia da ira. Ao mesmo tempo que purifica a Humanidade através da destruição dos pecadores, o Messias vai abrir o Paraíso fechado à Humanidade pelo pecado de Adão (Gn 3, 22-24). Por outras palavras, a vinda Messias trará a restauração do Paraíso primordial e Deus fará que a terra seja habitada pela harmonia e a paz universal, isto é, o “Shalom”. Nesse dia, o Espírito Santo vai recriar o coração do Homem.


2- Deus Planeia a Renovação do Homem

Os profetas começam, pois a associar ao dia do Messias o estabelecimento de uma Nova aliança radicada na força criadora do Espírito Santo. O resto fiel é a mediação para Deus renovar a sua aliança, dando origem a uma Nova Humanidade.

No coração desta Humanidade recriada, Deus vai infundir uma nova força espiritual, diz o profeta Ezequiel: “Derramarei sobre vós uma água pura e vós sereis purificados de todas as manchas e pecados. Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo. Arrancarei do vosso peito o vosso coração de pedra e colocarei em seu lugar um coração de carne. Dentro de vós porei o meu Espírito, a fim praticardes as minhas leis e preceitos” (Ez 36, 25-27).

João Baptista anunciou a vinda do Messias para breve e com ele, o dia da ira. “Vendo que muitos fariseus e saduceus vinham ter com ele, João disse-lhes: “Raça de víboras quem vos ensinou a fugir da ira que está para chegar? Produzi frutos dignos de conversão e não vos iludais dizendo: “Temos por Pai Abraão. O machado já está posto à raiz das árvores e toda a árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo” (Mt 3, 7-10).

O pensamento apocalíptico dos profetas e de João Baptista marcou profundamente o pensamento dos Apóstolos. Não nos podemos esquecer que vários dos discípulos de Jesus tinham sido discípulos de João Baptista (cf. Mt 14, 12). Como sabemos, a expectativa apocalíptica dos profetas e de João Baptista não se realizaram durante a vida terrena de Jesus.

Após a experiência do Senhor ressuscitado, os Apóstolos começam a anunciar a Segunda Vinda de Cristo, a fim de restaurar o reino messiânico na terra. As aparições do Senhor ressuscitado deram-lhes a certeza de que Jesus era o Messias. Como ele não estabeleceu o reino de David na primeira vinda, vai estabelecê-lo na segunda (Act 3, 19-21). A purificação anunciada pelos profetas acontecerá, pois, aquando da segunda vinda. Nesse dia terá lugar tudo o que está anunciado para o dia da ira.

E é assim que Jesus se torna o Filho do Homem que subiu ao trono no céu, tal como anunciara o profeta Daniel (Dan 7, 12s). Uma vez entronizado no Céu, Jesus tornou-se o Filho de Deus constituído em todo o Seu poder messiânico, diz São Paulo (Rm 1, 3-5). Agora está sentado no Céu à direita do Pai, aguardando o momento oportuno para vir de novo (Act 3, 19-21).

O dia da segunda vinda de Jesus Cristo será, pois, o dia do Filho do Homem. Naquele dia todos os seres humanos o hão-de ver chegar como rei poderoso sentado no Seu trono. O seu julgamento será implacável (Mc 13, 15-20). Só o resto fiel escapará à ira destruidora do Senhor. Este dia, dizia São Paulo, está quase a chegar (1 Tes 1, 9-10). Acontecerá ainda durante a primeira geração, acrescenta São Marcos (Mc 13, 30-32). São Paulo pensava que ainda estaria vivo no dia da segunda vinda do Senhor (1 Tes 4, 13-18; 1 Cor 15, 53). Nesse dia, Jesus Cristo destruirá todos os seus inimigos.

São Lucas utiliza palavras muito duras a este propósito: “Quanto a esses meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e degolai-os na minha frente” (Lc 19, 27). Inspirando-se no Salmo dois, São Paulo diz que o reinado de Cristo demorará apenas o tempo necessário para Jesus colocar os seus inimigos por escabelo dos seus pés (1 Cor 15, 24; cf. Sal 2, 6-7).


3- Jesus e o Reino de David

O messianismo bíblico nasceu com a expectativa de um rei glorioso que viria restaurar o reino de David seu pai (2Sam 7, 12-16). Os profetas associam normalmente a vinda do Messias com a casa de David. O Messias pertence à casa de David (Is 9, 9; 11, 1; Miq 5, 1-3; Jer 23, 5; 33, 17). São Paulo está na linha da teologia dos profetas. Eis a razão pela qual ele diz expressamente que Jesus é o descendente de David segundo a carne (Rm 1, 3). Os discípulos acompanhavam Jesus convencidos de estar a seguir o futuro rei de Israel (Mc 10, 35-43).

Após a experiência pascal, continuam a fazer uma leitura davídica da realeza de Jesus. Enquanto acompanhavam com Jesus, os discípulos pensavam que Jesus subiria ao trono durante a Sua vida terrena. Alguns fazem mesmo pedidos a Jesus no sentido de ocuparem os primeiros lugares na corte messiânica (Mc 10, 35s).

Antes da Páscoa, os discípulos falavam de Jesus como o Messias, o descendente de David cuja entronização era preciso preparar. Era esta perspectiva que Jesus rejeitava (Mt 16, 22-23). Por outras palavras, a visão que Jesus tinha da sua missão e a visão dos discípulos não correspondi. Por isso Jesus chama Satanás a Pedro, pois este só entende estas coisas segundo a visão terrena dos judeus (Mt 16, 23).

A visão que os discípulos tinham na cabeça correspondia à visão do profeta Jeremias quando escreveu: “Naqueles dias, a casa de Judá unir-se-á à de Israel. Virão juntamente para a terra que dei em herança a vossos pais» (Jer 3, 18). Esta profecia de Jeremias referia-se à junção das doze tribos, condição fundamental para acontecer a restauração do reino de David. Agora podemos compreender a razão pela qual Jesus escolheu os doze Apóstolos.

Depois da Páscoa, os discípulos começam a anunciar a segunda vinda de Jesus como rei messiânico. O dia da sua vinda como rei e juiz será um dia de tragédia para os que O rejeitaram (Lc 19, 27). Os sumos-sacerdotes hão-de ver o dia do Filho do Homem. Ele surgirá sentado vindo da direita do poder de Deus, isto é, como rei, vindo sobre as nuvens do céu (Mt 26, 64).

Jesus anuncia o Reino de Deus, o qual tem como alicerce o dom do Espírito Santo e a filiação divina dos seres humanos. Jesus declara-se Messias, até pelo facto de chamar a Deus seu Pai, pois o Messias seria filho de Deus (2 Sam 7, 12-16). Apesar do símbolo dos Doze Apóstolos e de chamar Pai a Deus, Jesus nunca se autoproclamou Messias davídico. É este o significado da rejeição duríssimo por parte de Jesus em relação a Pedro (Mt 16, 22-23). No entanto, esta era a maneira de os discípulos entenderem a missão messiânica de Jesus.


4- A vinda triunfal do rei messiânico

Os reis davídicos eram filhos de Deus Isto quer dizer que exerciam o poder real em nome de Deus (Sal 89, 21-27). A unção e coroação do rei era feita no Templo e era considerada uma celebração litúrgica de primeira grandeza. A partir do momento da coroação o filho de David passava a ser filho de Deus, diz o salmo dois (Sal 2, 6-7).

Por outras palavras, a unção real fazia do rei uma pessoa sagrada: “Deus me guarde de jamais cometer este crime, estendendo a mão contra o ungido do meu Senhor. Ele é o consagrado ao Senhor” (1Sam 24, 7). Após a unção real, o Espírito do Senhor apoderava-se do ungido tal como aconteceu com Saul (1Sam 10, 9-10) e David (1Sam 16, 13). Atentar contra o ungido do Senhor é atrair a ira de Deus (1Sam 26, 9).

Segundo a teologia da unção real, o rei recebia directamente o poder através da unção sagrada: “Encontrei David, meu servo, e com óleo sagrado o ungi (...). Ele invocar-me-á: Vós, meu pai, meu Deus e rochedo da minha salvação” (Sal 89, 21; 27). Deus é o único que é verdadeiramente rei e Senhor. Os reis davídicos exercem a sua missão em nome de Deus. Esse poder é-lhe conferido pelo Senhor mediante a unção e a entronização. O rei deve ser fiel à Aliança de Deus, pois só a Deus pertence a realeza (Is 52, 7). Segundo o profeta Zacarias a missão do rei é implantar a paz universal. A grandeza do rei messiânico radica na sua humildade e dedicação à causa da paz: “Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém. Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo, vitorioso e humilde. Monta um jumento, filho de uma jumenta. Destruirá os carros de guerra e os cavalos de Jerusalém. O arco de guerra será quebrado. Ele proclamará a paz para as nações. O seu império irá de um mar a outro e do rio às extremidades da terra (Zac 9, 9-10).


5- A vinda de Jesus como rei messiânico

A cena da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém é nitidamente uma encenação do Novo Testamento para dizer que Ele é o Messias. Jesus é o descendente de David, o Messias prometido, o rei de Israel (Mt 21, 1-10). Ao elaborar o relato da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, o evangelho de São Mateus cita a profecia de Zacarias que fala do rei humilde que monta o jumentinho.Com Este modo de proceder, São Mateus quer sublinhar que Jesus é o Messias anunciado pelos profetas (Mt 21, 4-5).

Após a experiência pascal, os discípulos anunciam que Jesus é o rei messiânico entronizado no Céu à direita de Deus (Act 2, 32-34). A missão messiânica de Jesus tem um alcance universal. Entronizado como Messias, ele vai julgar o universo, dizem os Actos dos Apóstolos: “Deus fixou um dia em que julgará o Universo com justiça por intermédio de um homem que ele determinou” (Act 17, 31a). O tempo intermédio entre a ressurreição e a segunda vinda de Jesus é um tempo de refrigério, de perdão incondicional (Act 3, 20).

Os judeus devem arrepender-se, dizem o Actos dos Apóstolos. O povo preparado pelos profetas para acolher o Messias, acabou por rejeitá-lo. Rejeitam o enviado de Deus, matando-o, embora tenham agido sobretudo por ignorância (Act 3, 17). É importante que aproveitam agora o tempo de refrigério que Deus lhes concede, aceitando o perdão que lhes está a ser oferecido (Act 3, 19).

Devido às aparições do Senhor ressuscitado, os discípulos são testemunhas da messianidade de Jesus: “Saiba toda a casa de Israel com toda a certeza que Deus estabeleceu como Senhor e Messias esse Jesus por vós crucificado” (Act 2, 34-36). Ele é o Salvador prometido, o libertador de Israel: “Suscitou-nos um poderoso salvador na casa de David, seu servo. Realizou o que tinha dito pela boca dos santos profetas de outrora” (Lc 1, 69-70). No Templo, as crianças proclamaram Jesus como Filho de David (Mt 21, 15).

A razão da primeira vinda de Jesus, foi o perdão e a filiação divina. O tempo intermédio é o ano da graça do Senhor (Lc 4, 19). A segunda vinda é o dia da vingança. Só os que aceitarem Jesus escaparão à ira que está para chegar (1Tess 1, 10). Para a Carta aos Hebreus a razão decisiva da segunda vinda de Cristo é conduzir os eleitos para a salvação. A segunda vinda de Cristo, diz a Carta aos Hebreus dar-se-á, não em função da perdição, mas da salvação: “Está determinado que os homens morram uma só vez. A seguir, vem o juízo. Assim também Cristo se ofereceu uma só vez pelo perdão dos pecados de muitos. Aparecerá uma segunda vez àqueles que o esperam. Não por causa do pecado, mas para lhes dar a salvação” (Heb 9, 27-28).

Uma vez que o pecado foi perdoado em Jesus ressuscitado, já não há necessidade de oferecer ritos e sacrifícios pelo perdão do pecado: “Onde há remissão dos pecados já não há necessidade de oferenda pelos pecados” (Heb 10, 18). Depois acrescenta: “Os sacrifícios, as ofertas e os holocaustos pelo pecado não te agradaram” (...). Disse em seguida: “Eis que venho para fazer a Tua vontade”. Aboliu assim o primeiro culto para estabelecer o segundo” (Heb 10, 8-9). O pecado que conduz à destruição final é a recusa em viver segundo a dinâmica comunitária da fraternidade e comunhão para a qual o Espírito santo nos conduz.


6- A Segunda vinda de Cristo no Evangelho de João

É o único documento do Novo Testamento que supera definitivamente o conceito de uma segunda vinda apocalíptica. O juízo de Deus dá-se mediante o encontro com Jesus, o portador da vida nova que brota do Espírito Santo. Cristo é o juiz por ser o Filho do Homem, isto é, o Messias glorificado no céu à maneira do Filho do Homem de Daniel (Dan 7, 12s).

Após a Sua glorificação, Jesus torna-se a fonte da vida e da ressurreição: “O Pai tem a vida em si mesmo. Do mesmo modo concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo. E deu-lhe o poder de julgar por ser o Filho do Homem (...). Vai chegar a hora em que todos os que estão nos túmulos ouvirão a Sua voz. Os que tiverem praticado boas obras ressuscitarão para a vida. Os que tiverem praticado o mal ressuscitarão para a condenação. Eu nada faço por mim mesmo. Conforme oiço é que julgo, e o meu juízo é justo porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou” (Jo 5, 26-30).

O juízo realizado é, pois, o reconhecimento da verdade e da fidelidade de Deus. Este reconhecimento é realizado em nós pelo Espírito Santo: “Convém-vos que eu vá. Se eu não for, o Consolador (Paráclito) não virá a vós. Se eu for, enviar-vo-lo-ei. Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16, 7).

Para o evangelho de São João, o juízo começou com a ressurreição e a glorificação de Jesus. Foi nesta altura que o Espírito entrou na marcha da humanidade exercendo a sua missão de defensor e introduzindo-nos na Família de Deus: “Mas os que o receberam, aos que acreditam nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram do sangue, nem da vontade carnal, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1, 12-13).

O Espírito convencerá igualmente o mundo do juízo no sentido de que desmascara e condena as forças do mal. Os judeus julgam segundo a carne, isto é, segundo os critérios do judaísmo. Jesus não julga assim: “Quando vier o Consolador que vos hei-de enviar da parte do Pai, o Espírito da verdade que procede do Pai, ele dará testemunho de mim” (Jo 15-26).

A segunda vinda de Jesus no evangelho de São João nada tem a ver com o modelo apocalíptico de um acontecimento cósmico. Jesus vem, pelo Espírito, para conduzir os que acolhem a salvação de Deus para o Reino do Pai: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, ter-vo-lo-ia dito. Vou preparar-vos uma morada. Depois de ter ido e vos ter preparado essa morada, virei outra vez e levar-vos-ei comigo” (Jo 14, 2-3).

O juízo realizado pelo Espírito acontece no coração da pessoa humana, o ponto de encontro com a verdade de Deus e do Homem: “O Espírito da verdade que procede do Pai dará testemunho de mim” (Jo 15, 26b). O Espírito é a garantia da nossa união com Deus e da nossa salvação: “Deus é Amor. Quem permanece no Amor permanece em Deus e Deus permanece nele. O Seu Amor é perfeito para connosco, a fim de que no juízo tenhamos confiança (...). No amor não há temor, pois o Amor, quando é perfeito, lança fora o temor. O temor pressupõe o castigo. O que teme não é perfeito no amor» (1Jo 4, 16b-18).

A condenação não significa que Deus condene alguém, mas que o homem se fecha ao dom de Deus: “Quem acredita no Filho de Deus não é condenado. Quem não acreditar nele já está condenado (...). A causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz. Isto porque as suas obras eram más” (Jo 3, 18-19). Com o dom do Espírito, o homem só é vencido pelo mal se quiser. Por isso é agora o julgamento: “Agora é que se realiza o julgamento do mundo. É agora que o príncipe deste mundo é expulso” (Jo 12, 31).

João supera inteiramente a visão apocalíptica da segunda vinda de Jesus e do juízo. Deus não anda à procura de razões para condenar o homem. Pelo contrário, antes de nós o amarmos ele amou-nos a nós: “Nós amamo-lo porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4, 19). O amor a Deus torna-se visível no nosso amor aos irmãos. A verdade do juízo está precisamente nesta interacção: amor a Deus, amor aos irmãos: “Se alguém disser: “Amo a Deus, mas odiar o seu irmão, é mentiroso”. Quem não ama o irmão que vê não pode amar a Deus que não vê” (1Jo 4, 20).

A missão de Cristo, diz o evangelho de São João, não é condenar, mas salvar o Homem: “Se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, não sou eu que o condeno, pois eu não vim para condenar o mundo, mas para o salvar” (Jo 12, 47). No último dia, o homem será confrontado com a verdade da mensagem e com o modo como a aceitou ou a rejeitou: “Quem me rejeita e não acolhe as minhas palavras tem quem o condene. A mensagem que anunciei é que há-de condená-lo no último dia” (Jo 12, 48).

Confrontar-se com a mensagem de Jesus é confrontar-se com o Espírito Santo que habita no íntimo do nosso coração: “Quando vier o Espírito da Verdade, guiar-vos-á para a verdade total. Ele não falará de si mesmo. Dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á o que há-de vir. Glorificar-me-á porque há-de receber do que é meu para vo-lo anunciar” (Jo 16, 13-14).

Em Jesus ressuscitado Deus oferece ao homem o maior de todos os dons, isto é, a possibilidade de participar na comunhão universal da Família de Deus. Glorificar-me-á porque há-de receber do que é meu para vo-lo anunciar” (Jo 16, 13-14). Em Jesus ressuscitado Deus oferece ao homem o maior de todos os dons, isto é, a possibilidade de participar na comunhão universal do Reino que é o mesmo que pertencer à Família de Deus. Trata-se de um dom, que o homem pode aceitar ou não. De outro modo não seria um dom, mas uma imposição. O juízo de Deus joga-se nesta opção fundamental que determina a salvação ou a perdição da pessoa. Por outras palavras, Deus não condena ninguém. As pessoas que vão para a morte eterna condenam-se por sua própria decisão.


c) A Nova Jerusalém No Livro do Apocalipse

1- A Criação de um Mundo Novo

Segundo o esquema milenarista do Apocalipse, a ressurreição dos maus dá-se apenas após o reino messiânico dos mil anos. A ressurreição dos maus coincide com a libertação momentânea de Satanás. Em seguida dá-se a batalha final entre os bons e os maus, cujos vencedores é Jesus Cristo e os eleitos. Satanás, a besta e os maus são finalmente condenados e laçados ao lago do enxofre ardente.

O reino messiânico da terra termina com esta luta. Surge então a Nova Jerusalém, isto é, a família de Deus que é um povo de reis e sacerdotes. A nova Jerusalém é elevada ao céu onde permanecerá eternamente. Surge assim um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra desapareceram. O mar já não existe (Apc 21, 1). A nova Jerusalém não foi edificada pelos homens, mas pelo Espírito de Deus. Desceu do céu. É bela. Parece uma esposa adornada e preparada para receber o seu esposo (Apc 21, 2).

A Nova Jerusalém é o Reino dos Céus. Deus habitará com os seres humanos que formam o seu Povo. Estes serão os filhos de Deus com os quais o Senhor Deus habitará para sempre (Apc 21, 3). A partir de agora não haverá mais dor, nem sofrimento, nem pranto, pois Deus enxuga as lágrimas dos olhos dos Seus filhos. Está inaugurado o Mundo Novo. As primeiras coisas passaram (Apc 21, 4). A todos os que reinam consigo dá a beber a água viva, isto é o Espírito Santo (Apc 21, 6). O evangelho de São João diz que esta Agua Viva seria dada por Jesus no momento da sua ressurreição (Jo 7, 37-39).


2- A Realeza Universal de Cristo

Para o Apocalipse a glorificação de Jesus acontece ao assumir a realeza universal. O Cristo do Apocalipse é realmente o “Pantocrator”, isto é, o Rei do Universo. O Alicerce da Nova Jerusalém é o resto fiel dos justos do Antigo e do Novo Testamento. A cidade tem doze portas. Em cada porta está escrito o nome de uma das doze tribos de Israel (Apc 21, 12). As muralhas da cidade estão assentes sobre doze colunas. Cada uma destas colunas está marcada com o nome de um dos doze Apóstolos (Apc 21, 14).

A teologia do Apocalipse é marcadamente judaica. Está na linha da teologia do evangelho de São João segundo a qual a salvação vem dos judeus (Jo 4, 22). A teologia do Apocalipse tem subjacente a profecia de Natã a David (2 Sam 7, 12-16). Segundo o profeta Natã, o descendente de David devia construir um templo para Deus (2Sam 7, 13). No Livro do Apocalipse, Jesus aparece como o prometido a David que constrói o templo que Deus quer, isto é, a comunhão com Deus. Já o evangelho de São João acentuava que o templo, o culto e os adoradores que Deus quer, situam-se no nível pneumático.


3- A Morada de Deus Com os Eleitos

O lugar não o elemento decisivo (Jo 4, 21). É em Espírito e verdade que Deus que ser adorado pelos seus adoradores (Jo 4, 23-24). O novo culto supõe um novo templo. Segundo a teologia joanina, o novo templo é Cristo ressuscitado. Eis as palavras de Jesus no evangelho de São João: “Jesus respondeu: destruí este santuário e eu reedificá-lo-ei em três dias (...). Jesus falava do santuário do Seu Corpo. Por isso, quando ressuscitou dos mortos, os discípulos recordaram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra que Jesus dissera” (Jo 2, 19-22).

A nova Jerusalém tem as medidas do novo templo anunciado pelo Apocalipse de Ezequiel (Ez 41, 21; 42, 16; 45, 2; 48, 16). A nova Jerusalém é a cidade dos ressuscitados, tal como o profeta Ezequiel tinha visto nos seus sonhos (Apc 21, 16). É este o templo para onde acorrem as riquezas fabulosas segundo a visão do profeta Zacarias a respeito da Jerusalém messiânica (Apc 21, 18-21; cf. Zac 2, 4-8). O templo do Senhor é a comunhão dos seus eleitos. Deus habita no coração dos eleitos.

A nova Jerusalém não tem templo algum, pois Deus habita no meio dos seus eleitos que formam o templo de Deus e do Cordeiro (Apc 21, 22). Todos têm acesso ao Senhor e comungam directamente com Ele. A Primeira Carta de São Pedro diz que os crentes são as pedras vivas do templo do Senhor (1Ped 2, 5).

Do mesmo modo, São Paulo diz que a comunidade cristã é o templo do Senhor: “Nós somos o templo do Deus vivo, diz o próprio Deus: Habitarei e andarei entre eles. Serei o seu Deus e eles serão o Meu povo (...). Serei para vós um Pai e vós sereis para mim filhos e filhas» (2Cor 6, 16-18). Os crentes são o templo de Deus porque Cristo lhes comunicou o Espírito Santo. É por esta razão que os crentes já não se pertencem a si (1Cor 6, 19).

Por outras palavras, a Nova Jerusalém é a comunhão dos salvos com Deus no Espírito Santo. Já não existe o Sol nem a Lua na Nova Jerusalém. Na morada dos eleitos, isto é, na Nova Jerusalém, a iluminação é a glória de Deus. Tudo se fez novo. Na Nova Jerusalém já não há noite. Deus está permanentemente no meio dos seus eleitos. Por isso o dia é permanentemente dia (Apc 21, 25). Apenas os que estão inscritos no Livro da Vida que o Cordeiro possui, têm morada na Nova Jerusalém (Apc 21, 27).

O Pai e o Cordeiro são a nascente do rio da vida, isto é, o Espírito Santo. Este rio é resplandecente como o cristal (Apc 22, 1). Os seus habitantes reinarão pelos séculos dos séculos (Apc 22, 5). Ninguém é mais que os outros. Todos são irmãos, quer se trate dos anjos, dos santos ou dos profetas (Apc 22, 9). O que tiver sede venha e beba gratuitamente a água da vida (Apc 22, 17; cf. Jo 7, 37).

Os crentes devem consolar-se e animar-se uns aos outros, diz o Livro do apocalipse, pois estas coisas estão próximas. Animados pelo Espírito Santo, os eleitos gritam: “Ámen! Vem, Senhor Jesus” (Apc 22, 20b). Trata-se de uma fórmula litúrgica usada pelas comunidades primitivas que revela bem a expectativa da Segunda vinda de Cristo nestas comunidades.


d) A Nossa Identidade no Reino de Deus

1- Os Ressuscitados Como Seres Espirituais

A ressurreição não é uma restauração biológica, pois os ressuscitados não voltam ao estado em que se encontravam antes de morrer. Mas a identidade espiritual da pessoa permanece a mesma na Comunhão Universal do Reino de Deus. Por identidade espiritual devemos entender o jeito de a pessoa amar e se relacionar com os outros. Isto quer dizer que a ressurreição é um acontecimento de ordem espiritual e não uma restauração biológica.

Os evangelhos insistem em que a nossa identidade profunda, por ser espiritual, permanecerá a mesma na comunhão do Reino de Deus. Ao mesmo tempo insistem que a pessoa humana, após a ressurreição, permanece como grandeza de ordem meramente espiritual. Eis o que Jesus disse aos saduceus, isto é, a um grupo de homens ligado a um movimento que religioso que não acreditava na ressurreição: “Acerca da ressurreição estais enganados, pois desconheceis as Escrituras e o poder de Deus. Na ressurreição nem os homens terão mulheres, nem as mulheres, maridos. Serão como anjos no Céu” (Mt 22, 29-30). Com esta forma de falar, Jesus queria dizer que, na Comunhão dos ressuscitados em Cristo, a condição das pessoas é puramente espiritual.


2- A Emergência do Homem Espiritual

O ser humano começa por ser uma realidade de ordem meramente biologia, isto é, um ovo. O nosso ser espiritual é uma realidade a emergir no nosso íntimo como o pintainho vai emergindo dentro do ovo. Na verdade, começamos por ser um corpo terreno, diz São Paulo, mas ressuscitamos como corpo espiritual (1 Cor 15, 44).

São Paulo faz esta afirmação referindo-se tanto à realidade de Jesus ressuscitado como à nossa. Na verdade, a nossa condição é a mesma de Jesus, pois a nossa ressurreição acontece pelo facto de fazermos uma união orgânica com Cristo ressuscitado. Ele é a cabeça de um corpo, do qual nós somos os membros, diz São Paulo (1 Cor 10, 17; 12, 27). O evangelho de São João diz que nós somos os ramos da videira da qual Jesus é a cepa (Jo 15, 1-8). Jesus desenvolve este exemplo, dizendo que os ramos apenas viver e dar fruto se estiverem unidos à videira (Jo 15, 4-5).

Ao falar do corpo dos ressuscitados, a fé afirma que o corpo dos ressuscitados não é uma realidade física, mas sim uma realidade espiritual. Isto significa que a nossa identidade no Céu coincide com o nosso jeito de amar e comungar com os irmãos. De facto, no Reino de Deus todos os eleitos dançam o ritmo do amor, mas cada qual com o jeito que foi adquirindo na história. Este jeito de dançar o ritmo do amor foi treinado e adquirido através da nossa marcha na história. No Reino de Deus os seres humanos só encontram a sua plenitude de pessoas realizadas e felizes na comunhão com os outros.


3- Unidos Organicamente a Cristo


Como acabámos de ver, só na comunhão nos podemos sentir realizados e felizes. A solidão asfixia a pessoa, bloqueando todas as suas possibilidades de felicidade. Por outras palavras, fora da comunhão, a pessoa não se possui nem conhece plenamente. O ser humano está talhado para a relação. Somos imagem de Deus que é uma comunhão de três pessoas. Eis a razão pela qual a pessoa só se possui plenamente dando-se.

O sangue que alimenta a vida e a nossa união dos membros do Corpo com a sua cabeça é o Espírito Santo. O Espírito Santo é, na verdade, o sangue da Nova Aliança. Ele é a seiva que vem da cepa, fortalecendo e tornando fecundos os ramos da videira que somos nós. Como diz o evangelho de João, o Espírito Santo é a Água Viva que faz jorrar rios de Vida Eterna no nosso coração (Jo 4, 14; 7, 37-39).

A comunhão do Corpo e Sangue de Cristo, na Eucaristia, tem a ver com o Espírito Santo. Na verdade, diz o evangelho de São João, não se trata de uma realidade biológica (células ou hemoglobina), mas sim do Espírito Santo. Eis as palavras do evangelho de São João: “O Espírito é que dá vida. A carne não serve para nada. As palavras que vos disse são Espírito e Vida” (Jo 6, 63). A carne e o sangue, diz São Paulo, não podem participar no Reino de Deus (1 Cor 15, 51).

A nossa realidade interior é espiritual. Mas é histórica, pois emerge de modo gradual e progressivo no nosso interior. Na base da nossa realização pessoal está uma cadeia enorme de decisões, opções, escolhas, atitudes e realizações orientadas no sentido do amor. É esta rede de realizações que forma a nossa identidade pessoal, isto é, o nosso jeito de amar e nos relacionarmos com os outros. É verdade que ninguém se pode realizar sozinho. Mas é igualmente verdade que ninguém nos pode substituir na tarefa da nossa realização pessoal.

Somo realmente seres em construção, tarefa na qual ninguém nos pode substituir. Mas ninguém se pode realizar sozinho, pois o ser humano só pode realizar-se em relações de amor. Eis a razão pela qual, a pessoa, à medida em que se realiza, se constitui como ser unido e interligado aos demais. É esta a raiz da união orgânica e dinâmica que liga as pessoas humana umas com as outras.

Tal como a Humanidade, também a Divindade é uma união orgânica e dinâmica de três pessoas. É verdade que os outros são mediações para nos realizarmos, mas não podem programar nem executar a nossa realização. Nem Deus nos substitui nesta tarefa da nossa realização pessoal, a fim de podermos ser livres, conscientes, responsáveis e termos património pessoal a comungar com os outros.

Deus está sempre connosco, mas não está nunca em nosso lugar. Os outros seres humanos podem favorecer ou condicionar a nossa realização pessoal, mas a última palavra é sempre nossa. É aqui que radica o fundamento da nossa dignidade pessoal e também a responsabilidade da nossa realização.

Podemos dizer que a nossa realização pessoal é o conteúdo da nossa identidade histórica. Agora já podemos compreender como a nossa realização pessoal é o conteúdo da nossa identidade histórica. À medida em que se realiza, a pessoa está a edificar-se como um ser livre, consciente, responsável, único, original, irrepetível e capaz de comunhão amorosa.

Resumindo o que acabámos de afirmar podemos dizer que seremos eternamente a pessoa que realizarmos agora na história. Seremos eternamente aquilo que realizarmos agora na história. Através de Cristo, Deus diviniza o que somos como realização humana. Mas a humanização é tarefa nossa. Isto quer dizer que será eternamente mais divino quem mais se humanizar na história. Deus criou-nos inacabados e deu-nos a missão histórica de nos criarmos completando, deste modo, a sua obra.


4- Espírito Santo e Vida Eterna

Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo vai-nos guiando, a fim de nos conduzir nesta tarefa delicada da nossa realização. Apenas os que bebem a Água Viva que Cristo nos oferece, isto é, o Espírito Santo, participam da plenitude da ressurreição, diz Jesus no evangelho de São João (Jo 4, 21-23; 7, 37-39). Podemos dizer que Cristo ressuscitado é a Árvore da Vida que estava no centro do Paraíso cujo fruto, o Espírito Santo, nos dá a Vida eterna.

Devido ao pecado de Adão, diz o Livro do Génesis, a Humanidade ficou privada da vida Eterna (Gn 3, 22-24). Mas Deus que é rico em misericórdia, enviou-nos Cristo como Novo Adão, diz São Paulo (Rm 5, 17-19). No momento da sua morte e ressurreição, o Novo Adão reabriu-nos as portas do Paraíso e a Humanidade ficou com acesso ao fruto da Vida Eterna. No momento da sua morte sobre a cruz, Jesus disse ao Bom Ladrão: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43).

Por outras palavras, o Senhor ressuscitado é a Árvore da Vida que nos dá o fruto da Vida Eterna, isto é, o Espírito Santo que ele nos comunica ao ressuscitar: “No último dia, o mais solene da festa, Jesus, de pé, bradou: “Se alguém tem sede, venha a mim e quem crê em mim que sacie a sua sede! Como diz a Escritura, hão-de correr rios de Água Viva do seu coração. Jesus disse isto referindo-se ao Espírito santo que iam receber os que acreditassem nele. Com efeito, o Espírito ainda não tinha vindo, pois Cristo ainda não tinha sido glorificado” (Jo 7, 37-39).

O Espírito Santo, diz São Paulo, incorpora-nos na Família de Deus onde somos inseridos como Filhos em relação a Deus Pai e como irmãos em relação a Deus Filho. É por este Espírito Santo, acrescenta São Paulo, que nós clamamos “Abba”, Ó Pai (Rm 8, 14-16; Ga 4,4-7).

Como vemos, a identidade da pessoa humana, na Comunhão Universal da Família de Deus, não é anulada mas optimizada. A simples imortalidade não é o centro da Boa Nova trazida por Cristo. No coração do Evangelho está a ressurreição, a qual implica a assunção, ou seja, a incorporação na Comunhão da santíssima Trindade. À luz da ressurreição, a morte natural é o parto final, isto é, a derradeira possibilidade de nascermos para a plenitude da vida eterna. Por outras palavras, a morte é o acontecimento que nos possibilita o nascimento total.

Nesta perspectiva, o amor surge como a única razão válida para construir a vida. O amor vale tanto para viver como para morrer. Uma pessoa que morreu para salvar outra não se suicidou. Pelo contrário atingiu a plenitude do amor. Estamos a tocar um mistério que consiste nisto: a pessoa possui-se, dando-se, pois é dando-se que ela que recebe. Não basta ser imortal para atingir a plenitude da vida. As pessoas que estão em estado de inferno são imortais, mas não estão na plenitude dos ressuscitados com Cristo.

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