b) A Eficácia dos Sacramentos
1- Perspectiva Histórica
2- A Distorção do “Ex Opere Operato”
c) Jesus e a Superação do Ritualismo
1- Os Ritos Não Tornam o Homem Puro
2- Sacramentos e Ensinamentos de Jesus
3- Símbolos, Ritos e Celebrações Sacramentais
4- Espírito Santo e Dinâmica Sacramental
a) Número e Dinamismo dos Sacramentos
1-O número dos sacramentos
O Novo Testamento foi escrito em grego. A palavra “sacramento” deriva do latim. Isto significa que o termo sacramento é desconhecido do Novo Testamento. Como celebrações comunitárias da fé, o Novo Testamento conhece essencialmente duas: o baptismo e a Eucaristia. Estas celebrações não são cultos, mas festas onde os crentes proclamam o projecto salvador de Deus.
Este projecto, no Novo Testamento, chama-se “mysterion”, isto é segredo que Deus nos revelou em Cristo. No mundo pagão este termo era usado com o sentido de segredo dos deuses que os homens nunca poderão conhecer. O “Misteryon”, no Novo Testamento, significa o plano salvador de Deus.
O projecto de Deus era um mistério simplesmente porque os homens, por si sós, não podiam conhecer. Mas Deus, com a vinda de Jesus Cristo, revelou aos crentes o seu projecto salvador em favor da Humanidade, a fim destes anunciarem a Boa Nova da misericórdia de Deus em favor dos homens. Nos sacramentos os cristãos celebram em contexto de festa o plano salvador de Deus revelado em Cristo, a fim de melhor o conhecerem e poderem aprofundar.
Os sacramentos, portanto, são espaços privilegiados para os cristãos aprofundarem e saborearem o plano salvador de Deus, a fim de o poderem testemunhar no meio dos homens como diz São Paulo: “Por revelação, me foi dado a conhecer o mistério que acabo de vos expor em resumo. Pela sua leitura, podeis compreender o conhecimento que tenho dos filhos dos homens nas gerações passadas. Mas, agora, foi revelado, pelo Espírito Santo, aos santos apóstolos e profetas (...). A mim, o menor de todos os santos, foi-me dada a graça de anunciar entre os gentios a insondável riqueza de Cristo e a todos elucidar sobre o dom do mistério escondido desde tempos antigos em Deus, o Criador de todas as coisas (Ef 3, 3-9).
As celebrações da Fé são, pois, espaços para acontecer a Palavra de Deus. Esta esclarece o alcance e profundidade do mistério de Deus. O Espírito Santo actua de modo a tornar claro o segredo que Deus nos revelou em Seu Filho: “Quando vier o Espírito da Verdade conduzir-vos-á para a verdade total. Não falará de Si mesmo. Dir-vos-á tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á o que há-de vir” (Jo 16, 13).
Segundo o Novo Testamento, as celebrações da comunidade cristã não são cultos (doulia). São a festa comunitária da salvação que nos é revelada pelo Espírito Santo. João acentua que os cristãos só têm o culto em Espírito e verdade, o qual acontece no interior dos crentes (Jo 4, 23-24).
O termo usado pelo Novo Testamento para designar as celebrações comunitárias da fé é “litourgia”, isto é, a festa familiar dos crentes. As comunidades do Novo Testamento tinham duas celebrações fundamentais: o baptismo e a Eucaristia. São Paulo sublinha que a celebração dos sacramentos, apesar destes serem sinais salvíficos, não são meios mágicos de obtermos a salvação: “Não quero que ignoreis, irmãos, que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, todos passaram através do mar e todos foram baptizados em Moisés, na nuvem e no mar. Todos comeram do mesmo alimento espiritual e todos beberam da mesma bebida espiritual. Com efeito todos bebiam de um rochedo espiritual que os seguia. E esse rochedo espiritual era Cristo. Apesar disso, a maior parte deles não agradou a Deus, pois foram exterminados no deserto. Ora, isto aconteceu para nos servir de exemplo, a fim de não fazermos coisas más como eles fizeram” (1Cor 10, 1-6).
Como vemos, os sacramentos não são meios mágicos de salvação. Trata-se de celebrações comunitárias da Fé que explicitam, visibilizam e corporizam o plano de Deus a actuar na vida dos homens. A Palavra “sacramentum” surgiu na Igreja no século terceiro. O sentido deste termo era pouco claro. Significava, sobretudo, os sinais salvíficos de Deus.
Santo Agostinho, no século quarto, define os sacramentos como sinais visíveis da graça. A partir desta definição começa a multiplicar-se o número dos sacramentos. Tudo o que pudesse ser sinal da graça de Deus era chamado sacramento. Pouco a pouco o número de sacramentos começa a multiplicar-se. Dentro de pouco tempo começa a falar-se de dezenas de sacramentos.
Santo Agostinho definiu os sacramentos como sinais eficazes da graça. Os sacramentos são eficazes, dizia ele, porque Cristo actua neles. A Igreja forma um corpo cuja cabeça é Cristo. Ora, tudo o que o corpo faz é feito também pela cabeça. Portanto, conclui Santo Agostinho, quando a Igreja baptiza, é Cristo que baptiza. Eis a razão da eficácia dos sacramentos.
A definição de Santo Esta deu origem a uma multiplicidade enorme de sacramentos. Tudo o que possa ser sinal da graça passa a ser considerado sacramento, dando origem a uma enorme confusão. E assim, por exemplo, no século doze, era considerado sacramento, por exemplo, a dedicação e sagração das igrejas [cf. Conc. Concílio de Westminster, 1173, can. 9].
A profissão religiosa era também considerada como um sacramento [Concílio de Rouen, 1214, II, can 8]. O Papa Inocêncio III considerava sacramento a bênção dos altares e a confirmação das abadessas no seu cargo [Inoc. III, Epist. XIV, 46].
Para fazer face a esta proliferação de sacramentos, o teólogo Pedro Lombardo faz a distinção entre sacramentos e sacramentais, dizendo que os sacramentos são apenas sete. Todos os outros sinais da graça, diz Pedro Lombardo, são apenas sacramentais. O Papa Inocêncio III aceitou a distinção de Pedro Lombardo entre sacramentos e sacramentais. Em 1208 impõe aos valdenses esta diferença como dado de fé [cf. Denz. 790-791].
No entanto, a questão não ficou logo resolvida e pacificamente aceite. Ainda em 1237, o Concílio de Londres diz que os sete sacramentos são apenas os principais, aceitando outros [cf. José Maria Castillo, Símbolos de libertad, ed. Sígueme, Salamanca, 1981, p. 374]. São Bernardo dizia que os sacramentos são tantos que, numa hora, não se podem enumerar todos [São Bernardo, Sermo in coena Domini, 1, Opera V, ed. Cister, Roma, 1966, 68, 7-8]. Para São Bernardo, o rito da lavagem dos pés era considerado como um sacramento.
Hugo de S. Vítor, teólogo contemporâneo de Pedro Lombardo, diz que, além do baptismo, da Eucaristia e da Confirmação, há muitos outros gestos, coisas e palavras que são sacramentos. Tudo isto demonstra bem a indefinição que, na Idade Média, existia à volta do termo sacramento. De tal modo a questão era confusa que, Hugo de São Vítor, dizia que os sacramentos são tantos que não é possível enumerá-los todos de memória (Hugo de S. Vítor, De Sacram. II, 9, 1).
Para ele também a água benta, a imposição das cinzas, a bênção dos ramos e dos círios são sacramentos (Hugo de S. Vítor, De Sacram. II, 9, 1). O termo sacramento, neste período, já tinha perdido totalmente o sentido bíblico. Por outras palavras, na Idade Média, o sacramento não era visto como uma celebração comunitária do mistério da salvação a actuar na vida das pessoas pela acção do Espírito Santo. Havia ainda a visão da escola teológica ligada a Abelardo, a qual fala apenas de cinco sacramentos [cf. José Maria Castillo, Símbolos de libertad, ed. Sígueme, Salamanca, 1981, p. 378].
Com a distinção entre sacramentos e sacramentais, Pedro Lombardo tenta simplificar e ultrapassar o problema. Escolhe o número sete pelo facto deste número, na Idade Média, tal como acontecia na antiguidade Bíblica, ter um significado de perfeição e plenitude. Os autores medievais afirmavam que o número sete é um número perfeito porque é o número das notas musicais.
Sete são também as realidades que compõem o homem (quatro físicas e as três faculdades da alma). Além disso, sete são os orifícios da cabeça, as partes do corpo e as vísceras. Isidoro de Sevilha diz que o número sete é, de facto, o número da perfeição. Para Santo Tomás o número sete significa a universalidade [S.Th. II, 2, 9. 102, 95, ad 5].
Este número é composto por dois números perfeitos: O número quatro, que simboliza os elementos cósmicos e o número três que simboliza as faculdades da alma. Como sabemos, na Idade Média dizia-se que a alma tem três faculdades: memória, inteligência e vontade. Apoiados nestes símbolos e em princípios metafísicos, diz José Maria Castillo, o número sete, para os autores medievais, era considerado um número sagrado, o número da perfeição, universalidade e da plenitude [José Maria Castillo, Símbolos de libertad, ed. Sígueme, Salamanca, 1981, p. 389].
Eis a razão pela qual Pedro Lombardo escolhe o número sete para o impor como o número dos sacramentos. Esta solução simplifica, de facto, as coisas. Por isso o Papa Inocência III confirma a tese de Pedro Lombardo. Não nos esqueçamos de que é este o número dos dons do Espírito Santo, das virtudes e dos pecados capitais. Foi ainda Pedro Lombardo que delimitou os dons do Espírito Santo, dizendo que são sete. Foi ele ainda que disse que as virtudes são sete e os pecados capitais também [Pedro Lombardo, Sent. III, dist. 34, 2, ed. Quaracchi, 700]. Diz ainda que o número sete significa a vida eterna, pois é composto do número quatro mais do número três. O número três, diz ele, significa a Santíssima Trindade. O número quatro, por seu lado, corresponde aos quatro elementos cósmicos: ar, fogo, terra e água [Pedro Lombardo, Comm. in psal. 150, 5].
Como vemos, a cultura medieval, tal como a bíblica, era fecunda na simbologia dos números. Podemos dizer que a questão do número em relação aos sacramentos, é secundária. O ser da Igreja é estruturalmente sacramental. A Igreja é o sacramento universal da salvação. Eis a razão pela qual a Igreja pode criar, se assim o entender, as celebrações sacramentais necessárias para explicitar o projecto salvador de Deus a passar pelo concreto das diversas situações da vida. Também pode e deve anular alguns sacramentos se vier a sentir que estes já não são mediação para explicitar a salvação de Deus.
Neste início do século XXI podemos dizer que é importante adequar e estruturar as celebrações sacramentais à vida das comunidades e ao modo de sentir dos crentes. O critério não é a lei, o rito, o preceito ou a eficácia mágica, mas a capacidade de o sacramento explicitar ou corporizar a dinâmica da salvação a acontecer na história humana. O critério, portanto, é a vida a exprimir-se celebrativamente com os horizontes da revelação de Deus.
Após a Idade Média, não se entenderam as razões que levaram à escolha de sete em relação ao número dos sacramentos. Eis a razão pela qual se absolutiza e dogmatiza a questão dos sete sacramentos. No Século XV, o papa Eugénio IV, no concílio de Ferrara-Florença, diz que os sacramentos são sete e que estes são constituídos por matéria e forma. Além de afirmar que os sacramentos são sete, Eugénio quarto acrescentou que estes foram fundados por Jesus Cristo e têm um ministro próprio.
Estamos perante uma definição fundamentada na filosofia de Aristóteles e não na compreensão do mistério de Cristo, tal como São Paulo afirmava: “Por encargo divino fui constituído em vosso favor ministro da Igreja, a fim de levar a bom termo o anúncio da Palavra de Deus, o mistério escondido deste os séculos passados e que agora foi manifestado aos seus santos. Deus quis assim tornar conhecida a grandeza do mistério que é Cristo a actuar em vós. Ele é a esperança e a garantia da glória” (Col 1, 25-27).
Em relação ao sacramento do matrimónio, Paulo diz que este é a expressão ou visibilidade do mistério da união sacramental que existe entre Cristo e a Igreja: É grande este mistério (do matrimónio): refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja” (Ef 5, 32).
É evidente que isto não é historicamente verdadeiro, nem tem qualquer fundamento bíblico. O Concílio de Trento confirmou a doutrina do papa Eugénio IV, dizendo que os sacramentos são sete e que foram fundados por Cristo. Sublinhou ainda que os demais sinais da graça são apenas sacramentais, tal como Pedro Lombardo tinha afirmado (cf. Conc. Trent., sess. VII, can. I]
O protestantismo, apoiando-se na afirmação do Concílio de Ferrara-Florença segundo a qual os sacramentos foram instituídos por Cristo, diz que os sacramentos são apenas dois. Segundo o Novo Testamento, acentuam os protestantes, Cristo apenas instituiu dois sacramentos: o baptismo e a Eucaristia.
É importante termos presente que os sacramentos formam um todo enquanto dinâmica sacramental da Igreja, pois a essência da Igreja, como vimos, é sacramental. Preparada pelo Jesus histórico, a Igreja do Pentecostes, o grande dom do Senhor ressuscitado. É esta força pentecostal o dinamismo gerador da vida sacramental da Igreja. Sem a presença do Senhor ressuscitado que actua nas comunidades pelo Espírito Santo, os sacramentos não passariam de ritos sem qualquer eficácia ou valor.
Não há qualquer dúvida de que o baptismo e a Eucaristia estão relacionados com o Jesus histórico. Ao conceder estes dons à Igreja, Jesus pensava na vida celebrativa das comunidades que seguiriam a sua missão no mundo. Com efeito, Jesus Cristo sonhava a Igreja como o fermento da Nova Humanidade. Esta devia ser no mundo uma frente de fraternidade animada pelo Espírito Santo, a fim de fazer frente às forças do fratricídio iniciado por Caim. A Igreja deve celebrar o plano da Nova Humanidade, a fim de explicitar e antecipar a plenitude da salvação realizada em Cristo e a comunicar-se aos homens. Não devemos ver os sacramentos como um culto semelhante aos cultos das religiões.
O Novo Testamento é muito claro neste ponto, ao dizer que Jesus operou uma ruptura com os cultos do judaísmo. Não há sacerdotes no sentido de medianeiros entre Deus e os homens. Temos apenas um único Sumo-sacerdote em funções permanentes: Cristo ressuscitado. O Novo Testamento nunca aplica o termo “sacerdote” aos ministérios da Nova Aliança.
O novo culto acontece no coração dos crentes, pois estes formam o povo sacerdotal: “Vós, porém, sois uma linhagem escolhida, um sacerdócio real, nação santa, povo adquirido por Deus como sua propriedade, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável” (1 Pd 2, 9).
Este culto espiritual acontece no coração dos crentes pela acção do Espírito Santo. Eis a razão pela qual se realiza como um culto em Espírito e Verdade (Jo 4, 23-24). Este culto espiritual, diz São Paulo, consiste em louvar a Deus mediante o Espírito Santo, (1Cor 10, 31). Como sabemos, Jesus pertencia à tribo de Judá, a qual não era sacerdotal, diz a Carta aos Hebreus.
Isto quer dizer que ele não tinha qualquer mandato de tipo sacerdotal para realizar cultos no templo de Jerusalém: “Ora se a perfeição tivesse sido realizada pelo sacerdócio levítico. Com efeito, foi sob este sacerdócio que o povo recebeu a Lei. Se a perfeição tivesse sido realizada por este sacerdócio que necessidade havia para que surgisse um outro sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, e não segundo a ordem de Aarão? De facto, quando muda o sacerdócio dá-se também a mudança a mudança da Lei. Ora aquele de quem se diz que é sacerdote segundo a ordem de Melquisedec pertence a outra tribo, da qual nenhum membro fez o serviço do altar. É claro que Nosso Senhor procede de Judá, tribo acerca da qual Moisés nada disse a propósito dos sacerdotes. E isto é ainda mais notório se tivermos presente que Jesus aparece como sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” (Heb 7, 11-15).
Como vemos, a Carta aos Hebreus diz de modo muito claro que o sacerdócio de Jesus não é cultual. Jesus não é sacerdote para oferecer vítimas, a fim de aplacar a divindade. O sacerdócio de Jesus é messiânico, isto é, isto é real (Heb 7, 27). Como sabemos, Melquisedec era rei de Salém, antigo nome de Jerusalém. Ofereceu pão e vinho ao Deus Altíssimo e abençoou Abraão com as bênçãos associadas à promessa messiânica (Gn 14, 18-19). É exactamente isto que diz o Salmo 110 ao proclamar o Filho de David como Sumo-sacerdote segundo a ordem de Melquisedec (cf. Sal 110, 4). A comunidade faz uma unidade orgânica com o Senhor ressuscitado, animada pelo mesmo espírito Santo. É nesta união orgânica com Cristo que toda a comunidade é sacerdotal.
2-A dinâmica sacramental
Por se tratar de celebrações, os sacramentos levam consigo o sentido da festa própria de quem saboreia o sentido da vida e da história. As celebrações sacramentais têm sempre uma referência a essa memória fundamental que é Cristo ressuscitado. Ao mesmo tempo são uma actualização do projecto salvador realizado em Cristo e abrem para os crentes os horizontes da esperança ou o sentido de plenitude do Reino de Deus. Por outras palavras, as celebrações sacramentais têm como alicerce um acontecimento que diz respeito aos crentes que os celebram.
Agora não nos será difícil compreender que uma celebração sacramental será tanto mais eficaz quanto mais for mediação para o Espírito Santo dizer no nosso coração a Palavra de Deus. Por outras palavras, o dinamismo celebrativo não radica na exactidão dos ritos. Pelo contrário, assenta na participação das pessoas e na abertura à Palavra que o Espírito faz ecoar no nosso coração.
Foi esta dinâmica celebrativa que fez das comunidades primitivas alfobres de vida teologal adulta e transformadora do mundo. As grandes verdades da fé emergiam em contexto celebrativo participado e dialogante. Só depois, eram sistematizadas pelos catequistas, pelos apóstolos (missionário itinerantes), pelos pensadores e escritores da comunidade.
Com o desaparecimento das comunidades, os sistematizadores da fé tornam-se homens académicos. A fé deixa de ser experiência vital da vida comunitária. Começam, então, a proliferar os sistemas filosóficos e teológicos abstractos. Pouco a pouco as sistematizações da fé tornam-se coisas de eruditos que o povo não entende.
Em contexto de vida comunitária, as celebrações sacramentais edificam a Igreja como sacramento para a Humanidade. Desvinculados de um contexto de vida comunitária, os sacramentos reduzem-se a práticas religiosas, em tudo semelhantes às das demais religiões. Este divórcio da vida comunitária conduziu ao absurdo de haver crentes que se classificam como praticantes e não-praticantes.
Esta expressão que há cristãos que têm prática religiosa e outros que não têm. Por prática religiosa entende-se geralmente a participação nos sacramentos entendidos como coisas que o ministro realiza e as pessoas assistem com mais ou menos devoção. A dinâmica celebrativa, na visão do Novo Testamento, assenta na experiência do Espírito Santo que anima a oração, a partilha da Palavra e os ritos celebrativos.
b) A Eficácia Sacramental
1-Perspectiva Histórica
Santo Agostinho associa a eficácia dos sacramentos à unidade orgânica da Igreja com Cristo. Deste modo, Santo Agostinho combate os donatistas, os quais afirmavam que a eficácia dos sacramentos depende da santidade do ministro. Agostinho refuta a sua teoria dizendo que o sujeito actuante nos sacramentos é Cristo. É a acção de Cristo nas celebrações sacramentais que as torna eficazes (Santo Agostinho, in Ps. 26, II, 2, PL. 36, 200). Naturalmente que Santo Agostinho pressupõe que o Senhor ressuscitado actua no coração dos crentes que tomam parte nas celebrações sacramentais.
No século VII, Isidoro de Sevilha diz vai nesta mesma linha e diz que os Sacramentos são eficazes porque o Espírito Santo actua na comunidade que celebra. Na verdade, os símbolos e os ritos não actuam de modo mágico e automático. No século XI, Berengário fala dos sacramentos como símbolos da acção salvadora de Deus. O rito evoca, simbolicamente, uma realidade que está para lá da estrutura sacramental. Tenta fazer uma reformulação da fé, mas utiliza uma linguagem perigosa, por exemplo, no que se refere à Eucaristia. Diz que o pão e o vinho da Eucaristia são símbolos do corpo e sangue de Cristo.
Berengário foi condenado e obrigado a retratar-se. Como reacção à linguagem de Berengário vai cair-se no extremo oposto, afirmando o fisicismo da presença real. É assim que se começa a desenvolver uma ideia mecânico-mágica dos ritos e a confundir os sacramentos com a realidade que celebram. No século XII, Hugo de São Vítor distancia-se da visão de Santo Agostinho e de Isidoro de Sevilha, dizendo que os sacramentos são eficazes porque foram instituídos por Cristo. Como vimos, nós apenas podemos associa directamente a Cristo o baptismo e a Eucaristia. Segundo Hugo de São Vítor, o Senhor, ao instituir os sacramentos, conferiu-lhes uma eficácia automática.
É verdade que o rito é um símbolo. Mas, como foi instituído por Cristo, é eficaz. Produz no crente aquilo que o símbolo evoca: lavagem, perdão, alimento espiritual e por aí adiante. No século XIII, Santo Tomás diz que os sacramentos são eficazes porque Deus, no momento da celebração, exerce uma acção interior e oculta que torna o rito eficaz. Cristo e a Igreja formam uma pessoa mística cuja cabeça é Cristo, diz Santo Tomás. É este o modo como Deus aplica aos crentes os méritos de Cristo nos sacramentos.
A partir de Santo Tomás, os sacramentos são vistos como a aplicação dos méritos de Cristo aos fiéis. Partindo da visão de Santo Tomás afirma-se que os sacramentos são como que sete torneiras colocadas no depósito dos méritos de Cristo. Temos aqui o fundamento da visão mágica dos sacramentos. No século XVI, a reforma protestante atribui a eficácia da salvação à fé e à Palavra de Deus. Os sacramentos do Baptismo e da Eucaristia são símbolos dessa salvação. A eficácia não está nos sacramentos mas na Palavra, dizem os reformadores.
Como reacção às afirmações protestantes, o Concílio de Trento vai acentuar mais ainda uma visão mágica dos sacramentos: Os sacramentos da nova Lei contêm e conferem a graça [cf. Denz. 1606]. Actuam “ex opere operato”, isto é, pelo facto de se realizar o rito [cf. Denz. 1608]. Caso não se lhe ponha óbice [cf. Denz. 1606]. A partir de Trento, a questão dos sacramentos passa a ser uma coisa juridicista e rubricista. A reflexão sobre os sacramentos deixa de ser uma questão da teologia para se tornar matéria em primeiro lugar da liturgia e, mais tarde, do Direito Canónico. Esta visão apenas começa a ser alterada no século XX.
2-A distorção do “ex opere operato”
A noção do “ex opere operato” assenta no pressuposto de que Cristo teria instituído cada sacramento em particular. Ao instituir cada um dos sacramentos, Jesus Cristo conferiu ao rito a sua própria eficácia, isto é, o poder de realizar aquilo que significa. O cânone 8 da Primeiro Sessão do Concílio de Trento diz que os sacramentos comunicam a graça “ex opere operato”. Por outro lado, a eficácia dos sacramentos radica na realização correcta dos ritos. Além disso, os sacramentos conferem a salvação desde que o receptor não ponha obstáculo [Conc. Trent., sess. I, can. 6-7].
Como vimos mais acima, São Paulo, falando dos dois sacramentos que a Igreja apostólica celebrava, diz que o baptismo e a Eucaristia não são meios automáticos de obter a salvação (cf.1 Cor 10, 1-7). A doutrina do concílio de Trento foi reafirmada por Leão XIII nos finais do século XIX (cf. Denz. 3858). As afirmações do Concílio de Trento nascem dentro de um contexto apologético muito violento. Não se trata, portanto, de afirmações de Fé amadurecidas em contexto de reflexão e oração eclesial. No fundo, Trento afirmava aquilo que os protestantes negavam e vice-versa.
A Fé e a teologia não podem exprimir-se de modo sereno e equilibrado dentro de um contexto de oposição doutrinal sistemática. As distorções teológicas da chamada doutrina de Trento, não são produto do Concílio de Trento, mas são obra dos teólogos posteriores ao Concílio, os quais dogmatizam simples afirmações que não eram propriamente proclamações dogmáticas. A doutrina Tridentina ser imposta de modo violento pela inquisição.
Proíbe-se aos católicos escrever cartas aos protestantes (cf. José Maria Castillo, Símbolos de libertad, ed. Sígueme, Salamanca, 1981, p. 347). Ordena-se aos católicos que impeçam os protestantes de viverem em bairros nos quais a maioria é católica (Ibid., p. 347). Os professores, mesmo os que ensinam ciências profanas, são obrigados a jurar que aceitam a doutrina de Trento (Ibid., p. 346). Nega-se sepultura eclesiástica aos protestantes. Como os protestantes insistiam em que os crentes deviam ler diariamente a Bíblia, a Igreja Católica proíbe aos católicos a leitura da Bíblia sob pena de cometerem pecado mortal.
Em contrapartida, estes deviam ler livros piedosos fundamentados na doutrina tridentina. Frei José de Siguenza foi perseguido pela Inquisição por ter aconselhado os seus frades a lerem os evangelhos em lugar de livros de devoção (Ibid., p. 348). Pouco a pouco, a formação dos católicos fica reduzida a uma série de pensamentos piedosos que tentavam sintetizar a visão tridentina. Afirma-se que a doutrina de Trento é um conjunto de verdades nas quais é fundamental acreditar para obter a salvação.
Em relação à doutrina sacramental, caiu-se no automatismo mágico dos ritos. A validade do sacramento obtém-se respeitando as formas rituais. Agora começa a afirmar-se que o ministro dos sacramentos, graças à ordenação, fica dotado de um poder espiritual (poder de ordem) para conferir eficácia aos ritos. Antes punha-se a eficácia dos sacramentos em Cristo que os tinha fundado. Agora a eficácia obtém-se pelo poder de ordem, o qual capacita o ministro para conferir eficácia ao rito.
Agora o ministro, sozinho pode celebrar a Eucaristia, pois a comunidade não é um dado fundamental para o sacramento ser válido. Jesus tinha enfrentado os fariseus, os sacerdotes e os doutores da Lei, dizendo-lhes que a pureza e a santidade não são produto de cultos ou ritos. A pureza brota de opções no sentido do amor. Estas opções brotam do interior da coração humano (Mc 7, 14-23; Mt 5, 8; Jo 15, 3; 13, 10; Mt 6, 14).
Os ritos e normas concebidos como meios automáticos para tornar as pessoas santas e puras são obra dos homens e não de Deus (Col 2, 21-23). É o Espírito Santo que, no contexto das celebrações sacramentais, opera no interior dos crentes, tornando essas celebrações eficazes. A eficácia dos sacramentos consiste em que o Espírito Santo configura interiormente os crentes com Jesus Cristo, realizando neles o mistério da salvação.
Como vemos, a eficácia dos sacramentos não vem de fora para dentro. Pelo contrário, acontece no mais íntimo de cada crente. Não se trata, portanto, de uma coisa que atinge os crentes do exterior e que se difunde por todos em partes iguais. Pelo contrário, a força transformadora configura os crentes com Cristo na medida em que estes oferecem condições para o Espírito Santo actuar no seu coração.
c) Jesus e a Superação do Ritualismo
1- Os Ritos Não Tornam o Homem Puro
O Novo Testamento tem denúncias muito fortes acerca do legalismo e do ritualismo que reinavam no contexto religioso do seu tempo. Denunciou fortemente os que pretendiam fundamentar a pureza e a comunhão com Deus nos através de ritos cultuais (Mt 9, 10-13; 15, 1-20). Jesus afirma de modo muito claro que só o amor torna o homem puro.
Deus é amor e a pessoa humana, só mediante o amor está preparada para comungar com Deus. A lei religiosa proibia tocar os leprosos. As pessoas que tocassem os leprosos ficavam impuras, isto é, incapazes de comungar com Deus. Jesus toca o leproso e não fica impuro. Pelo contrário, o amor de Jesus pelo leproso liberta o homem da sua doença e da terrível marginalização a que estava sujeito. (Mc 1, 41; Mt 8, 3; Lc 5, 13). Segundo a Lei religiosa vigente, o leproso é um impuro (Lev 13, 45-46). Para Jesus, pelo contrário, é um filho de Deus que é preciso amar e libertar. Segundo o legalismo judaico do tempo de Jesus, o homem impuro não podia participar no culto. Era esta a situação dos leprosos (Dt 28, 35; 2Crón 26, 16-21; Num 12, 9-15).
Do mesmo modo, as pessoas que tocavam cadáveres eram considerados impuras (Num 19, 2-12; Lev 21, 1-11). Havia muitas outras situações que, segundo o pensamento dos judeus do tempo de Jesus, tornavam as pessoas impuras. Os profetas contestavam este formalismo legalista. Jeremias diz que o que torna o homem impuro é um coração incircunciso (Jer 9, 24-25). O que torna o homem agradável a Deus não são os formalismos rituais mas um coração misericordioso e fiel (Is 1, 15-21; 29, 13; Os 6, 6; Am 4, 1-5; Sl 18, 21-25; 51, 12).
Jesus segue o mesmo tipo de denúncias dos profetas. Denuncia as pretensões de tornar o homem puro mediante as práticas rituais (Mc 7, 1-22; Mt 15, 1-20). Estas coisas não passam de tradições dos homens (Mc 7, 9; 7, 13; Mt 15, 3; 15, 6). O legalismo formalista, com estas práticas, anula o projecto de Deus: o amor, a misericórdia e a solidariedade com os desprotegidos (Mc 7, 8-13; Mt 15, 3-6). O que torna a pessoa agradável a Deus é o amor fraterno, a partilha e ajuda aos mais desfavorecidos (Mc 7, 15-23; Mt 15, 10-20).
A pureza do homem não se joga no exterior, mas no interior do coração humano (Mc 7, 19). Paulo entendeu muito bem os ensinamentos de Jesus face ao legalismo e ao ritualismo judaico. Cristo veio abolir o legalismo, diz ele, pelo ficámos no regime da graça e não no regime da Lei (Rom 3, 20). Os que procuram ser agradáveis a Deus mediante o legalismo afastam-se de Cristo (Gal 5, 4). Cristo é o único medianeiro entre Deus e os homens (1Tim 2, 5). O que nos justifica é a adesão a Cristo no Espírito, e não as leis, ritos ou normas (Rom 3, 28).
Mediante o baptismo no Espírito ficamos a formar um só Corpo com Cristo (1 Cor 12, 13; cf. 10, 17; 12, 27). Se fomos baptizados no Espírito devemos viver segundo o Espírito e não segundo normas, preceitos ou leis que não nos aproximam de Deus (Rm 7, 5-6). O dom do Espírito é-nos feito graças ao facto de termos sido libertos da Lei (Gal 3, 14). Os que vivem pelo Espírito Santo são filhos de Deus (Rom 8, 14).
O herdeiro, enquanto é menino, está sujeito ao tutor. A Lei era o tutor para os judeus, antes da chegada de Cristo. Jesus Cristo, mediante o dom do Espírito Santo, introduziu-nos no estado de adultez possibilitando-nos viver como pessoas livres (Gal 4, 1-5). Deus libertou-nos da tutela da Lei, a fim de recebermos a adopção de filhos de Deus (Gal 4, 5). Não somos escravos, mas filhos (Gal 4, 7). Entre a Lei Judaica e o Espírito Santo existe uma total oposição (Gal 5, 16-18).
Cristo sofreu a maldição da Lei, isto é, a morte violenta prevista pela Lei para os que não a cumprissem. Deste modo, Jesus anulou a Lei e nos libertou dessa maldição (Gal 3, 13-14). Ao abolira Lei judaica, Jesus tornou-se o autor da paz entre judeus e pagãos, pois a Lei era o muro que os dividia e dando origem a uma Nova Humanidade (Ef 2, 14-16).
Os que procuram a pureza e a justiça mediante o legalismo estão fora da salvação de Cristo, pois esta acontece pelo Espírito Santo e não na Lei (Gal 5, 4). O Espírito Santo opõe-se às normas, preceitos e leis que pretendem condicionar o encontro de Deus com o homem (Rom 8, 1-4). A Lei assenta na letra que mata. A vida no Espírito assenta num jeito novo de viver (2Cor 3, 6-9). S. João diz que o Espírito é, no interior do homem, uma fonte a jorrar vida eterna (Jo 4, 14).
Os crentes cumprem a Lei de Cristo amando-se fraternalmente (Gal 6, 2). Cumpre plenamente a vontade de Deus a pessoa que ama os irmãos como a si mesmo (Gal 5, 13-14). Não devamos nada uns aos outros, a não ser o amor, pois o amor é o cumprimento da Lei (Rom 13, 8-10). O guia que nos conduz ao amor dos irmãos e de Deus é o Espírito Santo e não as normas e preceitos religiosos (1Cor 12, 31; Gal 5, 22; Rom 5, 5).
Jesus comunicava com os pecadores e comia com pecadores, dizem os evangelhos (Mc 2, 15). Além disso estava frequentemente em conflito com os defensores da Lei, pois não cumpria alguns dos aspectos centrais dessa Lei: Não jejuava quando a Lei ordenava (Mc 2, 18). Não guardava o sábado como a Lei previa (Mc 2, 23).
Além disso não praticava os ritos de purificação (Mc 7, 1-23). A Lei tinha uma multidão de normas sobre os alimentos impuros. Jesus ultrapassa esta visão estreita e diz que não há alimentos impuros. O evangelista são Marcos diz que Jesus declarou que todos os alimentos são puros (Mc 7, 19).
Os fariseus, pretendendo ser cumpridores rigorosos da Lei pagam o dízimo até da hortelã e do cominho. Mas depois, diz Jesus, não fazem o fundamental que é praticar a justiça, a misericórdia e da fidelidade (Mt 23, 23). O maior pecado do legalismo é a hipocrisia e a inautenticidade. Segundo o evangelho de São Mateus, Jesus disse claramente que, até João Baptista, vigorou a Lei. A partir do Baptista, vigora a Nova Aliança (Mt 11, 13). Agora, o Espírito Santo é quem nos conduz no caminho da Vida Eterna.
2- Sacramentos e Ensinamentos de Jesus
Os sacramentos são celebrações comunitárias que têm como fundamento a Memória de Cristo morto e ressuscitado. Isto quer dizer que as celebrações sacramentais não são cultos ou ritos para salvar e purificar a pessoa humana. O legalismo e o ritualismo, à luz do Novo Testamento, são incompatíveis com os sacramentos da Nova Aliança.
Os sacramentos celebram a Nova Criação, isto é, a Humanidade unida a Cristo de modo orgânico, graças ao mistério da Encarnação e da ressurreição de Cristo. O Espírito Santo é, como diz São Paulo, o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Esta presença de Cristo nos nossos corações é que torna eficaz a dinâmica sacramental. As celebrações sacramentais são, de facto, espaços privilegiados para a acção do Espírito Santo que nos vai configurando com Cristo ressuscitado.
O evangelho de São João diz que a nossa união orgânica a Cristo é semelhante à união que existe entre a cepa da videira e os seus ramos (Jo 15, 1-8). O Espírito Santo é a seiva que anima e fortalece esta união orgânica, condição para as nossas vidas darem frutos de vida eterna. Apenas os ramos que estão unidos à videira dão frutos de vida eterna.
As atitudes de Jesus face ao legalismo e ao ritualismo têm consequências teológicas importantes. O Novo Testamento e a vivência das comunidades primitivas são a prova destas consequências. Não deixa de ser significativo que os teólogos que desenvolveram a visão ritualista e mágica dos sacramentos tivessem que recorrer às leis e normas do Antigo Testamento para fundamentarem as suas teses. Para isso tiveram de Sacerdotisar o ministério e fazer das celebrações da fé, cultos configurados com os cultos do Antigo Testamento. Sobretudo tiveram que atribuir efeitos mágicos e automáticos aos ritos.
Tudo isto era fundamentado com passagens do Antigo testamento, pois o Novo de modo algum dá aval a tais teologias. São Paulo diz que, a partir de Cristo, servimos num Espírito Novo e não segundo uma lei antiquada (Rom 7, 6). A dinâmica do Espírito parece oferecer menos segurança, sobretudo não possibilita que uns dominem outros. A vida de comunhão no Espírito oferece condições para a libertação, a criatividade e o pluralismo.
3-Símbolos, Ritos e Celebrações sacramentais
A estrutura da realidade tem uma carga simbólica. Por outras palavras, a linguagem analítica e conceptual não chega para dizermos de modo pleno a realidade e, sobretudo o seu sentido. O sentido profundo da realidade, portanto, vai muito além do que apreendemos mediante a análise lógica dos conceitos. As coisas, os acontecimentos e sobretudo as pessoas têm em si uma mensagem simbólica profunda.
Assim, por exemplo, oferecer um ramo de flores a alguém é mais do que oferecer um conjunto de caules, pétalas e corolas. Contemplar a beleza de uma paisagem é mais do que estar a olhar um número determinado de árvores, rios ou das ondas do mar. A dimensão poética e religiosa das pessoas conseguem captar uma mensagem das coisas que escapa ao meramente científico ou utilitário.
O simbólico é mais englobante e profundo que o conceptual. Quando o homem se deixa conduzir pela linguagem simbólica, experimenta sentidos que o conduzem a experiências de uma profundidade muito maior que as experiências da mera análise científica. A linguagem que emerge da simbologia das coisas é de tipo sapiencial, isto é, capacita o ser humano para saborear a realidade de modo mais profundo.
O símbolo não é uma coisa objectiva e delimitada em si. As coisas só têm uma mensagem simbólica quando a pessoa se deixa interpelar pela carga simbólica que existe nelas. Por outras palavras, a linguagem simbólica não está objectivada nas coisas em si. Acontece quando o homem as olha com o sentido que têm, não só em si, mas no conjunto das outras coisas.
A linguagem simbólica é reveladora de sentido. Não é uma linguagem fechada. É sempre capaz de ir mais longe. Desperta, no interior do homem, sentidos novos e diferentes. A linguagem simbólica não acontece ao nível do intelecto, pois ela é preconceptual. Acontece ao nível do emocional.
É a nível do emocional que o homem capta o sentido unificante e universal que relaciona as coisas entre si. A noção e o sentido da unidade do todo não surgiram na consciência humana só depois do desenvolvimento das ciências. O intelecto agarra a coisa em si, na sua singularidade. Tende a decompô-la e a analisá-la. O emocional, pelo contrário, capta o sentido plenificante que une as coisas ao todo.
A leitura comunitária do simbólico é mais rica que a leitura individual. Quando um grupo se põe a partilhar o sentido de uma flor, uma luz, uma foto de criança, chega longe na comunhão de sentidos plenificantes. Os símbolos são, nas celebrações comunitárias, mediação de sentidos novos e mais profundos. É na ligação com o todo que as coisas adquirem a sua densidade simbólica.
Tudo isto quer dizer que a linguagem simbólica, por ser sapiencial, é uma mediação básica para acontecer encontro com Deus e os irmãos no Espírito Santo. Isto quer dizer que o simbólico é fundamental na dinâmica das celebrações sacramentais. O símbolo tem em si uma força interpelativa que leva as pessoas a sentirem-se interligadas pela sua carga emocional. Pretender explicar os símbolos é profaná-los.
Não devemos tirar a conclusão de que o simbólico se opõe ao racional ou científico. Na realidade não se trata de coisas contrárias mas complementares. Desperta o homem para sentidos mais plenos e universalizantes.
Os sacramentos são celebrações comunitárias da Fé. Isto quer dizer que não são meros símbolos. No entanto, as celebrações sejam elas quais forem, têm sempre uma forte carga simbólica. A água do baptismo não é apenas h+2O. Do mesmo modo, o vinho não é apenas uma mistura de água com álcool. Do mesmo modo, o pão não é apenas o conjunto dos elementos que compõem a farinha amassada e cozida. A carga simbólica destes elementos conduz os membros da comunidade para um sentido plenificante: A terra que Deus deu aos homens é generosa e fecunda.
Dá frutos suficientes para alimentar a Humanidade. Mas o egoísmo humano, ao criar roturas e muros entre os homens, faz que todos os dias morram muitos milhares de pessoas à fome. O egoísmo humano, portanto, distorce o plano de Deus. O rito é diferente do símbolo. É essencialmente um gesto ou uma acção estereotipada. Tende a repetir-se sempre como coisa igual a si mesma. É algo convencional à qual se tende a atribuir certa eficácia mágica.
É importante fazer esforços no sentido de converter as celebrações sacramentais em gestos que exprimam a vivência da Fé. A sua adequação não consiste na exactidão do modo como é executado, mas na evocação que faz de Cristo e da sua força salvadora a acontecer na vida das pessoas pela acção do Espírito Santo. A teologia tradicional fazia uma leitura mágica do rito, atribuindo-lhe a capacidade de realizar o que significa. Eis a razão pela qual defende o rito por si mesmo, ao ponto de este se tornar uma coisa morta e vazia, pois deixou de ter poder evocativo.
Basta ver, por exemplo, a comunhão na boca. Este rito de modo algum evoca uma comunhão de irmãos. Não evoca a fraternidade, a igualdade em dignidade e a maturidade e adultez dos crentes. Só o ministro sagrado podia tocar no pão eucarístico com as mãos.
Outro tanto podemos dizer da prática ancestral, segundo a qual só o presidente da celebração bebe o vinho da Eucaristia. Sagradas são as pessoas, não as coisas. São as pessoas que fazem um todo orgânico com Cristo. Segundo São Paulo, toda a comunidade forma o corpo de Cristo (1Cor 10, 16-17; 12, 27). O princípio interior que o anima é o mesmo para todos: o Espírito Santo (1Cor 3, 16-17; Gal 5, 13-18; Ef 4, 1-6; 1Jo 4, 7-16).
Pouco a pouco, os sacramentos passam a ser vistos como uma série de ritos que os ministros realizam para a salvação dos fiéis. O rito, nas celebrações sacramentais, é válido enquanto aponta para o acontecimento fundante: Jesus Cristo. Para o Novo Testamento, o rito não é o decisivo. Os escritos dos dois primeiros séculos nunca descrevem de modo minucioso os ritos nas celebrações da Fé. Também nunca mencionam a importância decisiva do rito e a necessidade de o repetir de modo rigoroso.
4- Espírito Santo e Dinâmica Sacramental
A visão tradicional das celebrações sacramentais chegou ao ponto de fazer do ministro o elemento determinante. A sua missão já não era vista como um serviço dentro do todo comunitário, mas antes uma missão que o ministro realizava como estando para lá da comunidade. Assim, por exemplo, o ministro podia celebrar a Eucaristia sozinho sem precisar da comunidade. Por seu lado, a comunidade, mesmo reunida em nome do Senhor ressuscitado, não é capaz de celebrar a Eucaristia.
É certo que não há comunidade sem presidência, mas isto não significa que o presidente é um ministério que está acima e fora da comunidade. Foi esta a lógica que conduziu a esta anomalia de haver comunidades cristãs privadas da Eucaristia por não terem um ministro.
É importante ter presente que o mandato de repetir a Ceia do Senhor vem de Cristo e não o condiciona à existência de ministros que se situam acima da comunidade. Deste modo, se privaram tantas comunidades do direito divino de terem Eucaristia, como o Senhor mandou.
Para o Novo Testamento, era inconcebível que a comunidade ficasse privada da Eucaristia porque o presidente falecera., por exemplo. Neste caso, imediatamente se elegia outro presidente. Para as Igrejas neotestamentárias, o determinante é a presença de Cristo ressuscitado a actuar na comunidade pelo Espírito Santo. A acção do Espírito Santo acontece sempre que os crentes se reúnem em nome de Jesus. O Espírito Santo, portanto, é a força que dinamiza e a presença que torna eficaz as celebrações sacramentais das comunidades.
Esta eficácia, segundo os testemunhos do Novo Testamento, experimenta-se como presença viva e transformadora do Espírito Santo (Act 1, 5; 1Cor 12, 13; Act 13, 2-3; 5, 32-33; 4, 31). Tanto para o Novo Testamento como para as comunidades dos séculos II e III, as celebrações não são obra do ministro isolado da comunidade.
O sujeito celebrativo, nas comunidades primitivas é toda a comunidade. Nas celebrações sacramentais nestas comunidades eram criativas e espontâneas, dando espaço à acção do Espírito Santo. Tertuliano fala dos que presidiam à Eucaristia na ausência do presbítero da comunidade [De exort. cast., VII, 2, 6; De monog. XII, 1, 2].
O Concílio de Arles, no séc. IV, é o primeiro documento onde aparece a proibição de os diáconos presidirem à Eucaristia [cf. José Maria Castillo, Símbolos de libertad, ed. Sígueme, Salamanca, 1981, p. 159]. As comunidades dos primeiros séculos tinham consciência de que a Eucaristia é um dom de Cristo às comunidades. Ninguém tem o direito de privar a comunidade deste dom que, mediante o mandato da repetição, vem directamente do Senhor. Estas comunidades primitivas não podiam imaginar que uma comunidade ficasse privada da Eucaristia pelo facto de o presbítero estar doente ou ausente. Para as comunidades dos primeiros três séculos o fundamental era a comunidade reunida como corpo de Cristo dinamizada pelo Espírito Santo (1 Cor 10, 17; 12, 27).
Gostaria de receber autorização para repassar os ensinamentos que leio nesta pagina, sou catequista e dou formação para preparação do batismo, e encontro muito ensino importantissimo para minhão missão de Evangelizar. |José Nunes Email: jntoplim@gmail.com
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