O Rosto do Deus de Jesus Cristo




a)Chamados a Revelar o Rosto de Deus
1-O Rosto de Deus Como Mistério
2-Moisés e a Revelação do Rosto de Deus
3-Jesus e o Rosto de Deus
4-Os Cristãos e o Rosto de Deus
5-Chamados a Revelar o Rosto de Deus

b)O Rosto do Deus de Jesus Cristo
1-O Deus de Jesus Cristo é Comunicação
2-Deus Torna-se Presente a Partir de Dentro
3-Espírito Santo e presença de Deus
4-Deus Revela-se e Interpela-nos
5-Romper Com Deus é Romper Com o Amor

c)O Rosto do Deus Criador
1-Deus Como Princípio Criador
2-E o Amor Criador de Deus Difundiu-se

d)Jesus Corrige o Antigo Rosto de Deus
1-O Amor Incondicional de Deus Pai
2-Espírito Santo e Missão Messiânica
3-Jesus e a Família Universal de Deus
4- A União a Cristo como Condição de Salvação
5-A Missão de Jesus Corresponde à Vontade do Pai
6-A Novidade da Mensagem de Jesus
7-Jesus e a Oração

e)O Rosto do Deus Que nos Chama Pelo Nome
1-E Deus Sonhou um Plano de Amor
2-Deus Sonhou o Melhor Para Nós





a)Chamados a Revelar o Rosto de Deus

1-O Rosto de Deus Como Mistério

O rosto de Deus, na Bíblia, significa o ser e a identidade de Deus. Quando a bíblia diz que um patriarca ou um profeta procurava o rosto de Deus queria dizer que esse personagem desejava entrar em intimidade com Deus. Quando a bíblia fala da impossibilidade de ver a face de Deus, quer dizer que a capacidade humana para saborear a intimidade e a comunhão com Deus é limitada. Com o acontecimento da morte, a nossa capacidade de ver a face de Deus é optimizada, pois já não está condicionada pelas limitações do nosso ser exterior.

Procurar o rosto de Deus, portanto, é o mesmo que procurar o coração de Deus e a comunhão com ele. Procurar o rosto de Deus é desejar conhecer mais profundamente o plano de Deus, a fim ter os seus critérios para agir e valorizar as coisas, amando o que Deus ama. Na medida que tenhamos critérios idênticos aos de Deus, o nosso querer e o nosso agir estarão em sintonia com a vontade divina. Os santos, na Bíblia, são os seres humanos que viviam atentos à vontade e ao plano de Deus.

Quando procuramos a face de Deus estamos a responder ao apelo do Espírito Santo que, no nosso íntimo, desperta a o desejo de encontrar o amor incondicional de Deus. Consciente de que a presença e a acção do Espírito Santo acontece no mais íntimo da pessoa, São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Isto quer dizer que é no íntimo do nosso coração que somos incorporados na comunhão orgânica da Família de Deus. Com o seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo põe-nos face a face com o Pai que nos acolhe como filhos e com o Filho de Deus que nos acolhe como irmãos com os quais partilha a sua herança (Rm 8, 14-17). Quanto maior for a nossa fidelidade ao Espírito que nos habita mais profunda será a nossa comunhão familiar com o Espírito de Deus.

O livro do Génesis diz que numa certa noite o patriarca Jacob passou a noite a lutar com uma figura desconhecida. Pela manhã, ao aperceber-se de que se tratava de Deus, Jacob ficou espantado, pois viu Deus face a face e não morreu (Gn 32, 30). Subjacente a este relato está a ideia de que o homem não pode ver o rosto de Deus, isto é, não pode entrar no mistério do ser e da identidade de Deus.

O rosto de Deus, na bíblia é um mistério, isto é, uma realidade secreta e oculta à qual o Homem não tem acesso por si. Por outras palavras, o mistério, na bíblia, é um segredo, isto é, uma realidade desconhecida à qual o ser humano só pouco a pouco pode ter acesso quando Deus o revelar. Eis as palavras de São Paulo na Carta aos Efésios: “Por revelação me foi dado conhecer o mistério, tal como vo-lo apresentei de modo sumário. Ao lê-lo podereis compreender a compreensão que eu tenho do mistério de Cristo, o qual não foi dado a conhecer dos homens do passado. Mas agora Deus o revelou pelo Espírito Santo aos seus santos Apóstolos e Profetas” (Ef 3, 3-5).

A Carta aos Colossenses diz que a missão de São Paulo é anunciar a rique3za e profundidade do mistério de Cristo, a fim de as pessoas poderem dar a conhecer o mistério de Deus em quem se encontram escondidos os tesouros da Sabedoria e do conhecimento de Cristo” (Col 2, 2-3).

No evangelho de São Mateus, Jesus diz aos seus discípulos que eles têm o privilégio de aceder aos mistérios do Reino: “A vós foi-vos dado conhecer o mistério do Reino dos Céus, mas aos de fora não” (Mt 13, 11). No evangelho de São Lucas, Jesus é ainda mais explícito quando afirma: “Felizes os olhos que vêem o que estais a ver. Na verdade, muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram!” (Lc 10, 23-24).

2-Moisés e a Revelação do Rosto de Deus

O Livro do Êxodo relata-nos um episódio onde aparece Moisés a pedir a Deus para lhe mostrar o seu rosto. Deus respondeu-lhe dizendo que o ser humano não pode ver o rosto de Deus e continuar a viver. “Não podes ver o meu rosto, disse Deus, pois o homem não me pode ver e continuar a viver” (Ex 33, 20).

É evidente que um texto como este não é para ser tomado à letra. Na verdade, o autor quer dizer apenas que Deus e Moisés não são iguais. O ser humano é imperfeito e limitado. Deus, pelo contrário, é perfeito e infinito em todas as suas perfeições. Dizer que o homem não pode ver o rosto de Deus quer dizer que o Homem não tem capacidade para captar Deus de modo perfeito.

A prova de que o autor não pretende ser tomado à letra, é que no capítulo vinte e quatro do mesmo Livro do Êxodo o autor diz que Moisés viu a face de Deus. Apesar de ter visto a face de Deus e ter comunicado face a face com ele, Moisés não morreu (Ex 24, 10-11). O livro do Deuteronómio diz que Moisés foi especial entre os profetas, pois Deus comunicou face a face com ele (Dt 34, 10).

Estes textos pretendem afirmar a excepcional intimidade que existia na relação de Deus com Moisés. A aparente contradição destes textos não é mais que uma tentativa de afirmar por um lado a total transcendência de Deus e, por outro, a sua presença junto do Homem.

Por vezes a bíblia dá a entender que Deus esconde o seu rosto quando está magoado com os pecados do povo. Neste caso, esconder o rosto corresponde a afastar-se do Homem. A palavra hebraica “Paniym” significa rosto e presença. Portanto, esconder o rosto é retirar-se, afastar-se.

O livro do Êxodo apresenta Moisés como o grande revelador do rosto de Deus. A maneira de ele realizar esta missão consiste em fazer de medianeiro entre Deus e o povo. Moisés realiza esta missão indo ao encontro de Deus e vindo ao encontro do Povo com a mensagem de Deus. Por outras palavras, o medianeiro da Palavra de Deus é alguém que fala de Deus como de alguém com quem acabou de se encontrar.

Eis alguns textos significativos: E Moisés subiu até Deus (Ex 19, 3). Então Moisés desceu de junto de Deus e falou aos anciãos do Povo (Ex 19, 7). Moisés levou as palavras do Povo até junto de Deus (Ex 19, 8). Então Moisés desceu da montanha até à planície onde se encontrava o Povo (Ex 19, 14). O Senhor chamou Moisés do alto da montanha. Moisés subiu até ao topo da montanha, encontrando-se com Deus (Ex 19, 20). Depois, Moisés desceu até junto do Povo e disse (Ex 19, 25).

Moisés foi receber as tábuas da Lei. O Povo, aterrorizado, mantinha-se à distância e não quis aproximar-se da nuvem densa na qual Deus se tornava presente a Moisés (Ex 20, 18-21). O Povo mantinha-se à distância, enquanto Moisés se aproximou da densidade da nuvem na qual Deus estava presente (Ex 20, 21). Então Moisés desceu até junto do Povo e relatou todas as palavras do senhor e os seus preceitos (Ex 24, 3); De novo Moisés subiu à montanha e a nuvem cobriu o topo da montanha (Ex 24, 15). Então, Moisés recebeu as tábuas da Lei, as quais foram escritas pelo próprio dedo de Deus (31, 18). Depois, Moisés desceu da montanha, trazendo as Tábuas da Lei, as quais estavam escritas dos dois lados (Ex 32, 15). Depois, Moisés voltou até junto de Deus (Ex 32, 31). Então, Deus disse a Moisés: “Agora vai e conduz o Povo até onde eu te disse” (Ex32, 34). Moisés desceu da montanha, mas não sabia que o seu rosto brilhava em virtude de ter falado com Deus (Ex 34, 29). O rosto do portador da Palavra de Deus leva em si a marca da própria Palavra.


3-Jesus e o Rosto de Deus

Jesus Cristo é a melhor expressão do rosto de Deus na História da Salvação. O Novo testamento diz que Jesus, antes de revelar o rosto de Deus aos homens, comunicou face a face com o próprio Deus. “Após ter sido baptizado, Jesus entrou em oração. Nesse momento, o Céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre ele, tendo a forma corporal de uma pomba.Nesse momento, desceu do Céu uma voz que disse: “Tu és o meu filho bem-amado. Hoje mesmo te gerei” (Lc 3, 21-22).

Antes de iniciar a sua missão, Jesus foi consagrado pelo Espírito santo e o Pai declara que ele é o Messias, o filho de Deus. Tal como aconteceu com Moisés, Jesus procurava as montanhas, as colinas e os lugares silenciosos para contemplar o rosto de Deus, isto é, entrar em comunhão com a intimidade de Deus. O ruído e a dispersão não são boas mediações para nos encontrarmos face a face com Deus. Eis o que diz o evangelho de São Lucas: “Tomando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu à montanha para orar. Enquanto orava, o aspecto do seu rosto alterou-se e as suas vestes tornam-se brilhantes” (Lc 9, 28-29).

Não é difícil descobrir a relação desta e outras passagens com os relatos que falam dos encontros de Moisés com Deus: “De madrugada, estando ainda escuro, Jesus levantou-se e retirou-se para um lugar deserto, a fim de orar (Mc 1, 35). Ou então: “Tendo despedido as multidões, Jesus subiu ao monte para orar a sós” (Mt 14, 23).

Olhando para os seus ensinamentos, vemos como Moisés e os profetas ficaram muito aquém de Jesus no que se refere à profundidade do conhecimento e da experiência de Deus. Antes de Jesus, ninguém chegou tão longe na revelação do rosto de Deus aos homens. Basta olhar para a profundidade deste e outros textos do Novo Testamento para compreendermos o salto de qualidade que a revelação deu com Jesus: “Jesus disse-lhe: “Há tanto tempo que estou convosco e não ficaste a conhecer-me, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que ainda me pedes para te mostrar o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14, 9-10). Noutra passagem do quarto evangelho, Jesus diz: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30).

Quando a bíblia diz que Deus nos mostra o seu rosto, não está a falar de um acontecimento exterior. Deus revela-se ao Homem a partir de dentro. Deus é a interioridade máxima da realidade. Por outras palavras, quando Deus vem ao encontro do Homem não vem a partir de fora. A Primeira Carta aos Coríntios diz que o nosso coração é um templo onde o Espírito de Deus habita (1 Cor 3, 16).

O evangelho de São João diz que a revelação do rosto de Deus acontece porque Deus faz uma união orgânica connosco: “Nesse dia, disse Jesus, compreendereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós” (Jo 14, 20). Por ser homem como nós, Jesus é o medianeiro entre Deus o Homem, diz a primeira Carta a Timóteo (1 Tim 2, 5).

No Evangelho de São João diz que a função do medianeiro leva consigo a missão de revelar o rosto de Deus: “Jesus respondeu: eu sou o Caminho a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai senão por mim. Se me conheceis, conhecereis também o Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo” (Jo 14, 6-7).

Jesus é, portanto, a revelação máxima do rosto de Deus. É verdade que olhar para Jesus era olhar para um homem. Mas a sua fidelidade incondicional à vontade de Deus é o meio mais perfeito de Deus nos revelar o seu rosto. Este mistério da união orgânica da Humanidade com a Divindade através de Cristo é reforçada noutra passagem do evangelho de São João: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que tu me deste, de modo que sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, a fim de eles poderem chegar à perfeição da unidade” (Jo 17, 21-23). Na verdade, o rosto de Deus revelou-se de uma maneira única neste homem de Nazaré.

4-Os Cristãos e o Rosto de Deus

À imitação de Jesus, as comunidades cristãs estão chamadas as ser no mundo uma revelação do rosto de Deus. Como sabemos, o Corpo de Jesus ressuscitado é um corpo glorioso, isto é, espiritual (1 Cor 15, 44- 45). Isto quer dizer que Cristo já não tem um corpo físico para se comunicar com os homens. Esta é a razão pela qual os cristãos estão chamados a ser no mundo o corpo de Cristo, a fim de serem no mundo uma revelação do rosto de Deus.

A comunidade é uma mediação privilegiada para revelar o rosto de Deus, pois é animada pelo Espírito que consagrou Jesus, a fim de revelar o rosto comunitário de Deus. Na verdade, Deus não é uma pessoa mas uma comunidade amorosa de três pessoas. A primeira Carta aos Coríntios diz que fomos baptizados no mesmo Espírito, a fim de formarmos um só corpo (1 Cor 12, 13).

Podemos dizer que a comunidade cristã está chamada a ser sacramento do amor salvador de Deus pela Humanidade. Além da união orgânica que liga Cristo e a Humanidade, os cristãos estão ligados a Cristo mediante um vínculo sacramental. Na Primeira Carta aos Coríntios, São Paulo não se cansa de afirmar que a comunidade cristã é o Corpo de Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27; 12, 13). O Corpo de Cristo é, pois, uma comunhão orgânica dinamizada pelo Espírito Santo. Este mistério é revelado de modo sacramental pela comunhão eucarística (1 Cor 10, 17).

Mas para lá disso, as comunidades cristãs são alimentadas pela Palavra e pelo Espírito, os dois pilares da vida teologal de fé, esperança e amor-caridade, isto é, o amor ao jeito de Deus. A vida teologal é o que distingue o cristão do não cristão. Isto quer dizer que temos um dado original em relação a todos os outros seres humanos. Este dado original é a novidade que nos constitui como um sacramento que explicita a presença de Cristo e revela ao mundo o rosto de Deus. É esta a razão pela qual os cristãos estão chamados a ser evangelizadores no mundo.

5-Chamados a Revelar o Rosto de Deus

Quando acolhemos a Palavra no nosso coração, o Espírito Santo consagra-nos para evangelizarmos o mundo, anunciando a ressurreição de Cristo e revelarmos o rosto amoroso do Deus Salvador. Eis o que diz a Primeira Carta a Timóteo: “A vontade de Deus é que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tim 2, 4).

Para poder revelar o rosto de Deus ao mundo, o Apóstolo precisa de possuir uma fé sólida e uma experiência de oração semelhante à de Jesus Cristo. Por outras palavras, enquanto orava, Jesus fazia a experiência do face a face com Deus, condição essencial para revelar o rosto de Deus ao mundo. Ao consagrar-nos, o Espírito Santo comunica-nos a coragem necessária para podermos denunciar os falsos deuses que dominam os homens de hoje: A ânsia de poder, de dinheiro, o desejo da fama, a tentação de oprimir e explorar os outros.

São Paulo diz que missão do Apóstolo é uma graça de Deus: “Foi-nos dada a graça de anunciar aos gentios a maravilhosa salvação de Jesus Cristo” (Ef 3, 8). Ao recebermos a Palavra de Deus, o Espírito Santo envia-nos ao mesmo tempo, a fim de realizarmos a missão de sermos no mundo um sinal do rosto amoroso de Deus. Eis as palavras de Jesus ao enviar os Apóstolos para a missão: “A Seara é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da seara que mande operários para a sua seara” (Lc 10, 4-5).

É urgente trabalharmos para que o Evangelho seja anunciado com eficácia ao nosso mundo como diz Jesus no evangelho de São Mateus: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens” (Mt 5, 13).

Depois acrescenta: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre o monte. Nem se acende a candeia para a colocar debaixo da mesa, mas sim em cima, a fim de iluminar todas as pessoas” (Mt 5, 14-16).

O Apóstolo sabe que não leva Deus às pessoas. A sua missão é ajudar as pessoas a descobrirem o rosto de Deus e a sua presença salvadora no íntimo do seu coração. Revelar o rosto amoroso de Deus às pessoas significa que a Palavra de Deus é comunicada de tal modo que as pessoas, animadas pelo Espírito Santo, vislumbram Deus, não como alguém distante e assustador, mas como uma presença amorosa no seu íntimo. Como membro do Povo de Deus, o evangelizador faz parte de uma parcela de Humanidade que tem a missão de dizer a Boa Nova da Salvação ao mundo.


b)O Rosto do Deus de Jesus Cristo

1-O Deus de Jesus Cristo é Comunicação

Por ser comunhão amorosa, Deus interage com os muitos biliões de pessoas humanas que vivem e viveram ao longo dos milénios. Por outras palavras, Deus é amor que se difunde pelo Universo. O princípio difusivo do amor de Deus para nós é o Espírito Santo. Ele é a ternura maternal de Deus através da qual as pessoas humanas são inseridas na comunhão familiar da Santíssima Trindade (Rm 8, 14).

São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Por ser comunhão amorosa, Deus é o fundamento do amor e o alicerce da comunhão universal do Reino. A Primeira Carta de São João diz que Deus é amor (1 Jo 4, 7-8). Ora, o amor é uma realidade dinâmica que circula nas relações entre as pessoas e gera laços de comunhão. O amor não se esgota nem envelhece, pois é um dinamismo que se auto gera e fortalece.

Na verdade, o amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão. A natureza do amor é difusiva. A título de exemplo podemos dizer que o amor que a mãe do Pedro lhe tem, não impede que ela tenha um amor igual aos outros dois filhos. O sol da praia é para todos. Mesmo que haja milhões de pessoas a bronzear-se, ninguém fica menos bronzeado pelo facto de serem muitos. Mas este exemplo é pobre, pois o sol é uma realidade exterior às pessoas humanas. Com Deus acontece o contrário, pois o Espírito Santo anima-nos e conduz-nos a partir de dentro, pois Deus é a interioridade máxima de todas as coisas.


2-Deus Torna-se Presente a Partir de Dentro

Isto quer dizer que Deus nunca interage connosco a partir de fora e comunica connosco através da ternura maternal do Espírito Santo. Como sabemos, a luz e o calor do sol chegam até nós, vindos de muito longe. O Espírito Santo, pelo contrário, faz que Deus seja um Deus connosco. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo conduz-nos a Deus Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho de Deus que nos acolhe como irmãos.

Seguindo o pensamento de são diríamos que o Espírito Santo nos habita e conduz a partir do nosso íntimo. Eis as palavras de São Paulo: “Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3, 16). No evangelho de São João, o Espírito Santo é comparado a uma Água viva que se torna um manancial de vida eterna a jorrar de modo permanente no coração das pessoas (Jo 4, 14; 7,37-39).

No pensamento bíblico o coração é o núcleo mais nobre da nossa interioridade espiritual. Falando em termos espirituais podíamos dizer que o coração é o núcleo a partir do qual emerge e se estrutura o nosso jeito de ser e amar. O coração é ponto de encontro com Deus e o núcleo no qual a pessoa elabora as suas decisões, escolhas e opções. É no coração que elegemos o outro como próximo, decidindo fazer-lhe o bem. A presença do Espírito Santo no nosso coração é profundamente dinâmica.


3-Espírito Santo e presença de Deus

É no íntimo do nosso coração que o Espírito Santo nos vai dinamizando e moldando à imagem de Deus, configurando-nos com Jesus Cristo. Precisamos do ar para respirar e viver. Por isso Deus providenciou para que o ar se difunda por toda a terra. Do mesmo modo, o Espírito Santo está em todos nós, pois precisamos dele para renascer e caminhar para a plenitude do Reino de Deus, diz o evangelho de são João (Jo 3, 3-6).

No seu discurso em Atenas, São Paulo disse que Deus é omnipresente, isto é, está presente a tudo e a todos: “Deus é o Criador do mundo e de tudo quanto nele existe. Ele é o Senhor do Céu da Terra e por isso não habita em templos feitos pela mão dos homens como se precisasse de alguma coisa (…). É nele que vivemos, nos movemos e existimos (Act 17, 24-28). Deus ama todas as pessoas e por isso não cessa de suscitar mediações para ajudar aqueles que mais precisam. O mistério de Deus revelou-se em Jesus Cristo como um mistério de relações amorosas.

4-Deus Revela-se e Interpela-nos

O facto de Deus se ter revelado como comunhão familiar tem consequências importantes para o ser humano compreender, não apenas o mistério de Deus, mas também o mistério do Homem e do próprio Universo. Com efeito, se Deus é amor, então temos de reconhecer que o Universo é obra do Amor.

Se Deus é uma família de três pessoas, então temos de reconhecer que a primeira realidade a existir é a Família. Se o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, então temos de reconhecer que a pessoa humana precisa de um calda familiar para se estruturar bem e crescer de modo feliz. Se a pessoa humana apenas fica capacitada para amar de pois de ter sido amada, então temos de reconhecer que a paternidade, para ser humana, precisa da dinâmica do amor. Por outras palavras, a paternidade humana é imagem e semelhança da paternidade Deus.

Isto quer dizer que não podemos limitar a paternidade humana à mera paternidade biológica como acontece com a paternidade do cão e o gato. Deus está sempre connosco, mas nunca nos manipula nem se nos impõe. É assim a fragilidade do amor. Só existe um Deus, que é o Deus de todos e ama a todos.

Como é amor, Deus não pode deixar de nos amar e, portanto, de oferecer o dom da salvação a todos os seres humanos. A Carta aos Romanos diz que graças a Jesus Cristo nós somos filhos e herdeiros de Deus Pai, bem como irmãos e co-herdeiros com o Filho de Deus (Rm 8, 14-17).

5-Romper Com Deus é Romper Com o Amor

Deus quer a salvação de todas as pessoas, por isso não condenam ninguém. Mas a salvação de Deus é um dom, não uma imposição. É esta a razão pela qual o ser humano pode dizer não ao amor de Deus e entrar na lógica do fracasso definitivo. Podemos dizer que Deus não condena ninguém, mas que é muito perigoso brincar com Deus.

Na verdade, a vontade de Deus a nosso respeito coincide rigorosamente com o que é melhor para nós. Isto quer dizer que as pessoas que brincam com Deus estão a brincar com o seu próprio bem. Por outras palavras: Deus é amor e, por isso não se vinga de ninguém. No entanto, brincar com Deus é o sinal de que a pessoa que o faz já entrou no caminho do malogro e do fracasso. É importante saber que brincar com Deus significa brincar com o amor, pois Deus é amor (1 Jo 4, 7-8).

Podemos ter a certeza de que os seres humanos que tenham terminado no fracasso definitivo não foram condenados por Deus. Por outras palavras, as pessoas que porventura caminhem para o estado de inferno, não foram condenadas por Deus mas por sua própria decisão. Deus dá-se de graça. Não é preciso dinheiro para habitar no coração de Deus, isto é, na comunhão da Santíssima Trindade.

Mas os que têm muito dinheiro devem partilhar com os que não têm, a função do dinheiro é possibilitar a realização das pessoas: Os que têm demasiado não conseguem humanizar-se se não partilham. Do mesmo modo os que estão carenciados também não podem realizar-se sem ter um mínimo de dinheiro que seja suficiente para satisfazer as suas necessidades. Não é preciso ser muito importante para ter Deus. Mas Deus está especialmente no coração daqueles que emprestam o seu saber e a sua voz para defender os que não sabem defender-se. É esta a razão pela qual Jesus, em nome de Deus, se colocava sempre do lado dos mais frágeis e desprotegidos.


c)O Rosto do Deus Criador

1-Deus Como Princípio Criador

No princípio, o Universo ainda não existia. Ainda antes de acontecer o impulso primordial que iniciou a génese criadora do Universo, só existia uma comunhão amorosa de três pessoas. O amor é primeiro. A marcha histórica do Universo foi iniciada por essa comunhão primordial que é o Deus criador. A Trindade Divina é um Família. Quando dizemos que Deus é amor queremos dizer que as pessoas divinas interagem em reciprocidade de comunhão amorosa. No interior de si mesmo, Deus é diálogo. E foi em diálogo que ele decidiu criar o Universo e a Humanidade.

Ainda antes de iniciar a génese criadora do Universo, Deus já era Criador. Na verdade, o amor é sempre criador. Quando na dinâmica de amor deixa de acontecer a novidade que encanta, o amor morre. Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer e aceitá-lo como é, apesar de serem diferente. Amar é também agir de modo a facilitar a realização e felicidade dos outros. O amor tem a capacidade de se auto gerar e fortalecer através de atitudes criadoras de novidade. Quando dizemos que Deus é amor estamos a afirmar que a Divindade é a causa de si mesmo.


2-E o Amor Criador de Deus Difundiu-se

No interior das relações amorosas das pessoas divinas acontece um diálogo sobre a possibilidade de Deus iniciar uma dinâmica criadora para fora de si mesmo. Isto quer dizer que Deus é a interioridade máxima de todas as realidades criadas. E foi assim que o amor infinito de Deus elegeu um alvo finito para criar e amar. Deste modo, a Criação finita, à medida que emerge, já está a ser amada por um amor infinito. E o amor de Deus, criador desde toda a eternidade tornou-se uma presença a possibilitar a génese criadora do Universo. Eis a origem da dinâmica criadora, na qual emergiu uma multidão incontável de estrelas apinhadas em galáxias com muitos anos-luz de diâmetro.

Surgiram, depois, os planetas, pedaços de estrelas estilhaçadas, muitos dos quais ainda estão em fogo no seu interior. Entre os planetas surgiu a nossa Terra generosa, bonita e fecunda, berço dos lagos primordiais que serviram de berço à vida. No interior do dinamismo da vida está Deus amassando o barro, isto é, dinamizando a marcha da evolução, afim de esta encontrar a saída da hominização. Surgiram as plantas com a sua enorme variedade de flores e frutos. Surgiram as aves do céu, os animais domésticos, os répteis e os animais selvagens.

Deste modo, o dinamismo criador de Deus foi amassando o barro, até este estar apto a receber o hálito da vida de Deus. Quando aconteceu este salto de qualidade, a criação entra em diálogo e comunhão amorosa com Deus. Todas as criaturas têm sentido e razão de existir. Mas Deus escolheu o Homem para habitar na sua casa. Por ter gostado tanto do Homem, Deus comunicou-lhe a sua ternura maternal, isto é, o Espírito Santo, a fim de o introduzir na comunhão familiar de Deus.


d)Jesus Corrige o Antigo Rosto de Deus

1-O Amor Incondicional de Deus Pai

Jesus Cristo não foi um homem ambíguo. A sua mensagem era “Sim, sim, não, não”. A sua Palavra projectava luz sobre o mistério de Deus e do Homem. Por esta razão as pessoas que acolhiam a sua palavra começavam a crescer em sabedoria. Na verdade, a palavra de Jesus capacitava as pessoas para saborearem a vida, coisas e os acontecimentos com os critérios de Deus. Jesus foi o portador do dom da salvação para a Humanidade. Uma vez que a salvação é um dom, depende de nós umanidadehaceitá-lo ou não.

Por outras palavras, seremos salvos na medida em que aceitarmos ser incorporados na família da Santíssima Trindade. Naturalmente que esta aceitação é uma questão de atitudes de vida pelas quais passa necessariamente o modo como optamos viver em relação ao amor fraterno. Portanto, a salvação não se obtém de modo automático através de ritos com efeitos mágicos.

A mensagem de Jesus gira à volta da proclamação de que existe apenas um Deus que ama cada pessoa de modo único, pois cada pessoa é ser único, original e irrepetível. Este amor particular e incondicional é a expressão do desejo que Deus tem de nos integrar na sua Família como filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação ao Filho de Deus.

2-Espírito Santo e Missão Messiânica

É o Espírito Santo que, com o seu jeito maternal de amar, insere nesta inter-comunhão humano-divina (Rm 8, 14-15; Gal 4, 4-7). É isto que São Paulo quer dizer quando afirma que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações Rm 5, 5). O Espírito Santo é o grande dom messiânico que nos vem de Cristo Ressuscitado, diz o evangelho de São João (Jo 7, 37-39). Pelo mistério da Encarnação, diz o evangelho de São João, foi-nos dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus, não pela vontade da carne ou os impulsos humanos, mas sim por vontade de Deus (Jo 1, 12-14).

Na sinagoga de Nazaré, Jesus declara que o Espírito o consagrou para realizar a sua missão de salvar a Humanidade: “O Espírito de Deus está sobre mim porque me ungiu, a fim de anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me a curar os de coração despedaçado e a anunciar a libertação aos cativos. Enviou-me a dar vista aos cegos, a enviar em liberdade os prisioneiros e a anunciar o Ano da Graça do Senhor” (Lc 4, 18-19).

São Paulo entendeu muito bem a missão salvadora de Jesus quando afirmou: “Se alguém está em Cristo é um Nova Criação. Passou o que era velho. Eis que tudo se fez novo. Tudo isto vem de Deus que nos reconciliou consigo em Cristo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2 Cor 5, 17-19).

A missão messiânica de Jesus situa-se, pois, no centro deste plano salvador de Deus. Por seu lado, esta dinâmica salvadora é obra do Espírito Santo que Jesus ressuscitado nos comunica. O Espírito Santo é a Água Viva que faz emergir uma nascente de Vida Eterna no nosso Coração (Jo 4, 14).


3-Jesus e a Família Universal de Deus

Jesus tinha consciência de que a sua missão era construir a Família Universal de Deus, a qual não assenta nos laços do Sangue. Mas sim nos laços do Espírito Santo: “Nisto chegou a sua mãe e os seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandaram chamar. A multidão estava sentada em volta dele quando lhe disseram: “Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram”. Percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Aquele que fizer a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 31-35).

Pertencer à Família de Deus é um dom que nos é concedido e que nós podemos aceitar ou não. O modo de aceitar este dom diz Jesus é acolher a Palavra e fazer a vontade de Deus. O Evangelho de São Mateus acrescenta ainda que o amor aos irmãos é uma condição para ser filho de Deus: “Ouvistes que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Procedendo assim, tornar-vos eis filhos do vosso Pai que está nos Céus” (Mt 5, 43-45).

Esta vida nova é fruto de uma novo nascimento que nos é concedido através do Espírito Santo. O que nasce da carne é carne. Por isso é preciso nascer do Espírito Santo para entrar na família de Deus (Jo 3, 3-6).


4- A União a Cristo como Condição de Salvação

A salvação implica um jeito novo de viver que só os que estão unidos a Cristo possuem verdadeiramente. As relações cujo dinamismo vem do Espírito Santo, o grande dom dos tempos messiânicos. Não possui esta dinâmica vital quem não estiver unido a Cristo de modo orgânico.

Na verdade, Jesus Cristo é o coração da Humanidade divinizada, através da incorporação na Família de Deus. A nossa união orgânica com Jesus é semelhante à união da cepa da videira com os seus ramos. Os ramos vivem e são fecundos na medida em que estão unidos à cepa (Jo 15, 4-5). A Primeira carta a Timóteo diz que Jesus é o único homem constituído medianeiro entre nós e Deus (1 Tim 2, 5).

O Filho está organicamente unido ao Pai pelo Espírito santo. Nós estamos organicamente unidos ao Filho por este mesmo Espírito. É este o mistério da comunhão mediante a qual nós somos incorporados na comunhão da Santíssima Trindade (cf. Jo 17, 21-23).

No evangelho de São João, Jesus diz que ele é o único caminho pelo qual nós podemos chegar ao Pai: “Jesus disse-lhe: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6).

5-A Missão de Jesus Corresponde à Vontade do Pai

Jesus dizia que recebeu directamente do Pai a tarefa de realizar a sua missão. Esta missão faz parte do amor de Deus Pai por nós, diz Jesus: “De tal modo Deus amou o mundo que lhe deu o seu único Filho, a fim de que todo aquele que acredita nele não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Jesus é o enviado de Deus, a fim de a humanidade ser salva: “A vontade de Deus é que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Existe apenas um só Deus e um só medianeiro entre Deus e o Homem, Jesus Cristo homem” (1 Tim 2, 4-5).

Jesus declarou que a sua mensagem e o seu modo agir correspondiam rigorosamente ao querer de do Pai: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34).

O Novo Testamento, por vezes, relaciona Jesus com Adão e salienta o contraste existente entre os dois: Adão foi criado à imagem de Deus (Gn 1, 26-27). Mas não aceitou a sua condição de criatura. Enchendo-se de orgulho, Adão quis ser igual a Deus (Gn 3, 1-6). No evangelho de São João, Jesus declara-se totalmente fiel à vontade de Deus: “Não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 5, 30).

Como cabeça da humanidade, Adão colocou os seres humanos no caminho do malogro e do fracasso. Jesus Cristo, com sua fidelidade, fez de nós uma Nova Criação reconciliada com Deus (2 Cor 5, 17-19).

Servindo-se desta analogia, a Carta aos Filipenses diz o seguinte: “Sendo imagem perfeita de Deus, Cristo Jesus não reivindicou ser igual a Deus, mas assumiu a condição de servo em tudo igual aos homens. Considerado como simples homem tornou-se obediente até à morte e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou e lhe deu um nome que está acima de qualquer outro. Por esta razão toda a Criação se ajoelha diante dele, tanto as do Céu, como as da Terra e as que estão abaixo da terra, a fim de que toda a língua confesse que Jesus Cristo é Senhor para glória de Deus Pai” (Flp 2, 6-11).


6-A Novidade da Mensagem de Jesus

A novidade da mensagem de Jesus tem a ver com o amor. É certo que Jesus não foi o primeiro mestre espiritual a insistir na necessidade de amar o próximo. A obrigação de amar o próximo para agradar a Deus e obter as suas bênçãos é proclamada ao longo de todo o Antigo testamento. Os profetas insistiam em que, sem o amor fraterno, os cultos não podiam agradar a Deus: Eis o que o profeta Isaías disse setecentos e tal anos antes de Cristo: “De que me serve a multidão das vossas vítimas, diz o senhor. Estou cansado de holocaustos de carneiros e de gordura de bezerros. Não me agrada o sangue dos vitelos, dos cordeiros ou dos bodes. Quando viestes ao meu santuário para me prestar culto, quem reclamou de vós semelhantes dons?

Não me ofereçais dons inúteis. O vosso incenso é-me abominável. As celebrações lunares, os sábados, as reuniões de culto, e as solenidades são-me insuportáveis. Quando levantais as vossas mãos para mim afasto de vós os meus olhos. Podeis multiplicar as vossas preces que eu não as atendo, pois as vossas mãos estão cheias de sangue inocente. Lavai-vos, purificai-vos e tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem. Procurai o que é justo, socorrei os oprimidos. Fazei justiça aos órfãos e defendei as viúvas. Agora podeis vir, pois vamo-nos a entender, diz o Senhor. Mesmo que os vossos pecados sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã” (Is 11-18).

Como vemos, a primazia do amor está no centro das grandes mensagens proféticas. A novidade de Jesus, em relação ao amor, está no facto de nos mandar amar ao jeito de Deus, isto é, com amor caridade. Segundo Jesus, a lógica humana não é a medida do amor. A medida perfeita do amor é o coração de Deus, do qual nos devemos aproximar o mais possível. Eis as palavras de Jesus no evangelho de São Mateus:

“Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Procedendo deste modo tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está nos Céu, pois ele faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. Se amais apenas os que vos amam que recompensa haveis de ter? Não fazem assim também os cobradores de impostos? E se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isso os pagãos? Portanto, sede perfeitos como perfeito é o vosso Pai do Céu” (Mt 5, 43-48).

Jesus aponta aos discípulos a perfeição do amor de Deus como meta para o seu amor. Com esta proposta, Jesus não queria dizer que o homem pode igualar a perfeição do amor de Deus, mas sim afirmar que o amor não pode encerrar-se em normas, leis e preceitos criados pelo Homem.A vida teologal é a única realidade que distingue o cristão do não cristão. O amor dos não cristãos é amor verdadeiro e, por conseguinte, dinâmica da salvação. Mas o amor caridade, isto é, o amor ao jeito de Deus adquire um horizonte novo graças à Palavra e à acção Espírito Santo no coração dos crentes.

7-Jesus e a Oração

Os evangelhos insistem em que Jesus tomava a oração muito a sério. A oração, para Jesus, não era um vista como um conjunto de palavras mágicas, mas antes como um diálogo familiar com Deus, a quem ele chamava “Abba” isto é, Papá. Para Jesus é preciso orar sempre, não para fazer que Deus nos oiça, mas sim para podermos ouvir a Deus. A oração não é para mudar o querer de Deus a nosso respeito. Na verdade, a vontade de Deus a nosso respeito coincide exactamente com o melhor para nós.

A oração, na perspectiva de Jesus, é uma relação amorosa com Deus. Como sabemos, as relações modificam as pessoas. Ora se a oração é uma relação com as pessoas divinas que se vai modificando é o ser humano. Com efeito, Deus é amor. Isto quer dizer que a sua vontade é o nosso bem. Por ser uma relação amorosa com Deus, a oração configura o nosso coração com o coração de Deus, capacitando-nos para irmos mais longe na vivência do amor. A nossa oração, quando é feita em união com Cristo, diz o evangelho de São João, será sempre atendida.

Eis as palavras de Jesus: “E o que pedirdes em meu nome, eu o farei, a fim de que a glória do Pai se revele no Filho” (Jo 14, 13). Depois acrescenta: “Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis e, deste modo, a vossa alegria será completa” (Jo 16, 24).

A oração feita em união com Jesus é atendida pelo Pai como se fosse a própria oração de Jesus: “Nesse dia, apresentareis em meu nome os vossos pedidos ao Pai e não vos digo que vou rogar por vós ao Pai. Na verdade, é o próprio Pai que vos ama, pois vós amais-me e acreditais que eu saí de Deus. Eis o que diz a Carta aos Efésios: “Mediante a fé em Jesus Cristo podemos aproximar-nos de Deus com toda a liberdade e confiança” (Ef 3, 12).

Segundo o evangelho de São Lucas, Jesus orava sempre nos momentos importantes da sua vida. Após o seu baptismo, diz Lucas, Jesus começou a orar e, nesse momento, os Céus abriram-se e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma de pomba. No mesmo instante ouviu-se a voz de Deus Pai dizendo: “Tu és o meu Filho muito amado no qual ponho o meu encanto” (Lc 3, 21-22). No momento de escolher os doze Apóstolos, Jesus retirou-se para a montanha e passou a noite em oração (Lc 6, 12-13).


e)O Rosto do Deus Que nos Chama Pelo Nome

1-E Deus Sonhou um Plano de Amor

O Deus de Jesus Cristo conhece o Homem e chama-o pelo próprio nome. Ao criar-nos, Deus logo sonhou um plano salvador, a fim de nos assumir na própria Família Divina. Para não se esquecer de nós, diz a bíblia, Deus escreveu nosso nome na palma da sua mão. Depois falou ao seu Filho da grande ternura que sentia por nós. Ao ver a ternura infinita de Deus Pai por nós, o Filho Eterno de Deus exclamou: “O meu alimento é fazer a tua vontade e realizar a tua obra. Envia-me, Pai, para que possa fazer dos seres humanos meus irmãos, comunicando-lhes a força vital do Espírito Santo e, deste modo, eles serem introduzidos na Família de Deus como filhos de Deus Pai e irmãos do Filho de Deus” (cf. Rm 8, 14-16).

E foi isto que aconteceu através do mistério da Encarnação: O Filho de Deus fez-se nosso irmão, a fim de nós sermos filhos de Deus Pai. Eis as palavras do evangelho de São João: “E aos que o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram da carne nem do sangue, nem da vontade do Homem, mas sim de Deus. E o Verbo encarnou e habitou entre nós” (Jo 1, 12-14).


2-Deus Sonhou o Melhor Para Nós

Querendo ensinar aos discípulos a ternura de Deus pela Humanidade, um dia Jesus Cristo disse-lhes o seguinte: “Eu desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade de quem me enviou. E a vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia. Sim, esta é a vontade do meu Pai: que todo aquele que acredita no Filho tenha a Vida Eterna e eu o ressuscite no último dia” (Jo 6, 38-40).

Podemos dizer que a pessoa humana depois de ouvir e aceitar a Palavra de Deus está a caminhar pela via da sua realização e plenitude. Jesus Cristo ensinou aos discípulos que não devem ter medo de procurar a vontade de Deus, pois esta coincide rigorosamente com o que é melhor para as pessoas humanas. Na verdade, a vontade de Deus a nosso respeito é que nós nos realizemos e sejamos felizes. Ao chamar-nos à vida, Deus deu-nos um leque de possibilidades, para que nos possamos realizar. O evangelho de São Mateus dá o nome de talentos às possibilidades de realização de cada pessoa (Mt 25, 14-30).

Os talentos são a matéria-prima de que dispomos para nos realizarmos. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo chama-nos a ser fieis aos nossos talentos, a fim de atingirmos a nossa plenitude no Reino de Deus. Deus é Comunhão de três pessoas e salva os seres humanos na medida em que estes crescem em densidade pessoal e espiritual.

No conjunto dos seres vivos que habitam esta terra, apenas os seres humanos são pessoas e, portanto, capacitados para tomar parte na comunhão familiar da Santíssima Trindade. E ao chegar o dia da nossa partida para a plenitude da vida eterna, o Espírito Santo conduz-nos ao Pai que nos acolhe como filhos e ao Filho de Deus que nos que nos acolhe como irmãos. E é deste modo que somos assumidos e acolhidos na comunhão familiar da Santíssima Trindade.

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