Razões para Gostar de Deus




a) Deus Como Fundamento da Nossa Esperança
b) Deus e a Paz de Coração
c) O Deus Cuja Palavra Agita o Mundo
d) O Deus Cuja Presença Se Faz Sentir
e) O Deus Que nos Chama à Liberdade
f) A Oração Como Encontro com Deus


a) Deus Como Fundamento da Nossa Esperança

Deus é fiel e verdadeiro. Nunca ninguém que tenha confiado nele e ficou defraudado. Após uma vida de total doação ao Evangelho, São Paulo sentia-se plenamente compensado ao afirmar: “Para mim, viver é Cristo, e morrer é um lucro” (Flp 1, 21).

Com o seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo vai confirmando em nós a certeza da fidelidade de Deus, concedendo, deste modo, um alicerce sólido à nossa esperança. São Paulo diz que ninguém pode ter a certeza da ressurreição de Cristo a não ser por uma inspiração do Espírito Santo (1 Cor 12, 3). Esta certeza assegura-nos de que não estamos perdidos num Universo sem sentido, nem estamos a caminhar para o vazio da morte. Apesar de os judeus terem rejeitado Jesus, Deus confirmou a autenticidade da sua missão, ressuscitando-o e sentando-o à sua direita (Rm 1, 3-5).

Jesus teve o cuidado de robustecer a esperança dos Apóstolos, garantindo-lhes que nunca ficariam abandonados ou sós: “Agora estais abatidos, mas ver-vos-ei de novo e haveis de vos alegrar. Nesse dia já ninguém poderá tirar a vossa alegria” (Jo 16, 22). Agora é o Espírito Santo, o novo consolador, que nos confirma nesta certeza de que tu Pai Santo, nos acolhes como filhos teus e irmãos de Jesus Cristo: “Todos os que são movidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus (…). Vós recebestes um Espírito de adopção que faz de nós filhos e nos leva a exclamar: “Abba”, ó Papá!” (Rm 8, 14-15).

Eis a orientação sábia que a Carta aos Colossenses nos dá, a fim de fortalecermos a nossa esperança: “Colocai a vossa mente nos bens do alto e não nas coisas terrenas” (Col 3, 2). E a Primeira Carta de São Pedro diz o seguinte: “Acolhei Cristo nos vossos corações, a fim de vos manterdes preparados para dar testemunho das razões da vossa Esperança a todos aqueles que vos questionam” (1Pd 3, 15).

A Palavra de Deus capacita-nos para vermos antecipadamente a nossa plenitude da nossa divinização, ao sermos assumidos na Família Divina. A Primeira Carta de São João diz que ao chegarmos à plenitude de Deus, conheceremos Deus tal como dele somos conhecidos (1 Jo 3, 2). Conhecer, no pensamento bíblico, implica interacção e comunhão ao nível dos corações.

A nossa esperança dá-nos a garantia de que apesar dos sofrimentos da vida presente, Deus preparou para nós uma plenitude cuja felicidade não tem limites. Os horizontes da nossa esperança ampliam infinitamente os horizontes da nossa simples razão. Na verdade, a esperança cristã ultrapassa os muros estreitos da vida presente, abrindo-nos os olhos do coração para contemplarmos, não apenas os bens desta terra, mas também os bens da vida eterna!

Mas isto não significa que a nossa esperança nos distraia ou aliene dos compromissos históricos. Pelo contrário, a vossa Palavra envia-nos para o mundo, mas com critérios diferentes dos do mundo. O evangelho de São Mateus diz que nós somos o sal que dá sabor, a luz que dá sentido e fermento que transforma os critérios do mundo (cf. Mt 5, 13-16).

Depois de uma vida gasta ao serviço do bem e do amor aos irmãos, o cristão, fortalecido por uma esperança robusta, sente que o melhor ainda está para vir. Eis o que diz São Paulo: “Por isso não desfalecemos. E mesmo se em nós o homem exterior vai caminhando para a ruína, o homem interior renova-se todos os dias. Com efeito, a nossa momentânea e leve tribulação proporciona-nos uma glória eterna que vai para além de toda e qualquer medida. Nós não nos detemos nas coisas visíveis, pois estas são passageiras. Pelo contrário, olhamos para as realidades invisíveis, as quais são eternas” (2 Cor 4, 16-18).

Fundada na Palavra de Deus e na ressurreição de Jesus Cristo, a nossa esperança dá-nos a certeza de que não estamos a caminhar para o fracasso de uma morte sem saída, mas para a plenitude da Vida Eterna. A Trindade Santíssima é o princípio e o fim da nossa Esperança. Jesus Cristo é a garantia de que o Homem tem um lugar na comunhão da Família Divina.


b) Deus e a Paz de Coração

A Carta Aos Gálatas diz que a paz de coração é um dom do Espírito Santo (Ga 5, 22). Os seres humanos cujo coração esteja habitado pela paz estão capacitados para serem um fermento de paz no mundo e, deste modo, realizarem a bem-aventurança prometida aos construtores da paz: “Bem-aventurados os construtores da paz, pois estes serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9).

O Espírito Santo edifica a paz no nosso interior, ajudando-nos a eliminar da mente e do coração ideias e sentimentos negativos. Os evangelhos insistem na necessidade de estarmos atentos e colaborarmos com o Espírito Santo na eliminação dos sentimentos negativos, pois estes em nada contribuem para a solução dos nossos problemas.

Eis o que diz o evangelho de São Mateus: “Quem de entre vós, com as suas preocupações, pode prolongar a duração da sua vida?” (Mt.6,25-27). E o evangelho de São Lucas acrescenta: “Tende cuidado para que as vossas vidas não fiquem pesadas devido às preocupações” (Lc.21,34).

Como sabemos, os pensamentos negativos desgastam a pessoa e geram stresse, o qual acelera o ritmo cardíaco, gera ansiedade e faz subir a tensão. Apesar do ritmo em que o nosso mundo se move, nós podemos contrariar em nós a tendência da crescente excitação da vida diária. É bom recordar as palavras de São Paulo que nos diz na Carta aos Gálatas: “O fruto do Espírito é a paz” (Ga 5, 22; Rm 8, 6).

Além de se sentir sempre cansada, a pessoa dominada pelo stresse sente-se frustrada por não conseguir produzir. Os pensamentos positivos tais como confiança, segurança, vontade de perdoar e servir os outros são um remédio milagroso para curar esta enfermidade. Cristo deixou-nos a Paz interior como o grande da sua ressurreição: “Deixo-vos a minha paz, a minha paz vos dou” (Jo.14,27). A Carta aos Colossenses diz o seguinte: “Reine em vossos corações a paz de Cristo à qual fostes chamados, formando um só corpo” (Col.3,15). Deus oferece-nos a paz como remédio para edificarmos a nossa felicidade, diz o evangelho de Lucas: “O Senhor guia os nossos passos no caminho da paz” (Lc.1,79).

A paz e a felicidade emergem no interior da pessoa na medida em que esta sintoniza interiormente com a presença do Espírito Santo. Jesus, de vez em quando, aconselhava os discípulos a buscarem a serenidade no silêncio, diz São Marcos: “Retiremo-nos para um lugar deserto e fiquemos ali por algum tempo” (Mc.6,31).

Traduzindo esta proposta de Jesus para os nossos dias diríamos que quinze ou vinte minutos de silêncio e meditação no nosso dia a dia são importantes para conseguirmos controlar a mente e o coração de modo a construirmos um clima de paz interior.

Nesses momentos, conseguiremos a paz e a comunhão com Deus, com o bom que a Humanidade realiza e sentirmo-nos em paz com o Cosmos, como diz São Paulo: “Tudo vos pertence (…) a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor.3,21-23).

Quando sentirmos o nervosismo a tentar invadir o nosso coração ponhamos um travão dizendo: “Para quê toda esta agitação? Não é com este nervosismo que eu vou melhorar as possibilidades de melhorar o mundo”. Jesus convida-nos a pôr as nossas dificuldades nas mãos de Deus. Eis o que diz o evangelho de Mateus: “Não andeis preocupados, dizendo: ‘que iremos comer, beber ou vestir? (...) Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois este se preocupará consigo. A cada dia basta a sua dificuldade” (Mt 6, 31-34).

Na verdade, quanto mais nos deixamos dominar pelo frenesim do mundo mais nos destruímos e menos capazes nos tornamos para ajudar os outros. Se pensarmos que Deus está em nós e por nós, mais facilmente desaparecem do nosso coração os medos e mais facilmente surgirá a paz e a harmonia interior.

Jesus aconselha-nos a mantermos sempre uma atitude de vigilância: “Felizes os servos que o Senhor, ao chegar, encontrar vigilantes” (Lc.12,37). A presença libertadora de Deus é uma realidade que podemos experimentar de modo gradual e progressivo. Esta experiência significa que o Reino de Deus está a acontecer dentro de nós como diz a Carta aos Romanos: “O Reino de Deus não é uma questão de comidas e bebidas, mas sim de justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm.14,17).

Jesus também falou do Reino de Deus como realidade a emergir no nosso interior: “A vinda do Reino de Deus não é observável no nosso exterior. Não se poderá dizer: ei-lo aqui, ou ei-lo acolá, pois o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc.17,20-21). É importante tomarmos estas afirmações bíblicas a sério, pois a edificação da paz interior tem muito a ver com o estilo de pensamento que alimentamos no dia a dia da nossa vida.


c) O Deus Cuja Palavra Agita o Mundo

Na perspectiva bíblica, a Palavra de Deus é eficaz, isto é, realiza o que significa. Uma vez que a pessoa a acolhe no seu coração, a Palavra começa a transformar o seu coração e a sua mente em conformidade com o significado da mesma Palavra. O protagonista desta acção transformadora é o Espírito Santo que gradual e progressivamente nos vai configurando com Jesus Cristo.

Nesta perspectiva ganha pleno sentido a seguinte frase de São Paulo na Carta aos Gálatas: “Já não sou eu que vivo mas é Cristo que vive em mim” (Ga 2, 20). Estas palavras significam que a pessoa, à medida em que se vai transformando pela Palavra de Deus, a pessoa começa a olhar a realidade e a interpretá-la de acordo com os critérios do Evangelho. E é assim que o nosso modo de ser e agir se torna cada vez mais semelhante ao de Jesus.

Os seres humanos são capazes das maiores monstruosidades. Mas se descobrirem sentidos para viver são capazes de alterar o rumo da sua vida e da vida de muita gente. Na verdade, Somos capazes de fazer guerras monstruosas e criar máquinas diabólicas para matar. Somos capazes de oprimir e explorar os outros para amontoar riquezas tantas vezes desnecessárias. Somos capazes de raptar e matar crianças, conceber instrumentos monstruosos de tortura e destruir a natureza, movidos apenas por interesses mesquinhos.

Mas também somos capazes de criar música, poesia e inventar um futuro cheio de gestos de ternura e amor. Somos capazes de inventar máquinas brutais para fazer guerras criminosas. Somos capazes de pilhar e destruir pessoas como conseguimos idealizar e criar planos de solidariedade, que ultrapassam os meros laços do sangue. Somos seres famintos de verdade, isto é, de compreender e enunciar de modo adequado a realidade de Deus, do Homem, da História e do Universo.

Quando uma pessoa começa a crescer espiritualmente é capaz de inserir uma nova dinâmica libertadora na marcha da Humanidade. À medida em que descobre as possibilidades de transformação do mundo, a pessoa tem condições para ser iluminada e fortalecida pelo Espírito Santo, a fim denunciar o mal, optando, mediante a não-violência activa, como Jesus fez.

É verdade que a Palavra de Deus nos ensina a fazer do perdão uma atitude central no nosso modo de ver e agir. Mas o perdão não deve confundir-se com dever calar-se perante as injustiças, e deixar de lutar contra a violência, opressão e as situações injustas. Por outras palavras, a Palavra de Deus ajuda a pessoa a descobrir as forças do mal e o Espírito Santo fortalece-a para o denunciar como Jesus fazia.

No mundo em que vivemos não faltam razões que levem os profetas de Deus a denunciar. Eis, por exemplo, algumas dessas razões: O egoísmo e a indiferença face ao sofrimento e a miséria reinante no nosso mundo. As guerras mortíferas, provocadas por meros interesses económicos. A leviandade com que se pomos em perigo o equilíbrio ecológico. O tráfico de drogas que, pouco a pouco, vão degradando e corroendo milhões de pessoas, fazendo delas simples trapos humanos. A distribuição injusta das riquezas da qual origina a morte que todos os dias mata milhares de pessoas. A violação e o abuso sexual de crianças, provocando nelas distorções enormes e bloqueando a sua capacidade de se humanizarem e construírem como pessoas felizes.

A violência que se manifesta nas formas mais diversas, tais como a tortura, a exploração dos países pobres por parte dos ricos, o comércio de órgãos humanos ou o comércio de mulheres. A distorção da verdade levada a cabo pelos poderosos meios de comunicação, pelos senhores da guerra ou pelos poderosos grupos de pressão.

A Palavra de Deus ajuda-nos a compreender a dignidade da pessoa humana, a qual não só foi criada à imagem de Deus como também já foi incorporada por Cristo na Família Divina. O Espírito Santo consagra as pessoas do mesmo modo que consagrou Jesus e lhe deu aquela força transformadora que fez dele o início de uma Nova Humanidade.

Podemos dizer que a entrevista de ajuda Espiritual é um espaço privilegiado para o Espírito Santo esclarecer e fortalecer a pessoa para compromissos cada vez mais semelhantes aos de Jesus (cf. Lc 4, 18-21). A Palavra de Deus vai ajudando a pessoa a compreender cada vez melhor o mistério de Deus e de Cristo, bem como o lugar do Homem no pleno de Deus.

O Crente terá uma noção tanto mais clara da dignidade e dos direitos do Homem quanto melhor compreender que Deus nos Criou para tomarmos parte na Comunhão Universal da Família de Deus cujo coração é a Santíssima Trindade. Não há amor autêntico que não procure ser fermento transformador nas situações que desumanizam ou impedem a humanização das pessoas.

À medida em que cresce espiritualmente, a pessoa começa a ser capaz de reinventar atitudes e caminhos que façam avançar a Humanidade na conquista da justiça, a fim de que surja o Mundo Novo querido por Deus.


d) O Deus Cuja Presença Se Faz Sentir

Era uma tarde bonita de primavera avançada. O Pedro, sentou-se debaixo de uma árvore nas margens do rio e começou a contemplar a colina colorida que ficava mesmo à sua frente. De modo calmo e sereno deixa a sua mente divagar enquanto contemplava a colina que conferia uma variedade multicolor ao horizonte. Do seu íntimo começa a emergir uma alegria portadora de paz e serenidade.

O Pedro começa a sentir-se invadido por uma alegria indescritível que o torna profundamente feliz. Começou a sentir que, o seu íntimo estava habitado por uma paz profunda que circulava no seu coração. Estando a saborear a plenitude da vida que emergia suavemente no seu ser, o Pedro fechou os olhos e, nesse momento, sentiu-se invadido por Deus.

De modo gradual e progressivo começou a percorrer a sua história, apercebendo-se de que, no mais íntimo de si, está o próprio Deus que o habita. A presença de Deus era suave mas real. Pouco a pouco, o Pedro sentiu-se o templo onde Deus habita. Nesse momento teve a intuição de que no seu coração, estava a acontecer um face a face com o próprio Deus. Foi assim que compreendeu o sentido e a força criadora e transformadora da oração.

Orar, pensou o Pedro, não é de modo algum um monólogo esquizofrénico. Cheio de alegria e sem quaisquer dificuldades começou a falar com Deus como um amigo fala com seu amigo. Evitou palavras rebuscadas, a fim de não perturbar ou bloquear este diálogo.

De repente sentiu uma exultação de contentamento e isso fê-lo compreender que a capacidade de captar a presença de Deus é interior. O coração é o ponto de encontro da pessoa com Deus e os irmãos. Na verdade, os encontros autênticos e profundos acontecem sempre a partir de dentro.

Nesse momento, o Pedro sentiu que o seu coração se dilatava, ao ponto de se sentir em comunhão com Deus, com a Humanidade, com os biliões de seres humanos que o precederam na História e com todo o Universo. É como se nesse momento estivesse em coordenadas de Universalidade.

Nestes momentos, a pessoa tem a sensação de que não há lonjura nem distância. Então o Pedro lembrou daqueles momentos em que Jesus procurava os lugares silenciosos e afastados dos ruídos do mundo para orar. Com efeito, Jesus procurava o silêncio e a harmonia da natureza para orar.

O Pedro compreendeu a profundidade e a riqueza da oração de Jesus. Lembrou-se de um dos diálogos de Jesus com Deus Pai, e da exultação de alegria que esse diálogo provocou. Eis como São Lucas descreve esse momento especial de comunicação de Jesus com o Pai: “Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado ” (Lc 10, 21).

O Pedro reparou que quanto mais se sentia em comunhão com Deus, mais vontade tinha de fazer bem às pessoas. Nesse instante compreendeu que a comunhão com Deus não nos afasta da comunhão com os irmãos. O Pedro intuiu com toda a clareza que as pessoas que de facto fazem a experiência de Deus, não são afastadas nem distraídas da grande tarefa de construir a fraternidade humana.

Começou, então a sentir um desejo enorme de agarrar esse momento e não o deixar fugir. Com aconteceu com os discípulos no Monte Tabor, o Pedro sentiu vontade de construir ali uma tenda, mas compreendia que isso não podia acontecer, pois a plenitude ainda não chegou. Na verdade, a História é o tempo da gestação do Homem.

É verdade que Deus já se revela e faz sentir, mas são experiências que passam, mas que se podem repetir, pois Deus está sempre disponível para o encontro. Quando saboreamos a alegria do encontro com Deus temos tendência de o procurar sempre e cada vez mais. O Pedro entendeu a importância de criar momentos que sejam espaços privilegiados de encontro e comunhão com Deus.

Depois o Pedro compreendeu que os encontros profundos com Deus optimizam os encontros com os seres humanos. A oração ao jeito de Jesus, dizia o Pedro, torna-nos pessoas mais capazes de construir uma Humanidade mais justa e fraterna.


e) O Deus Que Nos Chama à Liberdade

A liberdade é uma vocação e, portanto, uma tarefa que a pessoa tem de realizar. Na verdade, o ser humano não nasce livre, mas sim com a possibilidade de se tornar livre. A liberdade é a capacidade de a pessoa se relacionar amorosamente com os outros e de interagir de modo criador com os acontecimentos e as coisas.

Não devemos confundir a liberdade com o livre arbítrio. Este á a capacidade psíquica de optarmos pelo bem ou o mal. Na verdade, o livre arbítrio é a possibilidade de a pessoa humana chegar a ser livre, mas não é ainda a liberdade. A pessoa torna-se livre optando e decidindo no sentido do amor e da humanização. Com efeito, à medida em que a pessoa se humaniza emerge como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de amar.

Deus é infinitamente livre, mas não tem livre arbítrio, pois não pode optar pelo mal. Deus é uma comunhão de pessoas infinitamente livres. Eis a razão pela qual as pessoas divinas não têm livre arbítrio, pois não estão em processo de realização pessoal. A liberdade, portanto, é uma conquista e uma tarefa a realizar. A liberdade não acontece sem opções no sentido do amor e, portanto, sem realizações criativas, pois o amor é sempre criador. A liberdade humana é o resultado de uma cadeia de opções, escolhas e decisões na linha do amor.

Isto significa que os seres humanos não são todos livres em densidade igual. As pessoas humanas são seres em construção histórica e cada qual tem o seu leque de possibilidades ou talentos. O ser humano faz-se, fazendo. Constrói-se, construindo. Além do leque de possibilidades, cada pessoa responde de modo diferente à realização das suas possibilidades. Eis a razão pela qual cada pessoa se realiza de modo único, original e irrepetível.

Podemos dizer que a liberdade é uma consequência das opções, escolhas e decisões pessoais. A liberdade, tal como a realização pessoal, é fruto de uma vida comprometida. A pessoa humana não é igual aos planos e sonhos que tem, mas sim aos sonhos e projectos que realiza.

Podemos dizer que os grandes pilares da liberdade humana são o livre arbítrio, o amor e a verdade. Não basta exercitar o livre arbítrio para a pessoa ser livre, pois quando optamos contra o amor estamos a exercitar o livre arbítrio, mas não nos estamos a edificar como pessoal livres. A liberdade é uma realidade espiritual. Ninguém é capaz de matar a liberdade da pessoa que se tornou livre.

Mas também ninguém é capaz de fazer que determinada pessoa seja livre. Tornar-se livre é uma tarefa pessoal que ninguém pode realizar por nós. A sociedade pode encarcerar uma pessoa realizada e muito livre. Pode limitar as possibilidades de esta pessoa exercitar o seu livre arbítrio e, portanto, condicionar o seu crescimento como pessoa livre, consciente responsável e capaz de comunhão amorosa. Mas ninguém é capaz de lhe roubar o grau de liberdade que uma pessoa já atingiu, pois a liberdade tem densidade espiritual. Por outras palavras, a liberdade pertence à esfera da nossa interioridade espiritual.

Jesus disse que quem comete o pecado é escravo do pecado (Jo 8, 34). Ora, o pecado é a oposição ao amor. Eis o que Jesus diz no evangelho de São João: “Se permanecerdes na minha Palavra sereis meus discípulos. Possuireis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 31-32). A verdade é a compreensão e enunciação correcta e adequada da realidade: Deus, Homem, História e Universo.

Por ter tal amplitude, a verdade, no seu alcance pleno, é um atributo apenas de Deus. Isto já nos revela a importância da Palavra de Deus para nós podermos atingir a verdade. O Espírito Santo é quem provoca o eco da Palavra no nosso coração, por isso é ele que nos conduz à verdade de Deus que é a verdade plena: “O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e há-de recordar-vos tudo o que eu vos disse” (Jo 14, 26).

Jesus diz aquilo que o Espírito Santo nos comunica nos conduz à verdade total: “Quando ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a verdade total” (Jo 16, 13). Por ser a enunciação da verdade, a Palavra de Deus, dá-nos os critérios certos para optarmos e decidirmos na linha do amor, condição para sermos livres. À luz do Evangelho, verdade, amor e liberdade caminham unidos e a passo igual.

O Espírito Santo é no nosso íntimo um apelo constante à liberdade. É verdade que não podemos dar a liberdade aos outros. Mas podemos trabalhar para que os outros tenham melhores condições para que os outros se tornem livres. A afirmação segundo a qual Deus nos dá a liberdade precisa de ser explicada:

Em primeiro lugar é preciso saber que todos os dons de Deus nos são feitos em forma de possibilidades ou talentos. Esta é uma condição essencial para as dádivas divinas serem dons. Na verdade, se os dons de Deus não nos fossem concedidos em forma de possibilidades ou talentos, não seriam dons mas sim imposições. Como já vimos, a liberdade é uma dimensão espiritual. É a capacidade de nos relacionarmos amorosa e criativamente.

A possibilidade de sermos livres assenta tanto no nível biológico como no psíquico. Os animais não têm livre arbítrio, pois os seus comportamentos são determinados pelos instintos. A nível humano, o livre arbítrio dá-nos a possibilidade de optarmos pelo bem ou pelo mal.

Se decidimos optar pelo mal, isto é, pelo que impede o homem de se realizar como pessoa em comunhão com os outros não nos tornamos livres. Se, pelo contrário, decidimos e optamos na linha do amor, então emergimos e robustecemo-nos como pessoa livre, consciente, responsável e capaz de comunhão amorosa.

São Paulo, na carta aos Gálatas diz uma coisa muito importante em relação à liberdade: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto permanecei e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão (…). Que a liberdade não sirva de pretexto para vos deixardes subjugar pela carne, o homem velho. Pelo contrário, mediante o amor, ponde-vos ao serviço uns dos outros” (Ga 5, 1-13).

Como dissemos acima, nem todas as pessoas têm o mesmo nível de liberdade. São Paulo aconselha as pessoas que têm um nível maior de liberdade a não chocarem os mais fracos: “Mas tende cuidado que a vossa liberdade não venha a ser ocasião de queda para os mais fracos. Se alguém te vê, a ti que tens a ciência e a liberdade, comer alimentos que foram consagrados aos ídolos, é capaz de se voltar para os ídolos. Deste modo, pela tua ciência vai perder-se quem é fraco?” (1 Cor 8, 9-10).

Por outras palavras, a vivência do amor continua a ser a expressão da liberdade já realizada e o caminho para continuarmos a crescer como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de amar.


e) A Oração Como Encontro com Deus

A oração, para ser cristã, tem de ser um diálogo com Deus à maneira dos diálogos de Jesus com o Pai. Por isso, este diálogo deve ser simples, evitando palavras rebuscadas. Na oração devemos usar as palavras espontâneas, tal como fazemos com as pessoas que amamos.

Falemos a Deus da nossa vida, sabendo que ele a conhece e entende muito bem. Digamos a Deus como vão as nossas actividades e as dificuldades que, por vezes nos surgem. Não peçamos muitas coisas ou a insistir muito num aspecto concreto. Este modo de orar cria em uma consciência miserabilista. É verdade que somos pobres e frágeis, mas com Deus podemos tudo.

A atitude mais importante da oração deve ser a tomada de consciência da presença de Deus em nós, sabendo que essa sua presença é capaz de fazer maravilhas através de nós. O evangelho de São Lucas diz que Maria tinha plena consciência da presença e da força de Deus que a capacitava para fazer maravilhas: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu salvador, porque ele pôs os olhos na sua humilde serva. De hoje em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso fez em mim maravilhas” (Lc 1, 46-49).

Outro aspecto importante em relação à oração é a sua eficácia. Façamos oração, tendo a certeza de que esta é sempre eficaz. Esta eficácia não significa que devemos mudar o coração de Deus, mas no sentido de modificar o nosso coração e a nossa mente, capacitando-nos para fazer coisas que nunca seríamos capazes de imaginar. Na medida em que nos transformamos e somos invadidos pela força amorosa e criadora de Deus tornamo-nos mediações de libertação e felicidade para os irmãos.

Na oração não devemos usar expressões negativas, pois este procedimento não altera nem influencia a acção de Deus em nós. Além disso devemos saber que os pensamentos e as palavras negativas moldam padrões negativos na nossa mente. As palavras positivas que exprimem fé na presença de Deus e de gratidão pela sua acção em nós são dignas de um verdadeiro diálogo amoroso com Deus.

Não deixemos de repetir que desejamos que se faça a vontade de Deus a nosso respeito. Esta atitude revela uma fé profunda, pois significa que acreditamos de verdade que a vontade de Deus coincide rigorosamente com o que é melhor para nós. Na verdade, a vontade de Deus a nosso respeito coincide com a nossa, pois nós também queremos o melhor para nós.

A diferença está em que nos podemos enganar neste ponto e Deus nunca se engana. Procurar o melhor para nós de modo seguro, portanto, é procurar a vontade de Deus. Podemos ter a certeza de que aquilo que Deus nos quer dar é muito melhor para nós do que aquilo que nós lhe pedimos.
Tenhamos a coragem de dizer a Deus com fé e amor: “ponho-me nas tuas mãos, pois sei que o teu querer a meu respeito coincide com o que é melhor para mim”.
Procedendo assim estamos a abrir o coração à acção do Espírito Santo em nós, permitindo que a força criadora e salvadora de Deus circule em nós. São Paulo dá-nos o suporte perfeito para esta confiança: “Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados de acordo com o seu desígnio. De facto, àqueles que Deus conheceu antecipadamente também os predestinou, a fim de serem uma imagem idêntica à do seu Filho, o qual se tornou o primogénito de muitos irmãos” (Rm 8, 28-29).

Depois, passemos da oração para a vida, tendo a certeza de que, graças à presença de Deus em nós, as nossas actividades terão os melhores resultados. Não nos esqueçamos de pedir a Deus pelas pessoas que nos querem prejudicar ou nos maltrataram. O ressentimento, a raiva e o ódio são forças negativas que bloqueiam os circuitos através dos quais circula a força criadora da Palavra e do Espírito Santo em nós.

A oração ajuda-nos a configurar a nossa mente com a Palavra de Deus. Isto é importante, pois a nossa mente condiciona as nossas emoções e estas condicionam a nossa vida, tanto ao nível corporal como psíquica ou espiritual. Como sabemos, a originalidade do cristão é a vida teologal de Fé, Esperança e Caridade.

A vida teologal põe a nossa mente e o nosso coração ao ritmo da Palavra e da acção do Espírito Santo em nós. Quanto mais cresce em nós a vida teologal mais circulam, no nosso íntimo, as forças que nos capacitam para agirmos de acordo com a vontade de Deus. No evangelho de São João, Jesus garante-nos que veio para que tenhamos vida em abundância (Jo.10,10).

Há pessoas vivem habitualmente cansadas, fazendo esforços enormes para obter resultados minúsculos. Isto significa que as suas energias criadoras não emergem normalmente porque não têm o coração aberto à presença criadora de Deus no nosso íntimo. O caminho para sair deste sofrimento é desbloquear as vias pelas quais circulam as energias e deixar-se habitar pela força criadora de Deus.

É muito importante fazer momentos de oração, tomando consciência da presença e da acção criadora de Deus no nosso interior. É importante não admitir pensamentos negativos na nossa mente. Tentemos expulsá-los dez, vinte ou cinquenta vezes se for preciso. Quanto mais cultivarmos atitudes de não julgamento, de perdão, de amor a Deus e aos irmãos, mais os bloqueios vão sendo destruídos e mais habitará em nós a alegria e felicidade.

Em geral, as pessoas que sentem muita falta de energia estão desorganizadas na sua vida emocional e, deste modo, prejudicando enormemente a saúde do seu corpo. Enquanto viverem nesta situação de desorganização interior estas pessoas sentem conflitos interiores e frequentes problemas de saúde corporal, psíquica e espiritual.

A oração ajuda-nos a adquirir uma fé sólida e uma grande harmonia interior, condições essenciais para a nossa oração acontecer como encontro íntimo com Deus. As energias espirituais que nos habitam, tanto as de Deus como as nossas são, no nosso íntimo, a fonte do milagre.

A oração no Espírito Santo, é condição fundamental para acontecer, em nós, o milagre. Com Deus podemos caminhar para uma crescente harmonia da nossa personalidade. Mas não pensemos que Deus actua sem a nossa colaboração. O diálogo com Deus é sempre criador, pois estamos interagindo com a fonte das energias espirituais e criadoras do mesmo Deus. É isto que o evangelho de Lucas quer dizer ao afirmar que o Reino de Deus está dentro de nós (Lc.17,21).

Quando sintonizamos com o Espírito Santo que está em nós, sentimo-nos melhor, trabalhamos melhor, descansamos melhor e facilitamos a realização e felicidade dos que vivem a nosso lado. Como encontro íntimo com Deus, a oração muda a nossa mente e o nosso coração, alterando profundamente a nossa vida e as relações com os outros.

A oração é, pois, um diálogo amoroso e familiar com as pessoas divinas. É importante não confundir a oração com rezas ditas de modo mecânico e segundo um número determinado para obter eficácia. Na verdade, uma oração séria não pode ser reduzida a uma mera questão de palavras mágicas que não passam de rezas sem qualquer fundamente teologal. Este tipo de rezas não nos conduz ao encontro íntimo com Deus nem produz nem realiza em nós a experiência da acção libertadora de Deus na nossa vida.

O próprio Jesus nos previne do perigo de distorcermos a oração, fazendo dela uma questão de formular mágicas: “Nas vossas orações não sejais como os gentios que usam de vãs repetições, pois pensam que, por falarem muito, são mais atendidos. Não façais como eles, pois o vosso Pai do Céu bem sabe do que precisais, antes de lho pedirdes” (Mt 6, 7-8).

Quando oramos ao jeito de Jesus, o Espírito Santo conduz-nos ao diálogo com Deus em termos familiares. Na verdade, é o Espírito Santo que nos introduz na comunhão familiar da Santíssima Trindade. Em seguida, o mesmo Espírito Santo nos conduz ao amor dos irmãos: “O primeiro mandamento é: Escuta Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, com todo o teu espírito, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças” (Mc.12,29-30; Mt.22,37-38; Lc.10,27).

Mas o nosso amor a Deus não é nunca separado do amor aos irmãos: “Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo seu irmão com necessidade, lhe fechar o coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?” (1Jo 3, 17).

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