Ressurreição e Vida Eterna




a) A Ressurreição da Carne na Bíblia
1- A Humanidade é um Corpo Cuja Cabeça é Jesus Cristo Ressuscitado.
2- A Humanidade Forma Uma União Orgânica
3- Espírito Santo e Ressurreição
4- Unidos à Ressurreição de Cristo
5- A Ressurreição da Carne
6- Adão e Jesus Cristo
7- Densidade Espiritual da Ressurreição

b) Imortalidade ou ressurreição?
1- Cristo e a Ressurreição Universal
2- Jesus e a Vida Eterna
3- Da Imortalidade à Ressurreição
4- Espírito Santo e a Dinâmica da Ressurreição
5- A Identidade Histórica dos Ressuscitados

c) A Experiência Pascal de São Paulo
1- São Paulo e a Ressurreição de Cristo
2- São Paulo e o Senhor Ressuscitado
3- Ressurreição e Unção Messiânica de Jesus
4- A Salvação em Cristo Ressuscitado
5- Ressurreição e a Mudança de São Paulo

d) Espírito Santo e a Vida Eterna
1- Espírito Santo e Nascimento Pessoal
2- Espírito Santo e Fecundidade Espiritual
3- O Espírito Santo Como Força da Salvação
4- Espírito Santo e a Plenitude dos Tempos


a) A Ressurreição da Carne na Bíblia

1- A Humanidade é um Corpo Cuja Cabeça é Jesus Cristo Ressuscitado.

Para o pensamento bíblico, a Humanidade forma um todo orgânico e dinâmico. Para indicar o sentido desta união que nos liga de modo orgânico a Cristo, São Paulo diz que Cristo nós fazemos um só Corpo. Jesus Cristo é a cabeça desse corpo do qual nós somos os membros (1 Cor 10,17; 12, 27). São Paulo acrescenta a seguir que o princípio vital que alimenta e fortalece este corpo é o Espírito Santo. Eis o que ele diz na Primeira Carta aos Coríntios: “Fomos baptizados num mesmo Espírito, a fim de formarmos um só Corpo” (1 Cor 12, 13).

O evangelho de São João vai nesta mesma linha dizendo que Cristo é a cepa da videira da qual nós somos os ramos (Jo 15, 1-8). Como ramos da videira, nós só podemos viver e dar fruto na medida em que estivermos unidos à cepa (Jo 15, 4-5). O mesmo se passa com a visão bíblica do pecado de Adão: Adão e a Humanidade fazem uma união orgânica. Adão era a Cabeça deste Corpo que é a Humanidade. A cabeça ao romper com Deus, conduz todos os membros do corpo para o caminho do malogro e da fracassa (Gn 3, 17-24). As consequências não se fizeram esperar, pois os filhos de Adão, em vez de caminharem na via da fraternidade, entram no caminho do fratricídio: Caim mata Abel (Gn 4, 8-13). Infelizmente, mesmo nos nossos dias ainda são muitos os seres humanos que caminham nesta via do fratricídio.


2- A Humanidade Forma Uma União Orgânica

Segundo o pensamento bíblico, o homem carne (basar) é o ser humano estruturado para a união orgânica e interactiva. O homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, formando com ela uma só carne, diz o livro do Génesis (Gn 2, 22-24). Podemos dizer que o Homem carne é o ser humano com interioridade talhado para o encontro e a comunhão com os outros seres humanos. Isto é tão fundamental para o pensamento bíblico que o ser humano, separado desta união orgânica e interactiva está em estado de morte.

Segundo a maneira de ver da bíblia, o acontecimento da morte biológica não destrói totalmente a pessoa humana. O homem exterior, com o acontecimento da morte torna-se pó (Gn 3, 19). Mas o homem interior subsiste no Shéol, isto é, na morada dos mortos, mas está em estado de morte, pois não podem comunicar com os outros seres humanos. Isto quer dizer que a ressurreição, tal como a salvação, não é um acontecimento para indivíduos isolados.

É precisamente esta argumentação de São Paulo uma pouco mais à frente: “Na verdade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram, pois assim como por um homem veio a morte, por um só homem veio a ressurreição dos mortos. E assim como todos morrem em Adão, assim todos ressuscitam em Cristo” (1 Cor 15, 20-23). Depois conclui: “Eis o que dizem as Escrituras: “O primeiro homem, Adão, foi feito um ser vivente e o último Adão, um espírito vivificante. Mas o primeiro Adão não foi o espiritual, mas o terreno. O espiritual vem depois. O primeiro homem tirado do barro é terreno. O segundo vem do Céu. Tal como era o terreno, assim são os terrenos. Tal como é o celeste, assim são também os celestes” (1 Cor 15, 45-48).

Na verdade, começamos por ser um dado puramente biológico, isto é, um ovo. A partir deste ovo inicia-se um processo de estruturação orgânica que atinge a complexidade própria do ser humano. Ao atingir a complexidade própria de homem, a vida dá um salto de qualidade para o limiar da vida pessoal-espiritual. É a este nível que a Humanidade forma um todo orgânico e dinâmico cuja cabeça é Jesus Cristo.

3- Espírito Santo e Ressurreição

Ao criar o Homem do barro, Deus insuflou-lhe o hálito da vida, isto é, o Espírito Santo, e o Homem tornou-se um ser de diálogo e comunicação (Gn 2, 7). Segundo o pensamento bíblico, a morte acontece quando Deus decide retirar de um ser humano concreto o seu hálito da vida. Nesse momento, a pessoa humana entra em estado de morte, isto é, fica incapaz de comunicar. A ressurreição da carne podia acontecer se Deus voltasse a insuflar o Espírito Santo no coração dos seres que permanecem no shéol, isto é, na morada dos mortos.

Jesus Cristo, como tinha a plenitude do Espírito, não ficou em estado de morte. É verdade que foi à morada dos mortos, mas para comunicar a dinâmica do Espírito a todos os que o tinham precedido na História. Eis as palavras da Primeira Carta de São Pedro: “Também Cristo padeceu por causa dos nossos pecados, de uma vez para sempre. Morto na carne, ele foi vivificado no Espírito. E foi assim que ele foi à morada dos mortos pregar aos espíritos cativos da morte. Muitos deles eram os incrédulos do tempo de Noé. Deus aguardava-os enquanto Noé construía a Arca, mas só um pequeno grupo, oito apenas, entraram na Arca e se salvaram (1 Ped 3, 18-19).

4- Unidos à Ressurreição de Cristo

Eis o que diz o evangelho de São Mateus: “E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou. Então o véu do templo rasgou-se em dois de alto a baixo. A terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos que tinham morrido, ressuscitaram. Saindo dos túmulos, entraram na cidade santa e apareceram a muitos após a ressurreição de Jesus”. (Mt 27,50-53)

Para o pensamento bíblico, portanto, a ressurreição da carne não significa restauração biológica, sim comunicação orgânica do Espírito Santo. Ao ressuscitar, Jesus difundiu para a humanidade a Águas Viva, isto é, o Espírito Santo que faz emergir em nós regatos devida Eterna (Jo 7, 37-39). Os que bebem desta Água Viva, disse Jesus à Samaritana, nunca mais terão sede (Jo 4, 14). O evangelho de São João diz que no momento da morte e ressurreição de Jesus um dos soldados abriu o coração de Jesus do qual saiu sangue e Água, os dois grandes símbolos do Espírito Santo (Jo 19, 33-35).

A carta aos Romanos diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). O Coração é a morado do Espírito Santo, diz a Primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 3, 16). Com a simbologia da Água e do sangue a sair do coração de Jesus, São João quer dizer que nesse momento chegou a Hora de Jesus, isto é, o início da ressurreição universal.

É esta a linguagem profunda do mistério da Eucaristia, sobretudo a comunhão da carne e do sangue de Cristo. Comer a carne de Cristo não é um acto antropofágico, isto é, não se trata de comer carne humana. Do mesmo modo, ao beber o sangue de Cristo. Os cristãos não estão a realizar um acto próprio de vampiros. Trata-se da comunicação do Espírito Santo que inicia e fortalece em nós o processo da ressurreição. Eis o que o evangelho de São João diz a este propósito: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica morar em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, também quem come a minha carne e bebe o meu sangue viverá por mim” (Jo 6, 56-57).


5- A Ressurreição da Carne

No evangelho de São João, Jesus diz que a carne que ele nos dá a comer é a carne de um ressuscitado e não uma realidade de ordem biológica (Jo 6, 62-63). Na realidade, o homem carne, na cultura bíblica, é mais um conceito genealógico e espiritual do que biológico, embora o pensamento bíblico não fizesse esta dissociação. Firme era certeza de que o homem carne, após a morte, continua a subsistir, apesar de estar em estado de morte. De facto, o ser humano só vive na medida em que convive.

Com a morte, diz o Livro do Génesis, o corpo do ser humano volta ao pó do qual fora tirado: “Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra da qual foste tirado, pois tu és pó e ao pó voltarás” (Gn 3, 19). Reduzido a si, o ser humano não encontra a sua plenitude, pois a pessoa só se encontra e possui através das relações de fraternidade e comunhão. Privada do diálogo e do face a face amoroso, a pessoa está em estado de morte.

Aplicado aos seres humanos, o termo carne é a pessoa como interioridade que se estrutura em comunicação com os outros e só encontra plenamente em relações com os demais. Por outro lado, a plenitude das relações com Deus e os outros não pode acontecer sem a acção do Espírito Santo. A difusão do Espírito por toda a carne, significa precisamente a ressurreição universal da Humanidade em Cristo.

Foi assim que os actos dos apóstolos entenderam as palavras do profeta Joel: “Mas tudo isto é a realização do que disse o profeta Joel: “Nos Últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de profetizar. Os vossos jovens terão visões e os vossos anciãos terão sonhos (Act 2, 16-17). De facto, o homem carne é a pessoa estruturada em relações e talhada para a comunhão. Unir-se a Cristo ressuscitado, diz São Paulo, é fazer com ele um só Espírito: “Aquele que se une ao Senhor constitui com Ele um só Espírito” (1Cor 6, 17).

Ressuscitamos em Cristo na medida em que formamos com ele uma só carne, isto é, uma comunhão orgânica e interactiva. Fomos baptizados no mesmo Espírito, diz São Paulo, a fim de formarmos um só corpo com Cristo (1Cor 12, 13). É este o sentido da comunhão na Eucaristia, diz a Primeira Carta aos Coríntios: “Comemos do mesmo pão porque formamos um só corpo (1Cor 10, 17).


6- Adão e Jesus Cristo

São Paulo diz que todos fomos prejudicados por fazermos uma só união orgânica com Adão. Por ele nos veio a morte (Rm 5, 12). Do mesmo modo todos fomos beneficiados sendo vencedores da morte com Cristo, o Novo Adão (Rm 5, 17). O matrimónio é sacramento desta união de Cristo com a Humanidade. Eis o que diz a Carta aos Efésios: “Os maridos devem amar as mulheres como os seus próprios corpos. Aquele que ama a sua mulher ama-se a si mesmo. De facto, ninguém jamais aborreceu a sua própria carne. O homem deixará pai e mãe, ligar-se-á à sua mulher e passarão a ser uma só carne” (Ef 5, 28-31).

É nesta perspectiva que a bíblia vê a ressurreição da Carne. Trata-se, na verdade, de uma visão rica e profunda, além de realista. Os seres humanos começam por ser aquilo que os outros fizeram deles. Ninguém escolhe a sua raça, língua ou cultura. Ao habitar-se, isto é, ao tornar-se consciente, o ser humano já está habitado pelos outros. Dos outros recebemos os talentos, isto é, a matéria-prima para nos realizarmos. Mas só nos podemos realizar em relações com os outros.

O Novo Testamento não entende a ressurreição da carne como uma restauração biológica, mas como a incorporação na comunhão orgânica com Cristo, o Novo Adão. Isto quer dizer que a incorporação e glorificação dos seres humanos na Comunhão do Reino de Deus dá-se de modo orgânico. É esta a visão de São Paulo quando afirma: “O marido é a cabeça da mulher como Cristo é a cabeça da Igreja, Seu corpo, e da qual é o Salvador” (Ef 5, 23).

Na Carta aos Filipenses, São Paulo fala das razões que tinha para se gloriar na carne. Ao dizer isto, o Apóstolo não estava a pensar nas suas impressões digitais ou no seu ADN. Eis as suas palavras: “Também eu poderia confiar na carne. Se os outros o fazem, quanto mais eu poderia fazê-lo: Fui circuncidado ao oitavo dia. Sou da raça de Israel e da tribo de Benjamim. Na verdade, sou hebreu, filho de hebreus. Quanto à Lei, fui fariseu. No que se refere ao zelo, persegui a Igreja de Deus. No que se refere à justiça da Lei vivi de modo irrepreensível” (Flp 3, 4-6).

Um dia, diz o evangelho de São Mateus, Jesus chamou Satanás a São Pedro, pois este só entendia as coisas segundo os critérios da carne, isto é, do judaísmo e não segundo os critérios de Deus (Mt 16, 23). Também aqui Jesus não se estava a referir à biologia mas à visão estreita do judaísmo. Pelo contrário, ao abençoar a fé de São Pedro, Jesus diz-lhe que não foi a carne nem o sangue quem lhe revelou a verdade de Cristo e do Evangelho, mas sim o Pai que está nos céus (Mt 16, 16-17). É nesta perspectiva que os Apóstolos afirmavam a sua fé na “Ressurreição da Carne”.


7- Densidade Espiritual da Ressurreição

Na Primeira Carta aos Coríntios, São Paulo afirma a dimensão espiritual da ressurreição de maneira muito bonita. Os coríntios, como eram pagãos, estavam a deturpar a verdade da ressurreição da carne, pois imaginavam-na em termos de reanimação de cadáveres. Então São Paulo corrige essa visão grosseira, dizendo-lhes que se trata de uma realidade espiritual: “Semeia-se na corrupção e ressuscita-se na incorrupção. Semeia-se na ignomínia e ressuscita-se na glória. Semeia-se na fraqueza e ressuscita-se na força. Semeia-se corpo natural e ressuscita-se corpo espiritual. O que digo, irmãos, é que a carne e o sangue (a biologia) não podem tomar parte no Reino de Deus, nem a corrupção pode herdar a incorrupção” (1Cor 15, 42-50).

Nesta mesma linha vai a afirmação de São João ao afirmar que comer a carne de Cristo ressuscitado é ser animado pelo Espírito Santo que ele nos comunica (Jo 6, 62-63). A alegoria da videira exprime muito bem esta nossa união orgânica a Cristo: os que comem a carne e sangue de Jesus são os ramos alimentados pela seiva que vem da cepa e os torna fecundos (Jo 15, 4-5). A nossa união orgânica a Cristo ressuscitado culmina na comunhão familiar com as pessoas da Santíssima Trindade, diz Jesus: “Que todos sejam apenas um como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti. Que também eles sejam um em nós” (Jo17, 21).

Vendo as coisas à luz do pensamento bíblico, é mais bonito e pleno falar da ressurreição da carne do que da ressurreição dos corpos. Para evitar confusões junto dos pagãos helenistas, São Paulo começou a utilizar o termo ressurreição dos corpos. Mas depois teve de explicar que se trata, não do corpo biológico, mas de um corpo espiritual: “Semeado corpo terreno, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo terreno também há corpo espiritual” (cf. 1 Cor 15, 44).

A Boa Nova da ressurreição da carne leva consigo o pressuposto de que nós ressuscitamos porque fazemos um todo orgânico com Cristo ressuscitado. Eis o que São Paulo diz na Primeira Carta aos Coríntios: “Se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de entre vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição para os mortos, então também Cristo não ressuscitou. Ora, se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé. Sendo assim, nós somos falsas testemunhas de Deus, pois dizemos que ele ressuscitou a Cristo, quando na verdade não o ressuscitou, se os mortos não ressuscitam” (1 Cor 15, 12-16).

Como teólogo judeu, São Paulo está a argumentar tendo presente o pensamento bíblico: Cristo é a Cabeça da Nova Humanidade, como Adão era a cabeça da decaída pelo pecado. Não é possível a cabeça ressuscitar e o corpo ficar sem participar na mesma ressurreição. Isto quer dizer que a ressurreição, tal como a salvação, não é um acontecimento para indivíduos isolados.

É precisamente esta argumentação de São Paulo uma pouco mais à frente: “Na verdade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram, pois assim como por um homem veio a morte, por um só homem veio a ressurreição dos mortos. E assim como todos morrem em Adão, assim todos ressuscitam em Cristo” (1 Cor 15, 20-23).

Depois conclui: “Eis o que dizem as Escrituras: “O primeiro homem, Adão, foi feito um ser vivente e o último Adão, um espírito vivificante. Mas o primeiro Adão não foi o espiritual, mas o terreno. O espiritual vem depois. O primeiro homem tirado do barro é terreno. O segundo vem do Céu. Tal como era o terreno, assim são os terrenos. Tal como é o celeste, assim são também os celestes” (1 Cor 15, 45-48).

Na verdade, começamos por ser um dado puramente biológico, isto é, um ovo. A partir deste ovo inicia-se um processo de estruturação orgânica que atinge a complexidade própria do ser humano. Ao atingir a complexidade própria de homem, a vida dá um salto de qualidade atingindo o limiar da vida pessoal-espiritual, a qual atinge a sua plenitude em Cristo ressuscitado.


b) Imortalidade ou Ressurreição?

1- Cristo e a Ressurreição Universal

Se Cristo Ressuscitou, então a morte não tem a última palavra. É este o núcleo de uma Boa Nova que confere um sentido totalmente novo à vida. Depois de Jesus Cristo, qualquer anúncio da fé que não tenha a ressurreição como horizonte não é um anúncio de Evangelho. A ressurreição de Cristo é Boa Notícia, não apenas por ser algo que diz respeito a Jesus Cristo, mas sobretudo por se tratar de algo que também nos diz respeito.

Na verdade, a ressurreição de Cristo é a garantia da ressurreição de todos os seres humanos, pois Jesus, por ser um homem perfeito, faz uma união orgânica com todos os seres humanos. Eis o que diz a Primeira Carta aos Coríntios: “Se nós pregamos que Jesus ressuscitou dos mortos, como é que alguns de entre vós dizem que os mortos não ressuscitam. De facto, se não há ressurreição dos mortos, então também Cristo não ressuscitou” (1 Cor 15, 12-13).

Mais à frente acrescenta: “Se Cristo não ressuscitou a vossa fé não tem qualquer fundamento e vós ainda permaneceis nos vossos pecados (…). Mas não é assim! Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Assim como por um só homem (Adão) veio a morte, também por um só homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como todos morrem em Adão, assim todos ressuscitam em Cristo” (1 Cor 15, 17-22). São Paulo diz todos nós fazemos um só corpo com o Senhor ressuscitado (1 Cor 10, 17; 12, 27; 12, 13). É esta a garantia da nossa ressurreição.

O Evangelho de São João compara Jesus Cristo com a Árvore da Vida cujo fruto dá a vida eterna a todos os que o comem. Segundo o Livro do Génesis, no centro do paraíso primordial estava a Árvore da Vida. Com esta imagem, o Génesis queria dizer que Deus não nos criou para a morte mas para a Vida Eterna. Mas para isso, o Homem devia comer o fruto da Árvore da Vida Eterna. Isto quer dizer que a pessoa humana está chamada a colaborar na construção da sua Vida Eterna.


2- Jesus e a Vida Eterna

O Livro do Génesis diz que após o pecado de Adão, Deus expulsou-o do paraíso. Deste modo, Adão ficou sob o domínio da morte, pois ficou sem acesso à Árvore da Vida (Gn 3, 22-24). O Novo Testamento apresenta-nos Jesus como o Redentor que veio corrigir as distorções provocadas por Adão. Jesus ressuscitado é o Novo Adão, diz São Paulo (Rm 5, 17).

O evangelho de São João associa a missão de Cristo com a Vida eterna. Jesus tem dá-nos o fruto da Vida Eterna graças ao qual nós viveremos para sempre. O Novo Testamento não confunde Vida Eterna com simples imortalidade. Jesus dá-nos o fruto da Vida Eterna, a qual não é uma simples imortalidade. A Vida Eterna implica ressuscitar com Cristo. Eis as palavras de Jesus no evangelho de São João: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu hei-de ressuscitá-lo no último dia (Jo 6, 54).

O fruto da Vida Eterna que Jesus nos dá é o Espírito Santo. No nosso íntimo, o Espírito Santo é como uma nascente de Água Viva que alimenta e fortalece em nós a Vida Eterna (Jo 7, 37-39). Ao romper a aliança com Deus, Adão fechou-nos as portas do paraíso (Gn 3, 22-24). Jesus Cristo é o Novo Adão fiel à vontade de Deus, aquele que tornou possível a realização da Nova e Eterna Aliança.

3- Da Imortalidade à Ressurreição

Graças à sua fidelidade incondicional, Jesus abre-nos as portas do paraíso, como ele disse ao Bom Ladrão no momento da sua morte e ressurreição: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43) No momento da sua ressurreição, Jesus oferece à Humanidade o fruto da Vida Eterna, isto é, o Espírito Santo. Por outras palavras, Jesus é a Árvore da Vida que nos oferece o fruto da Vida Eterna que implica a ressurreição e não a simples imortalidade. É verdade que os seres humanos, por serem pessoas, têm uma interioridade espiritual e por isso imortal. Mas a simples imortalidade é uma garantia de subsistência após a morte, mas não de uma Vida Eterna, a qual implica tomar parte na comunhão universal da Família de Deus. As pessoas que, porventura estejam em estado de inferno são imortais, mas não possuem a alegria e a plenitude da Vida Eterna.

Jesus enviou os Apóstolos a pregar a ressurreição, não a vida eterna. O conceito de imortalidade é muito anterior a Jesus Cristo e não tem origem no pensamento bíblico. O núcleo do Evangelho é a Vida Eterna, a qual implica a assunção e incorporação da pessoa humana na comunhão com a Santíssima Trindade. É verdade que o acontecimento da ressurreição dos seres humanos assenta no facto de estes serem imortais. Mas a simples imortalidade não é suficiente para podermos participar na festa dos ressuscitados com Cristo.


4- Espírito Santo e a Dinâmica da Ressurreição

Por ter a plenitude do Espírito Santo, Jesus venceu a morte no próprio acto de morrer. Jesus não esteve um só momento sob o domínio da morte, pois no próprio acto de morrer sobre a cruz a morte foi vencida. Na medida em que ia morrendo aquilo que havia de mortal no homem Jesus, o Espírito Santo ia glorificando e incorporando na comunhão Divina, o que nele havia de imortal.

Isto quer dizer que Jesus não ficou um só segundo sob o domínio da morte. A morte foi tragada pela vitória da ressurreição. De tal modo o acto de morrer e a dinâmica ressuscitadora actuavam em simultâneo que Jesus, no momento em que acabou de morrer, já estava totalmente ressuscitado. Isto quer dizer que os seres humanos, após a sua morte, não ficam reduzidos a uma simples alma imortal. Pelo contrário, são assumidos na comunhão universal como pessoas com uma identidade histórica.

5- A Identidade Histórica dos Ressuscitados

A identidade histórica dos ressuscitados consiste no seu modo e capacidade de interagir amorosamente com Deus e os outros. O evangelho de São Mateus diz que no momento Jesus morrer e ressuscitar muitos santos ressuscitam e começam a aparecer (Mt 27, 52-53). Ressuscitar com Cristo é participar da dinâmica ressuscitadora que emana dele e nos torna participantes da sua vitória sobre a morte. O evangelho de João exprime isto de maneira muito bonita ao falar da Eucaristia (Jo 6, 51).

A fé cristã leva consigo a certeza jubilosa de que a nossa meta não é o vazio da morte, pois esta foi vencida por Cristo ressuscitado. Não basta o facto de a pessoa humana ser imortal para atingir a plenitude da Vida Eterna. Esta atinge-se mediante a ressurreição com Cristo. A salvação e a Vida Eterna é um dom de Deus para todos os seres humanos, seja qual for a sua raça, língua, nacionalidade ou religião. No entanto, Ninguém atinge a plenitude da Vida Eterna fora de Cristo ressuscitado.

Para participar nessa plenitude basta ter a veste nupcial, isto é, um coração capaz de comungar com Deus e os irmãos. Todas as pessoas que tenham um coração capaz de comungar ressuscitam com Cristo e são assumidas na plenitude da Vida Eterna. Por outras palavras, a ressurreição de Cristo proporciona-nos a Vida Eterna, não a imortalidade, pois esta é um dado inerente ao facto de sermos pessoas, isto é, seres com vida espiritual. Do mesmo modo, a imortalidade, só por si, não é suficiente para participarmos na plenitude da ressurreição com Cristo.

Só na medida em que fazemos um todo orgânico com Jesus Cristo somos ressuscitados e divinizados mediante a incorporação na comunhão da Família Divina. Isto quer dizer que a dinâmica da Vida Eterna é constituída por relações de comunhão amorosa. A ideia pagã da imortalidade da alma não tem qualquer fundamento bíblico. De facto, a teoria da imortalidade da alma é um produto sobretudo da filosofia grega.

Jesus Cristo é o salvador de pessoas, não de almas. A Divindade é constituída por três pessoas, não por três almas. Do mesmo modo, a Humanidade é constituída por uma multidão incontável de pessoas, não de almas. As pessoas humanas estão chamadas a ser divinas, pois são pessoas capacitadas para comungar com as pessoas divinas.


c) A Experiência Pascal de São Paulo

1- São Paulo e a Ressurreição de Cristo

A Conversão de São Paulo é a maior prova da ressurreição de Cristo. Sem a sua experiência pascal a difusão do Evangelho no século primeiro seria outra coisa totalmente diferente. A figura de São Paulo é o centro do Livro dos Actos dos Apóstolos. Tal é a importância que São Lucas atribui à conversão de São Paulo que a relata duas vezes nos Actos dos Apóstolos: “Quando ia a caminho de Damasco, Saulo viu-se subitamente envolvido por uma luz intensa vinda do Céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Ele perguntou: “Quem és tu, Senhor?” A voz do Céu respondeu: “Eu sou Jesus a quem tu persegues. Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens que fazer” (Act 9, 3-6).

O fariseu agarrado à letra da Lei, aos preceitos, às normas, vê-se de uma momento para o outro liberto de todas estas amarras. A experiência pascal de São Paulo foi de tal modo profunda que alterou radicalmente o sentido da sua vida. Eis o que ele escreve na Carta aos Gálatas: “Na verdade, eu morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo. De facto, já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (…). Se a justiça viesse pelas normas e preceitos da Lei, a morte de Cristo teria sido inútil” (Gal 2, 19-21).

Na Carta aos Romanos, São Paulo insiste em que devemos entregar-nos a Deus como ressuscitados com Cristo, pois é dele e não da Lei que nós recebemos a graça da Salvação: “Entregai-vos a Deus como homens novos e vivos. Utilizai as armas da justiça ao serviço de Deus. O pecado não tem mais domínio sobre vós uma vez que não estais sob a Lei, mas sob a graça” (Rm 6, 13-14).


2- São Paulo e o Senhor Ressuscitado

São Paulo não foi discípulo do Jesus histórico. Por isso não o conheceu. Eis a razão pela qual ele só fala do Senhor ressuscitado. Como não tinha sido discípulo de Jesus, São Paulo não teve parte nas primeiras aparições de Jesus ressuscitado. Neste ponto ele limita-se a repetir o que os Apóstolos lhe comunicaram, como ele mesmo explica na Primeira Carta aos Coríntios: “Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: “Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras. Foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez. A maior parte destes irmãos ainda vive, embora alguns já tenham morrido. Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos (missionários itinerantes).
Em último lugar apareceu-me também a mim como a um aborto. De facto, eu sou o menor dos Apóstolos, nem sequer mereço ser chamado Apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou o que sou. Com efeito, a graça que me foi concedida não foi estéril. Pelo contrário, tenho trabalhado mais que todos eles. Não eu, mas a graça de Deus que está comigo. É isto o que temos pregado, tanto eu como eles. E foi assim também que vós acreditastes!” (1 Cor 15, 3- 11).

Jesus de Nazaré é o Messias. Ele é o Filho de David anunciado pelos profetas. Foi ungido pelo Espírito Santo e entronizado no Céu no momento da sua ressurreição. Eis as palavras com que São Paulo inicia a sua Carta aos Romanos: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado a ser Apóstolo, escolhido para anunciar o Evangelho que Deus antecipadamente prometera por meio dos profetas e das Santas Escrituras, acerca do seu Filho, Jesus Cristo. Nascido da descendência de David segundo a carne, ele foi constituído Filho de Deus em todo o poder pelo Espírito Santo e através da sua ressurreição de entre os mortos, Jesus Cristo, Senhor Nosso” (Rm 1, 1- 4).

3- Ressurreição e Unção Messiânica de Jesus

Como não conheceu o Jesus histórico o seu anúncio do Evangelho parte da ressurreição e não do baptismo de Jesus. Os outros Apóstolos, pelo contrário, começam por fundamentar a autenticidade messiânica de Jesus nos milagres que ele realizou durante a sua vida pública. Por outras palavras os discípulos que viveram com o Jesus histórico tinham tido a experiência do seu modo de actuar e a multidão de milagres e sinais que confirmavam a sua autenticidade messiânica.

Os Apóstolos fundamentavam a vida messiânica do Jesus terreno recorrendo ao seu baptismo (Lc 3, 21-22¸c 1, 9-11; Mt 3, 13-17). O Livro dos Actos dos Apóstolos diz que Jesus passou toda a vida a fazer o bem em virtude de ter sido ungido com o Espírito Santo no momento do seu baptismo: “Sabeis o que ocorreu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo que João pregou. Como Deus ungiu com o Espírito Santo e com poder a Jesus de Nazaré, o qual andou de lugar em lugar fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo maligno, pois Deus estava com ele. E nós somos testemunhas do que ele fez no país dos judeus e em Jerusalém. Mataram-no, mas Deus ressuscitou-o ao terceiro dia e permitiu-lhe manifestar-se, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com ele, depois da sua ressurreição de entre os mortos. Foi ele que nos mandou pregar ao povo e confirmar que ele é o Messias constituído por Deus como juiz dos vivos e dos mortos” (Act 10, 37-42).


4- A Salvação em Cristo Ressuscitado

Como não observou os milagres operados pelo Jesus histórico, São Paulo fixa-se apenas nas maravilhas operadas pelo Senhor ressuscitado. A ressurreição de Jesus Cristo é o centro da pregação de São Paulo. Os outros Apóstolos fundamentam a autenticidade messiânica de Jesus, não apenas na ressurreição, como também nos milagres do Jesus histórico, os quais são também uma confirmação da autenticidade messiânica de Jesus. O Deus que o confirmou com tantos prodígios e sinais, é o mesmo Deus que o ressuscitou e glorificou como Messias.

São Paulo, pelo contrário, fixa-se sobretudo no Senhor ressuscitado e nas maravilhas que ele agora realiza com a força do Espírito Santo. Eis algumas passagens significativas de São Paulo: “Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10, 9).

O simbolismo da água do baptismo, apesar de ser um rito de purificação muito usado entre os judeus, agora é interpretado por São Paulo à luz da morte e ressurreição de Jesus: “Pelo baptismo fomos sepultados com Cristo na morte, a fim de que, assim como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos para glória do Pai, assim também nós possamos caminhar numa vida nova. De facto, se estamos incorporados em Cristo por uma morte idêntica à sua, também o estaremos pela sua ressurreição. O homem velho que havia em nós foi crucificado com Cristo, a fim de ser destruído o corpo do pecado. Deste modo, já não somos escravos do pecado (…). Se morremos com Cristo, acreditamos que também com ele viveremos. Sabemos que Cristo, ressuscitado de entre os mortos, já não morre mais. Na verdade, a morte não tem mais domínio sobre ele (…). Do mesmo modo, considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (Rm 6, 4-11).

Graças à ressurreição de Cristo também nós seremos ressuscitados, proclama São Paulo, pois fazemos uma união orgânica com ele: “E Deus que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há-de ressuscitar a nós pelo seu poder. Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?” (1Cor 6, 14-15).


5- Ressurreição e a Mudança de São Paulo

A mudança de atitude dos Apóstolos após a experiência pascal é o grande sinal confirmativo da Ressurreição de Jesus. A Força transformadora de Cristo Ressuscitado faz-se sentir não apenas ao nível espiritual, mas também nos efeitos sociais e históricos que provoca através acção dos Apóstolos: Formação de comunidades cristãs, o anúncio do Evangelho e um novo estilo de vida, sobretudo as relações fraternas e a partilha dos bens. Por outras palavras, o dinamismo recriador do Senhor ressuscitado transforma, não apenas o coração e a mente de São Paulo, mas através e de todos os apóstolos iniciou uma dinâmica nova na marcha histórica da Humanização.

O regresso dos discípulos que na Quinta-feira Santa fugiram, deixando o Senhor sozinho, reaparecem três dias depois a gritar nas praças públicas que Jesus é o Messias anunciado pelos profetas. Mas o sinal mais espantoso foi a mudança operada no teólogo judeu, Saulo de Tarso, o qual veio dar o grande Apóstolo São Paulo. O inimigo acérrimo dos cristãos que perseguia uns e matava outros, agora torna-se o grande pregador do Senhor ressuscitado. O excelente teólogo judeu, foi capaz de ultrapassar o seu rigorismo teológico fundamentado nos escritos da Lei e dos profetas, tornando-se o maior teólogo cristão do primeiro século da nossa era.

A ressurreição de Cristo torna-se o centro da sua nova teologia e o acontecimento que lhe dá força para ir pelos quatro cantos do Império anunciar Jesus Cristo Ressuscitado. A aparição do Senhor ressuscitado foi de tal modo marcante para São Paulo que este se dispôs a dar o melhor de si, incluindo a própria vida, para anunciar o Evangelho da ressurreição. Os seus escritos são o testemunho inequívoco de que o mistério de Cristo ressuscitado era o centro da sua fé e a fonte da energia que o movia a anunciar sem descanso a Boa Nova da Ressurreição.

Eis o que ele diz na Primeira Carta aos Coríntios: “Se Cristo não ressuscitou a nossa pregação é inútil e falsa, como inútil e sem fundamento é a vossa Fé” (1 Cor 15, 14). Se Cristo não ressuscitou a pregação dos evangelizadores não passa de palavreado oco e sem valor. Na verdade, se Jesus não tivesse ressuscitado a pregação do Evangelho seria uma fraude ignominiosa. Por outras palavras, a experiência pascal de São Paulo capacitou-o para anunciar a Boa Nova da salvação humana em Jesus Cristo.

Como judeu que era, são Paulo esperava a vinda do Messias. Mas as suas ideias sobre o Messias não coincidiam nada com um Jesus simples, pobres e ainda por cima morto pela mão dos pagãos. As aparições do ressuscitado, afinal, acabaram por confirmar a sua esperança messiânica. Deus não nos defraudou, argumentará ele mais tarde. Jesus é o filho de David segundo a carne, constituído Filho de Deus pelo Espírito Santo no momento da sua ressurreição (Rm 8, 14-16). Podemos dizer que a experiência pascal de São Paulo operou uma viragem total na sua vida, dispondo-se a dar tudo a Cristo e a perder a própria vida.


d) Espírito Santo e a Vida Eterna

1- Espírito Santo e Nascimento Pessoal

Chamamos-lhe a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Ao nomear as pessoas da Santíssima Trindade damos-lhe o nome de Espírito Santo. A fé cristã diz que O Espírito Santo é Deus com o Pai e o Filho. São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações. Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo gera a vida nova no íntimo dos seres humanos. O evangelho de São João, para exprimir o dinamismo salvador do Espírito Santo no coração das pessoas, diz que ele é semelhante a uma Água Viva que faz brotar no nosso íntimo uma nascente de Vida Eterna (Jo 7, 37-39; 4, 14).

Na Carta aos Romanos, São Paulo diz que ele é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Depois acrescenta que é o Espírito Santo que no introduz na Família de Deus como filhos em relação a Deus Pai e como irmãos em relação ao Filho de Deus (Rm 8, 14-15). Com seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo veio sobre Maria, capacitando-a para amar com qualidade divina o seu Filho que é também o Filho de Deus (cf. Lc 1, 33-35). São Paulo diz que uma pessoa animada pelo Espírito Santo é incapaz de negar Jesus Cristo. Do mesmo modo, ninguém é capaz de reconhecer Jesus como o Salvador ressuscitado a não ser pelo mesmo Espírito Santo (1 Cor 12, 3).

2- Espírito Santo e Fecundidade Espiritual

Os evangelhos reconhecem que a força e a vitalidade espiritual de Jesus Cristo deve-se ao facto de ele estar cheio do Espírito Santo (Lc 4, 1-2; Mt 4,1). Como tinha a plenitude do Espírito, Jesus iniciou na História Humana a dinâmica recriadora do baptismo no Espírito (Mc 1, 8; Lc 3, 16). Para fazer parte da comunhão dos ressuscitados com Cristo, o ser humano tem de nascer de novo pela força geradora do Espírito Santo.

Foi o Espírito Santo que consagrou Jesus para anunciar a Boa Nova aos pobres, dar vista aos cegos, fazer caminhar os coxos e iniciar os tempos da Graça que diviniza as pessoas humanas (Lc 4, 18-21). Eis a razão pela qual Jesus, ao dar-se conta da acção salvadora de Deus a actuar nas pessoas exultava de alegria no Espírito Santo (Lc 10, 21).

Após a sua ressurreição, Jesus consagra os discípulos com a força do Espírito Santo, capacitando-os para a grande missão de evangelizar o mundo (Lc 24, 49). No evangelho de São João, Jesus diz que temos de nascer de novo pela acção do Espírito Santo, a fim de tomarmos parte na plenitude do Reino de Deus (Jo 3, 6). De tal maneira a sua missão é central na obra da salvação que todo o pecado tem perdão excepto o pecado contra o Espírito Santo (Mt 12, 31-32, Mc 3, 29; Lc 12, 10-12). Pecar contra o Espírito Santo é negar a verdade evidente, atribuindo o bem às forças do mal. Isto significa opor-se ao Espírito Santo, pois é ele que nos conduz à Verdade, como diz o evangelho de São João (Jo 14, 26).

O Livro dos Actos dos Apóstolos diz que as pessoas que se deixam conduzir pelo Espírito Santo são capacitadas para dar testemunho do amor de Deus, anunciando as suas maravilhas em favor da Humanidade (Act 4, 31). Os primeiros cristãos, diz o Livro dos Actos dos Apóstolos, viviam repletos da consolação do Espírito Santo (Act 9, 31).


3- O Espírito Santo Como Força da Salvação

São Paulo diz que a sua pregação era eficaz, não por ser fruto do saber humano, mas porque o Espírito Santo actuava nele (1 Cor 2, 4). A presença do Espírito Santo no nosso íntimo é a garantia de que estamos marcados para a Salvação. Eis o que diz a Carta aos Efésios: “Não contristeis o Espírito Santo com o qual fostes selados para o dia da Salvação (Ef 4, 30). O Espírito Santo está no centro de todo o processo evangelizador. Isto quer dizer que só é eficaz a evangelização que é feita em sintonia com o Espírito Santo.

O Livro do Génesis diz que no centro do Paraíso estava plantada a árvore do fruto proibido. Comê-lo era cair nas garras da morte. Mas ao lado desta árvore de morte, estava a Árvore da Vida cujo fruto concedia a Vida Eterna a todos os que o comessem (Gn 3, 22-23). O Novo Testamento reconhece que a Árvore da Vida é Cristo ressuscitado cujo fruto é o Espírito Santo (Jo 6, 62-63). Segundo o evangelho de São Lucas, Jesus garantiu ao Bom Ladrão que no momento da sua ressurreição, o Paraíso, fechado a Adão, será aberto de novo (Lc 23, 43).

Como vimos mais acima, o Espírito Santo é a Água Viva que Cristo, ao ressuscitar, dá a todos, comunicando-lhes a Vida Eterna (Jo 7, 37-39). Por isso, no momento da morte e ressurreição de Jesus, saiu água e sangue do coração de Jesus (Jo 19, 34). Dois símbolos fundamentais para falar do Espírito Santo: A Água é a Água Viva que faz brotar uma nascente de Vida Eterna no nosso coração, como Jesus disse à Samaritana (Jo 4, 14).

O Espírito Santo é também o Sangue da Nova Aliança que nos comunica a própria vida de Cristo ressuscitado, ressuscitando-nos com ele (Jo 6, 54-56). Por outras palavras, o Espírito Santo é o Sangue de Cristo ressuscitado, a circular em nós de modo a fazer emergir em nós a vida divina. São Paulo diz que ele é a força ressuscitadora de Cristo a actuar no nosso íntimo (Rm 8,11).

A Segunda Carta aos Coríntios diz que o alicerce da Nova Aliança é o Espírito Santo e não as normas, preceitos ou leis criadas pelos homens. A eficácia da evangelização, diz São Paulo, assenta na força do Espírito Santo e não na letra das normas e leis judaicas. Na verdade, acrescenta ele, a letra mata. Mas o Espírito vivifica (2 Cor 3, 6). Com seu jeito maternal de amar ele é a semente da Vida Eterna no mais íntimo de cada um de nós, diz a Primeira Carta de São João (1 Jo 3, 9).

4- Espírito Santo e a Plenitude dos Tempos

Através de Cristo ressuscitado, a Humanidade começa a interagir com o Espírito Santo de modo orgânico. Isto quer dizer que o Espírito Santo se tornou uma presença intrínseca ao nosso ser, tal como a seiva da videira é uma presença intrínseca à cepa da videira e aos ramos (Jo 15, 1-8). O Espírito Santo é a dinâmica da plenitude dos tempos, isto é, da fase dos acabamentos. A plenitude dos tempos é a fase da divinização do Homem mediante a sua incorporação na família divina. São Paulo diz que todos os que se deixam conduzir pelo Espírito Santo são filhos de Deus Pai e irmãos do Filho de Deus.

O Espírito Santo é o sangue do Corpo glorioso de Cristo que leva a Vida Eterna aos membros do mesmo corpo (1 Cor 12,13). É o Espírito Santo que vai restaurando em nós o Homem Novo, corrigindo as distorções operadas no projecto humano pelo pecado de Adão. Isto acontece porque estamos unidos de modo orgânico a Jesus Cristo, o Novo Adão (Rm 5, 17-19). A Segunda Carta aos Coríntios descreve a acção recriadora do Espírito Santo em nós com as seguintes palavras: Mesmo que o nosso ser exterior se vá degradando e envelhecendo com a idade, o nosso ser interior vai-se robustecendo cada dia mais, graças à acção do Espírito Santo (2 Cor 4, 16).

A sua presença situa-se na interioridade máxima de cada pessoa humana. Podemos dizer que o Espírito Santo elegeu o nosso coração como ponto de encontro do Humano com o Divino, pois é aí que ele habita como num templo (1 Cor 6, 19). O Livro dos Actos dos Apóstolos diz que é o Espírito Santo quem ilumina os corações dos não cristãos, capacitando-os para acolher a Palavra de Deus quando esta lhes é proclamada (Act 10, 44-45).

É o Espírito Santo quem nos ensina a discernir as coisas de Deus, capacitando-nos para separarmos, no nosso coração, a luz das trevas. Com a sua ternura maternal ele estimula e convida os seres humanos a realizarem-se como pessoas livres, conscientes, responsáveis e capazes de comunhão amorosa.

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