Sentido Cristão do Baptismo




a) O Baptismo de João

b) Sentido Cristão do Baptismo
1- O Baptismo no Novo Testamento
2- Baptismo e Filiação Divina
3- Baptismo e Novo Nascimento


a) O Baptismo de João

São Lucas diz que João Baptista pertencia a uma família sacerdotal (cf. Lc 1, 5-7). Foi consagrado a Deus pelos pais, desde pequeno. A sua consagração realizou-se segundo as normas do nazirato, pois não bebia vinho nem bebidas fermentadas (cf. Lc 1, 15; Mt. 3, 4-5). Esta era uma das condições impostas aos que viviam a consagração do nazirato, como podemos verificar em alguns textos do Antigo Testamento que nos falam do nazirato (cf. Ez 44, 28-29; Is 24, 7-9).

João foi levado pelos pais ao mosteiro de Qumran, a fim de ser formado na teologia dos monges essénios, a qual tinha uma visão apocalíptica associada à vinda do Messias. Os essénios defendiam que, quando o Messias chegasse, Deus realizaria a purificação escatológica a que os profetas se referiam ao falar do “Dia da ira” ao qual apenas “um pequeno resto fiel” escaparia.

Nesse dia todos os pecadores seriam destruídos, através de cataclismos terrificantes. Só escaparia o “Resto fiel”, a fim de formar o Reino Messiânico que imporia a justiça e a paz ao mundo. Segundo a escola essénica, o Messias sairia de entre os monges de Qumran. Seria um superior do mosteiro designado por Mestre (Rabi) da justiça. O resto fiel seria constituído pelos monges do mosteiro e mais alguns fiéis a eles ligados.

João começou a ser formado nesta visão restritiva e trágica sobre o Reino de Deus. Pouco a pouco, João Baptista foi-se apercebendo que, na visão dos profetas, o resto não está em função de si, mas para servir os que viriam a formar o Reino de Deus (Is 30, 17). O clã de Noé, tal como o clã de Abraão e o de Moisés, também foi um resto fiel que serviu de mediação a Deus para a restauração da Aliança de Deus (Gen 9, 8-11; Gen 16, 6-8). O resto é a semente do Reino no qual terão lugar os justos (Is 4, 2-6; 28, 5-6; 37, 31-32; Jer 50, 20; Zac 8, 6-13; Miq 7, 14-16). O profeta Isaías fazia apelo a um mensageiro, convidando-o a preparar a chegada do Messias, conduzindo de entre o povo um resto de homens fiéis. Esta preparação devia ser feita no deserto (Is 40, 3).

Ao meditar nesta passagem, João sentiu que Deus o chamava a preparar no deserto a chegada do Messias. É então que resolve abandonar o mosteiro, indo para as margens do Jordão a pregar um baptismo de penitência. João começa a pregar a conversão mediante uma mudança de vida, pois ele sente-se enviado para preparar o resto fiel de que falava o profeta Isaías (Lc 1, 16; 3, 7-17).

Os evangelhos reconhecem que João recebeu a missão de conduzir o povo às portas do Reino de Deus (cf. Mt 3, 1-3; 11, 14). O baptismo de João é apenas um rito de lavagem cuja simbologia é a purificação do pecado para acolher o Messias e entrar no Reino de Deus. O Reino de Deus é edificado, não pelo rito penitencial do baptismo de João, mas pelo baptismo no Espírito (Lc 3, 16; Jo 1, 24). Com a chegada do Messias, a missão de João fica cumprida (Mt 11, 2-10).

Todos os escritos do Novo Testamento coincidem todas na importância fundamental de João em relação à preparação do povo para acolher o Messias. O baptismo de João, segundo o Novo Testamento, é como que a síntese da caminhada do Antigo Testamento: “A Lei e os profetas subsistiram até João. A partir de então, é anunciado o Reino de Deus” (Lc 16, 16).

O sentido penitencial do baptismo de João inscreve-se na prática dos banhos rituais muito em uso no judaísmo. A originalidade do baptismo de João em relação aos ritos de lavagem do judaísmo radica no facto de não estar associado à pureza ritual para participar no culto. Por outras palavras, as pessoas que não realizassem os ritos de lavagem impostos pelo judaísmo, não estavam em condições de tomar parte no culto. O rito baptismal de João, pelo contrário, não apontava para o culto, mas para a disposição interior, isto é, para a necessidade de mudar o coração (Mc 1, 4; Lc 1, 3; Mt 3, 6).

Na perspectiva de João Baptista, esta mudança de coração era condição fundamental para participar no Reino de Deus e escapar ao dia da ira que chegaria com a vinda do Messias: “Vendo, porém, que muitos saduceus e fariseus vinham ao baptismo, João disse-lhes: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está para vir? Produzi frutos dignos de arrependimento. Não vos iludais, dizendo: temos Abraão como pai! Deus pode suscitar destas pedras filhos de Abraão. O machado já está posto à raiz da árvore. Toda a árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo” (Mt 3, 7-10).

A pregação de João foi a grande mediação para o Espírito Santo fazer entender a Jesus que estava achegar o momento de iniciar a missão messiânica que Deus lhe confiara. No entanto, Jesus sente-se teologicamente muito distante de João. João anunciava a chegada do Messias como o dia da ira. Jesus, pelo contrário, sentis que Deus não o enviava para destruir os pecadores, mas libertá-los mediante a mudança do seu coração. Jesus considerava-se o portador, não da ira, mas da misericórdia e da gratuidade de Deus (cf. Lc 4, 18-21; Mt 12, 15-21).

Jesus situava-se na linha dos textos proféticos que associavam a vinda do Messias com o dom do Espírito Santo (Is 11, 1-2; 42, 1-3; 61, 1-3). Segundo esses textos proféticos, o Messias virá com a força do Espírito Santo. Comunicará essa força recriadora às pessoas, fazendo renascer nelas um coração (Jl 3, 1-5; Is 32, 15-18; 44, 3-4). As tentações de Jesus significam exactamente a crise pela qual Jesus passou face à pregação trágica e aterradora de João Baptista (cf. Lc 4, 1-11).
Foi o profeta Isaías que trouxe luz às interrogações de Jesus (cf. 61, 1-3). Jesus faz deste texto o seu manifesto ao iniciar a sua vida pública (cf. Lc. 4, 18.21). Esta passagem responde às interrogações de Jesus, situando-o na tradição profética que associava a vinda do Messias ao dom do Espírito Santo, o qual iria fazer surgir um Nova Aliança (Ez 11, 19; 18, 31; 36, 26; 37, 1-44; Jer 31, 31).

A renovação operada pelo Espírito Santo será como que a Criação de uma Nova Humanidade (Is 66, 7-10). Os homens terão um nome novo (Zac 3, 1-10; Is 62, 2; 65, 15). São Paulo diz que Cristo Deus inaugura uma Nova Criação definitivamente reconciliada com Deus que já não toma em consideração os pecados dos homens (2 Cor 5, 17-19). Jesus tem consciência de que o essencial da sua missão é inserir o Homem na Família de Deus: “Rezai, pois, assim: Pai-nosso que estás nos céus” (Mt 6, 9; Lc 11, 2).


b) Sentido Cristão do Baptismo

1. O Baptismo no Novo Testamento

O Novo Testamento associa sempre o baptismo cristão com o baptismo no Espírito. No Novo Testamento não encontramos reflexões teológicas sobre a celebração do baptismo. No entanto, encontramos diversas referências à celebração baptismal, a fim de convidarem os crentes a viver o baptismo no Espírito Santo.

São Paulo concebe a vida cristã como uma dinâmica pascal de morte e ressurreição. Trata-se da morte ao homem velho e ressurreição do Homem Novo cuja cabeça é Cristo ressuscitado. Eis a razão pela qual, São Paulo diz que, pelo baptismo, participamos no mistério da morte e ressurreição de Cristo. São Paulo inspira-se na própria simbologia do baptismo de imersão e emersão (Rm 6, 1-9).

Pelo baptismo, os crentes são incorporados na comunidade, a qual forma o Corpo de Cristo. Os membros do mesmo corpo têm todos a mesma dignidade. Essa dignidade provém do princípio espiritual que anima o corpo: o Espírito Santo. As diferenças de raça, sexo ou classe social já não são abolidas na comunidade: “Todos os que fostes baptizados em Cristo ficastes revestidos de Cristo mediante a Fé. Por isso já não há judeu nem grego. Já não há escravo nem cidadão livre. Já não varão ou mulher, pois todos sois um só em Cristo” (Gal 3, 27-28).

Mediante o rito da circuncisão os meninos judeus eram incorporados no povo de Abraão. Na Carta aos Colossenses, São Paulo compara o baptismo a uma nova circuncisão. Pelo baptismo, o crente é incorporado no Novo Povo de Deus. O baptismo é o fundamento da sua missão de anunciador do Evangelho no mundo (Col 2, 12-15). Na carta aos Romanos, Paulo diz que a nova circuncisão não é operada pelo rito, mas pelo Espírito Santo: “Judeu é aquele que o é no seu interior. A verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o Espírito e não segundo a letra da Lei” (Rm 2, 29).

A celebração baptismal é interpretada pela Carta aos Efésios como o fundamento da unidade comunitária, pois somos membros de um mesmo corpo. A argumentação da carta é a seguinte: existe um só baptismo. Existe um só Espírito Santo e um único Deus. A comunidade, portanto, deve viver unida numa comunhão animada pelo Espírito Santo. É este o modo de os crentes viverem o baptismo do Espírito. O Baptismo no Espírito implica opções, decisões e escolhas, pois ser cristão é um jeito novo de vida. A vida cristã é uma vida teologal de Fé, Esperança e Amor ao jeito de Cristo, isto é, Amor Caridade.

São Paulo insiste que o rito da celebração litúrgica do baptismo, só por si não vale nada. Os judeus também tiveram o seu baptismo em Moisés. No entanto, a maior parte deles não agradou a Deus (1Cor 10, 1-5). A Carta a Tito diz que o baptismo é o banho do renascimento e renovação no Espírito Santo (Tit 3, 5). A celebração litúrgica do Baptismo é sacramento do baptismo no Espírito Santo que, segundo o evangelho de São João, opera no interior do Homem um renascimento e faz jorrar um manancial de vida eterna (cf. Jo 3, 6; Jo 7, 37-39).

A teologia tradicional fazia da celebração baptismal um acto mágico que opera automaticamente. Não é esta a visão do Novo Testamento. Os símbolos e ritos não são actos mágicos. Dizia-se, por exemplo, que o baptismo dava a fé. É evidente que isto não é verdade. Um adulto, por exemplo, não pode ser baptizado sem antes possuir a Fé. Paulo diz que Cristo não o enviou a baptizar, mas a pregar, pois a Fé, acrescenta ele, vem da pregação da Palavra de Deus (1Cor 1, 17).

Na verdade, não é a celebração litúrgica do baptismo que dá a fé. Esta emerge no coração do crente pela vivência do baptismo no Espírito. Com efeito, a Fé vem da Palavra que ecoa no coração do Homem pela acção do Espírito Santo. A partir do momento em que a palavra começa a ecoar no coração do Homem, está em marcha a dinâmica do baptismo no Espírito.

O baptismo no Espírito, portanto, pode preceder a celebração litúrgica do baptismo como dizem os Actos dos Apóstolos (Act 11, 15-18). De facto, no baptismo dos adultos o baptismo no Espírito começa antes da celebração litúrgica. No caso do baptismo da criança, a celebração baptismal precede o baptismo no Espírito.

Este terá início mais tarde, quando o Espírito começar a encontrar espaço para dizer a Palavra no coração dessa criança. A Fé cristã é uma Fé Teologal, não apenas uma fé religiosa. A Fé teologal brota da acção reveladora do Espírito Santo, que faz ecoar a Palavra de Deus no coração dos crentes (Rm 10, 8-18; Act 11, 15; 1Cor 1, 17).


2- Baptismo e Filiação Divina

O Novo Testamento diz que é pelo Espírito Santo que recebemos a filiação divina (Rm 8, 14; Ga 4, 4-6). O Espírito Santo é a ternura maternal de Deus. A experiência da filiação humana diz-nos que é pela mediação do amor maternal que um novo ser entra na família humana. Esta experiência humana é sacramento do mistério da incorporação da pessoa humana na Família de Deus.

Os cristãos sabem que a família humana é sacramento, isto é, explicitação e visibilidade da família divina. Por outras palavras, o Espírito Santo é o amor maternal de Deus através do qual somos incorporados na Família Divina. É pelo Espírito Santo que Deus Pai e Deus Filho nos acolhem como membros da sua Família. É este o sentido do mistério da Incarnação que, segundo a linguagem do Credo aconteceu pelo Espírito Santo.

Não nos esqueçamos de que a Incarnação é o enxerto do divino no humano, a fim deste ser divinizado mediante a incorporação na comunhão da Santíssima Trindade. Na verdade, é pelo Espírito Santo que nós encontramos o amor paternal de Deus Pai e o amor fraternal de Deus Filho. Eis o que significa a afirmação de São Paulo segundo a qual nós somos membros da Família Divina mediante o Espírito Santo.

Naturalmente que estas afirmações não têm qualquer conotação sexual. As pessoas divinas não são seres sexuados. Em Deus não há seres machos e seres fêmeas. Isto seria uma maneira grosseira de entender a realidade divina. Falar do amor maternal do Espírito Santo ou do amor paternal de Deus Pai são afirmações que se referem apenas ao jeito de amar de cada uma das pessoas divinas. Com o seu jeito maternal de amar, o Espírito Santo introduz-nos na comunhão com Deus Pai, o qual nos acolhe como filhos.

É também o Espírito Santo que nos conduz maternalmente à comunhão com Deus Filho, o qual nos acolhe com uma ternura de irmão. Ele era desde toda a eternidade o Filho Unigénito de Deus. Agora, ao acolher-nos como irmãos, torna-se o filho primogénito, isto é, o primeiro entre muitos irmãos (Rm 8, 29). A ternura maternal de Deus é uma condição fundamental para Deus ser perfeição plena.

A tradição cristã sempre afirmou que as perfeições da criação existem em grau de modo perfeito e infinito no Criador. Ora, se o amor maternal é uma perfeição, então tem de existir em grau de perfeição infinita no Criador. Esta perfeição concretiza-se no Espírito Santo, uma pessoa divina cujo coração é maternal. É nesta perspectiva que devemos entender o ser gerados e renascer pelo Espírito Santo (Jo 3, 6).

É também este o poder que Deus nos dá de nos tornarmos filhos de Deus mediante a Encarnação, como diz o evangelho de São João (Jo 1, 12-14). O Filho de Deus Encarnou pelo Espírito Santo, a fim de sermos incorporados na Família de Divina (Jo 17, 21-23). Tudo isto quer dizer que a salvação significa ser assumido de modo familiar no Reino de Deus. Por outras palavras, a salvação é um dom que nos é comunicado em dinâmica de comunhão familiar.

Este dom é-nos comunicado pela ternura maternal pelo Espírito Santo, semente da vida divina a germinar no nosso íntimo (1 Jo 3, 9). O Espírito Santo é como que uma fonte de Água Viva a jorrar vida divina no nosso íntimo (Jo 7, 37-39). Com o seu amor maternal, o Espírito Santo realiza em nós a salvação, conduzindo-nos ao Pai como filhos e ao Filho como irmãos (Rm 8, 15-16).

Nos primórdios da criação da Humanidade, Deus Pai comunica-nos a vida através do dom do Espírito Santo, entendido na altura como o hálito da vida divina que Deus Pai nos comunica através de um beijo (Gn 2, 7). Foi assim que o Génesis descreveu a intervenção especial de Deus na criação do Homem.

Por seu lado, na plenitude dos tempos, Deus Filho, através do beijo da encarnação, comunica-nos o Espírito Santo que nos confere o dom da divinização ou incorporação na Família de Deus: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, afim de resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei e, deste modo, podermos receber a adopção de filhos. E, porque somos filhos de Deus, ele enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho que em nós clama: Abba, Pai” (Ga 4, 4-6).

Eis a razão pela qual São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Foi-nos comunicado por Deus Pai no momento da criação como princípio gerador de vida espiritual. Na plenitude dos tempos, Deus Filho, através do beijo da Encarnação, comunica-nos o mesmo Espírito Santo como princípio divinizante. No primeiro caso temos a intervenção especial de Deus na criação do homem; no segundo, a incorporação e assunção do Homem na Família Divina.

Mediante o acontecimento da ressurreição de Cristo recebemos o dom da vida plena (Jo 5, 21). A vida divina é obra do Espírito Santo e não obra da carne ou do sangue (Jo 6, 62-63; 1, 12-13). A vida divina não emerge em nós por obra da letra que mata, mas por obra do Espírito que gera vida em nós (2 Cor 3, 6).

A Primeira Carta de São João diz que a vida divina é comunhão com o Pai e o Filho (1 Jo 1, 3). Esta comunhão acontece no Espírito Santo. Sublinhando uma expressão feliz de São Paulo diríamos que a dinâmica da salvação é fruto da graça de Jesus Cristo, do amor de Deus Pai e da comunhão no Espírito Santo (2 Cor 13, 13). O baptismo não é um modo mágico de realizar a filiação divina, mas é sacramento desta realidade. A salvação manifesta-se de modo sacramental na comunidade cristã animada pelo Espírito Santo.

Eis o que a este propósito diz São Paulo: “Há variedade de dons mas o Espírito Santo é o mesmo a actuar em todos. Há variedade de serviços e ministérios, mas Cristo é o mesmo, isto é, a cabeça do corpo que é a comunhão organicamente constituída. Há variedade nos modos de agir, mas é o mesmo Deus que actua em todos (1 Cor 12, 4-6).

Através do baptismo o crente passa a pertencer de modo pleno à comunidade. Por seu lado, a comunidade animada pelo Espírito Santo é o sacramento da comunhão familiar do Reino de Deus. É através de Cristo, diz a carta aos Efésios, que temos acesso ao Pai no único Espírito Santo (Ef 2, 18).

De facto, “Deus amou de tal modo o mundo que lhe enviou o seu único Filho, a fim de que tenham vida eterna” (Jo 5, 25). Conhecemos este mistério da nossa incorporação na família de Deus graças à revelação do Espírito Santo que penetra até ao mais íntimo da realidade, incluindo a realidade de Deus (1 Cor 2, 10-11). O Evangelho de São Lucas diz que Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo (Lc 9, 56).

Segundo o Novo Testamento, a salvação acontece como um segundo nascimento. Pelo primeiro nascimento encontrámo-nos a fazer parte da família humana. Pelo segundo somo incorporados na Família Divina. A Carta a Tito diz o seguinte: “Deus salvou-nos, não pelas nossas obras, mas pela regeneração operada em nós pelo Espírito Santo que Deus Pai nos concedeu por Jesus Cristo nosso Salvador” (Tt 3, 5-6).

É pelo facto de nós fazermos uma união orgânica com Cristo que o Espírito Santo tem condições de nos incorporar na família de Deus. De facto a nossa união com Cristo é alimentada pelo Espírito Santo. É impossível estar organicamente unido a Cristo sem a acção do Espírito Santo, diz São Paulo na Carta aos Romanos: “ Se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse não lhe pertence” (Rm 8, 9).

O Espírito Santo, no nosso íntimo, é o penhor e a garantia da nossa salvação, diz a Carta aos Efésios (Ef 1, 13-14). Os cristãos que vivem de modo consciente o baptismo no Espírito Santo tornam-se ramos dessa videira fecunda que é Cristo. A seiva que vem da cepa da videira para os ramos é o Espírito Santo. Esta seiva faz que os ramos vivam e sejam fecundos.

São Paulo fala de alguns frutos que produzem os que são alimentados pela seiva vital do Espírito Santo: Segundo a carta ao Gálatas, os frutos que o Espírito Santo produz no coração da pessoa são: “Amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, gentileza e auto controlo” (Ga 5, 22-23).

A primeira carta de São João resume tudo isto ao amor dizendo: “Se nos amarmos uns aos outros, Deus habita em nós e o seu amor, em nós, é perfeito” (1 Jo 4. 12). Segundo o evangelho de São João só podemos dar frutos na medida em que estamos unidos a Cristo (Jo 15, 7-8).

Tudo isto se deve ao facto de não podermos fazer nada sem Jesus Cristo, acrescenta o evangelho de São João: “Sem mim nada podeis fazer ” (Jo 15, 4-5). Pela comunicação da filiação divina, o Espírito Santo liga-nos organicamente à Santíssima Trindade e a todos os seres humanos que fazem parte da Família Divina.

Como sabemos, o Reino de Deus é a comunhão universal da Família de Deus constituída pelas pessoas divinas, as humanas e todas as outras que possa haver. No mundo bíblico, a água é símbolo de purificação. É também símbolo de vida. A água é símbolo do Espírito, sopro vital de Deus. O livro do Génesis diz que, no princípio, não havia vida sobre a Terra (Gen 2, 5). Depois, Deus criou o homem do pó da terra e comunicou-lhe o seu hálito vital. Nesse momento, o homem tornou-se um ser vivo (Gen 2, 7).

Para a escola sacerdotal, a terra, no princípio, estava coberta das águas primordiais. O Espírito de Deus movia-Se sobre estas águas (Gn 1, 26). O Espírito Santo é visto como a origem da vida. Por isso o profeta Jeremias lhe chama a fonte da água viva (Jer 17, 13). O Novo Testamento declara que Jesus é o portador do Espírito Santo. Do seu seio brotam rios de água viva (Jo 7, 37-38). Aqueles que bebem dessa água (o Espírito) tornam-se fontes a brotar vida eterna (Jo 4, 14). O Espírito é chamado na primeira Carta de João semente (sperma) de Deus (1Jo 3, 9).

Como amor maternal, o Espírito Santo é o princípio capaz de gerar um homem novo assumido na própria Família de Deus. Por isso a nossa vida, agora, já não é de servos, mas de filhos (Filip 2, 15-16). A adopção filial, realizada pelo dom do Espírito Santo, é mais que um simples acto jurídico.

Participamos da própria vida do Espírito de Deus. Se o Espírito que ressuscitou Jesus habita em nós, diz São Paulo, então também nós ressuscitamos com ele (Rm 8, 11). Os que vivem unidos a Cristo, acrescenta a primeira Carta aos Coríntios, constituem com ele um único Espírito (1Cor 6, 17). Isto quer dizer que somos vivificados pela mesma seiva vital que vivifica Cristo.

Todos nós fomos baptizados num só Espírito, a fim de formarem um só corpo, quer se trate de judeus, gentios, escravos ou livres (1Cor 12, 13). Através de Cristo, temos acesso directo ao Pai pelo Espírito Santo. Não somos hóspedes de passagem na casa de Deus. Somos membros da família divina (Ef 2, 18-19). É esta a nossa condição de filhos adoptados.


3-Baptismo e Novo nascimento

Para São João, Cristo é filho de Deus por geração. O Filho e o Pai formam só um (Jo 10, 30). Deus deu aos homens o poder maravilhoso de se tornarem filhos de Deus (Jo 1, 12). Este poder implica um segundo nascimento, o qual não acontece pelo impulso da carne, nem da vontade do homem, mas da vontade de Deus (Jo 1, 13).

Este poder gerador acontece no Espírito Santo, o sémen divino, isto é, a semente da vida divina (1Jo 3, 9). O Espírito Santo opera em nós uma segunda geração. Não carnal, mas pneumática. A vida que nasce deste segundo nascimento não é “bios”, diz São João, mas “Zoe” isto é, vida espiritual. É assim que nos tornamos verdadeiramente semelhantes a Deus.

Na verdade Deus é amor pleno e infinito como diz a primeira Carta de São João (1Jo 4, 16) À semelhança de Deus nós estamos em processo de amorização, isto é, vamo-nos tornando de modo gradual e progressivo capazes de amar. À medida em que nos vamos exercitando no amor começamos a nascer de Deus, acrescenta a mesma carta de São João (1 Jo 4, 7). Na verdade estamos talhados para a comunhão. A solidão asfixia-nos.

A vida nova que brota do Espírito Santo é, de facto, uma vida de relações fraternas e de comunhão. Fechado em si, o homem é uma nulidade. A plenitude da pessoa não está em si, mas na comunhão. Reduzida a si, a pessoa está em estado de inferno. Não tem ninguém para fazer uma festa. Não encontra ninguém que lhe diga: “Gosto de ti, dá-me a tua mão para vencermos a nossa fragilidade e ficarmos mais fortes”

O princípio que faz emergir esta vida nova é, naturalmente o Espírito Santo que está sempre connosco e por nós. Só o que nasce do Espírito é espírito, diz Jesus no evangelho de São João (Jo 3, 6). Este segundo nascimento é dinâmico e progressivo. Só termina de emergir para atingir a plenitude da novidade e densidade na comunhão do Reino de Deus. As comunidades cristãs, na medis em que estão alicerçadas no amor e na Palavra de Deus são o sacramento desta plenitude do Reino que é a Família de Deus.

Após a morte e ressurreição de Jesus, o Espírito Santo, a missão messiânica defensor e consolador. Além de nos fazer nascer de novo conduz-nos também para a verdade total, diz Jesus no Evangelho de São João (Jo 16, 13-14). Como filhos gerados no Espírito do Pai e do Filho, os discípulos estão chamados a fazer um com o Pai e o Filho. O Filho e o Pai fazem uma união orgânica, isto é, viva, interactiva e fecunda no Espírito Santo. Após a última Ceia, Jesus pede ao Pai para que também os discípulos façam um com Ele e o Pai (Jo 17, 21-24). É para esta plenitude que nos conduz o nascimento pelo Espírito do qual o baptismo é sacramento.

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