a) Oração Cristã e Bíblia
b) Jesus, Modelo de Oração
c) Orar no Espírito Santo
d) Tomar Deus a Sério e Orar sem Cessar
a) Oração Cristã e Bíblia
A oração não faz mudar Deus de opinião, mas transforma o coração da pessoa humana, capacitando-a para sintonizar com Deus e receber os seus dons. Na verdade, a oração cristã não é uma forma mágica de manipular a Deus. Enquanto oramos, estamos a abrir o coração à Palavra de Deus e à acção restauradora e santificadora do Espírito Santo. Quando abrimos o coração à dinâmica do Espírito Santo, este vai-nos configurando interiormente com Cristo Ressuscitado.
A oração é uma maneira privilegiada de o crente entrar na intimidade da Santíssima Trindade pela mediação de Cristo Ressuscitado que nos confere o dom da interacção intrínseca com o Espírito Santo. É este o modo de o Espírito Santo actuar em Cristo, pondo em interacção directa a interioridade espiritual do Homem Jesus com a interioridade espiritual do Filho Eterno de Deus.
Ao predispor o nosso coração a acolher os dons de Deus, a oração dinamiza as nossas forças espirituais capacitando-nos para acolher dons fundamentais para a felicidade humana, tais como libertação interior, paz, alegria. Além disso pode operar em nós uma optimização física ou psíquica, a qual pode resultar em curas tanto de nível somático como psíquico.
A oração também nos capacita para sermos capazes de integrar e desdramatizar problemas e dificuldades que não tenhamos conseguido resolver. Ao estimular a confiança em Deus, a oração liberta-nos do medo, como diz o salmo vinte e sete: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação, que hei-de temer? O Senhor protege-me dos perigos, por que razão hei-de tremer?” (Sal 27,1).
Mediante a oração, a pessoa reforça a certeza de que Deus é fiel e verdadeiro e que jamais nos abandona. Por isso podemos fortalecer a certeza de que nada nos pode separar de Deus, como diz São Paulo: “Se Deus está por nós, quem poderá estar contra nós? Se Deus não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por nós, como não nos dará todos os bens juntamente com ele?” (Rm 8, 31-32).
Quando somos vítimas da injustiça, da mentira ou da deslealdade, a raiva e a ira invadem-nos. Mas estas reacções são forjadoras de perturbações emocionais, e por esta razão não são a melhor forma de solucionarmos os nossos problemas. A oração dá-nos a sabedoria e a força necessária para agirmos à maneira de Cristo, fazendo o que diz a Carta aos Efésios: “Nos momentos de ira não pequeis. Não deixeis que o sol se ponha sobre essa ira e não deis ao mal uma base para vos dominar” (Ef 2, 4).
O salmo quatro vai nesta mesma linha, quando afirma: “Não pequeis, deixando que a ira vos domine. Permanecei em silêncio e deixai que a noite seja o vosso conselheiro” (Sal 4, 4). É fundamental que a oração cristã esteja alicerçada na Fé e tenha os horizontes da Palavra de Deus.
Se os horizontes da nossa oração forem os da Palavra de Deus, o nosso diálogo com Deus não ficará enredado nas coisas deste mundo, mas irá adquirindo o sabor da vida eterna: “Digo-vos em verdade que todo aquele que ouve a minha Palavra e acredita naquele que me enviou tem a vida eterna. Na verdade, passou da morte para a vida” (Jo 5, 24).
A oração é a fonte da fortaleza, pois põe-nos em sintonia com a força do Espírito Santo que nos habita, optimizando deste modo as nossas forças espirituais e, deste modo, capacitando-nos para vencermos a fragilidade humana. É neste sentido que Cristo nos ensinou no Pai-Nosso a pedirmos a Deus que não nos deixe cair na tentação.
A tentação é uma sugestão subtil que tenta fazer-nos crer que é mentira o que é verdade e que é verdade o que é mentira. A oração é um espaço privilegiado para o Espírito Santo nos dar a lucidez e a clareza capazes de desmascarar os embustes da tentação. Na oração aprendemos a compreender que não podemos sentir-nos seguros e infalíveis apenas com os nossos raciocínios. Precisamos da luz da Palavra de Deus e da força do Espírito Santo.
Por outras palavras, para vencer as mentiras insinuadas pela tentação precisamos de ser optimizados com os critérios da Palavra de Deus e pela força do Espírito Santo: “Permanecei atentos e orai, a fim de não cairdes em tentação. Na verdade o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
São Paulo assegura-nos de que a fidelidade de Deus não permitirá que sejamos destruídos pela tentação. Se estivermos unidos ao Senhor, ele é fiel, de modo que nenhum mal nos poderá vencer: “Não vos surpreendeu qualquer tentação que tenha ultrapassado a medida humana. Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças. Com a tentação Deus vos dará os meios de sairdes dela e a força para a suportar” (1 Cor 10, 13-14).
O evangelho de Mateus utiliza uma imagem muito bonita para nos dizer que Jesus não nos sobrecarrega com fardos que não possamos levar: “Jesus disse: “Vinde a mim todos vós que andais sobrecarregados e eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, pois eu sou manso e humilde de coração. Deste modo encontrareis paz e serenidade de espírito” (Mt 11, 28-29).
Ao comunicar-nos o dom do Espírito Santo, Jesus capacita-nos para realizar sem grandes sofrimentos coisas que antes eram impossíveis. Jesus declara que este seu cuidado connosco corresponde exactamente ao jeito de Deus Pai nos amar: “Eu não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 5, 30). Ou ainda: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4,34).
O jeito de actuar de Jesus correspondia totalmente à vontade do Pai. Segundo o evangelho de João, quando Filipe pede a Jesus para lhe mostrar o Pai, o Senhor respondeu-lhe: “Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheceis, Filipe? Quem me vê, vê o Pai!” (Jo 14, 9). O profeta Isaías já tinha anunciado a ternura paternal de Deus afirmando: “Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos pega pela mão e vos diz: “Não tenhais medo porque eu estou convosco” (Is 41. 13). E acrescenta: “Não temais. Eu estou convosco. Não desfaleçais, pois eu sou o vosso Deus. Eu vou fortalecer-vos e ajudar-vos. Vou segurar-vos com a minha mão direita” (Is 41, 10).
É fundamental que, na oração, adoptemos uma atitude de plena confiança em Deus. Devemos tomar Deus a sério, tendo a certeza de que ele não nos defrauda. A Palavra de Deus não é uma ideologia para nos distrair da vida e das dificuldades. O Espírito Santo não é uma auto-sugestão para termos a sensação de que somos fortes. Deus é fiel e verdadeiro. Felizes dos que aprendem a confiar em Deus como um filho confia num pai ou um amigo confia num amigo fiel e verdadeiro.
O Salmo 46 começa com um apelo à confiança, convidando os crentes a tomar Deus a sério, pois o nosso Deus realiza sempre o que promete: “O Senhor Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza. Está sempre presente nos nossos momentos de dificuldade. Eis a razão pela qual não temos medo, embora a terra vacile e as montanhas tombem para o mar” (Sal 46, 1-2).
E o salmo quarenta e dois começa testemunhando como uma pessoa que sofre pode despertar sentimentos de confiança na oração. Esta atitude é fundamental, pois no fundo estamos a deixar que o Espírito Santo realize maravilhas em nós e através de nós. “Por que razão hei-de desfalecer e perder a coragem? Por que motivo hei-de estar triste? Eis que ponho a minha confiança em Deus! Vou louvar o meu Senhor de novo, o meu salvador e meu Deus. Neste momento estou desencorajado, mas vou recordar-me da sua bondade e das maravilhas que fez em nosso favor” (Sal 42, 5-6).
A Carta aos Filipenses é um grito de vitória fabuloso. Se aceitarmos fazer caminhada com Deus nada será impossível para nós, pois temos connosco a força de Deus:“Tudo posso com a ajuda de Cristo, o qual me concede todas as forças de que eu possa necessitar” (Flp 4, 13).
Cristo ressuscitado, diz a Carta aos Hebreus, é o nosso Sumo-sacerdote, o medianeiro que nos obtém de Deus todos os dons de que temos necessidade. O grande dom que ele nos obtém é, naturalmente o Espírito Santo que faz maravilhas em nós e através de nós para os outros. A nós basta-nos acolher o grande dom que nos vem de Deus através do nosso Sumo-sacerdote, acolhendo o Espírito que ele nos dá e deixando que ele realize maravilhas em nós e através de nós:
“O nosso Sumo-Sacerdote compreende as nossas fraquezas, pois foi sujeito às mesmas tentações que nós, apesar de não ter pecado. Aproximemo-nos, portanto, do trono da graça de Deus. Aí encontraremos misericórdia e a graça que nos ajudará sempre que nós o precisemos” (Heb 4, 15-16).
A nossa confiança em Deus apoia-se nos horizontes da nossa Fé. O evangelho de São Mateus diz que a Fé participa da omnipotência divina, pois põe-nos em sintonia com Deus. Jesus disse aos discípulos: “Em verdade vos digo: “Se tiverdes Fé, mesmo que esta seja pequena como um grão de mostarda, podeis dizer a esta montanha: “Afasta-te daqui” a montanha mover-se-à. Nada é impossível a quem tem fé” (Mt 17, 20).
Na medida em que a nossa oração seja feita segundo o Espírito Santo, o nosso coração vai-se transformando e tornando-se cada vez mais parecido com o coração de Jesus Cristo. Todos sabemos como a questão do perdão é difícil para nós. No entanto é uma questão central no Evangelho.
Esta atitude só se tornará fácil se for o Espírito Santo a capacitar o nosso coração para o perdão. Por outras palavras, a capacidade de perdoar sempre é o resultado da transformação que o Espírito Santo opera em nós de modo particular nos momentos das celebrações da Fé, da meditação da Palavra de Deus e da oração.
Ao terminar a oração do Pai-Nosso, o evangelho de Mateus acrescente: “Se perdoardes aos homens as suas ofensas também o vosso Pai do Céu vos perdoará as suas. Mas se não perdoardes aos homens também o vosso Pai do Céu vos não perdoará” (Mt 6, 14-15).
Como vimos, durante a oração, o crente abre o coração à acção do Espírito Santo, criando condições para acontecer a graça de Deus. A graça é a dinâmica da vida de Deus a circular em nós. É a seiva que vem da Videira que é Cristo, vivificando e tornando fecundos os ramos que somos nós: “Permanecei em mim que eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, pois sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 4-5).
É esta a dinâmica da graça a modelar o nosso coração de acordo com o coração de Cristo. A Carta aos Efésios proclama a gratuidade do amor salvador de Deus de modo muito bonito, dizendo que a salvação não se compra pelos méritos de qualquer moralismo farisaico e estéril: “Foi pela graça que fostes salvos, mediante a Fé. Isto não se deve aos vossos méritos, pois trata-se de um dom gratuito de Deus. Não é fruto das obras, a fim de que ninguém se possa gabar ou envaidecer” (Ef 2, 8-9).
O Espírito Santo é o grande guia para a vivência do amor. Como sabemos, Deus é amor (1Jo 4, 16). E o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5,5). A oração é um espaço privilegiado para compreendermos as propostas do amor. O pecado sistemático é o caminho da perdição, pois implica a rejeição do amor salvador de Deus e a recusa a amar e comungar com os irmãos.
Como sabemos, ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado. O amor dos outros capacita-nos para amar. Recusar a amar segundo as possibilidades que o amor dos outros inscreveu em nós é rejeitar o amor de Deus e o amor daqueles que nos amaram. Esta recusa de amor implica a impossibilidade de a pessoa se realizar mediante o amor a Deus e aos irmãos.
São Paulo, na Carta aos Romanos, diz que o salário do pecado é a morte. Ao mesmo tempo recorda-nos que a salvação é um dom totalmente gratuito: “Com efeito, o salário do pecado é a morte, mas o dom de Deus é a vida eterna em Cristo” (Rm 6, 5). É devido ao facto de formarmos um todo orgânico com Cristo que estamos salvos. Estamos salvos porque somos ramos unidos à cepa da qual recebemos a seiva da vida eterna (Jo 8, 4). Cristo e a Humanidade formam um só corpo. Ele é a cabeça e nós somos os membros deste corpo (1 Cor 10, 17; 12, 27).
Nos momentos de oração, nós predispomo-nos a deixar que o Espírito Santo nos trabalhe interiormente e nos configure com Cristo Ressuscitado. Os membros do Corpo de Cristo são alimentados pela carne e o sangue de Cristo, o alimento que leva a Vida Eterna a todos os membros.
Este sangue portador da Vida é o Espírito Santo. Ele é, como diz o evangelho de São João, a carne e o sangue de Cristo Ressuscitado (Jo 6, 62-63). São Paulo diz que todos os que são movidos pelo Espírito Santo são filhos e herdeiros de Deus Pai e irmãos e co-herdeiros com Deus Filho (Rm 8,14-16).
A Primeira Carta aos Tessalonicenses convida-nos a alegrar-nos e a orar incessantemente, pois é esta a vontade de Deus a nosso respeito (1 Tes 5, 16). Deus deu-nos o máximo que nos podia dar, isto é, o seu próprio Filho, a fim de que fossemos membros da Família de Deus: “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu único Filho, a fim de que todos os que acreditam nele não pereçam mas tenham a vida eterna” (Jo 3, 16).
Graças à estrutura orgânica da Encanação, o Filho de Deus exprimiu-se em grandeza humana na história, a fim de nós sermos constituídos filhos de Deus, como diz o Evangelho de São João: “Mas a quantos o receberam, aos que crêem nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram dos laços do sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus. E o Verbo encarnou e veio habitar connosco. Nós contemplámos a sua glória, glória que ele possui como Filho unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 12-14).
Mediante o mistério da Encarnação, Deus mostrou-nos o seu amor incondicional. A Salvação é obra de amor e mediante o amor que Deus acolhe o dom da salvação de Deus. A Primeira Carta de São João exprime de maneira muito bonita esta reciprocidade humano-divina da salvação mediante o amor: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).
O amor de Deus é a dinâmica da nossa salvação. Por isso São Paulo diz que o Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Do mesmo modo, o nosso amor é a lente certa para podermos compreender a Deus. Quem não ama não pode conhecer a Deus, pois Deus é amor. O profeta Isaías diz que Deus deseja ardentemente ser generoso para connosco, dando-nos as suas graças. O Senhor surge, a fim de mostrar compaixão para connosco, mostrando deste modo a sua justiça. Felizes dos que confiam e esperam pelo Senhor” (Is 30, 18).
O salmo vinte e três proclama de modo muito bonito a generosidade de Deus ao conceder-nos os dons de que temos necessidade: “O Senhor é meu Pastor, nada me pode faltar” (Sal 23, 1). O Evangelho de São Mateus diz que nada faltará àqueles que vivem para Deus e põe o seu Reino em primeiro lugar (Mt 6, 33).
A Carta aos Hebreus acentua que as promessas de Deus são para nós. Basta que perseveremos, fazendo a vontade de Deus (Heb 10, 36). A Carta aos Filipenses aconselha aos crentes uma total confiança na presença de Deus na nossa vida. É verdade que Deus não nos substitui, mas se lhe permitirmos agir em nós e connosco, a nossa vida é optimizada com uma nova dinâmica:
“Não vivais dominados por preocupações. Pelo contrário, orai sem cessar. Falai a Deus das vossas necessidades e dificuldades e agradecei-lhe as coisas boas que ele vos concede. Se procederdes assim experimentareis a maravilhosa paz de Deus, a qual é muito mais maravilhosa do que nós podemos entender. Esta paz de Deus guardará os vossos corações e as vossas mentes, a fim de viverdes em Cristo Jesus” (Flp 4, 6-7).
A oração é fundamental na vida do cristão. Não para mudar o querer de Deus a nossa respeito, mas para permitirmos a Deus agir em nós de acordo com o que é melhor para nós. Além disso, a oração capacita-nos para integrar na nossa história acontecimentos ou experiências dolorosas cuja alteração se revela impossível.
É neste sentido que a oração, tal como dizem os evangelhos, é sempre eficaz. É neste sentido que devemos entender textos que, para afirmar que a oração é sempre eficaz, parece estarem a proclamar a oração como uma prática mágica: “Pedi e ser-vos-à dado. Procurai e encontrareis. Batei e abrir-se-vos-à. De facto, todo o que pede recebe, Todo o que procura encontra. E àquele que bater abrir-se-lhe-à” (Mt 7, 7-8).
Não esqueçamos que a única mediação indispensável para chegarmos ao encontro, ao diálogo e à comunhão com Deus é Jesus Cristo. O Senhor Ressuscitado dá-nos a possibilidade de interagirmos de modo intrínseco com o Espírito Santo e, deste modo, sermos introduzidos na comunhão da Santíssima Trindade. De facto, o Espírito Santo é o princípio animador de relações humano-divinas. É a ternura maternal de Deus difundida nos nossos corações.
O evangelho de João afirma esta verdade dizendo que Cristo é a mediação indispensável para a nossa comunhão com o Pai: “Jesus respondeu: “eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6). Animados com a força do Espírito Santo, e inseridos na comunhão com a Santíssima Trindade, podemos dizer com toda a verdade que tudo podemos graças à presença de Deus em nós, como diz São Paulo: “De tudo sou capaz naquele que me dá força” (Flp 4,13).
A confiança em Deus conduz-nos pouco a pouco para uma certeza fundamental: nada nos pode acontecer que nós, em união com o Espírito Santo, não possamos resolver da melhor maneira. É isto que a primeira Carta de Pedro nos quer dizer quando afirma: “Colocai as vossas preocupações e cuidados em Deus, pois ele cuida de vós e está atento a tudo o que vos acontece” (1 Pd 5, 7). Sem água a vida das plantas e dos animais definha e morre. De modo semelhante, sem uma oração animada pela presença do Espírito Santo e sem a luz da Palavra de Deus a vida teologal de Fé, Esperança e Caridade definha e morre no coração do cristão.
b) Jesus Modelo de Oração
Nos momentos mais significativos da sua vida, Jesus orava. São Lucas diz que, após o seu baptismo, entrou em oração. Como resposta à sua oração, os Céus abriram-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma de pomba. No mesmo instante ouviu-se a voz de Deus Pai vinda do Céu dizendo: “Tu és o meu Filho muito amado no qual ponho o meu enlevo” (Lc 3, 21-22).
No momento de escolher os doze Apóstolos, Jesus retirou-se para uma montanha e passou a noite em oração (Lc 6, 12-13). Lucas diz que Jesus, antes de fazer a pergunta aos discípulos sobre o significado da sua pessoa para eles, esteve em oração (Lc 9, 18). No evangelho de Lucas, Jesus é sobretudo o grande mestre de oração e da exultação no Espírito Santo.
No momento da sua transfiguração, Jesus estava em oração, diz Lucas (Lc 9, 28-29). No Jardim das Oliveiras, passou o tempo em oração e pediu aos discípulos para orarem, a fim de não entrarem em tentação (cf. Lc 22, 39-42). Na cruz, orou pelos seus inimigos (Lc 23, 34).
Jesus é-nos apresentado pelos evangelhos, especialmente por Lucas, como um homem que orava nos momentos críticos. Lucas pretendia dizer-nos o que devemos fazer nos momentos difíceis. Como vimos, a oração não é uma maneira mágica de modificar Deus. Pelo contrário, quem se modifica na oração é o homem. Mediante a oração a pessoa vai ouvindo os apelos do Espírito Santo que nos convida a agir de acordo com a vontade de Deus, a qual é muito melhor para nós do que a nossa própria vontade.
De facto, Deus ama-nos incondicionalmente. Sabe muito melhor o que é bom para nós do que nós mesmos. Por esta razão a vontade de Deus coincide com a nossa: querer o melhor para nós. De facto temos razões para confiar plenamente em Deus: Por um lado, Deus conhece perfeitamente o que é melhor para nós. Por outro lado, o seu conhecimento do melhor para nós e a sua vontade de no-lo conceder coincidem. Jesus orava por si e orava igualmente pelos discípulos e pela humanidade: “Eu rezei por ti, Pedro, a fim de que a tua fé não vacile” (Lc 22, 32).
No Evangelho de João aparece uma oração de Jesus em favor dos discípulos. Nesta oração vislumbra-se claramente a Igreja já implantada. João queria significar a oração de Jesus não apenas pelos Apóstolos, mas também por todos os que viriam a formar o Novo Povo de Deus (cf. Jo 17, 9-16).
Noutra passagem, a oração de Jesus pela totalidade dos cristãos, aparece de modo muito mais explícito: “Não peço apenas por eles (os discípulos), mas também por todos aqueles que irão acreditar em mim pela sua mensagem” (Jo 17, 20). Jesus orou pelos seus inimigos, mesmo por aqueles que o estavam cravando na cruz: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que estão fazendo” (Lc 23, 34).
Uma vez sentado à direita do Pai, diz a Carta aos Hebreus, Jesus continua a interceder por nós (Heb 7, 25). É nesta intercessão de Jesus junto do Pai que assenta a eficácia total da oração feita em Jesus. Estamos organicamente unidos a Cristo Ressuscitado pelo vínculo do Espírito Santo. Orar no Espírito, portanto, é orar em união com Jesus Cristo. Deste modo participamos da plenitude da eficácia da oração de Cristo.
Nos momentos de grande importância para a sua missão messiânica, Jesus orava sempre. Orou antes de ensinar as multidões (Mc 1, 35). Certo dia em que Jesus estava orando, os discípulos aproximaram-se e pediram-lhe para que os ensinasse a orar ao seu jeito. Nesse momento, Jesus ensinou-lhes o “Pai-nosso”, não como uma fórmula para ser simplesmente repetida, mas como critério para o que deve ser a oração como diálogo com Deus sobre o que mais interessa ao Homem e a Deus.
A prova de que os apóstolos não entenderam o ensinamento do “Pai-nosso” como comunicação de uma fórmula a repetir literalmente, está no facto de o “Pai-nosso” de Lucas não coincidir com o de Mateus (cf. Lc11, 1; Mt 6, 9-13). Certo dia em que a Palavra de Jesus foi muito bem aceite pelos ouvintes, o Senhor exultou de alegria no Espírito Santo e louvou a Deus Pai por esse facto (Mt 11, 25-26). Outro dia em que estava impondo as mãos sobre a cabeça das crianças, Jesus orou por elas (Mt 19, 13).
Muitas vezes, depois de despedir as multidões, Jesus retirava-se para um lugar isolado e, sozinho, falava com o Pai (Mt 14, 23). O procedimento de Jesus contrasta com o de tantos pregadores que pretendem pôr a eficácia da sua pregação na erudição ou na simpatia. Segundo o Novo Testamento, a eficácia da Palavra é obra do Espírito Santo. Por outro lado, Palavra realiza as maravilhas do Espírito Santo no coração daqueles que acolhem (Act 10, 44-46).
c) Orar no Espírito Santo
Do ponto de vista da espiritualidade cristã, orar é encontrar-se com Deus por meio do Espírito Santo. Este encontro dá-se na interioridade espiritual da pessoa. Deus nunca vem de fora, pois é a interioridade máxima de toda a realidade. A oração cristã acontece no Espírito Santo. Por isso não se confunde com as rezas dos pagãos (Mt 6, 7-8). O Espírito Santo conhece o mistério de Deus, pois é o centro orgânico deste mistério. Por isso só Ele nos pode conduzir de modo adequado e perfeito ao diálogo e comunhão com Deus.
O Espírito Santo fazia exultar Jesus de contentamento e punha-o em diálogo e comunhão com o Pai (Lc 10, 21). São Paulo faz uma associação muito bonita, para nos dizer que o Espírito Santo é o único guia seguro para fazermos a caminhada para a comunhão com Deus. Eis o raciocínio do Apóstolo: Só o Espírito humano sabe o que vai no interior de uma pessoa. Do mesmo modo ninguém sabe o que se passa no interior de Deus a não ser o Espírito Santo. Ora nós não fomos ungidos com o espírito do mundo. Pelo contrário, recebemos o Espírito Santo, a fim de conhecermos o projecto salvador de Deus (1 Cor 2, 10-12).
O Espírito Santo, no nosso íntimo, faz-nos sintonizar com Deus saboreando a Sua Palavra, a fim de compreendermos as maravilhas do seu plano em favor dos homens. Por isso sabemos que todos os homens têm acesso a Deus Pai no Espírito Santo, sejam judeus ou pagãos (Ef 2, 18). Os cristãos prestam culto a Deus pelo Espírito de Deus (Flp 3, 3). É este o culto em Espírito e verdade que agrada a Deus (Jo 4, 21-23).
Quando entramos em oração, o Espírito Santo vem em ajuda da nossa fraqueza. Como nem sabemos o que pedir a Deus, o Espírito Santo vem em nossa ajuda, intercedendo por nós com gemidos indescritíveis (Rm 8, 26-27). Os cristãos devem armar-se da espada do Espírito Santo que é a Palavra de Deus e orar apenas em conformidade com o Espírito Santo (Ef 6, 17.18).
O nosso diálogo com o Pai e o Filho só pode ser adequado se acontecer no Espírito Santo. O jeito de ser do Espírito Santo é ser pessoa para os outros. Constantemente tenta pôr-nos em comunhão com os outros. Nunca nos retém para si. Ao dar-nos o Espírito Santo, Cristo deu-nos a possibilidade de dialogarmos de modo correcto e adequado a Deus. Só Deus pode falar correctamente a Deus.
Orar no Espírito Santo é entrar no próprio diálogo do Pai com o Filho, o qual acontece no Espírito Santo. O Espírito Santo faz que a nossa oração seja verdadeiramente um diálogo humano-divino e não apenas um conjunto de rezas com pretensão de efeitos mágicos.
A vida de oração, para crescer de modo equilibrado, deve caminhar sobre duas pernas: oração comunitária e oração pessoal. Na medida em que seja oração no Espírito Santo, a oração comunitária é um espaço privilegiado para o crescimento na fé, esperança e caridade. A Palavra de Deus é um ingrediente fundamental para acontecer oração. A palavra humana, partilhada pelos membros da comunidade é uma mediação da Palavra de Deus.
A oração comunitária não é um conjunto de rezas gregárias. Pelo contrário, pressupõe a participação pessoal dos membros da comunidade. Neste contexto de partilha, a intervenção de cada pessoa é mediação de encontro com Deus para as outras. A oração no Espírito é sempre eficaz. Não no sentido de modificar Deus, mas no sentido de nos introduzir numa comunhão mais profunda com Deus e nos capacitar para integrarmos na nossa história os acontecimentos que não podemos modificar.
d) Tomar Deus a Sério e Orar Sem Cessar
Se as pessoas que amamos estão ao nosso lado podemos falar com elas até quando estamos ocupados. Assim como a respiração é fundamental para podermos viver, do mesmo modo a oração é essencial para podermos crescer na vida espiritual. É preciso orar sem cessar, dando constantemente graças a Deus, diz a primeira carta aos Tessalonicenses (1 Tes 5, 17-18).
Não devemos pensar que a oração faz com que Deus nos substitua. Esta maneira de pensar seria totalmente errada. Deus nunca nos substitui. Está connosco mas não está nunca em nosso lugar. No Pai-Nosso, Jesus ensinou-nos a pedir o pão de cada dia (Mt 6, 11). Mas São Paulo insiste em que devemos trabalhar para termos pão para comer (2 Tes 3, 10). São Tiago diz-nos para pedir a Deus o dom da Sabedoria (Tg 1, 5). Mas devemos ler e meditar a Palavra de Deus, a fim de que o Espírito Santo faça brotar em nós a sabedoria que vem de Deus (cf. Act 17, 11; 2 Tim 3, 15-17).
A oração prepara o nosso coração, no sentido de nos predispor a acolher os dons de Deus que coincidem com o que é melhor para nós. O Evangelho de São Mateus diz que Deus nos ama como um Pai que dá coisas boas a seus filhos. Por isso se recusa a dar-lhe coisas que os possam ferir ou prejudicar.
Paulo pediu a Deus que o libertasse de um problema difícil que o estava a atormentar. Era como um espinho espetado na carne. Deus respondeu-lhe que preferia dar-lhe a sua graça, a qual o capacitaria para vencer essa e muitas outras dificuldades (2 Cor 12, 7-10).
Deus conhece a totalidade das coisas e suas interacções. O nosso conhecimento, pelo contrário, é limitado e, por isso, facilmente nos podemos enganar. Agora compreendemos que Deus nos dá sempre o que é melhor para nós. Mas isto não significa que passe necessariamente pelos nossos esquemas.
O evangelho de São João diz-nos que se pedirmos alguma coisa em nome de Jesus isso nos será concedido (Jo 14, 13-14). O nome, na Bíblia, significa a missão. Ora a missão messiânica consiste em ser o nosso salvador. Pelo facto de estarmos organicamente unidos a Cristo, recebemos dele o Espírito Santo, o qual nos põe em sintonia com o querer de Deus. Orar em nome de Jesus é o mesmo que orar no Espírito Santo.
Pedir em nome de Jesus, portanto, significa pedir através da sua missão messiânica. Por ser o salvador, diz a primeira Carta a Timóteo, Jesus é o único medianeiro entre Deus e os homens (1 Tim 2, 5). A Carta aos hebreus diz que Jesus é o nosso sumo-sacerdote, isto é, a mediação da nossa interacção com Deus. O nosso sumo-sacerdote está permanentemente a interceder por nós junto do Pai (Heb 4, 14-16).
Orar em nome de Jesus significa orar no Espírito Santo, pois somos membros do Corpo de Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27; 13, 12). O Espírito Santo é o sangue de Cristo Ressuscitado a circular em nós e a comunicarmos a sua dinâmica vital humano-divina (Jo 6, 62-63). Na medida em que somos ramos da videira unidos à cepa que, isto é, a Jesus Cristo, damos muito fruto, pois estamos a ser alimentados pela seiva que vem dele para nós.
Devemos orar tomando Deus a sério, isto é, falando com Deus-Pai como filhos e com Deus-Filho como irmãos. Quando isto acontece, estamos a orar no Espírito Santo, que é o amor maternal de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). O Espírito Santo é o vínculo e o princípio animador da comunhão orgânica que nos liga familiarmente a Deus. É ele que clama em nós “Abba”, papá e faz de nós co-herdeiros com Cristo (Rm 8, 14-17).
Como vemos, orar é dizer a Deus o que nos vai no coração, seja no sentido de pedir, louvar, falar desta Humanidade a sofrer, mas falar de modo familiar. É este o modo de tomar Deus a sério na oração. Eis o que diz São Paulo a este respeito: “Orai com o espírito e com a inteligência. Pensai nas palavras, a fim de entenderdes o que estais a dizer. Quando orardes em comunidade, fazei-o de modo a que as pessoas vos entendam, a fim de poderem dizer “Ámen” à vossa oração” (1 Cor, 14, 15-16).
Não useis palavras vazias de significado, diz o Evangelho de Mateus, como fazem os pagãos (Mt 6, 7). A nossa oração deve ter como fundamento a disposição de tomar Deus a sério e honrá-lo. A nossa oração não deve ser como a dos hipócritas que se põe a julgar os outros ou a pensar que são mais que os demais. Estes não tomam Deus a sério e por isso, diz o evangelho de Marcos, não ficam justificados (Mc 12, 40).
A oração é um diálogo. Deus não tem condições para entrar em comunhão e diálogo com os que usam um palavreado vazio de sentido na oração ou com os fariseus e os hipócritas, os quais se julgam mais que os outros e pretendem pôr-se em lugar de Deus para julgar os demais. A Carta de Tiago diz-nos que devemos orar com Fé, pois sem Fé não é possível obter os dons de Deus (Tg 1, 5-8).
A oração pressupõe que contamos com Deus, o qual não é uma teoria, mas pessoas reais com as quais podemos contar. Sem oração podemos ter conhecimentos teóricos dos conteúdos da Fé, mas nunca podemos ter uma experiência viva de Deus.
A humildade é uma atitude fundamental para que a nossa oração seja um momento de comunhão com Deus. A humildade é a verdade. Ora a verdade é que somos pobres, limitados e pecadores e que, sem Deus, não somos capazes de atingir a nossa plena realização e felicidade. O Evangelho de Lucas diz que o publicano, após a sua oração, saiu do templo justificado, isto é em comunhão com Deus. O fariseu, pelo contrário, saiu mais enroscado na carapaça do seu orgulho e auto-suficiência (Lc 13, 14).
Como vemos, a oração é uma relação com Deus que deve assentar na verdade da vida. Não podemos alimentar uma relação de comunhão com Deus se não procurarmos ter uma relação de fraternidade com os nossos irmãos. O amor é a única via que nos comunica o conhecimento de Deus. Conhecer uma pessoa, para a Bíblia, significa entrar em intercomunhão amorosa com essa pessoa e não apenas uma mera questão intelectual.
Eis o que diz a primeira Carta de São João: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. Todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chega a conhecer Deus, pois Deus é amor” (1 Jo4, 7-8).
A oração, portanto, não é uma questão mágica para mudar Deus, ou fazê-lo mudar de opinião. Na medida em que nos relacionamos com Deus na verdade, a oração começa a mudar o nosso coração, fazendo-o sintonizar com a vontade de Deus. Este é o principal dom da oração, pois a vontade de Deus coincida rigorosamente com o que é melhor para nós.
A verdadeira oração como diálogo e comunhão com Deus arranca da nossa vida de diálogo e comunhão com os irmãos. Não é legítimo separar a oração da nossa vida. Mais uma vez a primeira carta de São insiste nesta verdade: “A Deus nunca ninguém o viu. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor, em nós, chegou à perfeição. Nós damo-nos conta de que permanecemos em Deus e ele em nós, porque nos faz participar do seu Espírito Santo (…). Nós amamos porque ele nos amou primeiro. Se alguém disser que ama a Deus mas odiar o seu irmão, esse é um mentiroso. De facto, aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Nós recebemos de Cristo este mandamento: quem ama a Deus ame também o seu irmão” (Jo 4, 12-21).
Quanto mais fizermos de Deus uma questão primeira e tomarmos Deus a sério, mais a nossa oração será uma força transformadora e recriadora em nós e no mundo.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias
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