Afectividade, Sexualidade e Vocação ao Amor


Quénia, danças de preparação de jovens adolescentes para o casamento nas tribos Samburu


a)      Afectividade e Realização Pessoal

No princípio eram três pessoas em comunhão. Deus tem um coração comunitário. Ao criar-nos imprimiu o Seu jeito relacional em nós. Somos seres famintos de amor. A afectividade humana acontece dentro de uma interacção entre estímulos afectivos e impulsos. Os estímulos afectivos que os outros nos enviam despertam imediatamente uma resposta impulsiva de atracção ou repulsa segundo o tipo de estímulo que chega até nós. Afectivamente falando, não somos ilhas.

A nossa afectividade deve ser aceite e valorizada. É uma energia fundamental para a realização humana, seja qual for o projecto de vida que nos propomos. Pretender iludir a afectividade é pôr em causa o nosso equilíbrio e a nossa realização pessoal. Uma pessoa afectivamente descompensada será uma pessoa azeda. Não será uma árvore fecunda.

Somos seres vivos; isto quer dizer que interagimos com o mundo que nos rodeia: climas, plantas, animais, e no nosso caso especial com a família e a sociedade em que vivemos. A interacção do ser vivo com o meio dá-se segundo uma dinâmica estímulo/resposta. Somos afectados positiva ou negativamente pelo meio que nos rodeia. Face a este estímulo reagimos automaticamente com impulsos de atracção (estímulo positivo) ou de repulsa e rejeição (estímulo negativo).

A criança tem uma fome enorme de ternura. É esta ternura que a compensa face às muitas dificuldades que tem de enfrentar. A ternura afecta-nos positivamente e estrutura-nos interiormente com capacidade para nos construirmos positivamente. De facto, ninguém é capaz de amar antes de ter sido amado. E o mal amado ama mal, isto é, com bloqueios, perturbações e muitos altos e baixos.

A nossa sensibilidade é o rosto das vivências afectivas que nos foram marcando, desde o seio materno. Todos os estímulos afectivos ficaram registados no nosso cérebro para bem e para mal. Estes estímulos formam como que redes interactivas que vão condicionar os nossos comportamentos.

Há pessoas cuja história é constituída por mais estímulos negativos que positivos. A vida destas pessoas é vivida de modo doloroso. As coisas parecem-lhes cinzentas. Os bosques não são verdes, e o mar ou o céu não são azuis. As pessoas cuja história é sobretudo marcada por estímulos afectivamente positivos estão interiormente capacitadas para serem felizes e ajudarem outros a sê-lo.

Como vemos, a afectividade varia de uma pessoa para a outra. Começámos por ser o que os outros fizeram de nós. É dos outros que recebemos os talentos. Uns recebem cinco, outros três, dois ou um. Ninguém é herói por receber cinco, e ninguém é culpado por receber um. A heroicidade está na resposta que damos aos dons que recebemos. Isto significa que a nossa afectividade é um leque de possibilidades para nos realizarmos humanamente. O importante é realizarmos o melhor dessas possibilidades, sejam cinco, três, duas ou uma.

Isto quer dizer que a nossa afectividade é uma realidade dinâmica. Uma criança carenciada busca de modo desequilibrado ternura e afecto. Um adolescente que tenha sido vítima de muitas experiências negativas terá tendência a ter comportamentos desequilibrados. Será afectivamente muito mais vulnerável que um adolescente bem-amado. A criança e o adolescente que tenha sido muito marcado de modo negativo manifesta comportamentos desajustados anti-sociais. Fica afectivamente marcado.

Uma afectividade doentia afecta a imaginação do adolescente, levando-o a fazer leituras erradas dos acontecimentos e interpretando mal os comportamentos dos outros em relação a si. É uma presa fácil de chantagens afectivas. Uma afectividade sadia confere segurança interior, capacitando a pessoa para decisões e escolhas humanizantes; é o caminho da maturidade. Capacita-nos para nos relacionarmos positivamente e decidirmos pelo nosso bem e o bem dos outros.


b)   O Valor da Corporeidade

A base do nosso ser é o corpo; a nossa condição corporal liga-nos umbilicalmente à Terra: dela obtemos constantemente oxigénio, proteínas, vitaminas e toda uma variedade de elementos necessários à subsistência e à vida. Além disso, o nosso corpo é mediação de encontro e comunhão com os outros. De facto, uma pessoa, para comunicar com as outras, precisa da mediação corporal.

O nosso corpo é um ser de necessidades: fome, sede, necessidade de conforto, de repouso, de movimento, de sono, de vigília, de higiene e outras. Muitos dos nosso comportamentos estão condicionados pelas necessidades corporais: comer, vestir, higiene, sexualidade e outras.

As pessoas respondem de modo diferente às necessidades corporais. Além disso, assumem comportamentos diferentes devido a essas exigências: atitudes impulsivas, mecanismos de compensação, como busca exagerada de prazeres e satisfações, intolerância, agressividade, exigências desproporcionadas e outras. A vida corporal ou biológica e a vida psíquica estão absolutamente interligadas. Estes dois níveis da pessoa formam o EU INDIVIDUAL em cujo interior está a emergir o EU PESSOAL como o pintainho dentro do ovo.

A nossa corporeidade juntamente com o nosso psiquismo formam o património recebido para a nossa realização. A resposta que damos a estes talentos ou possibilidades de realização constituem a nossa humanização, cuja lei é: emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a Comunhão Universal do Reino de Deus. Quanto mais nos realizarmos como pessoas, mais capazes somos de comungar com as pessoas humanas, as divinas, e outras que façam parte da Comunhão Universal do Reino de Deus.


c)    Sexualidade e Relações

Somos seres sexuados. As nossas relações nunca são neutras. Por outras palavras, relacionamo-nos sempre de modo sexuado. Este facto confere uma enorme variedade às relações humanas. A complementaridade sexual é uma fonte enorme de interacções afectivas e, necessariamente, impulsivas. O outro afecta-nos com a sua presença e comunicação. A este estímulo corresponde sempre um impulso. Nos animais, esta resposta é instintiva, isto é, imposta pela espécie aos indivíduos.

Devido à complexidade do cérebro humano, os instintos ficaram enfraquecidos e as nossas respostas aos estímulos afectivos ou sexuais são impulsivas. Não são propriamente uma imposição da espécie a todos os indivíduos, pois as respostas são as mais variadas, mesmo tratando-se de estímulos básicos: fome, sexualidade, sono e outros.

No que respeita à sexualidade, o animal, ao atingir a capacidade de actividade sexual, procura acasalar. Quando chega o período do cio não é capaz de agir de outra forma. A pessoa humana, pelo contrário, é capaz de adiar o exercício da sexualidade até ao período do matrimónio ou fazer mesmo projectos de vida de tipo celibatário.

No entanto, a nível afectivo, a pessoa não pode prescindir da sua condição de varão ou mulher. É importante assumirmos este facto e vivê-lo conscientemente. É condição indispensável para uma vida satisfatória e feliz. As pessoas que passam a vida a reprimir a sua afectividade têm muitos problemas de tipo sexual e tornam-se agressivas, pois estão descompensadas.


d) O Amadurecimento como Processo

Ao criar-nos, Deus imprimiu em nós as Suas impressões digitais. Por isso estamos talhados para a relação e a comunhão amorosa. Deus entende de ternura; por isso criou o coração humano com uma capacidade espantosa de dom e acolhimento.

Seja qual for a vocação de uma pessoa, a questão afectiva não pode ser reprimida ou negada. Uma pessoa afectivamente equilibrada é uma pessoa basicamente feliz. Nenhuma pessoa é capaz de gostar de si antes de alguém ter gostado dela. A ternura dos outros para connosco leva-nos a gostar de nós e, portanto, a sermos capazes de gostar dos demais.

Somos seres talhados para as relações. A nossa condição sexual confere às nossas relações o carácter da diferença. Esta diferença não implica um juízo valorativo: melhor ou pior. É importante termos consciência disto, a fim de vivermos de modo consciente e satisfatório a nossa vida afectiva.

A nossa afectividade é um manancial enorme de possibilidades criativas no campo das relações, das artes, das letras, de compromissos sociais, da fé, e sobretudo do amor. Uma relação afectiva leva consigo opções de vida que implicam o amor dos outros. A nossa afectividade só pode realizar-se através de opções e decisões que levem ao dom de si aos demais.

A pessoa humana não nasce feita. Nascemos para renascer e comungar. Sem esta orientação fundamental de vida não podemos atingir a nossa maturidade e realização. As vocações são diferentes, mas todas se tocam num ponto: o amor. Porque só o amor torna a vida fecunda.

No que toca à sexualidade, tanto a opção pelo matrimónio como a vocação pela virgindade consagrada, se orientadas pelo amor, encontram-se num ponto comum: a fecundidade de vida. Nenhuma das opções se pode considerar superior à outra. O fundamental é que a pessoa siga a sua vocação. Só a pessoa iluminada pelo Espírito Santo pode descobrir qual é o caminho que a ajuda a ser mais fecunda.

Como vemos, há diversidade de vocações no que diz respeito à sexualidade. O que opta pelo matrimónio escolhe edificar a família humana assente nos laços do sangue, a qual tende para a família de Deus que assenta nos laços do Espírito. O que opta pela virgindade consagrada opta pela edificação da família assente nos laços do Espírito Santo tornando-se um sinal complementar do sacramento do matrimónio. Em qualquer das vocações, o equilíbrio afectivo é fundamental. Sem uma vida afectiva equilibrada, a pessoa não consegue ser fecunda e feliz.

Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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