Pessoa e Missão do Espírito Santo

Nepal, leitura do Ramayana ("O Caminho de Rama"), um épico hindu do séc. V a.C.

                                               

I-Do Sopro Divino ao Amor de Deus em Nós

    a) Do Sopro Vital ao Paráclito
    b)Aliança e Espírito Santo
    c) O Espírito Santo Como Dom
    d) O Espírito Santo Como Dinâmica Amorosa

II-Missão Histórica do Espírito Santo
     a) Dimensão Pedagógica
1) Acção Personalizante
2) Acção Revelacional
b) Dimensão Divinizante
c) Dinamismo Salvador do Espírito Santo


I-Do Sopro Divino ao Amor de Deus em Nós

a) Do Sopro Vital de Deus ao Paráclito

O Antigo Testamento ainda não conhece o rosto comunitário de Deus. Para o Povo Bíblico, Deus é um sujeito único e absoluto chamado Yahvé. O monoteísmo hebraico assenta numa unicidade pessoal e não numa unidade comunitária, como o monoteísmo cristão. Por isso, no começo, os discípulos de Jesus compreendiam Deus à maneira judaica (cf 1 Cor 8, 6; 1 Tim 2, 5).

Segundo o Antigo Testamento, Deus actua na história através da Sua Palavra e do Espírito, o sopro de vida (Gn 1, 1s; Sab 18, 14-19; Jz 3, 10; 6, 34; 1 Sam 10, 6; 2 Sam 22, 24; Is 11, 2; 61, 1-3). O Espírito de Deus consagra os profetas para a sua missão (Num 11, 25-26; 2 Rs 2, 5; Is 11, 2). Também consagra e inspira os reis (1 Sam 10, 9-10; 16, 13). Quando chegarem os tempos messiânicos, o Senhor vai ungir o Messias com o Espírito, a fim de Este realizar a sua missão segundo os critérios de Deus (Is 11, 2; 42, 1; 61, 1).

O Povo de Deus é diferente dos outros povos, pois é consagrado pelo Espírito de Deus. Isto tem a ver com o dom da Sabedoria que vem do Alto: a vida teologal. Esta Sabedoria é, realmente, o que diferencia um cristão de um pagão. Deus vai realizar uma Nova Aliança pela acção do Espírito Santo (Jer 31, 31-33; Ez 36, 26s; 39, 29). Vai transformar, pelo Espírito Santo, o coração a vida das pessoas (Is 34, 16; 63, 10-11).

Ao criar o Homem, Deus insuflou-lhe pelas narinas o sopro de vida “Ruah”(Gn 2, 7). O Espírito vai modelar interiormente o Homem. Deus criou todas as coisas através da Palavra e do Espírito (Jdt 16, 17). Deus vai fazer repousar o Espírito sobre o povo eleito, a fim de este comunicar a sabedoria a todos os povos (Is 42, 1). O Espírito e a Palavra interagem no sentido de realizarem em conjunto o plano de Deus. Nos tempos messiânicos, o Espírito provocará a abundância da palavra (Jl 3, 1-5).

O Novo Testamento reconhece que Jesus é o ungido (Meshiah) para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos cativos e o ano da Graça, isto é, da reconciliação das pessoas entre si e o perdão de Deus (Lc 4, 18-21).

Além disso, o Novo Testamento proclama que, em Jesus, se realizaram as profecias messiânicas. Com Jesus Cristo iniciou-se a nova era anunciada pelos profetas, isto é, o tempo da abundância do Espírito Santo. Inicia-se o baptismo no Espírito (Mt 3, 11; Mc 1, 8; Lc 3, 20). Como Messias, Jesus é conduzido pelo Espírito (Mt 3, 13-17; Mc 1, 9-11;Lc 3, 21-22; Jo 1, 32-34).

Jesus anuncia o dom do Espírito para todos (Lc 24, 29; Jo 4, 14; 7, 37-39; 14, 15;16, 15). A comunicação da vida nova no Espírito acontece com a Ressurreição de Cristo (Act 1, 6-11). Agora somos convidados a nascer de novo através do Espírito, a fim de pertencermos à Família Universal de Deus (Jo 3, 6).

São Paulo diz que somos filhos e herdeiros de Deus Pai e co-herdeiros com Cristo (Rm 8, 14-16). O Espírito Santo é o protagonista da santificação do Homem (Rm 15, 13; 15, 16; Act 11, 24). Somos reconciliados em Cristo mediante o dom do Espírito (1 Tim 3, 16). O Espírito Santo é a semente de Deus a gerar vida divina em nós (1 Jo 3, 9). Graças ao dom do Espírito estamos por direito na casa de Deus. Não somos hóspedes ou estrangeiros de passagem ( Ef 2, 19).

É o Espírito Santo que, no nosso íntimo, nos confirma de que somos filhos de Deus. Leva-nos a dizer “Abba”, papá (Rm 8, 15). A nossa união orgânica com Cristo é dinamizada e robustecida pelo Espírito Santo (1 Cor 6, 17; 12, 13; Jo 6, 63).

Mesmo que o homem exterior se vá degradando com a idade, o interior renova-se e robustece-se todos os dias pela acção do Espírito Santo (2 Cor 4, 16-17). É o Espírito que diz no nosso íntimo a Palavra de Deus, ajudando-nos a ultrapassar a letra da Lei Mosaica. De facto a letra mata, mas o espírito vivifica (2 Cor 3, 6). O Espírito é, no nosso interior, uma presença geradora de liberdade (2 Cor 3, 17).

Os verdadeiros circuncidados são os que prestam culto a Deus segundo o Espírito Santo e não segundo ritos ou sacrifícios (Flp 3, 3). Com efeito, é em Espírito que Deus deseja ser adorado (Jo 4, 21-24). A Ressurreição de Cristo significou a sua unção com o Espírito Santo e a entronização como rei universal (Act 2, 32-33; Rm 1, 3-5). A vida pública de Jesus foi uma manifestação da força do Espírito que o animava (Act 10, 37-38).

O Espírito Santo anima a unidade orgânica através da qual o Filho vive pelo Pai e os discípulos vivem por Cristo (Jo 17, 21-23). Após a Páscoa, o Espírito Santo vai guiar os discípulos para a verdade plena. Por outras palavras, com a Experiência Pascal fica inaugurada a plenitude da Revelação.

A mensagem de Jesus atinge o seu pleno significado, pois o Espírito prepara os corações dos discípulos para entender o pleno sentido da Boa Nova que Jesus anunciava (Jo 14, 26). O Espírito Santo é enviado pelo Pai para testemunhar de Jesus Cristo (Jo 15, 26). O Filho também O envia, pois o Espírito é do Pai e do Filho (Jo 16, 7).

Após a Páscoa, os discípulos já não precisam que Jesus os ensine. O Espírito Santo encarrega-se desta missão, conduzindo-os à verdade total (Jo 16, 23). Quando Jesus partir, os discípulos não ficam órfãos, pois o Espírito Santo vai completar a missão de Jesus, defendo e iluminando os discípulos (Jo 14, 16). Testemunhará em favor dos discípulos, defendendo-os dos seus perseguidores (Jo 14, 26¸15, 26; 16, 7).

Como enviado do Pai, Jesus pronuncia as palavras do Pai (Jo 3, 3-4). O Espírito, enviado pelo Senhor Ressuscitado, profere as palavras de Jesus que são as mesmas do Pai (Jo 16, 14-15). É pelo Espírito que o Pai e o Filho nos comunicam o dom do Seu amor. É pelo Espírito Santo que Cristo vence e expulsa os demónios (Mt 12, 28).


b)      Aliança e Espírito Santo

Ao longo do Antigo Testamento, o Espírito Santo foi preparando o Povo Bíblico para o acontecimento messiânico. Ao longo da história bíblica Deus revela-se como o Senhor da Aliança. Os pilares desta Aliança são a Promessa de uma Terra e uma descendência (Gn 12, 7; 13; 15; 15, 7).

A descendência de Abraão será causa de bênçãos para toda a humanidade (Gn 12,3). O povo deve ser fiel. Não poderá prestar culto a outras divindades (Ex 20, 3-10). Por seu lado, Deus compromete-se a acompanhar e conduzir o povo para um destino feliz (Ex 3, 7-10).

O Deus da Aliança compromete-se a estar sempre junto do povo. Pede a Moisés para construir uma tenda que será o ponto de encontro de Deus com o Povo. O medianeiro deste encontro entre Deus e o Povo é Moisés. A tenda receberá o nome de tenda do encontro. Aí, o senhor fala com Moisés como um amigo fala com seu amigo (Ex 33, 7-10).

O Povo deverá renovar periodicamente a Aliança, a fim de não se afastar do Senhor (Jos 8, 30-35). Mais tarde, a Aliança do Senhor vai incidir sobre a casa de David. A posteridade de Abraão vai sintetizar-se num filho de David. Ele será a garantia da perenidade da Aliança feita com Abraão. O filho de David será filho de Deus (2 Sam 7, 12-16; Sal 2, 6-7; Sal 89, 4s).

Pouco a pouco, o Espírito Santo vai comunicando a Palavra de Deus através dos profetas. Deste modo, vai preparando o povo para horizontes de maior profundidade. O conceito de Aliança vai ganhando progressivamente uma nova densidade espiritual. As infidelidades do povo multiplicam-se. Por isso Deus vai fazer com o povo uma Nova Aliança, baseada na dinâmica do Espírito e não nos preceitos e normas da Lei (Jer 31, 31-33). O profeta Ezequiel diz que Deus vai arrancar o coração de pedra do peito dos hebreus e meter em seu lugar um coração verdadeiramente humano e fiel à acção do Espírito (Ez 36, 26-27).

O Novo Testamento proclama Jesus como o filho prometido a David (Lc 1, 32-33; Act 2, 32-36). Jesus tem consciência de ser o Messias. Algumas das suas atitudes não deixam dúvidas sobre a sua consciência messiânica: a escolha de doze Apóstolos, a fim de simbolizar a missão messiânica de congregar o Israel de Deus ou restaurar a casa de David.

Outro gesto claramente messiânico está patente na Eucaristia. Ao escolher o pão e o vinho, Jesus coloca-se na linha de Melquisedec, rei e Sacerdote que foi o portador das bênçãos divinas para Abraão (Gn 14, 18). Melquisedec ofereceu pão e vinho ao Senhor. Com efeito, Jesus, não se colocou na linha dos sacerdotes levítas. Não teve pretensões cultuais de tipo ritualista. Nunca pretendeu oferecer holocaustos ou subir ao altar do incenso. Na última Ceia limita-se a pegar no pão e no vinho fazendo destes elementos naturais a expressão da sua entrega total a Deus e ao Homem.

Ao pegar no cálice declara que se trata da Nova Aliança no seu sangue (Lc 22, 20; 1 Cor 11,25; Mt 26, 28; Mc 14, 24). Inaugura o novo culto no Espírito e na verdade (Jo 4, 21-23). A fidelidade a Deus é o novo culto inaugurado por Jesus Cristo (Heb 10, 5-10). Graças à fidelidade de Cristo, Deus reconciliou consigo a Humanidade, não levando mais em conta os pecados dos homens (2 Cor 5, 18-19). São Paulo insiste em que a plenitude das promessas de Deus é Jesus Cristo Ressuscitado (Ga 3, 15-18).

Em Cristo realizou-se a Nova Aliança no Espírito tal como os profetas tinham anunciado. Agora já somos filhos em relação ao Pai e irmãos em relação ao Filho (Rm 8, 14-16; 2 Cor 3, 6). Deus cumpriu o prometido, lembrando-se da Sua Sagrada Aliança (Lc 1, 72).

Os Actos dos Apóstolos afirmam que a conversão dos pagãos são o cumprimento da promessa de Deus a Abraão segundo a qual, o povo bíblico seria o portados das bênçãos para todas as famílias da Terra (Act 3, 25). Tal como anunciou através de Ezequiel (36, 26-27), Deus tirou dos corações o pecado, justificando-nos os pecadores (Rm 11, 27).

Os cristãos são ministros da Nova Aliança, não da letra que mata, mas do Espírito que dá vida (2 Cor 3, 6). Ao falar da Nova Aliança, Deus tornou antiquada a primeira (Heb 8, 13). Cristo é a garantia de uma aliança melhor (Heb 7, 22). A Nova aliança culmina na divinização do Homem e na vitória da vida sobre a morte. O Espírito Santo é, em nós, a dinâmica da Salvação, pois une-nos organicamente ao Pai e ao Filho (Jo 17, 21).

De facto, o Espírito Santo é como uma Água Viva a jorrar no nosso íntimo Vida Eterna (Jo 4, 14; 7, 37-39). O Espírito é que dá a vida, não a carne (Jo 6, 63). Robustece e faz germinar o nosso eu interior o qual, por ser pessoal, tem densidade espiritual. Mesmo que o eu exterior envelheça e se degrade, o interior renova-se diariamente pela acção do Espírito santo (2 Cor 4, 16).


c)      O Espírito Santo como Dom

A salvação consiste na divinização da Humanidade. Em virtude de ter acontecido o pecado, acontece igualmente como reconciliação da Humanidade com Deus (2 Cor 5, 19, 21). Esta implica o perdão total do pecado. Só o pecado contra o Espírito Santo, isto é, a recusa sistemática e incondicional a abrir-se à verdade de Deus e do Homem não tem perdão.

Devido à nossa condição de pecadores, a reconciliação da Humanidade com Deus é condição prévia para a sua divinização. Isto aconteceu com a fidelidade total de Jesus Cristo. Deus encontrou condições para realizar de modo definitivo o enxerto do divino no humano. Em Cristo aconteceu a Nova Criação (2 Cor 5, 17).

A Humanidade edificada no velho Adão passou. Com Cristo tudo se fez novo. E tudo isto acontece porque Deus nos reconciliou consigo em Cristo. Mas isto é um dom, não uma imposição. De facto, o amor propõe-se, nunca se impõe. São Paulo insiste em que nos reconciliemos com Deus que é o mesmo que dizer: aceitai o dom do perdão de Deus (2 Cor 5, 17-21).

Uma vez reconciliada com Deus, a Humanidade pode ser divinizada, isto é, organicamente incorporada em Deus mediante Cristo.. Ele é a cepa da videira e nós os ramos (Jo 15, 1-7). O Espírito santo é a seiva que vem da cepa para os ramos. É o sangue de Cristo Ressuscitado a circular nas veias da nossa interioridade espiritual (Jo 6, 63; 7, 37-39).

O jeito de ser do Espírito Santo é agir como coração de uma comunidade. É o ponto de encontro, interacção e reciprocidade amorosa, tanto no interior da Santíssima Trindade como na nossa comunicação com Deus. O Espírito Santo é uma presença fecundante dos encontros, diálogos e comunhão entre as pessoas.

É no Espírito Santo que as pessoas do Pai e do Filho se comunicam connosco. É o Espírito Santo que, no interior dos crentes vai dizendo a Palavra de Deus, fonte da vida teologal. Pela força do Espírito Jesus libertava as pessoas das suas opressões interiores (Mt 12, 28; Lc 11, 20). Mediante o dom do Espírito Santo Cristo obtém o perdão para a Humanidade (Heb 10, 15-17). Fomos lavados pelo poder regenerador do Espírito que Deus derramou abundantemente sobre nós por meio de Cristo (Tit 3, 5-6). Só o pecado contra o Espírito Santo não tem perdão (Mt 12, 31-32; Mc 3, 29; Lc 12, 10-12).

Nos momentos de perseguição dos evangelizadores, o Espírito santo falará por eles vindo, deste modo, em sua defesa (Mt 10, 20; Mc 13, 11; Lc 12, 12). O Pai dá o Espírito Santo a todos os que lho pedem (Lc 11,13). Os judeus não podiam resistir à sabedoria do Espírito Santo que falava por Estêvão (Act 6, 10).

Após a Páscoa, Pedro estava cheio do Espírito Santo (Act 4, 8),tal como Paulo (Act 13, 9) e Barnabé (Act 11, 24). O Pai e o Filho comunicam entre Si e connosco no Espírito Santo, também os que são consagrados pelo Espírito Santo começam a falar e a comunicar pelo Espírito Santo.

Quando Pedro começou a dirigir a Palavra à Família de Cornélio, todos começaram a manifestar-se com a força do Espírito Santo (Act 10, 38-47). Isto significa que o Espírito Santo é o portador da Revelação de Deus para nós. Para isso habita em nós como num templo (1 Cor 3, 16; 6, 19). Fomos marcados com o selo do Espírito Santo para o dia da Salvação (Ef 4, 30). O Pai marcou-nos com o Seu selo e colocou nos nossos corações o dom do Espírito Santo (2 Cor 1, 22-23).

O plano salvador de Deus esteve oculto às gerações antigas. Agora, na plenitude dos tempos, Deus revelou, pelo Espírito Santo, este plano amoroso. De facto, o Espírito Santo penetra todas as coisas até o mais íntimo do mistério de Deus (1 Cor 2, 10-13). Ele é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). Por isso é o penhor da nossa herança Ef 1, 13-14).

Graças ao mistério da Encarnação, judeus e pagãos têm acesso ao Pai num mesmo Espírito (Ef 2, 18). A comunidade é edificada pelo Espírito Santo, a fim de formar uma habitação para Deus (Ef 2, 22).


d)     O Espírito Santo como Dinâmica Amorosa

Deus é Amor (1 Jo 4, 8; 4, 16). Isto significa que é comunhão de pessoas. O Espírito Santo é o coração da comunidade divina. É n’Ele que o Pai e o Filho comunicam connosco. É isto que significa dizer que o Filho encarnou pelo Espírito Santo.

O Amor é difusivo. O Espírito Santo, como coração da comunidade divina, não podia deixar de ser o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rn 5, 5). É no Espírito Santo que Deus é convergência perfeita de comunhão familiar. É por Ele que somos incorporados na Família Divina (Rm 8, 14-15). O Espírito Santo une-nos organicamente a Cristo, à maneira da cepa e dos ramos da videira (Jo 15, 1-7).

Maria foi uma mediação privilegiada do Espírito Santo na medida em que preparou o coração do Seu Filho para o serviço aos que estão em aflição (Jo 2, 1-11). Em relação à Criação, o Espírito Santo é a semente de Deus (1 Jo 3, 9) que activa o Amor Criador, tornando possível a realização dos possíveis inscritos na realidade pelo amor do Pai e do Filho.

Em Cristo, o Humano e o Divino encontram-se a face a face e em perfeita interacção orgânica. O ponto de encontro e interacção é o Espírito Santo, coração de toda a dinâmica comunitária. É também pelo Espírito Santo que nós somos divinizados ou assumidos organicamente em Deus (Jo 17, 21-23).

É pelo Espírito Santo que as qualidades humanas são consagradas, isto é, postas ao serviço do bem comum, tornando-se carismas. É o Espírito Santo que suscita laços de fraternidade no coração dos que acolhem os outros como irmãos, apesar de não serem do mesmo sangue. É o Espírito Santo que nos introduz na lógica relacional da comunhão.

É o Espírito Santo que faz germinar a paz no coração das pessoas e as predispõe para serem agentes de reconciliação e construtoras da paz entre as pessoas. É o Espírito Santo que nos torna puros de coração eliminando todas as rugas, distorções e ambiguidades que matam a vida fraterna e comunitária.

É o Espírito Santo que gera em nós um coração de pobre, capacitando-nos para a partilha e a comunhão. Na nossa mente e no nosso coração separa a luz das trevas, predispondo-nos para o bem. Transforma o nosso coração num templo onde acontece o culto em espírito e verdade (Jo 4, 21).

É o Espírito Santo que optimiza o nosso amor aos irmãos, conferindo-lhe densidade teologal. Deste modo se torna caridade, isto é, amor com o jeito de Deus. Prepara o nosso coração, a fim de vencermos o fratricídio que vem de Caim. Suscita homens e mulheres que são parábolas vivas de fraternidade e perdão.

Foi pelo Espírito Santo que a vida venceu a morte, ressuscitando Jesus Cristo. É Ele que imprime as impressões digitais de Deus Pai no coração das mães e pais humanos. É pelo Espírito Santo que Deus se torna Emanuel, isto é, Deus connosco. Capacita-nos para gastarmos a vida por amor, a fim de vencermos a morte com Cristo Ressuscitado. É no mais íntimo de nós que emerge o homem novo, o qual nasce pela acção do Espírito Santo e não da carne (Jo 3, 3-6) É por Ele que o nosso eu interior se vai renovando diariamente, apesar do envelhecimento e degradação do homem exterior (2 Cor 4, 16). Dá vida à letra das escrituras.

É o Espírito Santo que nos capacita para que a nossa vida se torne fecunda, dando vida e facilitando a libertação dos irmãos. É pelo Espírito Santo que o nosso coração se torna um tesouro do qual saem obras antigas e sempre novas (Mt 13, 52). Foi pelo Espírito Santo que Cristo se tornou a Árvore da Vida da qual nos vem o fruto da vida eterna, princípio de ressurreição no nosso íntimo (Jo 6, 50, 52).

O Espírito Santo é o princípio revelador do grande mistério que é Deus e o Seu projecto de salvação. Onde acontece o Amor, o Espírito Santo torna-se presente como ponto de encontro, interacção e coração do dinamismo comunitário.


II- Missão Histórica do Espírito Santo
a) Dimensão Pedagógica

1) Acção Personalizante

O Espírito Santo é uma pessoa. Realiza todas as características pessoais em grau de perfeição infinita. Além da sua identidade de ser único, original e irrepetível, acontece como ser livre, consciente e responsável. Encontra a sua plenitude na reciprocidade da comunhão Trinitária.

É o coração de todo o dinamismo comunitário. Por isso, a sua acção é personalizante. Actua como princípio de libertação, voz que ecoa no íntimo da nossa consciência e nos toma a sério tal como somos.

A pessoa só se encontra e possui plenamente em dinâmica relacional. Como núcleo amoroso de densidade agápico-eucarística, o Espírito Santo situa-se no coração do face a face comunitário. É o coração do face a face do Pai com o Filho e o elo de união de todas as formas de comunhão amorosa. Como o amor é sempre novo, o Espírito Santo é o coração da novidade permanente a acontecer em Deus. É também a fonte dinamizadora da novidade do amor humano. No nosso íntimo é o poder de nos tornarmos membros da Família Divina, não pela vontade da carne ou do Homem, mas por vontade de Deus (Jo 1, 12-13).

O Espírito Santo é o grande dom do Pai e do Filho pelo facto de ser no Espírito que o Pai nos acolhe como filhos e o Filho como irmãos. É o sangue de Jesus a circular nas veias do Corpo de Cristo do qual somos membros (Jo 6, 63). Este corpo é a unidade orgânica das pessoas. É espiritual, pois a carne e o sangue não podem tomar parte no Reino de Deus (1 Cor 15,50-51).

O Espírito Santo é o coração de toda a comunhão. É dom, não por se tratar de uma coisa de que alguém possa dispor arbitrariamente, mas por ser uma pessoa central na dinâmica do dom e comunhão. É princípio de comunicação e personalização. É o sopro de Deus no barro primordial, graças ao qual o Homem se tornou barro com coração, isto é, ser com vida ética.

Com efeito, ainda antes de optarmos pelo bem, o Espírito Santo interpela, ilumina e chama-nos a agir segundo o princípio do amor, condição essencial para a nossa humanização. É dom no sentido de nos capacitar para acolhermos o outro numa linha de gratuidade e comunhão. A força do nosso egoísmo impele-nos no sentido do enroscamento sobre nós próprios. O Espírito Santo, pelo contrário, interpela-nos e convida-nos no concreto das situações a sairmos de nós mesmos para irmos ao encontro do outro.

Na medida em que agimos segundo os apelos do Espírito Santo na nossa consciência avançamos na linha da humanização. A pessoa não é capaz de se humanizar sem os outros, pois a humanização acontece em dinâmica de amor. Do mesmo modo não pode humanizar-se sem o sopro de Deus que é a intervenção especial de Deus na criação do Homem.

Somos seres em construção. Nascemos inacabados. Deus criou-nos de modo a que sejamos nós os protagonistas da nossa realização. Mas nunca sem o Espírito Santo e os irmãos. A lei da humanização é emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão da Família de Deus.

Não precisamos do Espírito Santo para nos enroscarmos sobre nós mesmos. A força centrípeta do egoísmo é suficiente para realizar esta tarefa. Mas precisamos do Espírito Santo para nos realizarmos como pessoas, seres semelhantes a Deus, comunhão de três pessoas. As pessoas que se conduzem pelas sugestões do egoísmo entram na dinâmica da morte eterna: a ausência total de comunhão. Reduzida a si, a pessoa está em estado de morte.

A plenitude da pessoa apenas se encontra na dinâmica da comunhão. O estado de inferno é a pessoa fechada sobre si e incapacitada para o encontro. No estado de  inferno, as pessoas não têm ninguém para lhes dizer: gosto de ti. O Espírito Santo é dom por ser gerador de Vida Eterna em nós (Jo 4, 14; 7, 37-39). A Vida Eterna coincide precisamente na festa do encontro na Comunhão Universal do Reino de Deus.

Ainda antes de existir o Universo existia Deus, comunhão amorosa de três pessoas. Por ser Amor, Deus é dinamismo inesgotável e suscitador de novidade permanente. Dizer que Deus é Amor significa que pode tudo o que é possível ao Amor e em grau infinito de perfeição e capacidade. Ao mesmo tempo, significa que não pode nada contra o amor.

Uma das notas fundamentais do Amor é o poder criador e gerador de novidade permanente. Deus nunca se repete. Hoje, Deus não é igual ao que era ontem. Mas é sempre amor. Este hoje e ontem não significa que Deus esteja sujeito ao espaço e ao tempo. Isso suporia que Deus está em génese. Nesse caso seria um ser imperfeito e inacabado.

A emergência permanente de novidade, em Deus, não significa acréscimo de plenitude ou felicidade. Pelo contrário, significa uma plenitude e felicidade que nunca diminui, pois é sempre fonte de alegria e novidade. Por ser Amor, Deus é pessoas em relações. A génese cósmica emergiu do próprio diálogo comunitário de Deus e encontra a sua plenitude na Comunhão da Santíssima Trindade.

Deus imprimiu no tecido do Universo as Suas impressões digitais: as relações. Tudo está marcado com o selo das relações: átomos e moléculas, estrelas e planetas,  sistemas solares e galáxias. Mas é sobretudo na emergência histórica da Humanidade que acontece a dinâmica das relações à imagem e semelhança de Deus: relações interpessoais e de comunhão amorosa.

Por isso, no momento da criação do Homem, Deus parou, pensou e só depois agiu, insuflando o Espírito de vida no coração do barro amassado. O processo evolutivo é o barro a amassar-se. Só depois de a vida biológica atingir a complexidade específica do Homem o barro fica amassado. Deus pode intervir na marcha histórica da humanização.

A criação é um processo dinâmico e progressivo. Existe lógica, ordem e intencionalidade na Criação. O Espírito santo é esse sopro primordial a acuar no processo criador do Homem. Está connosco mas nunca em nosso lugar. O sopro ou comunicação do Espírito não nos substitui na tarefa da nossa realização.

A marcha da criação está sujeita a um plano universal harmonioso. Não existe determinismo na génese da criação. Mas também não existe acaso, pois só acontece o que é possível. O impossível não acontece. No entanto, o leque das possibilidades é quase infinito. A criação está a emergir segundo uma sequência de causas e efeitos.

O dinamismo emergente do Universo está marcado com as impressões digitais de Deus. Brota da comunhão de três pessoas em comunhão e, na sua cúpula, a vida emerge no concreto de pessoas a caminhar para a Comunhão Universal cujo coração é o próprio Deus. O Espírito Santo é o coração desta Comunhão total onde somos incorporados como filhos em relação à primeira pessoa da Trindade e como irmãos em relação à Segunda.

Ao concretizar-se em pessoas, o Universo torna-se irreversível e eterno. De facto, o Universo pre-pessoal não é eterno. Por ser Amor, Deus é eterno, pois o amor é fonte de si mesmo e tende sempre a exprimir-se de maneira única, original e irrepetível. Por isso Deus é novidade permanente.

A criação surge como obra de amor. Não é fruto do acaso. Não é resultado de uma combinação feliz, sem decisão prévia. É um grito imenso de harmonia. A sua contemplação faz-nos exultar de júbilo e gera em nós ondas de poesia.

Deus pensou no Homem expressamente. Por isso o Espírito Santo realiza a intervenção especial de Deus na criação da Humanidade até esta estar acabado. Graças a esta intervenção especial a Divindade e a Humanidade, apesar de não serem iguais, são proporcionais. Deus e o Homem são compatíveis. Pode acontecer comunhão entre Criador e Criação. De facto, a Humanidade é constituída por pessoas e a Divindade também.

Com o aparecimento do Homem, Deus já tem alguém para fazer uma Aliança. Por isso o Homem à frente da Criação. Criador e Criação já podem comungar. O amor é difusivo. O Espírito santo, como coração do dinamismo comunitário é o impulso difusivo do amor de Deus pela Humanidade. São Paulo diz que o Espírito Santo é o Amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Como ponto de encontro, interacção e reciprocidade amorosa, o Espírito Santo é, no nosso coração, impulso de diálogo, encontro e comunhão. Com a Ressurreição de Cristo, o Espírito Santo tem condições para se comunicar de modo intrínseco à Humanidade. Isto deve-se ao facto de, pela ressurreição, Cristo entrar nas coordenadas da universalidade e equidistância a tudo e todos.

2) Acção Revelacional

As Escrituras são essencialmente um conjunto de narrações. O conteúdo central destas narrações é a descrição do amor Salvador de Deus e do lugar que a Humanidade ocupa no plano divino da salvação. Os relatos das Escrituras estão elaborados segundo estilos literários e influências culturais humanas. Mas são mediação da acção reveladora do Espírito Santo. Os autores bíblicos agem como membros de um povo crente onde o Espírito de Deus realiza uma acção histórico-revelacional. Por outras palavras, os relatos bíblicos para lá da sua estrutura literária e do seu conteúdo sócio-cultural têm também um conteúdo teologal que é resultado da acção revelacional do Espírito Santo.

O trabalho dos autores humanos é mediação da acção revelacional do Espírito Santo. Por isso é importante saber discernir, pois para lá da estrutura, estilo e condicionamentos culturais dos textos, existem as  aquisições  teologais. Com efeito, a Revelação acontece como encadeamento histórico e progressivo de aquisições teologais. No entanto, estas estão revestidas por uma série enorme de condicionamentos culturais.

As Escrituras são uma mediação imprescindível para o Espírito Santo contar a história do amor salvador de Deus no coração dos crentes. São um ponto obrigatório de referência para a formulação da Fé. Mas há outras mediações essenciais para o Espírito Santo contar o projecto do amor salvador de Deus tais como a Comunidade e  os sinais dos tempos.

As aquisições teologais interligam-se e iluminam-se mutuamente. Com efeito, as Escrituras interpretam-se e completam-se na sucessão dos seus escritos. É através da palavra e da cultura humana que o Espírito Santo nos vai dizendo a Palavra de Deus. Deste modo, o Mistério de Deus, oculto nos tempos antigos, vai-se-nos revelando pela acção do Espírito Santo (Ef 3, 1-5).

É importante distinguir entre baptismo no Espírito e celebração litúrgica do baptismo. O baptismo no Espírito tem a ver com a acção revelacional através da o Espírito Santo dizendo no nosso íntimo a Palavra de Deus. Esta acção do Espírito Santo acontece pela mediação das Escrituras, da comunidade crente onde as escrituras são lidas e comentadas, a tradição da Igreja e os sinais dos tempos. Como consequência desta acção revelacional, emerge e robustece-se no coração dos crentes a vida teologal.

O baptismo no Espírito, no caso de um adulto que se prepara para o baptismo, começa antes da celebração litúrgica do baptismo. No caso da criança começa depois. O baptismo no Espírito começa no momento em que a Fé começa a desabrochar no íntimo da pessoa graças à acção revelacional do Espírito Santo.

A celebração litúrgica pode demorar uma hora ou menos. O baptismo no Espírito dura a vida inteira do crente. Podíamos dizer que o baptismo no Espírito é a dinâmica pentecostal da vida cristã. Mas existe uma relação estreita entre celebração litúrgica do baptismo e baptismo no Espírito. Com efeito, é pelo baptismo que o crente é introduzido, de modo pleno, na vida da comunidade. Só no contexto de plena incorporação comunitária o crente pode viver a plenitude da dinâmica pascal.

O catecúmeno adulto, antes do baptismo, não participa totalmente nas celebrações sacramentais, condição para viver plenamente a dinâmica pentecostal da vida cristã. A celebração baptismal leva consigo uma exigência de vida comunitária (Ga 3, 27-28). Por seu lado, a comunidade é o corpo de Cristo, isto é, mediação de encontro com o Senhor ressuscitado. O baptismo no Espírito é a nova circuncisão, isto é, consagração ao Senhor, a qual não é feita por mãos humanas mas pelo Espírito Santo (Col 2, 11).

A comunidade cristã é uma realidade orgânica e dinâmica. É um ser em realização. A alma desta comunidade é o Espírito Santo. Eis o que diz São Paulo: “O Corpo é apenas um, embora tenha muitos membros. Por seu lado os membros, embora sendo muitos, constituem um só corpo. Assim também é Cristo. Foi num só Espírito que fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo, tanto judeus como gregos, escravos ou livres. Todos nós bebemos do mesmo Espírito “ (1 Cor 12, 12-14).

A comunidade é o espaço adequado para o cristão caminhar na direcção da plenitude. É o contexto apropriado para o Espírito Santo criar laços de comunhão com Deus e os irmãos. Como coração da dinâmica comunitária, o Espírito conduz os membros da comunidade para uma interacção e organicidade cada vez mais profunda.

A riqueza fundamental de uma comunidade são as pessoas a convergir e interagir no Espírito Santo. Quando isto acontece, as qualidades das pessoas são consagradas para o bem comum, convertendo-se, assim, em carismas ou dons do Espírito para a edificação da comunidade.

Além de carismas, a comunidade precisa igualmente de ministérios. Estes são serviços ao crescimento harmonioso do corpo que é a comunidade. Os ministérios são como que as articulações que possibilitam aos membros do corpo interagir de maneira harmoniosa e solidária.

Os ministérios distinguem-se dos carismas na medida em que são instituídos pela comunidade. Mas é importante que a instituição no ministério tenha como critério as aptidões dos ministros. Isto significa que os ministérios devem ser carismáticos, isto é, devem assentar nas qualidades reais da pessoa do ministro, a fim de permitir uma boa realização do ministério. Sabemos que o Espírito Santo não substitui as pessoas. Consagra-as a partir do seu ser concreto.

A comunidade será um espaço adequado para a vivência do baptismo no Espírito na medida em que seja um espaço de diálogo, a fim de a Palavra de Deus poder ser dita pela mediação da palavra humana. Só deste modo pode acontecer programação, decisão e execução comunitária. O maior obstáculo à vida comunitária e à acção do Espírito Santo são as pessoas que se consideram detentoras da verdade, dos carismas e dos valores. Este tipo de pessoas só são capazes de se ouvirem a si.

Não é espaço de crescimento humano e muito menos cristão a comunidade que não toma as pessoas a sério e não dá a todos a possibilidade de tomarem parte  na elaboração, programação e decisão daquilo que a todos diz respeito. Uma comunidade nunca pode ter a certeza de estar a fazer a vontade de Deus se os seus projectos e compromissos não são comunitariamente dialogados, decididos, programados e executados. É importante Ter presente que o culto da Nova Aliança consiste em fazer a vontade de Deus. Cristo aboliu o culto de ritos e sacrifícios para estabelecer o segundo que consiste em fazer a vontade de Deus (Heb 10, 9-19). É este o culto em Espírito e Verdade (Jo 4, 21-23).

A vida da comunidade cristã não pode confundir-se com simples democracia. Na democracia há uma maioria que reina e uma minoria que tenta minar a sua acção, a fim de se tornar maioria e poder reinar. Isto não quer dizer que a comunidade deve ser antidemocrática. Pelo contrário, vai mais longe. Com efeito, a comunidade cristã é “koinonia”, isto é, comunhão fraterna congregada e animada pelo Espírito Santo. Na realidade, o coração do dinamismo comunitário é o Espírito Santo.

Em sentido cristão, orar é encontrar-se com Deus no Espírito Santo. Este encontro dá-se no interior da pessoa que ora. Deus nunca vem de fora para se encontrar connosco. A possibilidade de encontro e comunhão com Deus radica no facto de a Divindade ser pessoas e a Humanidade também. Para se encontrarem connosco, as pessoas divinas não precisam de se deslocar, pois Deus é a interioridade máxima de todas as coisas. Deus é mais interior a nós que nós mesmos. Do mesmo modo, a pessoa humana, para se encontrar com Deus, não precisa de se deslocar. Apenas tem de entrar na sua interioridade espiritual.

Para ser cristã, a oração deve acontecer no Espírito Santo. Não se confunde com as rezas dos pagãos (Mt 6, 7-8). A pessoa do Espírito Santo constitui o coração do mistério de Deus. De facto, Deus é comunhão de pessoas. O Espírito Santo é o ponto de encontro, interacção e reciprocidade amorosa da comunidade divina.

É no Espírito que Deus Pai nos acolhe como filhos e Deus Filho nos acolhe como irmãos. Jesus exultava de alegria, pois o Pai comunicava com Ele através do Espírito Santo (Lc 10, 20). São Paulo diz que ninguém sabe o que vai no nosso íntimo, a não ser o nosso espírito. Do mesmo modo, ninguém sabe o que vai no íntimo de Deus, a não ser o Espírito Santo. Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito Santo, a fim de conhecermos a graça de Deus (1 Cor 2, 10-12).

O Espírito Santo põe-nos em sintonia com o Pai e o Filho. Por isso, por meio de Cristo, judeus e pagãos têm acesso ao Pai no mesmo Espírito Santo (Ef 2, 18). Orar no Espírito Santo é prestar culto em Espírito e Verdade como diz São João (Jo 4, 21-23). A carta aos filipenses diz que devemos prestar culto a Deus pelo Espírito de Deus (Flp 3,3).

Segundo são Paulo, o Espírito Santo vem em ajuda da nossa fraqueza. De facto, nem sabemos orar como convém, mas o Espírito Santo intercede por nós com gemidos inenarráveis (Rm 8, 26-27). A Carta aos Efésios também insiste em que os cristãos devem orar em todo o tempo em conformidade com o Espírito Santo (Ef 6, 17-18). A carta de  Judas aconselha-nos a orar no Espírito Santo (Judas 20).

Como coração da dinâmica comunitária, o Espírito Santo é difusivo. Nunca nos retém em si ou para si. Impele-nos sempre para o Pai, o Filho ou os irmãos. É uma pessoa para os outros, tanto no íntimo da Trindade divina como na dinâmica da comunhão humana.

O Espírito Santo faz que a nossa oração seja diálogo humano-divino e não simples rezas às quais se atribui um poder mágico. A oração no Espírito santo é sempre eficaz, pois  transforma-nos segundo o coração de Deus. Esta eficácia é sublinhada constantemente nos evangelhos: O Pai conceder-nos-à tudo o que seja pedido em nome do Filho (Jo 14, 13-14). Tudo o que pedirmos com fé ser-nos-à concedido (Mt 21, 22; Mc 11, 24). À medida em que o cristão se torna adulto na fé, diminuem as rezas e aumente o diálogo familiar com Deus. De facto, o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (Rm 5, 5).

Para o Antigo Testamento, o Espírito de Deus é o princípio de fecundidade. É o sopro gerador de vida que, no princípio, fecundava as Águas primordiais (Gn 1, 2). A Palavra de Deus criou os Céus e o Espírito criou os seres vivos que os habitam (Sal 33, 5).

O Espírito de Deus vai ungir o Messias, consagrando-o para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos cativos e a intervenção salvadora de Deus (Is 61, 1-3). Graças ao facto de Ter a plenitude do Espírito, a Terra será transformada: desaparecerá a violência do meio dos homens. O menino de peito brinca com a serpente e o boi com o leão (Is 11, 1-9).

Graças à força do Espírito, Deus vai fazer uma Nova Aliança, a qual será impressa no coração das pessoas e todos serão directamente instruídos pelo Senhor (Jer 31, 31-33). O Novo Testamento descreve-nos o acontecimento de Cristo como a Nova Aliança, os tempos da plenitude. O Espírito Santo está presente logo nas origens do acontecimento messiânico (Mt 1, 18-25; Lc 1, 26-38). O baptismo de Jesus é um momento solene para o Espírito Santo se manifestar (Mt 3, 13-17).

Antes do dom do Espírito Santo, Pedro não entendia o alcance da missão messiânica de Jesus (Mt 16, 15-23). A Boa Nova do Evangelho é um vinho novo que exige odres novos. Os odres velhos, a letra da Lei Mosaica não comporta a Boa Notícia do Evangelho (Mc 2, 21-22).

Jesus foi consagrado pelo Espírito Santo para realizar a missão messiânica(Lc 4, 18-21). Por isso baptiza no Espírito Santo (Lc 3, 17). O Homem Novo é obra do Espírito santo. Por isso é preciso renascer pelo Espírito (Jo 3, 3-6).

Cristo Ressuscitado vai enviar o Espírito Santo para conduzir a Igreja  à plenitude da Revelação (Jo 16, 7-15). Após a Páscoa, a força do Espírito  anima os Apóstolos de tal modo que o fariseu e os doutores da Lei sentem-se perplexos e confusos (Act 4, 8-14). Nos momentos de perseguição os crentes não precisam de estar preocupados, pois  o Espírito Santo fala por eles (Lc 12, 11-12). Foi exactamente o que aconteceu com o diácono Estêvão (Act 6, 8-15).

Na acção evangelizadora, Espírito Santo e Palavra andam juntos. Quando Pedro começou a anunciar a Palavra à família de Cornélio, o Espírito Santo começou a exprimir-se, apesar de aquelas pessoas serem pagãs e não baptizadas (Act 10, 44-48). Nós somos de Cristo e Cristo é de Deus. A sabedoria do Espírito anima-nos e distancia-nos do mundo (1 Cor 3, 16-23).

É pelo Espírito Santo que temos acesso a Deus e nos tornamos templos do Senhor (Ef 2, 18-22). É o Espírito Santo que nos revela a realidade de Deus, a fim de sermos portadores da Boa Nova para o mundo (Ef 2, 18-22). O Espírito Santo é o unificador da comunidade, o corpo de Cristo (Ef 4, 4-12).


b) Dimensão divinizante

Como pessoa, o Espírito santo realiza a natureza divina de modo diferente do modo em que a realiza o Pai, e o filho. A natureza é princípio de acção e estruturação. No caso da Humanidade e da divindade, a natureza concretiza-se em pessoas. Não existe uma natureza como realidade prévia. Pelo contrário, a emergência permanente das três pessoas divinas é o modo de a natureza se concretizar.

As qualidades das pessoas divinas são diferentes, pois a natureza divina realiza-se em cada uma delas de modo original, único e irrepetível. Temos assim três modos diferentes de a natureza divina se concretizar, embora em total unidade e reciprocidade: paternidade, filiação e ponto de encontro, interacção e reciprocidade amorosa.

As qualidades do Pai e do Filho encontram-se em perfeita reciprocidade no Espírito Santo. De facto, é no Espírito santo que a Primeira Pessoa da Trindade acolhe a Segunda como Filho e esta acolhe a Primeira com Pai. Pela dinâmica da Encarnação, o Espírito santo instaura uma interacção relacional directa entre a pessoa divina do Filho Eterno e a do homem Jesus de Nazaré. Nesta interacção e reciprocidade as pessoas não se anulam. A interioridade humana de Jesus e a divina do Logos fazem um e o mesmo Cristo.

O mistério de unidade da pessoa do Pai e do Filho fazendo uma só no Espírito Santo é o melhor padrão para exemplificar a unidade humano-divina de Cristo. Tal como acontece no mistério da Trindade divina, a pessoa do Espírito Santo é o coração da unidade orgânica de Cristo. Na encarnação não há substituição da interioridade humana de Jesus pela Divindade do Logos. O Divino nunca anula o Humano.

Este mistério da unidade humano-divina de Cristo atinge a sua plenitude com a Ressurreição de Jesus. Nesse momento, a Humanidade é assumida e incorporada, com Cristo, na unidade familiar da Trindade Divina (Jo 17, 21-23). A assunção da Humanidade na Divindade acontece por Cristo mediante o Espírito Santo. De facto, como coração do dinamismo comunitário, o Espírito Santo é a seiva divina a alimentar a nossa unidade a Cristo. De facto somos corpo de Cristo e seus membros (1 Cor 10, 17; 12, 13; 12, 27). Somos uma nova criação (1 Cor 15, 17-19).

A assunção do humano no divino é o movimento complementar da Encarnação ou enxerto do divino no humano. A nossa interioridade pessoal vai emergindo de modo gradual e progressivo. A sua plenitude é a assunção na comunhão orgânica com toda a Humanidade na Família de Deus. Por isso o eu interior se renova diariamente, apesar do homem exterior envelhecer e se degradar progressivamente (2 Cor 4, 16).

Deus Pai predestinou-nos para sermos seus filhos em Cristo ( Ef 1, 5). A plenitude da Humanidade é, realmente, a comunhão com a Divindade. Por esta razão Cristo, no momento da sua morte, foi à morada dos mortos libertar todos os que permaneciam sob o domínio da morte. Comunicou o Espírito Santo a todos os que tinham antes, incorporando-os na Comunhão Universal da Família Divina (1 Ped 3, 18-19).

O Pai ressuscitou-nos com Cristo, fazendo-nos sentar com Ele lá nos Céus (Col 2, 12). Na verdade, com a ressurreição de Cristo teve início a ressurreição da Humanidade. O dinamismo ressuscitante do Espírito Santo continua a actuar na história humana até a Humanidade atingir o fim da sua génese histórica e ficar definitivamente assumida na comunhão com Deus.

Manifestou-se a bondade do nosso Deus ao conceder-nos a salvação pelo Espírito Santo que nos vem por Nosso Senhor Jesus Cristo (Tit 3, 4-6). Segundo o beneplácito divino, fomos escolhidos para sermos filhos de Deus em Cristo (Ef 1, 4-5). O coração de todo este plano de amor salvador é a pessoa divina do Espírito Santo, ponto de união e coração dessa unidade orgânica e humano-divina que é Cristo. Pela dinâmica de assunção, o Espírito Santo realiza a nossa incorporação na Família Divina. Deste modo, a vida humana é optimizada na comunhão da Santíssima Trindade, através de Jesus o único medianeiro entre Deus e o Homem (1 Tm 2, 5.


c) Dinamismo Salvador do Espírito Santo

Paulo diz que a Humanidade ficou distorcida devido ao pecado. Cristo restaurou o Homem, corrigindo as distorções operadas por Adão. Assim como por Adão veio o pecado e a morte, por Cristo veio a graça e a vitória sobre a morte (Rm 5, 17-19). A obra redentora de Cristo é um dom de amor. O Homem pode aceitar ou rejeitar este dom. Os que aceitam permanecer em Cristo são verdadeiramente a Nova Criação, isto é, pessoas reconciliadas com Deus. Após a  morte-ressurreição de Cristo, Deus não leva mais em conta os pecados dos Homens (2 Cor 5, 17-19).

É o Espírito Santo que realiza a restauração humana. Sabemos que estamos em Deus pelo facto de Deus no ter dado o Espírito Santo (1 Jo 4, 13). Nós somos templos de Deus e o Espírito Santo habita em nós (1 Cor 3, 16-17). A bondade de Deus manifestou-se pelo facto de nos conceder a salvação pelo Espírito de santificação que no vem por Cristo (Tt 3, 46).

No nosso íntimo, o Espírito Santo dinamiza-nos e torna-nos fecundos. Consagra-nos e capacita-nos para sermos fermento, sal e luz no mundo. Com efeito, é o Espírito que diz a Palavra de Deus no nosso íntimo, fazendo emergir em nós a sabedoria do alto, isto é, a vida de Fé, Esperança e Caridade. Todo o pecado foi perdoado em Cristo morto e ressuscitado (2 Cor 5, 18). Só o pecado contra o Espírito Santo não tem perdão (Mt 12, 32).

É o Espírito Santo que nos conduz para a verdade: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo e há-de recordar-vos o que eu vos disse” (Jo 14, 26). O Espírito Santo habita nos que estão unidos a Cristo.   Com efeito, a comunicação do Espírito não é feita individualmente, mas de modo orgânico: “O Espírito de Verdade que o mundo não pode receber por não o conhecer. Vós é que o conheceis, pois permanece junto de vós e está em vós” (Jo 14, 17). Nós somos os ramos da videira cuja cepa é Cristo (Jo 15, 1-7).

Só podemos dar fruto se permanecermos unidos à cepa, pois a seiva, o Espírito Santo, vem-nos da cepa. Glorificamos o Pai na medida em que damos fruto (Jo 15, 8). O Espírito Santo é a Água Viva que se torna manancial a jorrar vida eterna no seio daqueles que a bebem (Jo 4, 14; 7, 37-39).

O Espírito Santo dá testemunho em favor de Cristo (Jo 15, 26). Além disso capacita os discípulos para testemunharem do Senhor ressuscitado (1 Cor 12, 3). É o Espírito Santo que edifica a comunidade cristã, o templo onde Deus habita (Ef 2, 22). Como fonte de verdade o Espírito liberta-nos dos fundamentalismos dogmáticos que impedem a liberdade. Com efeito, a letra mata, mas o Espírito dá vida (2 Cor 3, 6).

A presença do Espírito Santo é relacional, não estática. A seiva da videira ou circula pelos ramos ou não serve para nada. O sangue deixa de circular quando a morte acontece. Como dinamismo que alimenta a união orgânica humano-divina, o Espírito Santo está permanentemente agindo em nós. Não no sentido de se nos impor ou nos substituir. Deus nunca se impõe. Os que acolhem o dom do Espírito são interpelados, chamados e iluminados no sentido de edificar o Homem Novo mediante o amor.

São Paulo diz que apesar de o homem exterior envelhecer e se degradar, o interior renova-se sem cessar pela acção do Espírito Santo (2 Cor 4, 16). O profeta Jeremias, referindo-se aos tempos messiânicos, disse que Deus ia escrever uma nova aliança no coração dos que acolhem o dom messiânico do Espírito Santo (Jer 31, 31-33). O profeta Ezequiel anunciou que Deus tiraria do peito dos judeus um coração de pedra e colocaria em seu lugar um coração de carne no qual o Senhor insuflaria o Espírito Santo: “Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo. Arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Dentro de vós porei o meu Espírito, a fim de obedecerdes à minhas leis e preceitos” (Ez 36, 26-27).

O profeta Joel diz que, nos tempos messiânicos, Deus iria derramar o seu Espírito sobre os homens, a fim de surgir uma no Humanidade (Jl 3, 1-2). O Senhor vai derramar sobre o povo uma água pura e o povo será purificado de todos os pecados (Ez 36, 25). São João vai dizer que a água com a qual Deus purifica o Homem dos seus pecados é o Espírito Santo. É esta a Água Viva que faz jorrar no nosso peito a vida eterna (Jo 7, 37-39; 4, 14).

É o Espírito Santo que, no nosso íntimo, nos dá a certeza de sermos filhos de Deus, fazendo-nos clamar “Abba”, Papá (Rm 8, 14-16;). O Espírito Santo ajuda-nos a edificar o Homem Novo que levamos no nosso interior em construção. De facto, temos de nascer de Novo pelo Espírito, pois o que nasceu da carne é carne (Jo 3, 6). No interior do nosso eu exterior ou individual levamos um eu interior, pessoal-espiritual, a germinar como o pintainho dentro do ovo. O eu interior só emerge na medida em agimos de acordo com o Espírito Santo.

À medida em que vai nascendo, o Homem Novo vai-se unindo organicamente a Jesus Cristo. O Espírito Santo confere vida e força à nossa palavra quando anunciamos a Boa Notícia da Encarnação e da ressurreição de Cristo: “Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade que procede do Pai e que vou enviar-vos da parte do Pai, ele dará testemunho em meu favor. E vós também haveis de dar testemunho, pois estais comigo desde o princípio” (Jo 15, 26-27).

À medida em que as pessoas escutam os apelos do Espírito Santo no seu íntimo, começam a falar e a agir com os critérios de Deus. Começam a surgir homens e mulheres empenhados em fazer da nossa Terra uma morada de paz e fraternidade. Quando o Espírito Santo acontece no coração dos crentes rasgam-se as trevas e surge a luz da revelação. O nosso coração de pedra vai-se transformando num coração cheio de humanidade, fecundo em atitudes de amor fraterno.

O Espírito Santo converte o nosso coração num tesoiro do qual brota sempre a novidade do amor que confirma os gestos antigos de comunhão. Interpela-nos no sentido de não nos fecharmos na concha do nosso egoísmo. O Espírito Santo é a dinâmica fundamental da nossa vida espiritual: consagra as nossas qualidades, tornando-as carismas, isto é, dons para os nossos irmãos: “A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito de todos. A uns, o Espírito dá uma palavra de sabedoria. Outros recebem uma palavra de ciência segundo o mesmo Espírito. O Espírito concede ainda a Fé a uns e a outros o dom das curas. Concede o dom dos milagres a uns e o da profecia a outros. A uns concede o dom das línguas e a outros o dom de as interpretar. Tudo isto o realiza o mesmo  e único Espírito” (1 Cor 12, 8-11).

É no Espírito Santo que abraçamos Deus como Pai na primeira pessoa da Trindade e como Irmão na segunda. É o Espírito que nos ajuda a sair da letra que escraviza para entrarmos na dinâmica do amor que liberta e humaniza. Ensina-nos a liturgia correcta e adequada para nos encontrarmos face a face com Deus no nosso coração. São estes os adoradores que Deus quer, pois deseja ser adorado em Espírito e Verdade (Jo 4, 21-23).

O Espírito é Santo não apenas por ser bondade e perfeição como o Pai e o Filho, mas igualmente por ser santificador, isto é, ponto de encontro e interacção amorosa entre as pessoas humanas.


Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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